Proc. nº 397/2019
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 23 de Maio de 2019
Descritores:
- Nomeação de advogado
- Arts. 85º e 86º do CPC
- Objecto do recurso jurisdicional
SUMÁRIO:
I – Se a parte, notificada para o efeito, requerer a nomeação de advogado â AAM para o representar, deve o tribunal ficar a aguardar a nomeação definitiva.
II – Se o advogado nomeado pedir a escusa e for concedida, o tribunal deve aguardar a nomeação de novo advogado pela AAM ou, caso o processo tenha natureza urgente, nomear, ele mesmo, um advogado ao interessado, ao abrigo dos arts. 85º e 86º do CPC, caso este esclareça ter dificuldade em encontrar alguém que voluntariamente o patrocine.
Proc. nº 397/2019
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório:
A, casado, titular do BIR Nº XXX, com domicílio profissional na XXX, Macau, ---
Requereu no Tribunal Administrativo (Proc. nº 160/19-SE) a suspensão de eficácia da deliberação da ----
Direcção da Associação dos Advogados de Macau, XXX, Macau, ---
Que lhe suspendeu a inscrição como advogado na Associação dos Advogados de Macau.
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Por despacho de fls. 32, datado de 11/02/2019, o Juiz titular do processo rejeitou o pedido de suspensão, por o requerente não ter constituído advogado.
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No dia 12/02/2019, o requerente informou o tribunal estar a aguardar nova nomeação de advogado pela AAM (fls. 34), juntando requerimento dirigido a esta entidade informando que existe um advogado, o Dr. B, que se disponibilizava para o representar caso fosse nomeado (fls. 35).
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Na mesma data, o mesmo requerente pediu ao tribunal para lhe nomear o Dr. B, que alegadamente se teria disponibilizado para o patrocinar caso fosse nomeado (fls. 37).
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O juiz do TA indeferiu este pedido por despacho de fls. 38, datado de 12/02/2019.
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Do despacho de fls. 321, interpôs o requerente o presente recurso judicial, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões2:
“32. O Tribunal a quo rejeitou o pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo considerando, nuclearmente, que o Recorrente... não constituiu advogado nem alegou as eventuais causas que o impedem de o fazer.
33. Essa rejeição por parte do Tribunal teve como fundamento, nomeada e essencialmente, que “... o Recorrente não constituiu «advogado para o patrocinar» ... e ... “nem alegou as eventuais causas que o impedem de o fazer”.
34. Estando o ora Recorrente impedido de assinar como advogado, tratou de diligenciar no sentido apresentar o mais rapidamente possível advogado para o efeito em causa.
35. O Recorrente deparou-se com uma situação em que todos os advogados de Macau que conseguiu contactar recusaram, apresentando razões para não aceitar o patrocínio.
36. Em 24 de Janeiro de 2019, o ora Recorrente requereu à Associação de Advogados de Macau a nomeação de advogado, nos termos do art.85º do CPC, solicitando a celeridade adequada a fim de se poder cumprir o douto despacho do Tribunal acima referido.
37. No mesmo dia 24 de Janeiro de 2019, o ora Recorrente informou o Tribunal que tinha requerido à Associação de Advogados de Macau (AAM) a nomeação de patrono em razão de «não encontrar quem o patrocine.»
38. Em consequência, o Tribunal estava informado, desde 24 de Janeiro de 2019, que o ora Recorrente só conseguiria apresentar o advogado quando a Associação de Advogados de Macau o nomeasse - ou quando o Juiz procedesse ao fim de dez dias - se assim o entendesse - de acordo com o previsto no art 86º do CPC.
39. No dia 25 de Janeiro de 2019, a Direcção da Associação de Advogados de Macau solicitou ao ora Recorrente que identificasse os advogados que tinha contactado.
40. O Recorrente informou imediatamente a Direcção da Associação de Advogados de Macau que iria prestar a informação depois de solicitada autorização das pessoas contactadas.
41. A 28 de Janeiro de 2019, o ora Recorrente apresentou à Direcção da Associação de Advogados de Macau a lista dos advogados contactados, informando que um desses advogados referiu que só aceitaria patrocinar caso fosse devidamente indicado.
