打印全文
Processo nº 89/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 09 de Maio de 2019

ASSUNTO:
- Marca
- Capacidade distintiva
- Concorrência desleal

SUMÁRIO:
- Não obstante existir a coincidência dos caracteres chineses “##” entre a marca registanda e a firma da Recorrente, os produtos comercializados por esta última diferem-se dos assinalados pela marca registanda, daí que não se verifica a susceptibilidade de confundibilidade ou erro do consumidor, nem a situação de concorrência desleal.
O Relator,

Ho Wai Neng





Processo nº 89/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 09 de Maio de 2019
Recorrente: XX Japan Comércio Limitada
Recorridas: Companhia de ...... Limitada
Direcção dos Serviços de Economia

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 18/07/2018, julgou-se improcedente o recurso da Recorrente XX Japan Comércio Limitada.
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
1. Vem o presente recurso do douto despacho saneador sentença proferido, em 18 de Julho de 2018, que, conhecendo do mérito da causa, julgou o recurso judicial, interposto pela sociedade XX JAPAN COMÉRCIO LIMITADA, em chinês,日本##貿易有限公司 e, em inglês, XX JAPAN TRADING, improcedente e, em consequência, manteve o despacho da DSE de 27 de Dezembro de 2017, que concedeu o registo da marca que consiste em ##, que tomou o n.º N/****70, para assinalar produtos da classe 5.ª ["Drogas, emplastros, produtos de saúde médica, produtos de higiene"].
2. Imputa a ora Recorrente à decisão recorrida, um vício de violação da lei substantiva consistente em erro de interpretação. O douto Tribunal a quo, para decidir, fez a correcta aplicação da norma do art.º 214.º, n.º 2, alínea e), 9.º, n.º 1, alínea c), e 215.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), todos do RJPI, mas não uma adequada interpretação das mesmas, atendendo aos factos que foram dados por provados.
3. O douto Tribunal recorrido, designadamente, interpretou o conceito de "susceptibilidade de confundibilidade ou erro do consumidor" -, partindo do pressuposto de que as actividades da Recorrente e da Parte Contrária não são concorrentes - porque, embora desenvolvendo actividade na área do comércio, portanto, sendo distribuidoras ou grossistas de produtos, tais produtos são diferentes entre si -, dando como certo que não existe o perigo de engano quanto à proveniência dos produtos, porque o facto de ambas as partes desenvolverem actividade como grossistas têm clientela especifica, profissional e, nessa medida, é conhecedora e, em conclusão não há erro do consumidor.
4. O douto Tribunal a quo fez consignar, na Sentença, que, não havendo dúvida sobre o facto de a marca usar na sua composição, exclusivamente, sinais que correspondem a dois caracteres da firma da recorrente, firma esta registada em data anterior ao pedido de registo da marca, "está em causa o afrontamento do principio da novidade ou da exclusividade que, por via do que disposto no art.º 214 n.º 2 alínea e), do RJPI, é relevável na relação que se faça entre marcas e firmas".
5. Tendo em conta os factos, dados por assentes, quais sejam: (i) o objecto social da recorrente corresponder à "venda por grosso de leite em pó e de produtos e alimentos naturais"; (ii) a classe para a qual a marca se destina é a 5.ª, ou seja, a marca destina-se a assinalar "drogas, emplastros, produtos de saúde médica, produtos de higiene", e o objecto social da parte contrária ser a "venda por grosso de medicamentos e produtos de uso diário", o douto Tribunal a quo concluiu que não existe qualquer afinidade entre os produtos a identificar pela marca e o objecto social da recorrente, ou seja, o sector de actividade em que a titular da firma actua.
6. O douto Tribunal a quo afirma que, não existindo, na sua óptica, a coadjuvante afinidade, no processo de valoração daquela susceptibilidade de confusão ou erro do consumidor, importa referir que a composição da firma vai para além dos dois caracteres em causa, acrescentando, ainda, que a marca pertence a uma firma que actua na venda por grosso, como a recorrente, portanto com clientela específica, profissional e nessa medida é conhecedora, de onde se conclui que não há confusão ou erro do consumidor.
