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Processo nº 685/2016(*) Data: 06.06.2019
(Autos de recurso civil e laboral)
Assuntos : Marca.
Nulidade.
Extinção de registo.
Poder discricionário.

SUMÁRIO
  Com o preceituado no n.° 6 do art. 211° do R.J.P.I. atribui-se à Direcção dos Serviços de Economia um “poder discricionário” para declarar a suspensão do processo de registo de uma marca, (à mesma cabendo optar pela decisão que, perante os contornos do caso concreto, lhe pareça ser a mais oportuna, adequada e consentânea com o interesse público), não sendo assim de considerar a não suspensão do processo uma “nulidade”.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 685/2016(*)
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A S.A.”, sociedade comercial com sede em Tokyo, Japão, intentou contra “A (ITM) INC.”, com endereço em são Francisco, E.U.A., acção de declaração de nulidade e consequente extinção do registo da marca com o número N/XXXXX para “A”, na classe 35, pela DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE ECONOMIA, (D.S.E.) concedido à R.; (cfr., fls. 2 a 7 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, por sentença, julgou-se a acção improcedente, absolvendo-se a R. do pedido; (cfr., fls. 130 a 133-v).

Tem a sentença proferida o teor seguinte:

“I) RELATÓRIO
   A S.A., sociedade comercial com sede social em XXXXXX, Tokyo, Japão, vem intentar a presente
   Acção Ordinária contra
   A (ITM) Inc., com endereço em XXXXXX, São Francisco, CA94005, Estados Unidos da América.
   com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 2 a 7.
   Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada e, consequentemente, a decisão da DSE seja declarada nula por ter omitido procedimentos imprescindíveis para a concessão do direito, i.e., a suspensão do processo de registo da marca N/XXXXX nos termos do art.º 211º n.º6 do RJPI, até decisão transitada em julgado nos processo de registo das marcas N/XXXXX e N/XXXXX.
***
   Citado pessoalmente a Ré, esta não presentou contestação.
*
   Ao abrigo do disposto no artº405º, nº 1, do CPC, consideram-se reconhecidos os factos alegados pela Autora na sua petição inicial.
***
   O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e nacionalidade e o processo é próprio.
   As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas.
   Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FACTOS
   Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
- A Autora propor a presente acção por ter dado entrada na DSE aos pedidos de registo de marca N/XXXXX para “”, na classe 18 (para “Bolsas; bolsas de couro para viagem; carteiras; sacos de desporto; sacos leves; sacos de viagem; mochilas; bolsas; maletas; saco de compras; mochilas escolares; sacos/bolsas de senhora (couro); bolsas de praia; sacos de viagem portátil (caixa); malas/caixas para transporte de cosméticos; carteiras para homem; porta-moedas; porta-chaves (couro); porta documentos (couro); guarda-chuva; produtos incluídos na classe 18”) e de marca N/XXXXX, “”, na classe 25 (“Vestuário; casacos; camisolas; calças; camisas; T-shirts; fatos de treino; blusões/jaquetas (vestuário); casacos desportivos; pijamas; roupa interior, moda praia; calções; meias; xaile de pele; xailes; lenços para a cabeça; luvas; gravatas; cachecol; abafador (vestuário); chapéus; fatos de treino; ligas; suspensórios, cintos (uso de roupas); fitas e acessórios para o cabelo (vestuário); turbantes [lenços]; calçado (material de calçado); sandálias; camisolas; blusões de futebol; casaco com capuz grosso; casacos; arnês; coletes à prova de vento, impermeável ou anorak de (alpinismo); meias; acessórios (roupa); chuteiras de futebol; roupas específicas para desporto; sapatos específicos para desporto; estão incluídos na classe 25”), em 19 de Fevereiro de 2013, contra os quais a Ré deduziu a respectiva Reclamação. (Artigo 4º)
- A concessão do registo da marca número N/XXXXX em 25 de Março de 2014 pela Direcção dos Serviços de Economia. (Artigo 5º)
