Processo n.º 1079/2018
(Autos de recurso laboral)
Data: 9/Maio/2019
Assunto: Repouso semanal no oitavo dia
SUMÁRIO
A Ré só atribuía um dia de repouso ao Autor após decorridos sete dias de trabalho contínuo e consecutivo, ou seja, em vez de gozar um dia (ou vinte e quatro horas consecutivas) de descanso dentro de cada período de 7 dias, o trabalhador só tinha direito a repouso, pelo menos, no oitavo dia.
Desta forma, no dia em que deveria ter gozado descanso semanal, o Autor prestou trabalho à Ré, pelo que o seu direito terá que ser compensado.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo n.º 1079/2018
(Autos de recurso laboral)
Data: 9/Maio/2019
Recorrente:
- Yyy Yyy Yyy, S.A. (Ré)
Recorrido:
- B (Autor)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
B intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da Yyy Yyy Yyy, S.A. no pagamento do montante de MOP$253.782,50, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$222.079,57, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do dia seguinte ao da notificação da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformada, interpôs a Ré recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem colocar em crise a sentença que julgou a acção procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização ao Autor B, no valor de MOP$222.079,57 a título de (i) subsídio de efectividade, (ii) devolução das quantias descontadas relativas a comparticipação no alojamento, (iii) compensação pela prestação de 30 minutos para além do período normal de trabalho por cada dia efectivo de trabalho, (iv) trabalho prestado em dias de feriado obrigatórios a liquidar em execução de sentença e (v) compensação pelo trabalho prestado pelo Autor após 7 dias de trabalho consecutivo, versando tal recurso só e apenas sobre a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo no que se refere à compensação a título do trabalho prestado pelo Autor após sete dias de trabalho consecutivo.
2. Esta matéria foi, salvo devido respeito, incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece dos seguintes vícios de erro de julgamento e erro na aplicação do Direito, nulidade por falta de fundamentação decorrente da violação do ónus da alegação por parte do Autor ora, Recorrido; e ainda nulidade por contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão.
3. Foi a seguinte a factualidade tida por assente e provada e com interesse para este recurso: “Entre 25/01/2005 e 04/03/2010, o Autor esteve ao serviço da Ré (YYY), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A) Entre 25/01/2005 e 04/03/2010, em que o Autor prestou trabalho, excepto gozo de 24 dias férias anuais, 46 dias despensas por ano e alguns dias de feriado obrigatório, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. (7º) Entre 25/01/2005 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante alguns dias não identificados em dias de feriados obrigatórios, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela Ré. (9º) Desde o início da relação de trabalho até 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (YYY) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (19º) Entre 25/01/2005 e 31/12/2008, após sete dias de trabalho continuo e consecutivo prestado pelo Autor à Ré (YYY), a Ré atribuía um dia repouso ao Autor, no total de 170 dias. (20º)”
4. Pela relevância que ocupa na leitura das seguintes alegações não pode deixar de se transcrever os fundamentos aduzidos pelo douto Tribunal na decisão em crise e na parte relevante (tradução livre da nossa responsabilidade): “De acordo com os factos assentes, mostrando que durante o período compreendido entre 25 de Janeiro de 2005 e 31 de Dezembro de 2008 (datas que pediu o Autor), em cada período de 7 dias consecutivos de trabalho para a Segunda Ré, o Autor recebeu um dia de descanso, no total, 170 dias de descanso. Nos termos do artigo 17º do DL n.º 24/89/M em conjunto com o DL n.º 32/90/M:1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
5. Mais rezando a douta sentença que 2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa. 3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa. 4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado. 5. A observância do direito consagrado no n.º 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dia de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado. 6. O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago; a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal; b) Aos trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado, pelo montante acordado com os empregadores, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes.
6. Mais fixando a douta sentença que: “Em conformidade com o aludido artigo n.º 1, sendo estipulado que os empregadores devem disponibilizar a todos os trabalhadores, em cada período de sete dias, um descanso de vinte e quatro horas consecutivas. Isso é considerado como o “descanso semanal”, ou seja, os empregadores são obrigados a disponibilizar aos trabalhadores um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, não lhes podendo requerer forçosamente a prestação de serviços nos dias de descanso. Como é sabido, o direito de descanso é concedido pela lei aos trabalhadores, trata-se de um direito destinado a recuperar a força física, aliviar o desconforto psicológico e manter um bom estado de saúde individual, disponível e inalienável para os trabalhadores. Salvo as situações estipuladas na lei, não se pode privar ou diminuir o aludido direito dos trabalhadores (Vide detalhadamente a jurisprudência n.º 253/2002 do TSI).”
