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Processo nº 193/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 06 de Junho de 2019

ASSUNTO:
- Impugnação da decisão da matéria de facto
- Facto complementar/instrumental
- Responsabilidade solidária das concessionárias de jogo

SUMÁRIO :
- Sgundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
- Assim, a reapreciação da matéria de facto por parte deste TSI tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
- Pois, não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.
- O facto de que o depósito na Sala de VIP visa permitir a Autora exercer a actividade de bate-fichas, caso for provado, constitui um novo facto essencial, e não meramente instrumental ou complementar se a Autora, na petição inicial, alegou que o depósito destina-se para “為了避免在轉移資金或幸運博彩籌碼時的滅失風險及用於賭博”.
- Não tendo provado que o depósito tem conexão com a actividade da exploração de jogo de fortuna e azar, não é exigível a concessionária de jogo responder solidariamente nos termos do artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
O Relator,












Processo nº 193/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 06 de Junho de 2019
Recorrentes: A (Autora)
B Limitada (1ª Ré)
Recorridas: As Mesmas
C S.A. (2ª Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 26/09/2018, julgou-se parcialmente procedente a acção e, em consequência, decidiu-se
- condenou a 1ª Ré B Limitada a devolver à Autora A uma quantia de HKD$3,090,000.00, acrescido dos juros de mora, a taxa legal, contado a partir do 30/10/2015, até ao integral e efectivo pagamento.
- absolveu a 2ª Ré C S.A. dos pedidos formulados pela Autora.
Dessa decisão vêm recorrer a Autora e a 1ª Ré, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
Da Autora:
1. 根據已證事實j)、k)及q),毫無疑問有關存款行為一定發生在第二被告所經營的賭場內。
2. 至於存款目的此一問題,根據卷宗第201至203頁可見,上訴人除了在第一被告所經營的D貴賓會內開設了編號為8XXXXX69的博彩戶口外,其帳戶紀錄明顯亦顯示了上訴人由2015年04月份至2015年08月份均有在D貴賓會進行博彩活動的紀錄。
3. 而且證人於庭上亦指出上訴人是於第一被告所經營的D貴賓會內從事 “疊碼”工作的。
4. 根據上述證人的證言及上訴人帳戶內的數據,按一般的經驗法則而言, 因為上訴人是從事“疊碼”工作,以及有關涉案存款屬擔保金性質,那就更好地解釋有關涉案的款項是為了從事博彩業務而暫存於第一被告所經營的D貴賓會內。
5. 再者,眾所週知,涉案的“存碼”行為是澳門任一賭場必定會接受及提供予客人的服務。有關接受“存碼”的服務顯然就是博彩承批人及博彩中介人給予其客人的其中一種便利,因為移轉籌碼或現金會為客人帶來不便及有可能在轉移的途中存有滅失的風險。
6. 故此,接受“存碼”此一行為是第一被告從事博彩中介業務的其中之一所能提供的服務。
7. 所以,第一被告接受“存碼”之行為應視為第6/2002號行政法規第29 條所指的“在娛樂場進行的活動”。
8. 再者,中級法院第475/2018號合議庭裁判亦認為“存碼”行為是與賭博有直接性的關係。
9. 基於此,根據《民法典》第342條之規定,應推定涉案的港幣叄佰萬圓正(HKD3,000,000.00)是為了從事博彩業務而存入第一被告所經營的D貴賓會。
10. 另外,本案中,透過已證事實可見(尤其已證事實k)至v)),第一被告確實收取了上訴人的存款後再沒有歸還。
11. 有關行為顯然是違約及有可能觸犯刑事上的信任之濫用罪,如此,即足以斷定第二被告根本沒有盡責地履行了監察博彩中介人業務的義務。
12. 基於此,根據第6/2002號第29條之規定,第二被告應以連帶責任的方式與第一被告共同承擔向上訴人履行返還港幣叄佰萬圓正(HKD3,000,000.00)及相關遲延利息的義務。
*
A 2ª Ré C S.A. respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 340 a 354 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Da 1ª Ré:
1. O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, no que se refere às respostas dadas aos quesitos 2.º a 4.º e 5.º, e, sobre a douta sentença que deu provimento ao pedido formulado pela Autora contra a 2.ª Ré, ao pagamento do montante de MOP$3,090,000.00 (três milhões e noventa Patacas), acrescida de juros de mora a contar desde 30 de Outubro de 2015.