42. No dia 28 de Janeiro de 2019, a Direcção da Associação de Advogados de Macau nomeou a Senhora Drª C.
43. Notificado o ora Recorrente, este contactou de imediato a Senhora Advogada nomeada a qual lhe apresentou razões pelas quais iria pedir escusa, pelo que de imediato dirigiu requerimento à Direcção da Associação de Advogados de Macau no qual deixou expresso, nomeadamente, o seguinte:
a) Que a advogada nomeada iria pedir escusa;
b) Que o processo administrativo em causa tinha natureza urgente;
c) Recordava que advogado, com experiência no direito administrativo, aceitaria nomeação caso fosse devidamente indicado.
44. No dia 13 de Fevereiro de 2019, o ora Recorrente foi notificado pela Direcção da Associação de Advogados de Macau que fora nomeada a Senhora Drª D em substituição da advogada que pedira escusa.
45. Assim foi prosseguindo a tramitação processual de nomeação de advogado no seguimento da informação prestada a esse Tribunal em 24 de Janeiro.
46. O ora Recorrente nada mais podia fazer do que, como fez, insistir no sentido de que a AAM nomeasse o mais rapidamente possível o advogado em causa.
39. Em 12 de Fevereiro, pelas 10h e 56m, o Recorrente foi notificado, na Secretaria do tribunal, do douto Despacho-Sentença aqui em crise com a fundamentação seguinte:
e) O Recorrente não constituiu «advogado para o patrocinar.»
f) A decisão administrativa é eficaz e com efeitos imediatos;
g) o Recorrente «foi convidado a suprir tal falta, dentro do prazo de 3 dias, o prazo esse que foi posteriormente prorrogado.»
h) «Findo o prazo, o requerente não constituiu advogado, nem alegou as eventuais causas que o impedem de o fazer, terá assim de suportar as consequências que lhe adviriam.»
40. O ora Recorrente não teve conhecimento da prorrogação referida.
41. Em 19 de Fevereiro, o Recorrente informou o Tribunal que tinha requerido o Apoio Judiciário na modalidade nomeação de patrono e isenção de custas judiciais.
42. Nos termos do artigo 20º da lei 13/2012 da RAEM (Regime Geral do Apoio Judiciário), o prazo processual em causa está interrompido nos termos do artº.20º da Lei 13/2012 (Regime Geral do Apoio Judiciário), desde o dia 19 de Fevereiro e continua interrompido até terminar o respetivo processo de apoio judiciário.
43. Por outro lado, o Recorrente não sabia, nem podia saber, quando terminaria o respetivo processo de nomeação de patrono pois este foi correndo os trâmites que AAM entendeu que estavam dentro da sua competência.
44. Salvo o devido respeito, o ora Recorrente considera que o douto Tribunal errou na interpretação dos artigos 85º e 86º do CPC, na medida em que considerou que a responsabilidade era do ora Recorrente.
45. O Recorrente, considerando que nada tinha feito de errado, mas tão somente seguido o previsto nos artigos legais referidos e relativos à nomeação oficiosa de advogado - competência da AAM (art. 85º) e do Tribunal (art.86) - entende que o douto Tribunal errou ao decidir que o ora Recorrente “terá assim de suportar as consequências que lhe adviriam”.
46. Salvo o devido respeito, o ora Recorrente considera que o douto Tribunal errou na medida em que não teve em consideração que o ora Recorrente não tem legitimidade para interferir na respetiva tramitação da nomeação do advogado oficioso - além de ter chamado a atenção da AAM para a urgência.
47. Salvo o devido respeito, o Tribunal errou desconsiderando o facto de o Recorrente não poder constituir advogado - porquanto não encontrou advogado em Macau com agenda para tal- e que o ónus de nomeação de advogado não pode recair sobre quem está impotente perante o desenrolar do processo administrativo de nomeação do advogado em curso.
48. Salvo o devido respeito, o Tribunal errou desconsiderando o facto de o Recorrente ter informado o Tribunal no dia 24 de Janeiro de 2019, que tinha requerido à Associação de Advogados de Macau (AAM) a nomeação de patrono em razão de «não encontrar quem o patrocine» e que, em consequência, só poderia apresentar o advogado quando a Associação de Advogados de Macau o nomeasse - não sabendo nem podendo saber quando, em virtude de não poder interferir nessa nomeação.