7. Ainda que se entenda que o fundamento de recusa, que visa impedir o engano público consumidor quanto à origem dos produtos ou serviços, só se deve dar por verificado se se estiverem em causa actividades concorrentes, porque o perigo de engano quanto à proveniência dos produtos ou serviços, sempre, pressuporá uma relação de concorrência, não é certa a afirmação no sentido de que (i) as partes (Recorrente e Parte Contrária) não são concorrentes, como, também, não o é a de que (ii) não existe afinidade entre os produtos que constam do objecto social da Recorrente e, finalmente, a de que (iii) não há susceptibilidade de confusão ou erro do consumidor porque as partes têm uma clientela específica, profissional e, portanto, conhecedora.
8. As partes no presente processo são empresas concorrentes, ao contrário do que é afirmado pelo douto Tribunal a quo; na verdade, ambas são empresas meramente comerciais, isto é, não produzem quaisquer produtos, antes comercializam produtos que são fabricados por outras entidades, dando-se a circunstância de serem grossistas, também, designadas como distribuidoras de bens ou produtos.
9. O facto de uma comercializar "leite em pó e produtos e alimentos naturais" [(os chamados "healthy and natural products") sendo que estes últimos, também, estão integrados na classe 5.ª] e a outra comercializar "medicamentos e produtos de uso diário", não as toma não concorrentes, pois ambas distribuem produtos básicos, que se complementam e que irão passar pelos mesmos circuitos de distribuição final.
10. Ainda que a "afinidade" não constitua um requisito do fundamento de recusa aqui em discussão e que seja chamada à colação nos termos em que o fez o douto Tribunal a quo, interessa dizer que, efectivamente, existe afinidade entre os produtos que são distribuídos pela Recorrente ["leite em pó e produtos e alimentos naturais" (os já referidos "healthy and natural products") que estão numa relação directa com "alimentos para bebés; suplementos alimentares para humanos; suplementos dietéticas, com a intenção de completar uma dieta normal ou de beneficiar a saúde; substitutos de refeições e alimentos e bebidas dietéticas, concebidos para uso médico", estes integrados na classe 5.ª] e os produtos para os quais se destina a marca (que corresponde à palavra de origem japonesa XX), quais sejam "Drogas, emplastros, produtos de saúde médica, produtos de higiene", também, integrados na classe 5.ª.
11. Também, existe afinidade entre os produtos comercializados pela Recorrente ("leite em pó e produtos e alimentos naturais") e "medicamentos e produtos de uso diário", comercializados pela Parte Contrária/Recorrida, certo sendo que no conceito "produtos de uso diário" cabem os alimentos, os produtos de higiene pessoal e/ou de higiene doméstica, os produtos que são usados nas respectivas actividades profissionais de cada um dos consumidores, no seu quotidiano, querendo com isto dizer-se que, de acordo com o objecto social da Parte Contrária/Recorrida, a mesma pode comercializar "leite em pó e produtos e alimentos naturais", que são comercializados pela Recorrente, porque comercializa ''produtos de uso diário".
12. As Partes Litigantes não têm uma clientela específica, profissional e, portanto, conhecedora.
13. Nenhuma das partes tem uma clientela especifica, porque a venda por grosso é a forma de comercialização de grandes quantidades de produtos, a um preço mais baixo, por serem principalmente mas não exclusivamente destinados a mercados e o facto de, geralmente, este sistema de comercialização necessitar de elos em sequência na cadeia de suprimentos, passando pelo comércio retalhista, para alcançar os consumidores finais, não impede que um consumidor final os adquira junto do distribuidor.
14. É comum que as empresas que actuam neste ramo (ditas grossistas) também operem na distribuição, sendo comum designar-se o vocábulo distribuidor como sinónimo de grossista havendo vários tipos de distribuição e, entre eles, podem enumerar-se: (i) a Distribuição exclusiva, usada quando a natureza do negócio precisa da lealdade do distribuidor e de elevado grau de controlo sobre sua actividade, de que são exemplos "a importação, exportação e comércio por grosso de produtos e especialidades farmacêuticas" e as concessionárias de veículos do tipo autorizada; (ii) a Distribuição intensiva, usada quando a importância é dada para a disponibilidade do produto num grande número de pontos de venda, de que é exemplo a distribuição de produtos básicos de alimentação, bebidas, produtos de uso diário, etc. e (iii) a Distribuição selectiva, usada quando a natureza do negócio precisa de valorização, tal como, a venda de produtos de luxo.