7. Determinado ainda que: No processo em epígrafe, a Segunda Ré disponibilizou ao Autor um dia de descanso em cada sete dias de trabalho consecutivo, o que não corresponde ao disposto do artigo n.º 1 acima referido. Neste caso, a Segunda Ré disponibilizou ao Autor um dia de descanso por cada oito dias de trabalho, isso corresponde à situação extraordinária estipulada no artigo n.º 3 acima referido? Nos termos do artigo 17º, n.º 3 do DL n.º 24/89/M, os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal: a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior; b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores; c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
8. Mais decidindo que: “A Segunda Ré tem a função de gestão e operação de casinos que funcionam em vinte e quatro horas; em relação ao Autor, este desempenhava uma função de guarda nos casinos; pode-se observar que, a prestação de serviços do Autor nos dias de descanso não pertence às seguintes situações; quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior; quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores e quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa, portanto, a Segunda Ré requereu ao Autor a prestação de serviços nos dias de descanso, o que não corresponde às situações extraordinárias indicadas no artigo 17º, n.º 3 do DL n.º 24/89/M.”
9. E ainda que: “Por seu turno, nos termos do artigo 18º do DL n.º 24/89/M: “Sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas.” De acordo com o disposto acima referido, os empregadores podem conceder aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção em vez da prestação de um dia de descanso por cada sete dias de trabalho estipulada no artigo 17º, n.º 1 da aludida lei. No caso em apreço, a Segunda Ré não concedeu ao Autor um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas em conformidade com o artigo 18º do DL n.º 24/89/M. Pelo exposto, na perspectiva do Tribunal, a Segunda Ré não disponibilizou, nos termos do artigo 17º, n.º 1 do DL n.º 24/89/M, ao Autor um descanso consecutivo de vinte e quatro horas por cada conjunto de sete dias. Ou seja, o Autor prestou serviços à Segunda Ré nos dias de descanso semanal.”
10. A dota sentença recorrida refere ainda que: “Nos termos do artigo 17º, n.º 1 do DL n.º 24/89/M: Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º. Nos termos do artigo 17º, n.º 6, alínea a) da aludida lei: O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal. De acordo com a jurisprudência sempre do TSI (por exemplo n.ºs: 234/2005, 396/2014, 338/2014, 654/2014, 404/2017, 407/2017 e 496/2017), à excepção da situação prevista no artigo 17º, n.º 3 do DL n.º 24/89/M, a maneira de calcular a compensação do descanso semanal deve ser: os dias de descanso semanal que prestou trabalho x retribuição normal (diária) x 2. Considerando os factos assentes e os termos do art.º 17º, n.º 1 e n.º 6 alínea a) do DL 24/89/M, se prestou trabalho nos dias de descanso semanal, devia pagar dobro da retribuição normal.
11. Decidindo a final que: “O Autor tem o direito a reclamar à Ré a compensação pela prestação de serviços em descanso semanal, no total de cento e setenta dias, por cada conjunto de sete dias de trabalho durante o período compreendido entre 25 de Janeiro de 2005 e 31 de Dezembro de 2008 (datas que pediu o Autor), a maneira do cálculo sendo como da seguinte forma: 170 dias x salário diário (remuneração normal) x 2 = compensação total pela prestação de serviços em descanso semanal, ou seja, 170 dias x salário diário de MOP$257.50 x 2 = MOP$87.550,00. Pelo exposto, o Tribunal condena que a Ré seja obrigada a pagar ao Autor uma quantia de MOP$87.550,00 como compensação pela prestação de serviços em descanso semanal durante o período entre 25 de Janeiro de 2005 e 31 de Dezembro de 2008.”
12. No entanto, salvo devido respeito, o Tribunal a quo não interpretou correctamente o sentido da norma ora em crise, ou seja o artigo 17º do DL n.º 24/89/M, nem a norma contida no artigo 18º do mesmo diploma. De entre outras referências, considerou o Digno Tribunal que o tipo de trabalho desenvolvido pelo Autor não enquadrava os requisitos estabelecidos no n.º 3 do artigo 17º, sendo que a Ré até concorda que os requisitos estatuídos no n.º 3 do artigo 17º não enformam o tipo de trabalho do Autor, ora Recorrido, já que sendo o Autor guarda de segurança de um casino e tendo os casinos laboração contínua, tal actividade não se coaduna com situações de acréscimos de trabalho não previsíveis ou com a eminência de prejuízos importantes ou casos de força maior.