- A Autora requereu, entretanto, a declaração de caducidade, por não uso, da referida marca número N/XXXXX. (Artigo 7º)
- A Ré deu entrada nos serviços da DSE em 16 de Setembro de 2013 do pedido de registo da marca número N/XXXXX para “”, na classe 35, para “Fornecimento de serviços de retalho on-line e de serviços de encomenda on-line de uma vasta gama de mercadorias em geral; serviços de retalho na área do vestuário, calçado, artigos de chapelaria, acessórios para vestuário, sacos de design para vestuário, malas de viagem, artigos em couro, óculos de sol, joalharia, relógios, óculos de sol, brinquedos e jogos, acessórios para o cabelo, cosméticos, produtos de toilette, fragrâncias, produtos para os cuidados pessoais, artigos de papelaria, artigos para presentes, produtos de uso doméstico para a sala de jantar, para a cama e para o banho, artigos de uso doméstico e vidros, artigos em papel; mobiliário para o lar, produtos alimentares e bebidas, roupa de cama, artigos relacionados com bebidas, artigos de vidro e outras mercadorias; serviços promocionais na área da moda, incluindo aconselhamento na selecção e combinação de produtos e acessórios de moda; gestão de serviços de lojas a retalho relativos a vestuário e a uma variedade de outras mercadorias; serviços de publicidade e marketing; promoção de produtos e serviços de terceiros, através da colocação de anúncios e publicidade promocional num site electrónico acessível através de uma rede informática; serviços por catálogo e por correio directo; serviços de encomendas on-line via computador; programas de incentivo através de cartão de fidelização para promover serviços de lojas a retalho referentes a artigos de vestuário, acessórios de moda e a uma vasta gama de mercadorias em geral; publicidade; gestão de negócios; administração de negócios; funções de escritório”. (Artigo 8º)
- Os dois pedidos de registos das marcas N/XXXXX e N/XXXXX para “”- para classes diferentes mas para produtos e serviços afins, deram entrada na DSE em 19 de Janeiro de 2013. Estes pedidos de registo estão ainda em fase de recurso nesse tribunal e ainda não transitado em julgado. (Artigo 11º)
***
III) FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
   Cumpre analisar os factos tidos por assentes e aplicar o direito.
   A Autora pretende ver declarada nulo o registo da marca sob o N/XXXXX, concedido pela D.S.E. à Ré em 25/03/2014, com o fundamento de a D.S.E. ter omitido procedimentos indispensáveis para a concessão de registo, qual é a suspensão do processo de registo de marca ora em causa até a decisão transitada em julgada nos dois outros processos de registo de concessão de marca N/XXXXX e N/XXXXX, tal como ordenado o n°6 do art°211° do R.J.P.I.
   A questão colocada pela Autora é simples, que consistirá essencialmente em saber se a D.S.E. antes de tomar decisão de concessão de registo de marca N/XXXXX, tinha ou não de suspender o processo, aguardando a decisão final de outros dois processos de pedido de registo de marca N/XXXXX e N/XXXXX, ambos requeridos pela Autora.
   Dispõe-se o art 47° do R.J.P.I. o seguinte:
   “Os títulos de propriedade industrial são total ou parcialmente nulos quando se verifique: a) Que o objecto não é susceptível de protecção; b) A violação de regras de ordem pública ou dos bons costumes; c) O incumprimento de procedimentos ou formalidades imprescindíveis para a concessão do direito de propriedade industrial.”
   No n°6 do art°211° estipula-se que “Oficiosamente, pela DSE, ou a requerimento do interessado, o estudo do processo pode ser suspenso pela DSE pelo período em que se verifique causa prejudicial susceptível de afectar a decisão sobre o mesmo.”
   Flui desse preceito que a condição de cuja verificação depende a eventual suspensão do processo é a verificação da causa prejudicial susceptível de afectar a decisão sobre o caso, mas não nos julgamos é o caso.