15. A Recorrente e Recorrida/Parte Contrária são distribuidoras intensivas e, em consequência, não têm uma clientela especifica, nem profissional e, consequentemente, conhecedora e responsável perante o consumidor final sobre a exacta origem industrial dos bens que comercializam.
16. Seria diferente se a Requerente da marca, aqui Parte Contrária/Recorrida, desenvolvesse uma actividade exclusiva, qual seja, "a importação, exportação e comércio por grosso de produtos e especialidades farmacêuticas", prestando, assim, serviços muito específicos e devidamente licenciados, em conformidade com o Decreto-Lei n.º 58/90/M, de 19 de Setembro, com a formulação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 20/91/M; fosse essa a situação de facto, poder-se-ia falar em clientela específica, profissional e, portanto, conhecedora da origem dos produtos, que seriam o elo de ligação entre os fabricantes desses produtos e o consumidor final.
17. Nesse caso, poder-se-ia, também, falar numa "distribuição exclusiva" que daria a certeza ao consumidor final sobre a origem empresarial dos produtos a consumir mas não é o caso.
18. O Decreto-Lei n.º 58/90/M, de 19 de Setembro, teve, pois, o objectivo de - sem prejuízo do reconhecimento da livre iniciativa e da concorrência que caracterizam o mercado de Macau - definir os requisitos básicos, que devem preencher os agentes da actividade farmacêutica - onde se integram as "Firmas de importação, exportação e venda por grosso de produtos farmacêuticos" - e os recursos técnicos, humanos e materiais a ela afectos, numa perspectiva de dignificação daqueles agentes a quem se reconhece um papel importante, ao lado dos profissionais da saúde, na criação das condições de bem-estar da população.
19. O douto Tribunal a quo, na valoração da "susceptibilidade de confusão ou erro do consumidor", referiu que a composição da firma vai para além dos dois caracteres em causa.
20. Tal como nas marcas, as firmas têm de possuir carácter distintivo, isto é, devem ter um sinal que as distinga das outras, certo sendo que os vocábulos de uso corrente e os topónimos, bem como qualquer indicação de proveniência geográfica, não são de uso exclusivo.
21. A designação social ou firma da Recorrente é: XX JAPAN COMÉRCIO LIMITADA, isto é, para além do vocábulo de origem japonesa "XX", os demais vocábulos que a integram não são de uso exclusivo da mesma; "JAPAN" é a indicação da proveniência geográfica, uma vez que os produtos que comercializa e distribui em Macau são originários do Japão; "COMÉRCIO" indica a natureza da actividade que a empresa exerce, qual seja, a de intermediação na circulação dos bens e "LIMITADA" indica o tipo de sociedade comercial.
22. Nestas circunstâncias, "XX" (a que correspondem os caracteres chineses e que é a composição da marca em apreciação) é o único vocábulo com carácter distintivo que integra a firma da Recorrente.
23. A reprodução de parte característica da firma é suficiente para que seja recusado o pedido de registo, desde que reunidos os demais requisitos, isto é, (i) que não pertença ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar e (ii) se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão.
24. No que se refere ao fundamento de recusa que tem por fim obviar a prática de actos de concorrência desleal, o douto Tribunal a quo, uma vez mais, afirmou que, no caso, a clientela é profissional por a recorrente e parte contrária intervirem no mercado como grossistas, portanto o consumidor é conhecedor da proveniência dos produtos e, assim, julgou improcedente, também, neste segmento o recurso judicial.
25. As Partes Litigantes são concorrentes, porque actuam no mesmo segmento do mercado - são empresas intermediárias da circulação de bens, porque não produtoras - e o facto de serem grossistas não as coloca na situação de fazerem uma distribuição exclusiva e selectiva, antes fazendo uma distribuição intensiva, porque se trata de colocar bens em diversos pontos de venda e, portanto, não têm uma clientela profissional, exclusiva e com conhecimento exacto da origem industrial dos produtos que comercializam.
26. A Recorrente crê que, em Direito de Marcas, pode enquadrar-se no específico fundamento de recusa previsto no art.º 9.º, n.º 1, alínea c), do RJPI, a situação em que a Requerente da marca, tendo conhecimento de que a titular da marca tem intenção de registar as suas marcas, apressa-se a pedir o registo em primeiro lugar, assim inviabilizando o registo da verdadeira titular.