13. Contudo, a Recorrente não aceita que tenha violado o preceituado no referido n.º 1 do artigo 17º o qual, salvo devido respeito, não impõe a regra do descanso ao 7º dia, isto porque dispõe o n.º 1 do artigo 17º do DL n.º 24/89/M que: “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, (…)”, ou seja, o legislador refere-se a um período de sete dias, e não ao fim de sete dias, referindo-se, por seu lado, a um período de descanso de vinte e quatro horas sem se referir se o mesmo se refere a um dia, por exemplo, a uma segunda – feira, ou a parte de uma segunda – feira e parte da terça – feira seguinte, indo aliás neste sentido a nota n.º 3 do douto acórdão n.º 253/2002, citado pelo Tribunal a quo na decisão ora em crise, conforme se transcreve; “Nem estipula explícita e forçosamente que o trabalhador tem que descansar no domingo, mas sim apenas tem direito, em cada período de sete dias, a um dia de descanso, dia esse que poderia não ser o domingo, o que é estipulado explicitamente no artigo 17º, n.º 2.”
14. Por isso, é importante apurar se o descanso semanal tem de ser gozado sempre após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja, no 7º dia, conforme defendia o Autor e veio a ser aceite pelo Tribunal a quo, ou se, atento o sobredito artigo 17º, o empregador pode escolher, dentro de cada período de sete dias, o momento em que deve ocorrer o descanso, sem necessidade de ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho que ocorrem antes e depois do dia de descanso, considerando a Recorrente que apenas este último entendimento se compatibiliza com o espírito e com a letra da Lei, já que a norma diz é que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas; O qual será fixado de acordo com as exigências de funcionamento da empresa (n.º 2).
15. Ora, a lei laboral em Macau não proíbe que se trabalhe mais do que seis dias consecutivos – como defendia o Autor e veio a ser entendido pelo Tribunal – mas apenas impõe que em cada período de sete dias, 24 horas consecutivas sejam de descanso e esse descanso pode calhar em qualquer um dos dias desse período de 7 dias, independentemente do número de dias de trabalho consecutivos que lhe precedem ou que se seguem, sendo que o dia de descanso pode, então, ser no 1º dia desse “período de sete dias”, no 2º dia do “período de sete dias”, no 3º dia desse “período de sete dias” ou até mesmo no 7º dia desse “período de sete dias”.
16. Isto é, se em três períodos consecutivos de sete dias for concedido ao trabalhador 1 dia de descanso no primeiro dia do primeiro período de sete dias, outro dia de descanso no segundo dia do segundo período de sete dias e ainda outro dia de descanso no terceiro dia do terceiro período de sete dias, mostra-se cumprida a exigência legal – a de se conceder “em cada período de sete dias” um dia de descanso, já que a expressão “em cada período de sete dias” não impõe o momento exacto em que o descanso deve ocorrer, isto é, não impõe que seja no 7º, apenas determina o intervalo de tempo – sete dias – em que esse mesmo descanso deve ser gozado. Veja-se aliás que no mencionado artigo 17º não se faz menção a dias de trabalho consecutivo mas apenas exige que o período de descanso seja de 24 horas consecutivas em cada período de sete dias sem cuidar de saber quantos dias o trabalhador trabalhou antes desse dia e quantos vai trabalhar depois.
17. Do que se vem dizendo e do que se retira da leitura atenta do preceito parece evidente que o princípio do descanso semanal não equivale a um princípio de descanso ao sétimo dia, ou seja, ao fim de 6 dias de trabalho e diga-se também que o artigo 17º, n.º 1 tem necessariamente de ser interpretado em conjugação com o n.º 2 que reconhece que “de acordo com as exigências de funcionamento da empresa” o período de descanso semanal será organizado pelo empregador, o que reforça que a intenção do legislador não foi impor o dia de descanso ao sétimo dia.
18. Por outro lado, o legislador não impôs qualquer limitação ao número de dias de trabalho seguidos desde que o trabalhador goze de um período de descanso em cada período de sete dias, tanto assim é que o artigo 18º do DL 24/89/M expressamente prevê a possibilidade de não se gozar um período de descanso de 24 horas em cada período de 7 dias, caso em que ao trabalhador deve ser concedido um “descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção”, pois o legislador estando já ciente da realidade em Macau, fixou a excepção constante no artigo 18º do Decreto – Lei a qual veio a ser posteriormente confirmada no artigo 42º, n.º 2 da Lei 7/2008 (nova Lei das Relações de Trabalho), que prevê que “O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.” Não sendo, por isso, imperativo que esse descanso ocorra no sétimo dia de trabalho, tal como alega o Autor e veio a ser entendido pelo douto Tribunal. No caso concreto, em cada período de sete dias o Autor descansou, não necessariamente ao sétimo dia, porque a Lei nem sequer o impõe.
19. Pode até acontecer, em face ao que ficou provado, que o Autor nem sempre tenha descansado “em cada período de sete dias” mas a ser assim, deverá fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o Recorrido tiver que ser compensado será só e apenas dos dias de descanso em falta, ou seja, o mesmo é dizer que se se apurar que o Recorrido não descansou 52 dias no ano, mas apenas 46 dias, então só poderá ser compensado por 6 dias de descanso não gozado, mas nunca por 170 dias tal como decidido pelo Tribunal a quo.
