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Processo n.º 110/2019
(Autos de recurso laboral)

Data: 9/Maio/2019

Assunto: Repouso semanal no oitavo dia

SUMÁRIO
A Ré só atribuía um dia de repouso ao Autor após decorridos sete dias de trabalho contínuo e consecutivo, ou seja, em vez de gozar um dia (ou vinte e quatro horas consecutivas) de descanso dentro de cada período de 7 dias, o trabalhador só tinha direito a repouso, pelo menos, no oitavo dia.
Desta forma, no dia em que deveria ter gozado descanso semanal, o Autor prestou trabalho à Ré, pelo que o seu direito terá que ser compensado.

       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo n.º 110/2019
(Autos de recurso laboral)

Data: 9/Maio/2019

Recorrente:
- Yyy Yyy Yyy, S.A. (Ré)

Recorrido:
- B (Autor)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da Yyy Yyy Yyy, S.A. no pagamento do montante de MOP$121.025,00, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$121.025,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do dia seguinte ao da notificação da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformada, interpôs a Ré recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“I. O presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização ao Autor B, no valor de MOP$121.025,00 compensação pelo trabalho prestado pelo Autor após 7 dias de trabalho consecutivo.
II. Entende a ora Ré que esta matéria foi incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece do vício de erro de julgamento e erro na aplicação do Direito.
III. Somos do entendimento que o Tribunal a quo não interpretou correctamente o sentido da norma ora em crise ou seja o artigo 17º do DL n.º 24/89/M, nem a norma contida no artigo 18º do mesmo diploma.
IV. A Recorrente não aceita que tenha violado o preceituado no referido n.º 1 do artigo 17º o qual, salvo devido respeito, não impõe a regra do descanso ao 7º dia, isto porque dispõe o n.º 1 do artigo 17º do DL n.º 24/89/M que: “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, (…)”, ou seja, o legislador refere-se a um período de sete dias, e não ao fim de sete dias, referindo-se, por seu lado, a um período de descanso de vinte e quatro horas sem se referir se o mesmo se refere a um dia, por exemplo, a uma segunda – feira, ou a parte de uma segunda – feira e parte da terça – feira seguinte, indo aliás neste sentido a nota n.º 3 do douto acórdão n.º 253/2002, citado pelo Tribunal a quo na decisão ora em crise, conforme se transcreve; “Nem estipula explícita e forçosamente que o trabalhador tem que descansar no domingo, mas sim apenas tem direito, em cada período de sete dias, a um dia de descanso, dia esse que poderia não ser o domingo, o que é estipulado explicitamente no artigo 17º, n.º 2.”
V. Por isso, é importante apurar se o descanso semanal tem de ser gozado sempre após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja, no 7º dia, conforme defendia o Autor e veio a ser aceite pelo Tribunal a quo, ou se, atento o sobredito artigo 17º, o empregador pode escolher, dentro de cada período de sete dias, o momento em que deve ocorrer o descanso, sem necessidade de ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho que ocorrem antes e depois do dia de descanso, considerando a Recorrente que apenas este último entendimento se compatibiliza com o espírito e com a letra da Lei, já que a norma diz é que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas; O qual será fixado de acordo com as exigências de funcionamento da empresa (n.º 2).
VI. Ora, a lei laboral em Macau não proíbe que se trabalhe mais do que seis dias consecutivos – como defendia o Autor e veio a ser entendido pelo Tribunal – mas apenas impõe que em cada período de sete dias, 24 horas consecutivas sejam de descanso e esse descanso pode calhar em qualquer um dos dias desse período de 7 dias, independentemente do número de dias de trabalho consecutivos que lhe precedem ou que se seguem, sendo que o dia de descanso pode, então, ser no 1º dia desse “período de sete dias”, no 2º dia do “período de sete dias”, no 3º dia desse “período de sete dias” ou até mesmo no 7º dia desse “período de sete dias”.
VII. Isto é, se em três períodos consecutivos de sete dias for concedido ao trabalhador 1 dia de descanso no primeiro dia do primeiro período de sete dias, outro dia de descanso no segundo dia do segundo período de sete dias e ainda outro dia de descanso no terceiro dia do terceiro período de sete dias, mostra-se cumprida a exigência legal – a de se conceder “em cada período de sete dias” um dia de descanso, já que a expressão “em cada período de sete dias” não impõe o momento exacto em que o descanso deve ocorrer, isto é, não impõe que seja no 7º, apenas determina o intervalo de tempo – sete dias – em que esse mesmo descanso deve ser gozado. Veja-se aliás que no mencionado artigo 17º não se faz menção a dias de trabalho consecutivo mas apenas exige que o período de descanso seja de 24 horas consecutivas em cada período de sete dias sem cuidar de saber quantos dias o trabalhador trabalhou antes desse dia e quantos vai trabalhar depois.