27. A empresa-mãe do grupo empresarial XX JAPAN, onde se integra a Recorrente, deu prioridade à constituição de uma sociedade comercial em Macau para a colocação dos seus produtos neste específico mercado, tendo assim, sido constituída, em 4 de Maio de 2017, a sociedade comercial "XX JAPAN COMÉRCIO LIMITADA, em chinês, 日本##貿易有限公司, em inglês, XX JAPAN TRADING", para, posteriormente, requerer o registo da sua marca mais conhecida em Macau, bem sabendo a Parte Contrária desta situação e, pese o facto de estar constituída em Macau desde Julho de 2013, apenas, em 7 de Julho de 2017, apresentou o pedido de registo da marca (que romaniza BB ou BB1 e corresponde ao vocábulo de origem japonesa XX).
28. Não o tendo feito antes, a ora Recorrente apresentou, em 9 de Fevereiro de 2018, o pedido de registo das suas marcas - duas nominativas e uma mista - que consistem, respectivamente, em , e , que tomaram os n.ºs N/****07 (classe 5.ª); N/****08 (classe 35.ª); N/****09 (classe 5.ª); N/****11 (classe 35.ª); N/****10 (classe 5.ª); N/****12 (classe 35.ª).
29. O consumidor de Macau será induzido em erro ou confusão quando, designadamente, julgar que a marca (uma marca constituída por uma palavra de origem japonesa) pertence à Recorrente ou que os produtos marcados com tal sinal provêm da Recorrente e/ou de alguma empresa do grupo empresarial XX JAPAN, pelo que existe, sem sombras para dúvidas, o risco de associação, por parte dos consumidores, à Recorrente, pelo que, havendo a susceptibilidade de induzir o consumidor em erro ou confusão, tem que se dar por verificado o fundamento de recusa previsto no art.º 214.º, n.º 2, alínea e), do RJPI, tendo em atenção a prioridade da apresentação do registo da firma.
30. É possível a prática de actos de concorrência desleal por parte da Recorrida, uma empresa cuja designação social nada tem a ver com uma palavra de origem japonesa que, intencionalmente se comportou de má-fé ao requerer o registo em Macau, de tal marca, bem sabendo que não tem qualquer relação com as empresas do grupo XX/##(JAPAN), designadamente, com a ora Recorrente, podendo, ainda, ser considerada uma fraude para com os consumidores da RAEM se a Parte Contrária/Recorrida usar a marca requerida, em produtos que não fabrica mas que pretende distribuir em Macau; assim, é de se concluir que, também, se verifica, no caso, um outro fundamento de recusa, qual seja, o previsto no art.º 9.º, nº. 1, alínea c), aplicável por força do disposto no art.º 214.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJPI.
*
A Recorrida Companhia de ...... Limitada respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 202 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- O despacho recorrido foi proferido, em 27 de Dezembro de 2017, pela Exma. Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, despacho que teve por objecto a concessão da marca que consiste em à sociedade comercial ......有限公司, marca que tomou o n.º N/****70 e para assinalar produtos integrados na Classe 5.ª: "Drogas, emplastros, produtos de saúde médica, produtos de higiene".
- A decisão ora impugnada foi publicada na II Série do B.O. n.º 3/2018, de 17 de Janeiro de 2018
- … e surgiu na sequência de pedido apresentado pela parte contrária em 07 de Julho de 2017.
- A marca registanda romaniza nos seguintes termos: BB ou BB1. Corresponde ao vocábulo de origem japonesa XX.
- A Recorrente é uma sociedade comercial e industrial que se encontra matriculada na CRC desde 04 de Maio de 2017, tendo por objecto a venda por grosso de leite em pó e de produtos e alimentos naturais.
- A sua firma é a seguinte: 日本##貿易有限公司 / XX JAPAN COMÉRCIO LIMITADA / XX JAPAN TRADING
- A parte contrária (......有限公司) é uma sociedade comercial por quotas registada na CRC desde 15 de Julho de 2103 e tem por objecto a "venda por grosso de medicamentos e produtos de uso diário".
*
III – Fundamentação
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
   “…
   Louva-se a recorrente, ab initio, no disposto do artº214º nº2 al.e) para fundar a sua pretensão de ver alterada a decisão de concessão da marca que tomou o n.º N/****70 e para assinalar produtos integrados na Classe 5.ª: Drogas, emplastros, produtos de saúde média, produtos de higiene.