20. É que, tal como se vem defendendo, não se impunha à aqui Recorrente que na organização dos turnos dos seus trabalhadores o descanso fosse concedido ao 7º dia, mas apenas que, em cada período de sete dias, 24 horas consecutivas fosse de descanso e com isto se quer dizer que não importa que o trabalho seja organizado em turnos rotativos de 7 dias consecutivos findo os quais a entidade patronal concedia um dia de descanso, importando sim determinar se dentro de cada período de sete dias – ou “em cada período de 7 dias” – e tendo em conta a organização dos turnos rotativos o trabalhador gozou de 24 horas consecutivas de descanso.
21. Pelo que carece por completo de fundamento a decisão recorrida na parte em que condena a Recorrente a pagar ao Recorrido uma indemnização pelo trabalho prestado no 7º dia como se se tratasse de trabalho prestado em dia de descanso semanal, verificando-se assim, salvo melhor opinião, uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal em violação do princípio do dispositivo consagrado no art.º 5º do CPC e, bem assim, o disposto nos artigos 17º e 18º do DL 24/89/M.
22. Mas mais se adiante que face ao acima exposto não se sabe porque não foi alegado pelo Autor nem apurado pelo próprio Tribunal os dias de descanso que foram concedidos em cada período de sete dias, já que só assim se poderia concluir se a Ré violou ou não o estatuído no artigo 17º do aludido diploma legal sendo de todo relevante determinar se em cada período de sete dias o Autor gozou 24 horas consecutivas de descanso, e quantas vezes durante o ano tal ocorreu tendo em conta os turnos rotativos em que o Recorrido trabalhava, facto que, salvo douta e melhor opinião, nem o Autor na sua petição inicial nem o Tribunal lograram fazer.
23. A decisão em crise padece do vício de falta de fundamentação decorrente da violação do ónus da alegação por parte do Recorrido pois mantém na íntegra as conclusões incoerentes feitas na petição inicial, mantendo por responder as questões/vícios (i) quantos desses dias de descanso foram concedidos ao Autor, ora Recorrido, “em cada período de 7 dias” durante a sua relação laboral com a Recorrente dentro dos turnos rotativos, (ii) quando ocorreram os mesmos em cada período de sete dias, tendo em conta os turnos rotativos que este fez durante a sua relação de trabalho com a Recorrente? (iii) E que turnos foram esses? Também isto não foi alegado pelo Autor, ora recorrido, nos presentes autos, sendo estas questões fundamentais para apurar os dias de descanso, por isso, a sentença recorrida padece também de vício de falta de fundamentação decorrente da violação do ónus de alegação por parte do Recorrido, sendo, por isso, nula e importando tal a anulação do julgamento, por imposição do estatuído no art.º 571º, b) do CPC.
24. Mas mais se aponta que o Tribunal a quo entra em contradição quando afirma na decisão posta em crise e na parte que diz respeito aos feriados obrigatórios que “Apesar de os factos assentes mostrarem que o Autor prestou trabalho para a Ré nos dias de feriado obrigatório (6 dias que o Autor pediu) também provam que a Ré não lhe pagou a respectiva indemnização. Tendo em consideração que não foram determinadas as datas exactas em que o Autor gozou as férias anuais e os dias de descanso por cada 8 dias de trabalho no supra citado período não se pode fazer o cálculo, pelo que o Tribunal condena a que a ré seja obrigada a pagar ao Autor o triplo da retribuição normal como compensação dos dias de feriado obrigatório durante o período entre 25 de Janeiro de 2015 a 31 de Dezembro de 2008 (datas pedidas pelo Autor) e liquidar em execução de sentença (…)”.
25. Ou seja, o próprio Tribunal reconhece que não consegue determinar as datas exactas em que foram gozados os descansos semanais e por isso não consegue determinar os feriados obrigatórios gozados pelo Autor e se assim é, como pode afirmar com toda a confiança que os descansos semanais não gozados durante a relação de trabalho do recorrido foram de 170 dias? Esta decisão, por essa razão, padece também de vício de contradição entre os fundamentos e a decisão da sentença, sendo, por isso, nula, sendo o desfecho a anulação do julgamento, por imposição do estatuído no art.º 571º, c) do CPC.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade, deverá ser declarada nula a sentença recorrida nos termos nos termos do disposto no artigo 571º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 43º do CPT, com as demais consequências legais.
Ou, caso assim não seja entendido, deverá ser declarada nula a sentença recorrida nos termos do disposto no artigo 571º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 43º do CPT, com as demais consequências legais.