VIII. Do que se vem dizendo e do que se retira da leitura atenta do preceito parece evidente que o princípio do descanso semanal não equivale a um princípio de descanso ao sétimo dia, ou seja, ao fim de 6 dias de trabalho e diga-se também que o artigo 17º, n.º 1 tem necessariamente de ser interpretado em conjugação como n.º 2 que reconhece que “de acordo com as exigências de funcionamento da empresa” o período de descanso semanal será organizado pelo empregador, o que reforça que a intenção do legislador não foi impor o dia de descanso ao sétimo dia.
IX. Por outro lado, o legislador não impôs qualquer limitação ao número de dias de trabalho seguidos desde que o trabalhador goze de um período de descanso em cada período de sete dias, tanto assim é que o artigo 18º do DL 24/89/M expressamente prevê a possibilidade de não se gozar um período de descanso de 24 horas em cada período de 7 dias, caso em que ao trabalhador deve ser concedido um “descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção”, pois o legislador estando já ciente da realidade em Macau, fixou a excepção constante no artigo 18º do Decreto – Lei a qual veio a ser posteriormente confirmada no artigo 42º, n.º 2 da Lei 7/2008 (nova Lei das Relações de Trabalho), que prevê que “O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.” Não sendo, por isso, imperativo que esse descanso ocorra no sétimo dia de trabalho, tal como alega o Autor e veio a ser entendido pelo douto Tribunal. No caso concreto, em cada período de sete dias o Autor descansou, não necessariamente ao sétimo dia, porque a Lei nem sequer o impõe.
X. Pode até acontecer, em face ao que ficou provado, que o Autor nem sempre tenha descansado “em cada período de sete dias” mas a ser assim, deverá fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o Recorrido tiver que ser compensado será só e apenas dos dias de descanso em falta, ou seja, o mesmo é dizer que se se apurar que o Recorrido não descansou 52 dias no ano, mas apenas 46 dias, então só poderá ser compensado por 6 dias de descanso não gozado, mas nunca por 233 dias tal como decidido pelo Tribunal a quo.
XI. É que, tal como se vem defendendo, não se impunha à aqui Recorrente que na organização dos turnos dos seus trabalhadores o descanso fosse concedido ao 7º dia, mas apenas que, em cada período de sete dias, 24 horas consecutivas fosse de descanso e com isto se quer dizer que não importa que o trabalho seja organizado em turnos rotativos de 7 dias consecutivos findo os quais a entidade patronal concedia um dia de descanso, importando sim determinar se dentro de cada período de sete dias – ou “em cada período de 7 dias” – e tendo em conta a organização dos turnos rotativos o trabalhador gozou de 24 horas consecutivas de descanso.
XII. Pelo que carece por completo de fundamento a decisão recorrida na parte em que condena a Recorrente a pagar ao Recorrido uma indemnização pelo trabalho prestado no 7º dia como se se tratasse de trabalho prestado em dia de descanso semanal, verificando-se assim, salvo melhor opinião, uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal em violação do princípio do dispositivo consagrado no art.º 5º do CPC e, bem assim, o disposto nos artigos 17º e 18º do DL 24/89/M.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade, deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos supra explanados, com as demais consequências da lei,
Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
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Ao recurso não respondeu o Autor.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Entre 18/10/1996 e 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da XXXX, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente (Cfr. Doc. 1, que se junta para os legais efeitos). (A)
Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 279 trabalhadores não residentes) da XXXX para a Ré (YYY), com efeitos a partir de 22/07/2003. (B)
Entre 22/07/2003 e 30/06/2008, o Autor esteve ao serviço da Ré (YYY), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (C)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor auferiu da Ré um salário de base de HK$7.500,00 por cada mês de trabalho prestado. (D)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou as ordens e as instruções emanadas pela Ré. (1.º)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos, horários e postos de trabalho fixados pela Ré. (2.º)