   Por causa prejudicial é entendida quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta. (art° 2 do C.P.C.) Portanto, é prejudicial se é discutida na primeira causa uma questão essencial para o conhecimento da segunda causa, como por exemplo, acção de anulação de casamento é prejudicial em relação à acção de divórcio, acção de anulação de contrato e acção de cumprimento das obrigações dele emergente. (Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, pg. 269)
   “Para efeitos do disposto no art. 279º, nº1 do CPC, uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta, quando a decisão desta pode afectar e prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito.
   Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia. (Cfr. Acórdão do T.R.P., de 07/01/2010)
   No caso sub judice, conforme os factos tidos por assentes, resulta-se que os dois processos de registo pedidos pela Autora, as marcas registandos consistem nos sinais distintivas mistos-nominativos e figurativos “” para produtos de classe 18 e 25 enquanto a marca da Ré é composta por sinais distintivos nominativos “A” para produtos de classe 35.
   Aparentemente, os elementos componentes dos três registos de marcas são semelhantes, pese assim, os três pedidos de registos de marca são pedidos autónomos. O critério para concessão ou recusa dos pedidos afere-se em função da capacidade distintiva dos sinais distintivos de cada marca (princípio da novidade) e também do princípio de especificidade. Em princípio, a decisão de concessão ou recusa de um registo não está dependente necessariamente da decisão de outro pedido de registo de marca. Portanto, não se vê a decisão das causas formuladas anteriores constitui questão essencial da causa posterior, ou seja, não existe um nexo de prejudicialidade ou dependência entre uns e outro.
   Argumenta a Autora genericamente que constitui questão prejudicial do processo N/XXXXX o conhecimento da questão da notoriedade da marca da Autora nos processos N/XXXXX e N/XXXXX, porém, não constem dos autos factos sobre a essa matéria alegada, o que não se permite apurar se eventualmente existir a questão da notoriedade da marca da Autora nem da sua relação com o processo de registo de marca da Ré.
   Mesmo que se entendesse existir questão prejudicial, a pretensão da Autora também improcede.
   Decorre da norma acima transcrita que a verificação da causa prejudicial, a DSE “pode” suspender oficiosamente ou a requerimento do interessado o estado do processo.
   Portanto, o que se prescreve a lei é um poder discricionário a exercer pela DSE e não um dever legal. A lei concede à DSE a liberdade, perante as circunstâncias concretas, determinar suspender ou não o estado de processo de apreciação do pedido de registo de marca. Não há, tal como sustenta a Autora, um dever legal por parte da DSE de suspender o processo de apreciação, verificada a pendência da causa prejudicial, por isso, a suspensão do processo não constitui procedimento imprescindível para a DSE tomar decisão sobre o caso de estudo, tanto na concessão como na recusa.
   De facto, os pedidos de registo de marca foram requeridos em datas diferentes, mas a lei não impõe que a entidade competente para a sua apreciação tem de analisar os pedidos por uma ordem cronológica, embora se entendamos que convém fazer assim. Entretanto, o conhecimento dos pedidos de registo não por ordem cronológica não constitui preterição de qualquer normativo legal.
   No uso do poder discricionário, a DSE entende desnecessária a suspensão do processo, não há lugar a violação do preceito em causa nem o pretérito do procedimento imprescindível.
   Dest’arte, por não verificação do pressuposto que determina a nulidade do registo, julga-se improcedente o pedido da Autora.
***
IV) DECISÃO(裁決)
   Nos termos e fundamento acima expostos, julga-se a presente acção improcedente por não provado e consequentemente, determinando a absolvição da Ré A (ITM) Inc. do pedido formulado pela Autora A, S.A..
*
   Custas pela Autora.
*
   Registe e Notifique.
(…)”.