Nestes termos e nos melhores de Direito se requer a Vossas Excelências que se dignem dar provimento ao Recurso e revogar a douta sentença, fazendo, assim, a mais alta, sublime e habitual JUSTIÇA!”.
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A AAM respondeu ao recurso formulando as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto do “douto despacho-sentença” proferido em 12 de Fevereiro de 2018”, decisão que não existe nos presentes autos. Não se encontrando devidamente identificada a decisão ora em causa, deveria, desde logo, ser rejeitado o presente recurso;
2. Ainda que se entenda que o erro na identificação do despacho em causa advém de mero lapso de escrita, pretendendo o recorrente referir-se ao despacho proferido em 12 de Fevereiro de 2019, este despacho apenas rejeitou o incidente de pedido de nomeação oficiosa de advogado, apresentado pelo recorrente, nada tendo que ver com o pedido principal, pelo que sempre deve ser mantida a douta decisão que rejeita o pedido de suspensão de eficácia;
3. A acção de suspensão de eficácia ora em causa, não foi apresentada por advogado com inscrição em vigor na AAM, pelo que, tendo em conta o disposto no art.º 4.º, n.º 1 do CPAC, a presente acção deveria ter sido liminarmente rejeitada, pois parece-nos que a falta de representação por advogado com inscrição em vigor na AAM, devidamente mandatado para o efeito, não se encontra entre as irregularidades formais cuja sanação se encontra prevista na lei, por convite ao aperfeiçoamento, neste tipo de acção; .
4. Ainda que assim também se não entenda, o recorrente não alega argumentos que possam por em causa a decisão ora recorrida;
5. A norma do art.º 85.º, n.º 1 do CPC, aplica-se aos casos em que a parte requerente não tenha encontrado em Macau quem o aceitasse patrocinar;
6. Existindo actualmente cerca de 400 (quatrocentos) advogados com inscrição em vigor na AAM e que exercem efectivamente advocacia em Macau, o recorrente contactou apenas 8 (oito) para tal efeito;
7. Apesar das nomeações de defensor efectuadas pela recorrida, e respectivos pedidos de escusa, o recorrente não deu a devida conta ao tribunal a quo do andamento das mesmas;
8. Só após a decisão que rejeitou o pedido de suspensão de eficácia apresentado pelo recorrente, é que este decidiu requerer o apoio judiciário em todas as modalidades, entre as quais a de nomeação de defensor e pagamento dos honorários do mesmo;
9. Aquando da junção do comprovativo do pedido de apoio judiciário o prazo que se encontrava a decorrer era o de interposição de recurso jurisdicional da decisão que rejeitou o pedido de suspensão da eficácia apresentado pelo recorrente, e não já o prazo que lhe foi dado para constituição de mandatário;
10. Assim, a junção de tal documento aos autos não tem o condão de sanar a “irregularidade formal” que o tribunal a quo considerou que o recorrente incorreu;
11. O recorrente só veio a constituir mandatário, de forma totalmente inesperada, com a apresentação do presente recurso, o que também vem comprovar que o mesmo não preenchia os requisitos para requerer a nomeação de advogado nos termos do art.º 85.º, n.º 1, do CPC;
12. Por outro lado, comprova também que o pedido de apoio judiciário foi apenas apresentado como forma de tentar suspender um prazo em curso;
13. Tal constituição de mandatário fez cessar a suspensão de qualquer prazo, ao contrário do que o recorrente alega.
Termos em que deve o presente recurso ser rejeitado, ou ser alvo de decisão de não provimento, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA”.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“…o que está em causa é o despacho de 11 de Fevereiro de 2019 (fls. 32), de que o recorrente foi notificado em 12 de Fevereiro de 2019 (fls. 36), conforme resulta da sua alegação, devendo a referência ao despacho de 12 de Fevereiro de 2018 tomar-se como evidente lapso de escrita.
Posto isto, cremos que o recurso merece provimento.
Não tendo conseguido contratar um advogado no prazo que lhe foi fixado, por recusa de todos os contactados, o recorrente lançou mão do disposto no artigo 85.º do Código de Processo Civil e requereu a nomeação oficiosa de um advogado à associação de classe, conforme estatuído no referido normativo. E dentro daquele mesmo prazo disso informou o tribunal, que ordenou no sentido de se aguardar.