Sem prescindir, e caso assim não se entenda, deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos supra explanados, com as demais consequências da lei, termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu o Autor nos seguintes termos conclusivos:
“1. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não se vislumbra na douta Decisão um qualquer erro de julgamento e/ou erro na aplicação do Direito, falta de fundamentação ou qualquer contradição.
2. Pelo contrário, o Tribunal a quo apreciou e conheceu com detalhe o fundo da causa, tendo enquadrado devidamente os factos no Direito aplicável, em conformidade com a prova produzida, e formado a sua convicção ao abrigo dos seus poderes de livre apreciação, razão pela qual deve a douta Decisão manter-se, o que desde já e para os legais efeitos se requer.
3. Em concreto, a questão em apreciação nos presentes autos pode ser colocada nos termos seguintes: dispondo o art. 17º do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, que “Todas os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso se vinte e quatro horas consecutivas (…)”, ao fim de quantos dias consecutivos de trabalho deve ter lugar o referido período de descanso? Ou melhor, que limite assinala a Lei à série de dias consecutivos máximos de trabalho prestado? Ou ainda, após quantos dias de trabalho consecutivo tem o trabalhador direito a usufruir de um período de vinte e quatro horas de descanso consecutivo?
4. Entende a Recorrente que “o legislador da RAEM não impôs qualquer limitação ao número de dias de trabalho seguidos desde que o trabalhador goze de um período de descanso semanal em cada período de sete dias (…) sem cuidar de saber quantos dias o trabalhador trabalhou antes desse dia e quantos vai trabalhar depois”. Neste lógica, conclui a Recorrente que “a Lei desta Região não proíbe que se trabalhe mais do que seis dias consecutivos (…)” podendo o empregador fixar e atribuir esse(s) dia(s) de descanso semanal não no 7º, dia, mas sim ao 8º, ao 9º, ou noutro dia do mês.
5. Ao invés, no entender do Recorrido (e do Tribunal a quo) sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e nunca no oitavo, nono ou noutro dia do mês.
6. Se assim não suceder, o trabalho prestado ao sétimo dia após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo deve ser considerado como sendo trabalho prestado em dia de descanso semanal e remunerado como tal.
7. Trata-se, de resto, da posição que se acredita ter vindo a ser seguida na Jurisprudência e doutrina de Macau, e maioritariamente na doutrina e Jurisprudência de Portugal.
8. Veja-se, entre outras, as posições de Bernardo da Gama Lobo Xavier, Fernanda Agria e Maria Luísa Cardoso Pinto, Barros Moura, Jorge Leite e Coutinho de Almeida e Luis Miguel Monteiro para quem: o descanso semanal deve, nos termos do n.º 2 do art. 51º da LCT, ter lugar dentro de cada período de sete dias: deve ter lugar no sétimo dia e nunca no oitavo; ou que, a lei é bem clara: o descanso é semanal – o trabalhador tem direito a um dia de descanso em cada 7; isto é, em cada sete dias consecutivos, seis são dedicados ao serviço efectivo e um ao repouso”, constituindo uma ilegalidade atribuir aos trabalhadores que prestam serviços em empresas de laboração contínua, o repouso semanal depois de sete dias, isto é, no 8º dia.
9. Com especial interesse, veja-se a posição de Catarina Carvalho e de Liberal Fernandes, quando concluem que: “(…) o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a actividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório.”
10. Na jurisprudência de Portugal e para um preceito similar ao art. 17º, n.º 1 do DL, no.º 24/89/M, veja-se, entre outros, o Ac. do STA, de 19/10/1076, nos termos do qual de decidiu que: O descanso semanal deve, assim, ter lugar ao fim de seis dias de trabalho. Deve ter lugar no «sétimo, e nunca no oitavo» dia.
11. Mais recentemente, veja-se, o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, Recurso n.º 5286/15.3T8MTS.P1, 11/07/2016, nos termos do qual se decidiu que: (…) o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a actividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório. (…) não podendo a trabalhadora trabalhar mais de seis dias consecutivos sem descansar no sétimo, o trabalho prestado neste terá de ser considerado trabalho suplementar e, como tal, retribuído, porque prestado em dia de descano.
12. Entre nós, Augusto Teixeira Garcia, desde há muito sublinha que: “(…) o dia de descanso deve sempre seguir-se aos dias de trabalho prestado que são a sua razão de ser e não, portanto e em princípio, precede-los. A regra deve ser a de que o dia de descanso semanal deve seguir-se imediatamente ao sexto dia de trabalho.”
13. Trata-se, de resto, da posição que se acredita que tem vindo a ser adoptada pela nossa Jurisprudência superior, quando sublinha que: “O empregador deve conceder aos seus trabalhadores, em cada período de sete dias, um período suficiente de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, e não podendo obrigar os trabalhadores a prestar trabalho no dia de descanso. (…) II. O direito de descanso é um direito concedido pela lei ao trabalhador, traduz-se na recuperação de forças físicas, diminuição dos encargos” (cfr. entre outros, o Ac. do TSI (Processo n.º 253/2002)).