*

Inconformada com o assim decidido, a A. recorreu.

Nas suas alegações, produziu as conclusões seguintes:

“a) A Autora, ora Recorrente, propôs a acção de nulidade de concessão do registo da marca N/XXXXX com base na preterição de procedimentos imprescindíveis, para a concessão do direito, com base no Art. 47 º e Art. 211 º n º 6 do RJPI, e em contradição com a prática corrente da DSE.
b) O Tribunal a quo fez uma interpretação inadequada do preceito legal contido no Art. 211 º n º 6 do RJPI e omitiu as normas legais que regulam a suspensão da instância e a questão da prejudicialidade em Macau – fazendo somente referência vaga ao Art. 279 º do CPC português.
c) A análise da relação de prejudicialidade entre a acção de fundo do presente recurso, e os processos de registo das marcas números N/XXXXX e N/XXXXX e o pedido de declaração de caducidade relativamente à marca N/XXXXX foi erradamente analisada pelo Tribunal a quo.
d) Atente-se a douta jurisprudência constante do Acórdão da Relação do Porto, Processo nº 0721372 de 05/20/2008:
“Dispõe o nº1 do art. 276º que a instância suspende-se entre outras situações elencadas no normativo “quando o tribunal ordenar a suspensão” referindo ainda o nº1 do art. 279º que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Por sua vez, estatui o nº2 do mesmo normativo que:
“Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”.
Caberá então perguntar quando deve entender-se que a decisão duma causa depende do julgamento de outra já proposta?
Ou seja, a determinação da prejudicialidade de uma causa relativamente a outra, e desde logo, a questão de saber se a causa prejudicial há-de ser necessariamente anterior à causa dependente, ou deve ser tomada em consideração mesmo no caso de ser proposta depois de estar em juízo a causa dependente.
A questão já versada na jurisprudência acolheu a orientação unânime [Vide Acs Rel. Coimbra de 14/7/8 in BMJ 311-442, 27/3/84 in BMJ 335-351, 18/12/84 in CJ 1984 tomo V-101, 2/10/85 in BMJ 350-399, 17/11/87 in BMJ 371-560, Ac. Rel. Porto 18/12/84 in BMJ 342-447] de que o que importa e é necessário é que a causa prejudicial esteja proposta no momento em que se ordena a suspensão, nada interferindo a circunstância de ainda não estar proposta no momento em que se instaurou a causa dependente.
Na verdade a expressão “já proposta” respeita manifesta e claramente ao momento em que o juiz profere o despacho de suspensão, dado que se encontra em correlação com a outra prévia “o tribunal pode ordenar a suspensão”.
Além disso o nº 2 evidencia de modo insofismável que igualmente se quis admitir a suspensão, com o fundamento de pendência de causa prejudicial proposta depois da causa a suspender, quando se refere que a suspensão não deve ser ordenada quando existirem fundadas razões para crer que a causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão, ou e ainda, quando se refere in fine do mesmo normativo “se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”.
e) Do que decorre que, por um lado, o processo de registo da marca N/XXXXX deveria ser suspenso por estarem pendentes os processos de registo das marcas N/XXXXX e N/XXXXX.
f) Por outro, foi no âmbito dos processos de registo referidos supra que a Recorrente deu entrada do pedido de declaração de caducidade da marca N/XXXXX pertencente à Ré, ora Parte Contrária (em 22 de Setembro de 2014).
g) Declarando-se a caducidade do registo da marca N/XXXXX, os pedidos de registo das marcas N/XXXXX e N/XXXXX seriam concedidos e o N/XXXXX recusado, devendo a DSE, no mínimo, solicitar o consentimento da Recorrente para o registo da marca por um terceiro para uma classe de produtos afins.
h) Face ao exposto, entende a Recorrente que o que interessa é perceber a essencialidade, prejudicialidade, imprescindibilidade da suspensão do processo pela DSE nas circunstâncias descritas.
i) É sabido que a suspensão do processo de registo pela DSE se trata de um poder discricionário, conforme o citado Art. 211 ° n ° 6 do RJPI. Contudo, in casu, a DSE deveria ter suspendido o processo para depois decidir.
j) A discricionariedade da administração não pode ser invocada como refúgio de decisões mal tomadas – é um poder discricionário, pois, como é evidente, a instâncias dos interessados, será sempre a administração a última a decidir a aceitação, ou não, da suspensão.
k) Porém, neste caso está-se perante uma suspensão que decorre da lógica processual.
l) Nesse sentido, a DSE ao não suspender, como devia, o processo de registo da marca N/XXXXX, preteriu uma formalidade essencial e imprescindível – a de aguardar decisão nos processos anteriores N/XXXXX e N/XXXXX e, entretanto, da decisão em relação ao registo de marca N/XXXXX.
m) De outra maneira, qual o mecanismo legal adequado para controlar a actuação da administração? Afigura-se muito limitativo e contraproducente defender que a DSE não tem obrigação de suspender o processo nas circunstâncias descritas e, assim, decidir em atropelo dos direitos e expectativas de terceiros.
n) Não basta argumentar que o Art. 211 ° n ° 6 do RJPI prevê uma suspensão facultativa do processo de registo, no exercício do poder discricionário da DSE.