   Vejamos então, tendo presente que estão materializadas no seguinte a marca registanda e a firma em confronto:
   ##vs日本##貿易有限公司 / XX JAPAN COMÉRCIO LIMITADA / XX JAPAN TRADING.
   Dispõe o artº197 do referido RJPI que “só podem ser objecto de registo ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números (….), que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
   Emerge deste enunciado legal, pois, que a marca deve, utilizando a expressão de Couto Gonçalves, por definição e no cumprimento do seu escopo, ter relevante capacidade distintiva, deve, pois, ser idónea per si, de individualizar uma espécie de produtos ou serviços – Cfr. Manual de Direito Industrial, 4º Ed., p.199.
   Está função distintiva é, consabidamente, primordial da marca, sendo aqueloutras duas funções que a doutrina discute, função qualidade e publicitária, meramente complementares.
   Na marca concedida esta capacidade distintiva não está em causa, “longe disso”.
   O que está em causa é a circunstância de, na visão da recorrente, a marca registanda corresponder a parte da sua firma e porque igualmente entende que os sinais em confronto são susceptíveis de induzir o consumidor em erro ou confusão. Pugna por isto pela negação da respectiva concessão à parte contrária.
   Não há dúvida que, efectivamente, a marca usa na sua composição, exclusivamente, sinais que correspondem a dois caracteres da firma da recorrente, firma esta registada em data anterior ao pedido de registo da marca.
   Está, pois, em causa, o afrontamento do princípio da novidade ou da exclusividade que, por via do que disposto no artº214 nº2 al.e do RJPI, é relevável na relação que se faça entre marcas e firmas.
   Este princípio corresponde, na expressão esclarecida de Pupo Correia, o mais importante e complexo requisito legal quanto à constituição das marcas, impondo, numa formulação positiva, “que a marca seja nova, i.e., que não constitua “reprodução ou imitação no todo ou em parte de marca anteriormente registada por outrem, para o mesmo produto ou serviço, ou produto ou serviço similar ou semelhante”. - Cfr. A. cit. in Direito Comercial, 10ª Ed., Ediforum, p.347.
   Da mesma forma se dirá, visto o artigo citado, que não constitua reprodução ou imitação no todo ou em parte de firma anteriormente registada por outrem.
   Ora, no caso, a marca reproduz dois caracteres da firma da recorrente, caracteres que correspondem efectivamente à sua componente leonina ou marcante do todo que a compõe.
   Também resulta que a firma da recorrente tem prioridade registral.
   A questão precípua reconduz-se em saber se existe o exigido pela última parte do citado preceito: se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão.
   Temos por assente que objecto da recorrente corresponde à venda por grosso de leite em pó e de produtos e alimentos naturais, sendo a classe para a qual a marca se destina a 5ª, ou seja, “Drogas, emplastros, produtos de saúde médica, produtos de higiene”, e o objecto social da parte contrária a “venda por grosso de medicamentos e produtos de uso diário”.
   Deste confronto tende-se para concluir que não existe qualquer afinidade entre os produtos a identificar pela marca e o objecto social da recorrente, ou seja, o sector de actividade em que o titular da firma actua.
   Não obstante somos do entendimento que esta afinidade, se aplicável na relação entre marcas, como decorre do artº214 nº2 al.b) e 215 do RJPI, não deve ser erigido a requisito quando o “confronto” é entre marcas e firmas.
   A propósito deste “confronto” a letra da lei, artº214 nº2 al.e) do RJPI, apenas impõe a verificação do requisito da susceptibilidade de confundibilidade ou erro do consumidor, diferentemente daquilo que se faz três alíneas atrás.
   Presume-se que o legislador é sábio – nº3 do artº8 do CC -, portanto sabendo o que fazia ao não reproduzir o segmento cuja extensão se pretende, referido na al.b) do nº2 do artº214 do RJPI, na redacção da al.e).
   A afinidade entre os produtos a identificar pela marca e o sector em que o titular da firma actua, a existir, na nossa óptica, relevaria noutro patamar que não como requisito.
   Temos para nós que será no quadro do processo em que se opera aquele juízo de susceptibilidade de confusão ou erro do consumidor que se poderá relevar a afinidade entre os produtos a identificar pela marca e o sector em que o titular da firma actua.
   Nestes termos esse juízo tenderá para a verificação do requisito em análise tanto mais quanto maior for aquela afinidade.