14. No mesmo sentido, veja-se, o Ac. do TSI (Processo n.º 188/2012), nos termos do qual se dispõe que: “(…) o que a lei se importa é que qualquer trabalhador terá direito de um dia, ou seja 24 horas, de descanso semanal em cada 7 dias de trabalho – artigo 17º, n.º 1 do RJRL.”
15. De onde se conclui que: o período de vinte e quatro horas consecutivas de descanso a que se refere o n.º 1 do art. 17º do DL n.º 24/89/M, deve necessariamente ocorrer dentro de um período de sete dias e, no máximo, após seis dias de trabalho consecutivo, não sendo lícito que o mesmo apenas ocorra ao oitavo, ao novo ou em qualquer outro dia posterior, contrariamente ao que vem alegado pela Recorrente.
16. Se assim não suceder, o trabalho efectuado no sétimo dia de trabalho, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivos corresponde a trabalho prestado em dia que deveria ter sido destinado a descanso semanal e, como tal, deve ser pago dobro da retribuição normal, tal qual acertadamente concluiu o Tribunal de Primeira Instância.
Sem prescindir,
17. Concluído que o período de vinte e quatro horas consecutivas de descanso a que se refere o n.º 1 do art. 17º do DL n.º 24/89/M deve ocorrer após seis dias consecutivos de trabalho e, no máximo, ao sétima dia – e, nunca ao 8º, ao 9º, ou noutro dia do mês – já se deixa ver não ser indiferente o número de dias que antecedem o dia de descanso – visto não ser o descanso que antecede o período de trabalho prestado, antes o contrário – contrariamente ao que a Recorrente se esforça por alegar.
18. Depois, resultando da matéria de facto assente que o Autor sempre prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos e que apenas após sete dias de trabalho contínuo e consecutivo a Ré lhe atribuía um dia de repouso torna-se perfeitamente irrelevante a questão de saber “o número de dias consecutivos de trabalho que ocorrem antes e depois do dia de descanso” e, bem assim, se o “descanso pode calhar em qualquer um dos dias desse período de 7 dias, independentemente do número de dias consecutivos que lhe precedem ou que se seguem” ou, ainda, “cuidar de saber quantos dias o trabalhador trabalhou antes desse dia e quantos vai trabalhar depois”, contrariamente ao que vem repetidamente alegado pela Recorrente ao longo das suas Alegações de Recurso.
19. Por outro lado, contrariamente ao que pretende a Recorrente, em caso algum se pode entender que a situação do Recorrido se pudesse subsumir na hipótese tida em vista pelo art. 18º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril: o referido preceito, para além de ter carácter excepcional, tinha por finalidade permitir aos trabalhadores oriundos da China Continental – cujas famílias residem em localidades próximas das do Território de Macau – gozarem de um período de descanso alargado de quatro dias consecutivos a fim que de se deslocarem por um maior período de tempo à respectiva Terra Natal, o que manifestamente se não verifica no caso do Autor – e das demais centenas de trabalhadores (“guardas de segurança”) – oriundo(s) do Nepal.
Acresce que,
20. Salvo melhor opinião, está o Recorrido em crer não corresponder à verdade afirmar que: “(…) não se sabe porque não foi alegado pelo Autor nem apurado pelo próprio Tribunal os dias de descanso que foram concedidos em cada período de sete dias, pois só assim se poderia concluir se a Ré violou ou não o estatuído no art. 17º”, conforme o faz a Recorrente.
21. Pelo contrário, não só o Autor alegou o número de dias de descanso que não lhe foram concedidos pela Ré em cada período de sete dias (191, no total), como o Tribunal se pronunciou a este concreto respeito, tendo concluído terem sido 170 os dias em que o Autor prestou trabalho para a Ré em cada sétimo dia após a prestação pelo Autor de seis dias consecutivos de trabalho, pelo que se entende mal a conclusão avançada pela Recorrente.
22. Por outro lado, sabido que a organização dos turnos cabia exclusivamente à Ré, apenas a mesma está(rá) em condições de oferecer uma cabal resposta às várias questões que alega terem ficado sem resposta, a saber: quantos desses dias de descanso foram concedidos ao Autor…; Quando ocorreram os mesmos em cada período de sete dias…; E que turnos foram esses…, visto tratar-se de matéria que diz directamente respeito à Ré e, como tal, matéria do seu próprio conhecimento pessoal, que a mesma não pode vir agora pôr em dúvida ou alegar desconhecer…
23. De resto, revela-se “estranho” que a Recorrente, apenas em sede de Alegações de Recurso, procure alegar matéria nova não alegada anteriormente, razão pela qual deve a mesma ter-se por não escrita.