A partir daqui, o recorrente perde o controlo da situação relativa à indicação/nomeação de advogado, passando esta a ser da responsabilidade da Associação dos Advogados de Macau, como se vê do artigo 85.º do Código de Processo Civil, podendo a nomeação ser devolvida ao próprio juiz do processo, nos casos do artigo 86.º do mesmo diploma. Assim, deslocada a questão para o campo da nomeação oficiosa, só perante um eventual alheamento do recorrente face à colaboração devida no âmbito da nomeação oficiosa, é que poderia vir ele a ser responsabilizado pela falta de advogado.
Pois bem, verifica-se que a Associação dos Advogados de Macau nomeou a advogada Dr.ª C para patrocinar o recorrente, a qual tempestivamente informou o tribunal de que havia pedido escusa dessa nomeação e que aguardava a decisão a proferir pela Associação. Perante isto, crê-se que devia o tribunal aguardar que fosse conhecido o desfecho do pedido de escusa, ou solicitar informação sobre esse desfecho, ou ainda, caso tivesse por verificada qualquer das hipóteses do artigo 86.º do Código de Processo Civil, proceder à nomeação de advogado para assistir o requerente na providência cautelar. E não imputar ao recorrente, como o fez, a responsabilização pelo atraso na constituição de advogado.
A decisão padece, assim, de erro de interpretação da norma do artigo 51.º, n.º 4, do Código de Processo Administrativo Contencioso, em conjugação com as normas processuais civis relativas à nomeação oficiosa de advogado, pelo que, na procedência dos fundamentos do recurso jurisdicional, deve ser revogada, mandando-se prosseguir a providência se outros motivos a isso não obstarem.”
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
1 - Por despacho judicial de 21/01/2019 (fls. 15 dos autos), convidado a suprir a falta de constituição de mandatário forense nos presentes autos de suspensão de eficácia, foi o requerente aos autos informar o TA ter pedido à Associação dos Advogados a nomeação de advogado nos termos do art. 85º do CPC, por não encontrar quem voluntariamente o patrocinasse (fls. 18).
2 - A advogada que entretanto fora nomeada, Drª C, (fls. 22), veio ao processo comunicar a escusa no dia 1/02/2019 (fls. 20-30).
3 - Depois de aguardar por 5 dias, por despacho datado de 11/02/2019, o Juiz titular do processo rejeitou o pedido de suspensão, por não ter sido constituído advogado (fls. 32).
4 - Este despacho apresenta o seguinte teor:
“O requerente pede a suspensão da eficácia do acto que decidiu suspender a sua inscrição na Associação de Advogados de macua como advogado, sem no entanto constituir advogado para o patrocinar.
Não lhe é permitido exercer advocacia em causa própria, tendo em conta a existência de decisão da entidade requerida que é plenamente eficaz e com efeitos imediatos.
Foi portanto o requerente convidado para suprir a tal falta, dentro do prazo de 3 dias, prazo esse posteriormente prorrogado.
Findo o prazo, o requerente não constituiu advogado, nem alegou as eventuais causas que o impedem de o fazer, terá assim de suportar as consequências que lhe adviriam.
Nestes termos, é rejeitado o pedido do requerente (cfr. arts. 4º, nº1, 51º, nº 4, ex vi o art. 125º, nº2, do CPAC).
Custas pelo requerente, com 3 UC de taxa de justiça.”
5 - No dia 12/02/2019, o requerente informou o tribunal estar a aguardar nova nomeação de advogado pela AAM (fls. 34), juntando requerimento dirigido a esta entidade informando que existe um advogado, o Dr. B, que se disponibilizava para o representar caso fosse nomeado (fls. 35).
6 - Na mesma data o mesmo requerente pediu ao tribunal para lhe nomear o Dr. B, que alegadamente se teria disponibilizado para o patrocinar caso fosse nomeado (fls. 37).