Entre 22/07/2003 e 30/06/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (YYY) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (3.º)
Após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, seguia-se um período de 24 horas de descanso, em regra no oitavo dia, no total de 211 dias entre 22/7/2003 e 30/06/2008. (4.º)
O Autor gozou 32 dias de férias nos anos 2004 (6/4-7/5), 31 dias no ano 2005 (5/4-5/5), 29 dias no ano 2006 (16/5-13/6) e 24 dias nos anos 2007 (7-26/5), concedidas e organizadas pela Ré, no total de 116 dias. (5.º)
De onde se retira que entre 22/07/2003 e 30/6/2008, o Autor prestou 239 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (6.º)
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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Do suposto erro na aplicação de direito
Alega a recorrente que a lei laboral não impõe que o descanso semanal ocorra necessariamente no sétimo dia de trabalho, sendo assim, entende que deveria fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o trabalhador tiver que ser compensado será apenas dos dias de descanso em falta.
Ora bem, dispõe o n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M que “Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º”.
Melhor dizendo, dentro do período de 7 dias, o trabalhador tem direito a gozar vinte e quatro horas consecutivas de descanso, podendo este ser no primeiro, segundo, terceiro ou no sétimo dia, mas nunca no oitavo dia ou seguintes.
Como observa José Carlos Bento da Silva e Miguel Pacheco Arruda Quental1, “as razões que justificam a existência de um dia de descanso prendem-se com motivos de ordem física e psíquica (recuperar do desgaste provocado por uma semana de trabalho), de ordem familiar (aproveitar esse dia para conviver com a própria família) e também por razões de ordem social e cultural (esse período permite o convívio com amigos, a participação em manifestações de carácter público, ou para que o trabalhador possa tratar de assuntos do seu próprio interesse junto, por ex. de repartições públicas, etc.).”
Sendo assim, dúvidas de maior não restam de que impende sobre a entidade patronal a obrigação de facultar aos seus trabalhadores um dia, mais precisamente, vinte e quatro horas consecutivas de descanso dentro de cada período de sete dias, sob pena de violação da referida disposição legal.
No caso dos autos, provado está que entre 22.7.2003 e 30.6.2008, a Ré só atribuía um dia de repouso ao Autor após decorridos sete dias de trabalho contínuo e consecutivo, tendo, assim, prestado 239 dias de trabalho nos respectivos dias de descanso semanal.
Portanto, em vez de gozar um dia (ou vinte e quatro horas consecutivas) de descanso dentro de cada período de 7 dias, o trabalhador só tinha direito a repouso, pelo menos, no oitavo dia.
Desta forma, no dia em que deveria ter gozado descanso semanal, o Autor prestou trabalho à Ré, pelo que o seu direito terá que ser compensado, improcedem, pois, as razões da Ré nesta parte.
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Da alegada falta de fundamentação
Entende a recorrente que a sentença padece de vício de falta de fundamentação, por não ter sido alegado pelo recorrido nem ter apurado pelo Tribunal a quo quando e quantos dias de descanso foram concedidos ao recorrido.
Ora bem, segundo o alegado pelo Autor ora recorrido, diz que prestou a sua actividade de segurança para a Ré em regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos e que só gozava um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra, no oitavo dia, entendendo que deveria ser-lhe compensados 235 dias de trabalho.
Após o julgamento, ficou provado que entre 22.7.2003 e 30.6.2008, o Autor prestou funções de guarda de segurança em regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos e só podia gozar um dia de repouso decorrido cada período de sete dias, deixando, assim, de gozar 239 dias de descanso semanal.
Isto posto, dúvidas não restam de que verificada não está a pretensa falta de fundamentação, pois o autor ora recorrido não só alegou o que devia alegar, isto é, não gozou vinte e quatro horas consecutivas de descanso dentro de cada período de sete dias, tendo só gozado o respectivo dia compensatório, em regra, no oitavo dia, como também foi feita a prova desta parte da matéria, pelo que não padece a decisão recorrida do vício apontado.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela Yyy Yyy Yyy, S.A., ora recorrente, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, 9 de Maio de 2019

(Relator) Tong Hio Fong

(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto) Fong Man Chong

1 Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, CFJJ, 2006, pág. 92
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Recurso Laboral 110/2019 Página 8