o) Era imprescindível que a DSE tivesse suspendido o processo de registo da marca N/XXXXX para que tivesse proferido uma decisão concordante e conciliável com as demais decisões que respeitam a sinais semelhantes para classes de produtos e serviços semelhante em nome de cada uma das partes – em concreto os pedidos de registo números N/XXXXX e N/XXXXX e registo de marca número N/XXXXX.
p) Do exposto importa reter fundamentalmente que, de facto, o Art. 211 º n º 6 do RJPI não obriga à suspensão oficiosa do estudo do processo de registo.
q) Não obstante, o fim do artigo referido supra é permitir que o estudo do processo de registo seja suspenso quando se verifique causa prejudicial susceptível de afectar a decisão sobre o mesmo – podemos chamar-lhe um dever (obrigação) implícito da administração quando se verifique causa prejudicial que o justifique.
r) Pois o que interessa é averiguar da existência de causa prejudicial ou justo motivo relevante para a boa decisão, de acordo com a definição dada pelo Art. 27 º e 223 º do CPC, que deve ser aplicado in casu com as necessárias adaptações.
s) Pense-se na situação de um interessado requerer suspensão do estudo do processo. À luz do disposto no Art. 211 º n º 6 do RJPI, a DSE teria de conhecer da pertinência dessa causa prejudicial e, no exercício do seu poder discricionário, admiti-la ou não.
t) ln casu, a DSE concedeu o registo da marca número N/XXXXX à Ré na pendência dos processos de registo das marcas N/XXXXX e N/XXXXX para decisão, o que, salvo melhor opinião devem ser considerados fulcrais e prejudiciais à decisão de concessão ou recusa daquela marca – nomeadamente pela questão da notoriedade da marca da Autora aí suscitada, totalmente ignorada pela DSE.
u) As marcas N/XXXXX e N/XXXXX para “” nas classes 18 e 25, configuram pedidos de registo para sinais potencialmente confundíveis com o que é objecto do presente recurso (ainda que para classes diferentes mas para produtos e serviços afins).
v) Esses pedidos de registo deram entrada na DSE em 19 de Janeiro de 2013 e, por conseguinte, em data anterior ao registo da marca N/XXXXX cuja nulidade agora se requer.
w) Face à prática corrente da DSE para casos semelhantes, era expectável que o pedido de registo da marca em causa não fosse concedido, mas quando muito suspenso, porque antes da entrada do pedido de registo da marca N/78959, a Recorrente tinha apresentado pedidos de registo semelhantes que uma vez decididos, seriam susceptíveis de influir na decisão daquele.
x) Uma questão prejudicial consiste num laço de dependência lógica entre duas ou mais causas, de modo que o julgamento daquela dita prejudicial influirá, de maneira lógica, no teor do julgamento daquela que a subordina.
y) Trazendo os ensinamentos aplicáveis à Propriedade Industrial, não temos dúvidas em reiterar que existe clara relação de subordinação lógica (portanto, de prejudicialidade) entre os casos relativos aos pedidos de registo das marcas N/XXXXX e N/XXXXX e o da marca N/XXXXX: acto contínuo à decisão da DSE que recusou as marcas N/XXXXX e N/XXXXX à Recorrente, foi instaurada a declaração de caducidade N/XXXXX, cuja decisão é, também esta, prejudicial à que se discute nos presentes autos.
z) Para ter agido de forma diligente era imprescindível que a DSE tivesse aguardado o desfecho dos processos de registo números N/XXXXX e N/XXXXX e do pedido de declaração de caducidade relativamente à marca N/XXXXX (aguarda decisão no Tribunal de Segunda Instância).
aa) A fim de evitar decisões antagónicas, seria recomendável suspender o trâmite processual da acção tida como prejudicada até uma posição final, transitada em julgado, acerca da validade do título discutido na acção de declaração de caducidade e nos recursos judiciais relativos às marcas números N/XXXXX e N/XXXXX.
bb) Importa, ainda, averiguar se mesmo não obstante uma eventual ausência de prejudicialidade, não existirá ou poderá existir, o perigo de, em sucessão, se formularem decisões incompatíveis (vide supra jurisprudência relevante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06/14/2005, decidiu quanto à suspensão-da instância e causa prejudicial)
cc) Sem conceder, deve admitir-se que, in casu, nos termos do Art. 223 ° n ° 1 do CPC existe motivo justificado para a suspensão do processo pela DSE, pois está-se perante a simples possibilidade de se vir a verificar uma incompatibilidade de fundo entre julgados, determinando ou correspondendo “a outro motivo justificado” de tal disposição legal o que é igualmente o caso dos autos a ver da Recorrente.
dd) A Recorrente é de opinião que o Tribunal a quo deveria ter sido mais cuidadoso na forma como analisou os factos aduzidos pela Recorrente e na fundamentação legal que apresentou, claramente insuficiente.
ee) Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que o Tribunal a quo interpretou erradamente o Art. 211 º n º 6 do RJPI, pois como se explanou ex abundanti na altura que a DSE foi chamada a decidir quanto o pedido de registo da marca número N/XXXXX existia causa prejudicial ou, nos termos do Art. 223 º n º 2 do CPC, justo motivo para a suspensão do processo – devendo a decisão recorrida ser revista e substituída por outra que anule o registo da marca N/XXXXX”; (cfr., fls. 194 a 213).