2. Há que frisar que a acção como configurada assentava num primeiro depósito feito pelo filho da Autora, testemunha, E, na conta n.º 8XXXXX68 detida por· este junto da ora Ré em 19 de Setembro de 2014, montante esse entregue à sua Mãe, Autora nos presentes autos, e, que, em 17 de Fevereiro de 2015, esse mesmo montante foi depositado na conta com o n.º 8XXXXX68 junto da ora Ré.
3. De forma a provar que os quesitos 2.º a 4.º e 5 da base instrutória deveriam ter sido dados como não provados, a Recorrente lançou mão dos seguintes meios que, a seu ver, impunham um julgamento diferente daquele que foi proferido pelo Tribunal Colectivo, i.e., prova testemunhal produzida pelas testemunhas da Autora, E, F, e a testemunhas da ora Recorrente, G. No que concerne à prova documental, a Recorrente baseou-se nos juntos aos autos, nomeadamente, prova documental, mormente, o talão de depósito junta como doc. n.º 11 da petição inicial, e a certidão extraída do processo de inquérito com o n.º 10653/2015, a fls. 201 e 202 dos presentes autos, junta com requerimento da Autora em 26 de Abril de 2018 para contra-prova.
4. Os quesitos 2.º, 3.º e 4.º e 5.º da base instrutória foram quesitados da seguinte maneira 2.º "Em 17 de Fevereiro de 2015, o filho da autora, E, levantou um montante de HKD3.000.000,00 em numerário da sua conta e entregou-o à Autora"; 3.º "Em 17 de Fevereiro de 2015, a autora depositou o supracitado montante de HKD3.000.000,00 em numerário na conta de apostas (n.º 8XXXXX69) aberta em nome dela própria em B VIP Club?" 4.º "Depositada a supracitada quantia, a 1.ª ré emitiu à autora um "recibo de depósito de fichas" n.º 0XXX32, do qual consta que "Certifica-se que (a depositante) A, com o número de cliente 8XXXXX69, depositou uma quantia de HKD3.000.000,00 em numerário?" 5.º "E o respectivo "recibo de depósito de fichas" foi assinado pelo tesoureiro responsável e testemunha de cena de VIP Club, para efeito de prova, bem como pela autora, para provar que tal quantia já foi depositada na conta de apostas aberta por em ela em B VIP Club?"
5. Tendo sido a resposta dada, nos seguintes termos: 2.º "Provado que em 17 de Fevereiro de 2015, o filho da autora, E, levantou um montante de HKD3.000.000,00 em numerário da sua conta e entregou-o à Autora"; 3.º "Provado que no em 17 de Fevereiro de 2015, a Autora depositou o supracitado montante de HKD3.000.000,00 em numerário conta de apostas (n.º 8XXXXX69) aberta em nome dela própria em D VIP Club. "; 4.º "Prcoado que depositada a supracitada quantia, a 1.ª Ré emtiu à Autora um "recibo de depósito de fichas", n.º 0XXX32, do qual consta que "Certifica-se que a (a depositante) A, com o n.º de cliente n.º 8XXXXX69, depositou uma quantia de HKD3.000.000,00 em numerário."; e 5.º "Provado apenas que o respectivo "recibo de depósito de fichas" foi assinado pelo tesoureiro da sala VIP Club e pela Autora para provar que tal quantia já foi depositada na conta de apostas aberta por ela em D VIP Clubno mesmo dia foi depositada pela Autora a quantia de de HKD$4,000,000.00 numa conta de sala de jogos da 2.ª Ré, sita no casino explorado pela 1.ª Ré, sito no NAPE, tendo aquela obtido o recibo com o n.º 0XXX10"
6. A convicção do tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas da Autora, nomeadamente da 2.ª testemunha, E, filho da Autora, 2.ª testemunha F, marido da Autora à data dos acontecimentos, permita-se o parênteses, testemunhas com interesse directo na causa e cujo depoimento não poderia ter sido valorado da forma como foi e, na prova documental, fls. 85 e 86, 199 a 203.