7 - Este pedido tem o seguinte teor:
“A, Requerente melhor identificado nos autos, notificado pelas 10:56 min. do 12 de Fevereiro do ano de 2019 de rejeição do pedido (com fundamento nos art.4º, nº l e 51º, nº 4 ex vi 125º, nº2 do CPAC), vem requerer a V. Excelência que lhe nomeie advogado a fim de poder ser patrocinado na causa em razão de pretender recorrer contra a douta decisão proferida e não encontrar advogado em Macau com agenda para o representar. Informa, contudo, que o único profissional do foro que se disponibilizou para o representar foi o Senhor Dr. B mas sob a condição de ser devidamente nomeado.
Macau, aos dias 12 de Fevereiro do ano de 2019”
8 - O juiz do TA indeferiu este pedido por despacho de fls. 38, datado de 12/02/2019 (fls. 38).
9 - Este despacho apresenta o seguinte teor:
“Fls. 34, 35 e 37 dos autos: visto.
O requerente pede a nomeação oficiosa de advogado, alegando que não consegue encontrar advogado em Macau com agenda para o representar. Mas por outro lado, afirma que o único profissional do foro que se disponibilizou para o representar foi Dr. B na condição de ser nomeado.
Pelo que diz o requerente, não se deixa de evidenciar a contradição dos termos, isto é, se dizer que Dr. B se mostrou disponível, então parece improvável afirmar que "não consegue encontrar advogado...", uma vez que existe "alguém" que voluntariamente aceite o seu patrocínio.
Com isto quer dizer que o pressuposto para a nomeação oficiosa de advogado fixado nos art.°s 85º e 86º do CPC não se chegou a verificar no caso dos autos. Deve o requerente constituir o advogado, juntando a procuração nos autos, que julgamos ser instrumento próprio para garantir o seu acesso efectivo aos tribunais.
Nestes termos, é indeferido o seu pedido.
Custas pelo incidente, com 1 UC de taxa de justiça.
D.N.”
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III – O Direito
1 - Pelo requerente da suspensão de eficácia, douto advogado Dr. A, vem interposto o presente recurso jurisdicional contra o despacho de 11/02/2019, em que o juiz do TA “rejeitou” o pedido de suspensão de eficácia. O fundamento utilizado foi o de que o requerente não constituiu advogado, nem alegou eventuais causas impeditivas de o fazer.
Não concordamos com esta solução.
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2 - Antes de mais nada, importa não esquecer que o recurso contencioso de decisão disciplinar que impõe a suspensão de advogado tem efeito suspensivo (cfr. art. 10º, nº4, do DL nº 31/91/M, alterado pelo DL nº 42/95/M, de 21/08 e 44º, nº3 do Estatuto Disciplinar do Advogado).
Em segundo lugar, o que o requerente pretende é, precisamente, obter a suspensão de eficácia desse acto que lhe suspende a inscrição na AAM e o consequente exercício da profissão. Logo, sendo este o objecto da providência, cremos que não deve o juiz poder obrigar o requerente a constituir advogado, como se o acto disciplinar de suspensão já fosse plenamente eficaz e operativo, sob pena de se contrariar o próprio comando do art. 126º do CPA (trata-se de matéria, no entanto, que não fez parte do objecto do recurso).
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3 - Quanto ao mais, importa dizer que o requerente (que tinha inicialmente subscrito a petição inicial), confrontado com a necessidade de um advogado, na sequência do despacho de fls. 15, apressou-se a pedir à Associação dos Advogados de Macau a nomeação de um advogado para o representar, indo ao processo informar o tribunal dessa pretensão (fls. 18).
O que sucedeu, porém, foi que a advogada nomeada pela AAM, Drª C, pediu escusa, disso dando logo conhecimento ao tribunal em 1/02/2019 (fl. 20 e sgs.).
É certo que o tribunal ainda aguardou mais 5 dias, contados dessa data de 1/02/2019 (fls. 31). Mas, antes de partir para o despacho ora impugnado, deveria ter admitido que correria um novo prazo para a nomeação de outro advogado no seio da AAM. Tudo isso era expectável e deveria ter sido ponderado. Se o tribunal tivesse alguma dúvida quanto a isso, deveria ter dado oportunidade ao requerente, notificando-o para que explicasse em que fase se encontraria o procedimento de substituição daquela douta advogada.