*

Em sede da sua resposta, assim concluiu a R., (recorrida).

“A. A Recorrente, para lá de estar a tentar estabelecer uma prejudicialidade em cadeia, esquece que não existe qualquer obrigação da DSE de suspender o processo administrativo, mesmo que se tratasse de formalidade imprescindível (que não é, como veremos).
B. Estabelece o artigo 47.° al. c) que: “Os títulos de propriedade industrial são total ou parcialmente nulos quando se verifique: c) O incumprimento de procedimentos ou formalidades imprescindíveis para a concessão do direito de propriedade industrial.”
C. O artigo 211.° do RJPI n.° 6 estabelece que: “6. Oficiosamente, pela DSE, ou a requerimento do interessado, o estudo do processo pode ser suspenso pela DSE pelo período em que se verifique causa prejudicial susceptível de afectar a decisão sobre o mesmo.”
D. O legislador não quis cominar com nulidade as situações do artigo 211.° n.° 6 – ou seja, as situações em que não fosse suspenso algum processo por alegada causa prejudicial, precisamente porque deixa essa decisão à discricionariedade da DSE.
E. Porque não tem lógica que o legislador, querendo cominar com nulidade a situação do artigo 211.° n.° 6, fosse estabelecer que o estudo do processo “pode” ser suspenso.
F. Ainda menos razões há para qualificar a suspensão do processo como formalidade imprescindível, quando as marcas da Recorrente e da Recorrida pertencem a diferentes classes (as da Recorrente às classes 18 e 25, e a da Recorrida à classe 35).
G. Foi claramente esse o sentido do acórdão do Tribunal de Segunda Instância no processo n.° 216/2009, de 17 de Março de 2011, em que se lê: “3. Quando resultar que num e noutro recursos dos respectivos despachos do (não) registo das marcas que se destinam para serviços distintos, não existe qualquer relação de prejudicialidade uma vez que, tanto não se produzem efeitos reciprocamente o caso julgado, como em cada processo o Tribunal apreciará as provas que tinham sido produzidas autonomamente (auto-suficiência), e os fundamentos da decisão de um processo não destroem os de outro.” (negrito e sublinhados nossos).
H. O argumento da Recorrente é de que a DSE não devia ter concedido a marca N/XXXXX porque havia uma questão prévia, a pendência de duas marcas – N/XXXXX e N/XXXXX. Que por sua vez, estavam pendentes porque havia uma outra questão prévia, o cancelamento (por não uso) da marca N/XXXXX… Estamos assim a falar da associação de três problemas. Três matérias diferentes, sem limite para o estabelecimento de prejudicialidades em cadeia…
I. O Tribunal considerou, e bem, que face à Lei, a marca da Recorrida N/XXXXX era válida à data da decisão e as da Recorrente (N/XXXXX e N/XXXXX) não.
J. Acresce que, nos termos do artigo 214.° n.° 2 alínea b) do RJPI, os direitos prévios só têm relevância se já registados, e não quando se encontram pendentes. Acresce ainda que as marcas N/XXXXX e N/XXXXX foram recusadas pela DSE, não havendo contraditoriedade entre a concessão do registo da marca N/XXXXX e os pedidos recusados à Recorrente”; (cfr., fls. 223 a 230).

*

Remetidos os autos a esta Instância, passa-se a decidir do recurso.

Fundamentação

2. Vem a A. recorrer da sentença prolatada pela Mma Juiz do T.J.B. que julgou improcedente a acção que contra a R. propôs, pedindo a extinção da marca com o número N/XXXXX que a esta tinha sido concedida.

Merecendo o recurso conhecimento, e ponderando na decisão recorrida e nas questões colocadas no presente recurso, cremos, porém, que censura não merece o decidido.

Vejamos, (muito não se afigurando necessário consignar para se demonstrar o porque deste nosso entendimento).

Pois bem, nos termos do art. 47° do R.J.P.I. aprovado pelo D.L. n.° 97/99/M de 13.12:

“Os títulos de propriedade industrial são total ou parcialmente nulos quando se verifique:
a) Que o objecto não é susceptível de protecção;
b) A violação de regras de ordem pública ou dos bons costumes;
c) O incumprimento de procedimentos ou formalidades imprescindíveis para a concessão do direito de propriedade industrial”; (sub. nosso).