Sem prescindir,
24. Se ainda oportuno, sempre se deixa dito que o “esquema de turnos” desenhado pela Ré – séries de 7 dias de trabalho consecutivos, seguidos de um dia de repouso – não respeita nem o número mínimo de descansos semanais anualmente devidos ao Autor, nem respeita tão-pouco o limite da jornada máxima de trabalho constante do n.º 1 do art. 10º do Decreto-Lei n.º 24/89/M: é que, tendo o Autor sempre prestado trabalho durante sete dias de trabalho consecutivo, tal significa a prestação de, pelo menos, 56 horas de trabalho por cada período de sete dias, o que manifestamente excede o limite das 48 horas por semana permitido pela nossa Lei.
A terminar,
25. Salvo melhor opinião, o facto de o Tribunal a quo ter relegado para liquidação de sentença a condenação da Ré a título do trabalho prestado pelo Autor em dia de feriado obrigatório, em nada se confunde com o período de repouso que a mesma conferia ao Autor após a prestação pelo mesmo de sete dias de trabalho consecutivo.
26. Com efeito, saber ser o dia de repouso (conferido pela Ré ao Autor, ao oitavo dia, após uma série de sete dias de trabalho consecutivo) terá ou não coincidido com um dia de feriado obrigatório e, bem assim, saber se o Autor terá ou não prestado trabalho em tal dia de feriado obrigatório é matéria que terá de ser determinada noutra sede, mas sem que, também aqui, a Decisão se deixe de se revelar correcta e isenta de qualquer erro e/ou vício.
Termos em que se requer que sejam aceites as presentes Alegações de Reposta e, em consequência, seja julgado totalmente improcedente o Recurso apresentado pela Recorrente, assim se fazendo a costumada Justiça!”
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Entre 25/01/2005 a 04/03/2010, o Autor esteve ao serviço da Ré (YYY), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
O Autor foi recrutado pela Sociedade Z – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. – e, exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003. (1.º)
O referido contrato de prestação de serviço foi objecto de apreciação, fiscalização e renovação por parte da Entidade Pública competente. (2.º)
Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré e ou dos seus directos responsáveis. (3.º)
O Autor sempre respeitou os períodos, os horários e os locais de trabalho fixados pela Ré. (4.º)
Até Março de 2010, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (5.º)
Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (6.º)
Entre 25/01/2005 e 04/03/2010, em que o Autor prestou trabalho, excepto gozo de 24 dias férias anuais, 46 dias despensas por ano e alguns dias de feriado obrigatório, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. (7.º)
Entre 25/01/2005 a 04/03/2010, a Ré (YYY) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (8.º)
Entre 25/01/2005 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante alguns dias não identificados em dias de feriados obrigatórios, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela Ré. (9.º)
A Ré (YYY) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se um qualquer acréscimo salarial) pelos trabalhos prestados nos dias de feriado obrigatórios. (10.º)
Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (11.º)
Desde o início da prestação de trabalho até 31 de Março de 2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (12.º)
A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela Ré e/ou pela agência de emprego. (13.º)
Entre 25/01/2005 e 4 /3/2010, por ordem da Ré (YYY), o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, no total de 763.5 horas. (14.º)
Durante os 30 minutos que antecediam o início de cada turno, os superiores hierárquicos do Autor distribuíam o trabalho pelos guardas de segurança (leia-se do Autor), v.g., indicando-lhe o seu concreto posto (local dentro do casino onde o mesmo se devia colocar), os clientes tidos por “suspeitos”, sendo ainda feito um relato sobre todas as questões de segurança a ter em conta no interior do Casino, ou mesmo da necessidade de qualquer participação em eventos especiais… (15.º)
O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos. (16.º)
Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor nunca se ausentou do trabalho (isto é, dos locais de reunião) que antecediam em, pelo menos, o início de cada turno. (17.º)
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pela prestação de mais 30 minutos que antecediam o início de cada turno. (18.º)
Desde o início da relação de trabalho até 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (YYY) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (19.º)
Entre 25/01/2005 e 31/12/2008, após sete dias de trabalho contínuo e consecutivo prestado pelo Autor à Ré (YYY), a Ré atribuía um dia repouso ao Autor, no total de 170 dias. (20.º)
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
Do suposto erro na aplicação de direito
Alega a recorrente que a lei laboral não impõe que o descanso semanal ocorra necessariamente no sétimo dia de trabalho, sendo assim, entende que deveria fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o trabalhador tiver que ser compensado será apenas dos dias de descanso em falta.
Ora bem, dispõe o n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M que “Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º”.