Aliás, no dia 12/02/2019 o requerente foi entregar precisamente um novo requerimento dando conta de ainda estar a aguardar a nomeação de novo advogado pela AAM, na sequência de pretensão formulada nesse sentido (fls. 34-35). E foi, precisamente, nesse momento que foi notificado do dito despacho de “rejeição”.
Cremos, pois, que o tribunal se precipitou.
O tribunal penalizou o requerente sem o ouvir previamente, sem lhe conceder novo prazo, nem saber o que se estava a passar em matéria de nova nomeação em substituição da advogada “escusada”.
Ora, se o tribunal tivesse ponderado todas as eventualidades provocadoras de demora, que de resto se vieram a provar, ou determinaria que o processo ficaria a aguardar pelo prazo necessário para a nomeação por parte da AAM de novo advogado, ou, nos termos do art. 86º do CPC, dada a natureza urgente da providência, poderia ele mesmo vir a nomear um advogado, que bem poderia ser o Dr. B, que aceitava ser nomeado (mas que voluntariamente não aceitaria o patrocínio), tal como o requerente posteriormente informou (fls. 35).
Neste sentido, o despacho em apreço fez errada interpretação e aplicação do art. 51º, nº4, do CPAC, ao abrigo do qual “rejeitou” o pedido, bem como do art. 20º da Lei nº 13/2012 (Regime Geral do Apoio Judiciário), que prevê a interrupção do prazo em curso desde a data em que o requerente junte aos autos documento comprovativo do pedido de nomeação.
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4 - Justifica-se agora a seguinte interrogação: será que se deve conceder provimento ao recurso, a fim de oportunamente se nomear ao requerente da providência o advogado Dr. B, se, por outro lado, o presente recurso jurisdicional já foi patrocinado por advogado constituído? Não estaremos aí perante uma incongruência que justifique o improvimento do recurso, na medida em que possa dizer que já deixaram de verificar-se os pressupostos do art. 85º do CPC?
O assunto é pertinente. Cremos, porém, que o recurso jurisdicional não pode relevar os aspectos supervenientemente verificados, isto é, as incidências e vicissitudes posteriores ao acto judicial sindicado, porque a tanto nos impede a delimitação objectiva do recurso, tal como ela é caracterizada no art. 589º do CPC. No recurso jurisdicional tem o tribunal “ad quem” que se ater somente à decisão judicial impugnada, porque só ela constitui o objecto da sindicância. A apreciação da sua eventual invalidade tem que ser feita à luz das circunstâncias e do momento3 em que ele foi praticado.
Acresce, aliás, dizer que o facto de o requerente ter conseguido um advogado para o representar no presente recurso jurisdicional, não significa necessariamente que continue a aceitar o patrocínio para prosseguir o processo.
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5 - O processo deve, pois, prosseguir. E o M.mo Juiz, se assim o entender, e caso o requerente não possa manter o advogado que constituiu para o presente recurso jurisdicional, poderá:
- Revendo a sua posição, permitir que o requerente possa assumir em causa própria a defesa dos seus interesses no âmbito da presente providência;
- Mandar notificar o requerente para explicar em que fase do procedimento se encontrará a nova nomeação eventual de advogado para o patrocinar; ou
- Oficiar à AAM se ainda está em curso eventual substituição da advogada anteriormente nomeada; ou
- No pressuposto de que o Dr. B mantém a sua inicial disponibilidade, nomeá-lo para representar o requerente no âmbito da providência.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, em consequência do que se revoga o despacho impugnado, o qual deverá ser substituído por outro que ordene o prosseguimento da providência, nos termos acima referidos, a menos que a isso outra qualquer causa obste.
Sem custas.
T.S.I., 23 de Maio de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Mai Man Ieng
1 A fls. 59, o recorrente identificou o despacho impugnado como sendo o “despacho-sentença” proferido a “12/02/2018”, o que denota um duplo lapso, tanto na sua natureza (que não é sentença, porque não apreciou o mérito), como na sua data (que é a de 11/02/2019). Relevamos o lapso, por ser manifesto.
2 A numeração das conclusões não começou no numeral 1, em virtude de elas terem sido formuladas na sequência da numeração pela qual tinham sido apresentados os fundamentos alegatórios.
3 Também aqui faz sentido o apelo à máxima “tempus regit actum”
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