--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). -------------------------------
--- Data: 13/06/2019 ---------------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz Chan Kuong Seng ----------------------------------------------------------------------------------------
Processo n.º 128/2019
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A
DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por acórdão proferido a fls. 163 a 173 do ora subjacente Processo Comum Colectivo n.º CR4-17-0432-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A, aí já melhor identificado, como autor material de um crime consumado de emissão de cheque sem provisão (de valor consideravelmente elevado), p. e p. pelo art.o 214.o, n.os 1 e 2, alínea a), do Código Penal (doravante abreviado como CP), conjugado com o art.o 1240.o, n.os 1 e 3, do Código Comercial (doravante abreviado como CC), em um ano e nove meses de prisão efectiva, e na obrigação de pagar HKD99.373.755,97 de indemnização pecuniária à ofendida (já constituída assistente) B, S.A., com juros legais desde a data desse acórdão até integral e efectivo pagamento.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no seu essencial, e rogando o seguinte na sua motivação de fls. 227 a 254 dos presentes autos correspondentes:
– houve erro notório, por parte do Tribunal sentenciador, na apreciação da prova relativamente à matéria dos “factos provados” 3, 10 e 11, porquanto as provas dos autos (que comprovam apenas que o cheque em causa foi devolvido em 5 de Abril de 2016 por insuficiência de quantia depositada) não dão para se considerar provado o “facto provado” 3 (segundo o qual “o arguido sabia claramente que dentro da sua conta bancária nunca tinha existido fundo suficiente, e que no futuro também não iria depositar a quantia acima referida, para pagar o cheque acima referido”), por um lado, e, por outro, tendo a data do mesmo cheque (qual seja, o dia 1 de Abril de 2016) sido preenchida pelo pessoal da sociedade comercial assistente (cfr. o teor do facto provado 8), e não pelo próprio recorrente, cheque esse, por sua vez, destinado a garantir dívida futura e indeterminada, não se pode a partir daí dar por verificado o dolo do recorrente a que se reportam os “factos provados” 10 e 11;
– além disso, e juridicamente falando, não se pode julgar pela verificação do crime de emissão de cheque sem provisão, visto que a única acção tomada pelo recorrente foi a passagem do dito cheque em 30 de Dezembro de 2013, sem ter posto qualquer data no cheque, circunstância esta que faz com que o cheque (por falta da indicação da data no momento da sua passagem) não possa produzir efeito como cheque, nos termos cominados pelo art.o 1213.o, n.o 1, do CC, de maneira que sem cheque válido não há crime de emissão de cheque sem provisão; e mesmo que assim não se entendesse, sempre o mesmo cheque deveria ter sido apresentado, nos termos do art.o 1240.o, n.o 1, do CC, a pagamento no prazo de oito dias após a sua passagem, pelo que tendo o cheque dos autos sido apresentado a pagamento pela sociedade comercial assistente apenas no dia 1 de Abril de 2016, isto é, dois anos e quatro meses depois da data da sua passagem pelo recorrente, já foi ultrapassado tal prazo de oito dias, pelo que também não poderia haver crime de emissão de cheque sem provisão; além disso, sempre se poderia dizer que um cheque destinado a garantir dívida não poderia ser considerado como um meio de pagamento em sentido próprio do termo, e, como tal, não poderia merecer tutela penal através do tipo legal de emissão de cheque sem provisão, sob pena de surgir “prisão por dívida”;
– deve ele, pois, absolvido do crime por que vinha condenado;
– e fosse como fosse, não deixaria de haver excesso, na decisão recorrida, na medida da pena, dado que enfermando o recorrente (que é um delinquente primário, com grau de dolo não elevado na prática dos factos) agora do cancro em estado final, sem possibilidade de comer, com paralização nos membros inferiores, sem possibilidade de se reger, seria de decretar a suspensão da execução da sua pena de prisão, por um período não superior a três anos, com eventual cumprimento de determinadas regras de conduta.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 296 a 301 dos autos, no sentido de manutenção do julgado.
Respondeu também a sociedade comercial ofendida a fls. 303 a 317, pugnando pela improcedência do recurso.
Subido o recurso, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer a fls. 318 a 320v, opinando pelo não provimento do recurso.
Cumpre decidir, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do CPP.
2. Do exame dos autos e com pertinência à decisão, sabe-se o seguinte:
O texto do acórdão ora recorrido consta de fls. 163 a 173 dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
O Tribunal recorrido chegou a expor aí as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos (cfr. o teor desse aresto, especialmente constante das suas páginas 7 a 9, a fls. 166 a 167 dos autos), tendo mencionado aí, inclusivamente, o teor de fls. 93 a 103.
Do teor de fls. 94 a 103, sabe-se que estas folhas se referem ao contrato de empréstimo a promotor de jogos assinado inclusivamente entre a sociedade comercial B, S.A. e o próprio ora recorrente como fiador do mutuário, contrato esse executado desde o dia 1 de Janeiro de 2014 até 31 de Dezembro de 2014.
