Processo nº 319/2019 Data: 02.05.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “condução em estado de embriaguez”.
Pena acessória.
Inibição de condução.
Suspensão da execução.
SUMÁRIO
1. O art. 109°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, permite que perante a existência de “motivos atendíveis” possa o Tribunal decretar a suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução.
2. Uma “situação mais conveniente e/ou económica”, (desde que suportável), não constitui “motivo atendível”.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 319/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B, arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B. vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, assim como na pena acessória de inibição de condução por 1 ano, também suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses; (cfr., fls. 207 a 211-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido recorreu o Ministério Público pedindo a revogação da decretada “suspensão da execução da pena acessória”; (cfr., fls. 221 a 224-v).
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Sem resposta vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“No presente recurso, em que o Ministério Público traz a escrutínio a sentença condenatória de 31 de Janeiro de 2019, do 3.° Juízo Criminal, exarada no âmbito do processo comum singular CR3-18-0355-PCS, vem suscitada apenas a questão da suspensão da execução da pena acessória de um ano de inibição de conduzir aplicada ao arguido B.
A sentença recorrida fundamentou a suspensão da execução dessa pena acessória, dando por adquirido que o arguido é reparador de ar condicionado por sua conta própria e que precisa de usar máquinas e instrumentos grandes e pesados, que ele próprio transporta em viatura automóvel, e que não podem ser transportados em autocarros ou táxis, pelo que a inibição efectiva da condução o iria impedir de continuar a executar o seu trabalho de reparação de ar condicionado, situação que valorou como motivo atendível para os fins do artigo 109.°, n.° 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR).
Entende o Exm.° magistrado recorrente que a sentença violou o artigo 109.°, n.° 1, da LTR, argumentando, em essência, que o arguido é reparador de ar condicionado e não motorista, pelo que a condução não é o seu modo de vida, e que, além de conduzir embriagado, o arguido seguia em velocidade excessiva, o que tudo torna desaconselhável a suspensão decretada.
Vejamos.
Não vem questionada a matéria de facto na qual o juiz se ancorou para decretar a suspensão. O que o Ministério Público verbera é que essa matéria integre o motivo atendível a que alude o artigo 109.°, n.° 1, da LTR.
A suposta velocidade excessiva a que seguia o arguido é matéria que, não fazendo parte do objecto do processo, não foi objecto de prova e não pode ter-se por adquirida, pelo que pouco interessará como subsídio argumentativo a contrapor ao juízo que presidiu ao decretamento da suspensão.
Resta-nos focar a atenção na questão da atendibilidade do motivo em que se louvou o tribunal para decretar a suspensão.
O Exm.° recorrente associa a suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução a necessidades impostas por razões de condução profissional. E, na verdade, a maioria, se não mesmo a totalidade dos casos de suspensão da execução deste tipo de penas acessórias surge associada a razões de preservação do rendimento do trabalho exclusivamente dependente da condução de veículos.
Mas, face à matéria em que se louvou a decisão de suspensão agora sindicada, há que convir que procedem, no caso, idênticas razões de ordem profissional, que integram igualmente o conceito indeterminado “motivos atendíveis” utilizado na norma do artigo 109.°, n.° 1, da Lei do Trânsito Rodoviário. Se, para exercer a sua profissão de reparador de ar condicionado, o arguido precisa de transportar consigo maquinaria pesada, que não pode ser levada em transportes públicos, é altamente provável que, perante uma inibição efectiva de condução, ele não possa continuar a exercer normalmente a sua profissão. É claro que se pode argumentar que o arguido tem sempre a possibilidade de pagar a um motorista que faça o transporte até aos locais onde ele vai efectuar reparações. Mas isso representará o sacrificar de parte substancial, se não mesmo da totalidade, do seu ganho, o que, em termos práticos, equivale a que fique impedido de exercer a sua profissão por forma a poder prover o sustento das pessoas que tem a seu cargo.
Em suma, temos por relevante e atendível o motivo que presidiu à suspensão da inibição de conduzir decretada nos autos, pelo que propendemos para a improcedência do recurso”; (cfr., fls. 270 a 271).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 207-v a 208-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o Ministério Público recorrer da sentença que condenou o arguido como autor da prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, fixando-se-lhe a pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano, também suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses.
Coloca apenas uma questão, pois que o seu inconformismo com o decidido está tão só na decretada “suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução”.
Identificada que assim fica a questão a tratar, vejamos.