Melhor dizendo, dentro do período de 7 dias, o trabalhador tem direito a gozar vinte e quatro horas consecutivas de descanso, podendo este ser no primeiro, segundo, terceiro ou no sétimo dia, mas nunca no oitavo dia ou seguintes.
Como observa José Carlos Bento da Silva e Miguel Pacheco Arruda Quental1, “as razões que justificam a existência de um dia de descanso prendem-se com motivos de ordem física e psíquica (recuperar do desgaste provocado por uma semana de trabalho), de ordem familiar (aproveitar esse dia para conviver com a própria família) e também por razões de ordem social e cultural (esse período permite o convívio com amigos, a participação em manifestações de carácter público, ou para que o trabalhador possa tratar de assuntos do seu próprio interesse junto, por ex. de repartições públicas, etc.).”
Sendo assim, dúvidas de maior não restam de que impende sobre a entidade patronal a obrigação de facultar aos seus trabalhadores um dia, mais precisamente, vinte e quatro horas consecutivas de descanso dentro de cada período de sete dias, sob pena de violação da referida disposição legal.
No caso dos autos, provado está que entre 25.1.2005 e 31.12.2008, a Ré só atribuía um dia de repouso ao Autor após decorridos sete dias de trabalho contínuo e consecutivo, no total de 170 dias.
Portanto, em vez de gozar um dia (ou vinte e quatro horas consecutivas) de descanso dentro de cada período de 7 dias, o trabalhador só tinha direito a repouso, pelo menos, no oitavo dia.
Desta forma, no dia em que deveria ter gozado descanso semanal, o Autor prestou trabalho à Ré, pelo que o seu direito terá que ser compensado, improcedem, pois, as razões da Ré nesta parte.
*
Da alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação
Entende a recorrente que a sentença padece de vício de falta de fundamentação, por não ter sido alegado pelo recorrido nem ter apurado pelo Tribunal a quo quando e quantos dias de descanso foram concedidos ao recorrido.
Ora bem, segundo o alegado pelo Autor ora recorrido, diz que prestou a sua actividade de segurança para a Ré em regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos e que só gozava um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra, no oitavo dia, entendendo que deveria ser-lhe compensados 191 dias de trabalho.
Após o julgamento, ficou provado que desde o início da relação de trabalho até 31.12.2008, o Autor prestou funções de guarda de segurança em regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos e só podia gozar um dia de repouso decorrido cada período de sete dias, sendo no total 170 dias.
Isto posto, dúvidas não restam de que verificada não está a pretensa falta de fundamentação, pois o autor ora recorrido não só alegou o que devia alegar, isto é, não gozou vinte e quatro horas consecutivas de descanso dentro de cada período de sete dias, tendo só gozado o respectivo dia compensatório, em regra, no oitavo dia, como também foi feita a prova desta parte da matéria, pelo que não padece a decisão recorrida do vício apontado.
*
Da suposta nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão
No que diz respeito aos feriados obrigatórios, alega a recorrente que uma vez o Tribunal a quo ter afirmado que, por não se ter apurado as datas exactas em que o Autor ora recorrido teria gozado as férias anuais e semanais, não se pode fazer o cálculo da compensação do trabalho prestado nos feriados obrigatórios, entende que a condenação da recorrente quanto à compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal padece de vício de contradição entre os fundamentos e a decisão.
Ora bem, o facto de o Tribunal a quo ter relegado para liquidação em execução de sentença a fixação do número de dias de feriado obrigatório e determinação do respectivo montante compensatório em nada confunde com a fixação dos dias de descanso semanal e condenação do respectivo valor indemnizatório.
No que se refere à compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, provado está que o Autor prestou funções em regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, tendo apenas gozado um dia de repouso compensatório decorrido cada período de sete dias, sendo no total 170 dias. Isto significa que o Autor deixou de gozar 170 dias de descanso semanal, pois, conforme dito acima, o dia de descanso semanal tem que ser gozado dentro de cada período de sete dias, ou seja, o mais tardar, no sétimo dia, mas tendo trabalhado efectivamente sete dias consecutivos e apenas gozado 170 dias de descanso compensatório, naturalmente a recorrente terá que compensar o recorrido 170 dias de descanso semanal. Diferentemente, no caso dos feriados obrigatórios, andou bem o Tribunal recorrido ao determinar que se apure em sede de execução de sentença a fixação dos respectivos dias e do seu montante indemnizatório, simplesmente, para evitar duplicação de indemnizações.
Aqui chegados, e sem mais considerandos, somos a entender que o recurso não pode deixar de improceder.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela Yyy Yyy Yyy, S.A., ora recorrente, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, 9 de Maio de 2019
(Relator) Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz-Adjunto)Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto) Fong Man Chong
1 Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, CFJJ, 2006, pág. 92
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
Recurso Laboral 1079/2018 Página 25