Segundo a parte final da cláusula “3.4” desse contrato, o fiador autoriza incondicionalmente a mutuante a preencher, de modo entendido por esta como adequado, o espaço em branco do cheque dado em garantia, incluindo a data.
3. Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, decidindo:
No tocante à questão, esgrimida a título principal pelo arguido recorrente ao Tribunal sentenciador recorrido, de erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), realiza-se que vistos todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, não se mostra patente que o resultado de julgamento da matéria de facto feito por esse Tribunal a quo tenha sido obtido com violação de quaisquer regras da experiência da vida humana, ou quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no campo de julgamento de factos, tendo-se, como se vê, o recorrente limitado a tentar fazer impor, mas infundadamente, o ponto de vista dele sobre a factualidade provada, ao arrepio, assim, do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP. Aliás, o facto de constar no contrato inicial de empréstimo, assinado inclusivamente pelo próprio ora recorrente como fiador, a autorização conferida por este à sociedade comercial mutuante para preencher, de modo entendido por esta como adequado, o espaço em branço do cheque por ele dado em garantia, já prejudica a tese nuclearmente defendida na motivação do recurso de que o Tribunal sentenciador não deveria dar por provados os factos tendentes a integrar o dolo na prática do crime de emissão de cheque sem provisão.
E agora sobre a questão de alegada verificação, no plano de enquadramento jurídico-penal dos factos provados, do crime de emissão de cheque sem provisão, a razão também não está no lado do recorrente, porquanto:
– o cheque dos autos, quando foi apresentado a pagamento, já teve a data do próprio cheque preenchida conforme a autorização desse preenchimento constante do contrato de empréstimo acima referido, pelo que cai por terra a tese de que o mesmo cheque não pode produzir efeito como cheque (por a respectiva data não ter sido preenchida pela própria mão do emitente);
– também naufraga evidentemente a tese da já ultrapassagem do prazo de oito dias de apresentação do cheque a pagamento, porque esse prazo previsto no n.o 1 do art.o 1240.o do CC é contado, nos termos expressamente previstos no n.o 3 desse mesmo artigo, do dia indicado no cheque como data da emissão, daí que uma vez preenchida posteriormente, à luz da autorização acima referida, a data de 1 de Abril de 2016 como sendo o dia da emissão do cheque dos autos, foi ainda tempestiva a apresentação, pelo pessoal da sociedade comercial ofendida, desse cheque a pagamento;
– por fim, tendo o cheque dos autos sido preenchido no seu espaço em branco materialmente em sintonia com a autorização previamente dada pelo ora recorrente no contrato de empréstimo a promotor de jogos acima referido, e depois apresentado o próprio cheque a pagamento ainda dentro do prazo legal de oito dias contado legalmente a partir da data regularmente (por estar ao abrigo da atrás mencionada autorização prévia desse preenchimento) preenchida como data da emissão, o mesmo cheque deve merecer a tutela penal do tipo legal do art.o 214.o do CP, sendo de frisar que a pena de prisão aplicável a esse crime não é por causa do não pagamento da dívida pelo recorrente, mas sim por causa da conduta de emissão de cheque sem provisão, pelo que não é juridicamente plausível a tese de “prisão por dívida” alegada na motivação do recurso.
Cabe decidir agora da subsidiariamente pretendida suspensão da execução da pena de prisão achada no acórdão recorrido:
Nota-se que o arguido, ao pedir a suspensão da pena na sua motivação, afirmou que houve excesso na medida da sua pena, feita pelo Tribunal recorrido, não obstante não ter concretizado quaisquer argumentos para pedir a redução da pena. Daí que é de entender que ele só pretende, a título subsidiário, a suspensão da pena, e já não também a redução da pena. E mesmo que assim não se entendesse, sempre se diria que a pena de prisão achada pelo Tribunal recorrido, dentro da correspondente moldura penal aplicável, já não admite mais margem para redução, vistas todas as circunstâncias fácticas apuradas em primeira instância, com pertinência à medida da pena aos critérios dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, e ponderadas mormente as elevadas exigências da prevenção geral do delito praticado pelo recorrente.
Por causa do montante muito avultado em causa no cheque dos autos, a mera censura dos factos e a ameaça da execução da pena de prisão não dão para satisfazer de modo suficiente e adequado as finalidades da punição, sobretudo de prevenção geral, pelo que não se pode suspender a execução da pena de prisão do recorrente (cfr. o critério material do art.o 48.o, n.o 1, do CP).
É, pois, de rejeitar o recurso, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, atento o espírito do n.º 2 desse art.º 410.º deste diploma.
4. Nos termos expostos, decide-se em rejeitar o recurso.
Pagará o arguido as custas do recurso, com cinco UC de taxa de justiça e cinco UC de sanção pecuniária individual (pela rejeição do recurso).
Macau, 13 de Junho de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator do processo)
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