Nos termos do art. 90° da Lei n.° 3/2007:
“1. Quem conduzir veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gramas por litro, é punido com pena de prisão até 1 ano e inibição de condução pelo período de 1 a 3 anos, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.
2. Na mesma pena incorre quem conduzir veículo na via pública sob influência de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas cujo consumo seja considerado crime nos termos da lei.
3. A negligência é punida”.
No caso dos autos, em virtude da prática do crime de “condução em estado de embriaguez”, foi o arguido condenando nos termos atrás já relatados.
E, no que toca à referida pena acessória de “inibição de condução”, assim ponderou o Tribunal a quo:
“O arguido é reparador de ar condicionado por sua conta própria, com base em experiência comum, é verdadeiro que precise de usar máquinas e instrumentos grandes e pesados, se seja inibido de condução, o arguido tem que tomar autocarro ou táxi para transportar as máquinas e instrumentos, o que, em Macau, é efectivamente impossível, também será impossível para o arguido continuar a fazer o trabalho de reparação de ar condicionado sem máquinas e instrumentos, pelo que, o Tribunal entende que a referida situação constitui o motivo atendível previsto pelo art.º 109.º n.º 1 da Lei n.º 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), assim, fica suspensa por 1 ano e 6 meses a execução da pena acessória de inibição de condução”.
Que dizer?
Pois bem, prescreve o art. 109°, n.° 1 da mesma Lei n.° 3/2007 que “O tribunal pode suspender a execução das sanções de inibição de condução ou de cassação da carta de condução por um período de 6 meses a 2 anos, quando existirem motivos atendíveis”.
Tratando da questão em situações próximas, tem este T.S.I. entendido que “só se coloca a hipótese de suspensão da interdição da condução, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos ... até porque os inconvenientes a resultar ... da execução dessa pena acessória não podem constituir causa atendível para a almejada suspensão ... posto que toda a interdição da condução irá implicar naturalmente incómodos não desejados pelo condutor assim punido na sua vida quotidiana”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 14.07.2016, Proc. n.° 418/2016, de 14.06.2018, Proc. n.° 346/2018, de 13.09.2018, Proc. n.° 626/2018 e de 04.10.2018, Proc. n.° 640/2018).
No caso, considerando que no âmbito do exercício da sua profissão de “reparador de ar condicionado” necessita o arguido de transportar máquinas, e que não o pode fazer em transportes colectivos – autocarros ou táxis – considerou o Tribunal a quo que motivo existia para que lhe fosse decretada a suspensão da referida “pena acessória”.
Sem embargo do muito respeito pelo assim entendido, (e dúvidas não havendo que uma “situação mais conveniente e/ou económica” – desde que suportável – não constitui “motivo atendível”), outra é a nossa opinião.
Com efeito, e antes de mais, cabe notar que nem sequer provado está que, no âmbito da sua profissão, o arguido tem que “transportar máquinas”, (quiçá, aparelhos de ar condicionado), no, ou com, o seu carro, nem se diga que tal “realidade/necessidade” constitui um “facto notório” por (totalmente) impossível ser o exercício da dita profissão sem a possibilidade de se ter um carro e de o poder conduzir.
Aliás, público e notório é antes o facto de em Macau existirem (muitos) reparadores de ar-condicionado que se deslocam por outros meios, (v.g., em motociclos), efectuando a reparação/manutenção de tais aparelhos nos locais onde os mesmos se encontram instalados, sem necessidade de os transportar.
Por sua vez, e ainda que se admita que os veículos destinados aos “transportes públicos” não são os mais indicados para o caso de necessário ser o transporte de alguma “máquina” ou aparelho de ar condicionado, sabido é que se pode requisitar o serviço de “empresas de transporte” que também não deixa de ser frequente e comum em situações idênticas (e sempre que seja necessário o transporte de objectos com algum volume).
Não se nega que a utilização de tais “serviços de transporte” acarretam custos, mas como se nos apresenta óbvio, estes (apenas) fazem parte dos “incómodos” resultantes da pena acessória em questão, e, nada nos autos permite concluir que o arguido recorrido não tem possibilidade de os suportar.
Dest’arte, (atentos os índices de “sinistralidade rodoviária” causados por “condução sob o efeito do álcool” ou “em estado de embriaguez”), e não se nos afigurando que a situação em questão constitua “motivo atendível” para os efeitos do art. 109°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, vista está a solução para o presente recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso.
Custas pelo arguido com a taxa de justiça de 4 UCs.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 02 de Maio de 2019
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 319/2019 Pág. 2
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