Por sua vez, preceitua o art. 211° do mesmo diploma legal que:

“1. O prazo para apresentar reclamações é de 2 meses a contar da datada publicação do pedido no Boletim Oficial.
2. Às reclamações e demais peças processuais pode o requerente responder na contestação, dentro do prazo de 1 mês a contar da respectiva notificação.
3. A requerimento do interessado, apresentado dentro dos prazos estabelecidos nos números anteriores, pode ser autorizada a apresentação de exposições suplementares sempre que tal se mostre necessário para melhor esclarecimento do processo e quando a complexidade da matéria o justifique.
4. As exposições suplementares referidas no número anterior, quando autorizadas, devem ser apresentadas no prazo referido pela DSE ou, não sendo este fixado, no prazo máximo de 1 mês a contar do termo dos prazos referidos nos n.os 1 e 2.
5. A requerimento do interessado e com o acordo da parte contrária, o estudo do processo pode ser suspenso por período não superior a 6 meses.
6. Oficiosamente, pela DSE, ou a requerimento do interessado, o estudo do processo pode ser suspenso pela DSE pelo período em que se verifique causa prejudicial susceptível de afectar a decisão sobre o mesmo.
7. Do despacho de não recebimento de reclamação ou contestação não cabe recurso autónomo, podendo o reclamante recorrer do despacho que conceda o direito à marca, nos termos do título IV do presente diploma”; (sub. nosso).

Alega a A., ora recorrente, que no âmbito do processo de registo da marca número N/XXXXX – que foi concedido à R. e cuja extinção a A. pretende – devia a D.S.E. suspender o processo por, (no momento), pendentes estarem outros dois processos de pedido de registo (N/XXXXX e N/XXXXX) por si antes requeridos.

E que, assim, por não ter sido o que sucedeu, incorreu (a D.S.E.) na “nulidade” prevista no transcrito art. 47°, al. c), reclamando a sua declaração.

Compreende-se – e, obviamente, respeita-se – o raciocínio que, (em síntese), se deixou exposto.

Todavia, e como se deixou adiantando, não se mostra de subscrever.

Com efeito, e, como cremos ser entendimento (em relação ao qual A. e R. também o tem como) adequado, o estatuído no n.° 6 referido art. 211° quanto à “suspensão do processo por causa prejudicial” prevê, apenas, uma “faculdade/possibilidade” quanto à decisão de suspensão do processo por parte da D.S.E..

Daí, a – razão da – expressão “pode” aí inserida, e que implica que se considere como a atribuição à D.S.E. de um “poder (administrativo) discricionário” que, como é sabido, corresponde ao poder por lei conferido ao administrador público para, nos seus limites, e perante os contornos do caso concreto, optar pela decisão que lhe pareça mais oportuna, adequada e consentânea com o interesse público; (cfr., v.g., o Ac. do Vdo T.U.I. de 19.11.2014, Proc. n.° 28/2014).

Ora, nesta conformidade, dúvidas não havendo tratar-se de um poder (meramente) “discricionário” – aliás, como o entendeu a Mma Juiz a quo – e, nisto, como se disse, estão também a recorrente e recorrida de acordo – visto cremos estar que a sua observância não deve/pode ser equiparada ao “incumprimento de procedimentos ou formalidades imprescindíveis para a concessão do direito de propriedade industrial” a que se refere o art. 47, al. c) do R.J.P.I. para se poder dar por verificada a pretendida nulidade.

Por sua vez, e como no citado Acórdão do Vdo T.U.I. se ponderou também, importa ter presente que “Nos casos em que a Administração actua no âmbito do poder discricionário, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais”, e que
“só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável”; (no mesmo sentido, cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 15.12.2016, Proc. n.° 69/2016 e de 31.07.2018, Proc. n.° 46/2018).

Ora, no caso, nada disto sucedeu, ou está provado, sendo matéria cujo ónus da prova à ora recorrente cabia.

E, dest’arte, motivos não há para se censurar a decisão recorrida que por isso se confirma.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

Oportunamente, devolvam-se os presentes autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 06 de Junho de 2019
José Maria Dias Azedo
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
(*) Processo redistribuído ao ora relator em 11.04.2019.
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Proc. 685/2016 Pág. 22

Proc. 685/2016 Pág. 23