   Ora, no caso em apreço, sendo o objecto social da recorrente à venda por grosso de leite em pó e de produtos e alimentos naturais, destinando-se a marca a assinalar “Drogas, emplastros, produtos de saúde médica, produtos de higiene”, não encontramos em processo de valoração argumentação que permita exprimir essa afinidade: o que é que a venda por groso de leite em pó e de produtos naturais tem que ver com drogas, emplastros, produtos de saúde médica?
   Não vislumbramos.
   Por conseguinte, não existindo, na nossa óptica, essa coadjuvante afinidade, no processo de valoração daquela susceptibilidade de confusão ou erro do consumidor, importa referir que a composição da firma vai para além dos dois caracteres em causa.
   A este dado acrescentemos um outro: a marca pertencerá a uma firma que actua na venda por grosso, como a recorrente, portanto com clientela específica, profissional e nessa medida e conhecedora: não haverá confusão ou erro do consumidor.
   Em face do exposto conclui-se pela não confundibilidade ou erro consumidor.
*
   Chama a recorrente subsidiariamente à colação a má fé da parte contrária, assim visando obstar o registo em crise.
   Para o efeito refere que coloca em Macau, assim os comercializando, produtos assinalados com o sinal##.
   À míngua de outros factos não vislumbramos qualquer má-fé (subjectiva) da parte contrária.
Note-se que a má fé subjectiva consubstancia um dado de natureza psicológica, interior, por conseguinte apenas “lá se chegando” através de aspectos objectivos apurados que permitem, num processo de valoração racional e apoiado em regras da experiência, presumi-la.
   Debalde nos esforçamos para encontrar fundamento neste segmento em apreciação e a favor do recorrente.
   De resto, neste aspecto, não vemos qualquer legitimidade da recorrente ao invocar a comercialização de produtos com o sinal##. E não vemos porque não resulta registada nenhuma marca com estes sinais em Macau e em momento anterior ao pedido de registo da parte contrária (artº15 nº1 do RJPI), sequer sabemos se se encontra registada noutras jurisdições e em nome de quem.
*
   Por fim, invoca-se a intenção de concorrência desleal da parte contrária ou que esta é possível independentemente da vontade desta.
   Para ser recusado o registo com este fundamento é necessário que se reconheça que a requerente do registo pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção (art. 9º, nº 1, al. c) do RJPI).
   Esta norma abrange duas situações: a contrariedade objectiva intencional e a contrariedade objectiva não intencional às normas de concorrência desleal.
   Nestas duas situações, em rigor, não se trata de apreciar de um acto consumado de concorrência desleal. Pelo contrário, procura-se prevenir a atribuição de um direito privativo a um concorrente que, de modo esclarecido ou deliberado, ou não, desencadeia ou pode desencadear com a sua pretensão uma situação objectivamente desleal.
   O acto de concorrência desleal é o acto de disputa de clientela que é contrário às normas e usos honestos da actividade económica, designadamente o que seja idóneo a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos - Cfr. arts. 158º e 159º do Código Comercial.
   É comum na doutrina a indicação de 5 tipos de actos de concorrência desleal: actos de confusão, actos de descrédito, actos de apropriação, actos de desorganização e actos de concorrência parasitária.
   Nos termos do artº159 do CComM considera-se desleal todo o acto idóneo a criar confusão com a empresa ou com os produtos, dos concorrentes, sendo suficiente o risco de associação dos consumidores relativamente à origem comercial dos produtos.
   No caso em apreço, visto o que se referiu quanto à confundibilidade ou erro na apreciação do primeiro segmento fundante do recurso, o conhecimento efectivo dos produtos objecto do comércio das partes envolvidas pelo consumidor, que no caso é profissional por a recorrente e parte contrária intervirem no mercado como grossistas, portanto consumidor conhecedor, na ausência de quais outros factos adjuvantes não logramos alcançar qualquer concorrência desleal.
   Tem pois de improceder também neste segmento o presente e douto recurso.
   IV - DECISÃO
   Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso interposto pela XX JAPAN COMÉRCIO LIMITADA, mantendo-se a decisão recorrida.…”.
Trata-se duma decisão que aponta para a boa solução do caso, com a qual concordamos na sua íntegra, pelo que ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, é de negar o recurso nesta parte com os fundamentos invocados na decisão recorrida.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pela Recorrente.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 09 de Maio de 2019.
(Relator) Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong



20
89/2019