7. A resposta dada aos quesitos pelo tribunal a quo, impunha uma decisão diferente, porque, a ver da Recorrente, os depoimentos das testemunhas da Autora estão repletos de incongruências, apresentam uma versão ex novo dos factos, não condizente coma forma como a acção foi configurada e como o pedido se cristalizaram. (sublinhado e negrito nosso)
8. Do depoimento prestado pelas testemunhas da Autora resulta claro que, nenhuma das testemunhas viu o alegado talão de depósito apresentado pela Autora ser assinado, junto como doe. n.º 11 da petição inicial.
9. A isto acresce que a Autora alega que, houve uma entrega do montante de HKD$3,000,000.00, que havia sido previamente depositado na conta do filho da Autora, E.
10. Contudo, das várias passagens transcritas do filho da Autora e testemunha, a prova produzida que daí resultou foi em sentido perfeitamente contrário, ou seja, ao invés de uma entrega, falou-se de uma transferência do montante entre contas (da conta do filho para a conta Mãe) via telefone. (sublinhado e negrito nosso)
11. A isto acresce que é afirmado pela testemunha, E, que a Mãe, ora Autora e Recorrida, tinha poderes para movimentar a sua conta. Pelo que, não se entende o porquê de, alegadamente alguém da B, ora Recorrente, ter ligado à testemunha para dar autorização para que se fizesse aquela alegada transferência.
12. Ainda que se concedesse a transferência, o que não se concede, não podemos deixar de frisar que, nunca, em momento algum foi alegado pela Autora transferência de montantes, mas sim, depósito junto da ora Recorrente.
13. Outras incongruências se apontam, como o facto de a testemunha, E afirmar que lhe ligaram por volta das 6 da tarde, quando consta dos autos, um talão de depósito a titular o depósito da Autora com o n.º DA0XXX32, com a seguinte hora 15h42, facto suportado pela prova documental.
14. Mas as incogruências não páram por aqui, pois, pessoas que agem corno "batefichas" não é razoável nem aceitável que, nunca mais se preocupem com dinheiro que seja depositado numa tesouraria, corno parece ter sido o casoçlesta testemunha. Mesmo que seja o da própria Mãe! (sublinhado nosso)
15. O ónus da prova recai e recaíu sobre a Autora, pois, de acordo com a versão apresentada, ou seja, um depósito feito na conta do seu filho, subsequente entrega desse montante à Autora e depósito realizado pela Autora na sua conta, sustentado por um talão de depósito, foram estes os factos que motivaram a pretensão da Autora e a configuração da acção nestes moldes! E não, depósito sem levantamento e transferência entre a conta da testemunha, E, filho da Autora, para a conta da Mãe, ora Autora e Recorrida!
16. Para além do que tal conduta, é atentatória ao princípio da estabilidade da instância!
17. Do depoimento da testemunha da testemunha da ora Recorrente, G, resultou que era dado um talão original quando fosse realizado um depósito junto da tesouraria da ora Ré e, que esse mesmo talão teria que ser apresentado para efeitos de levantamento de qualquer montante que lá estivesse depositado.
18. Ou seja, tal depoimento colide com a versão de factos, como apresentada pela Autora, que nos quer parecer fazer crer que, o montante foi transferido por telefone, com a anuência do filho da Autora.
19. Nos autos, a não ser pela prova testemunhal da Autora, indicando uma nova versão nova dos factos, apenas existe o talão de depósito com o n.º DA0XXX32, supra melhor referido e os documentos a fls. 201 e 202, informação retirada pela Polícia Judiciária do sistema informático da ora Ré, e relembre-se, junta pela Autora aos presentes autos, em que se pode verificar que o montante de HKD$3,000,0000.00 (três milhões de dólares de Hong Kong) identificados no talão de depósito supra melhor identificado foi depositado e levantado.
20. Mais, de acordo com aquele sistema informático, o que daí se retira é que o saldo da conta se encontra a zeros!
21. Como já aflorado anteriormente, cumpria à Autora fazer prova bastante sobre esta situação, na medida em que, foi a Autora quem trouxe à colação estes elementos. E mais, não pode a ora Autora, muito menos o tribunal a quo bastar-se com o que de bom traz a certidão, a fls. 201, ou seja, o depósito, e se alhear do levantamento que também lá consta!
22. Não se concede também que, conforme referido no acórdão de matéria de facto, devido "a desavenças familiares" tenha sido dada uma ordem de transferência para a conta da Autora e, que se possam ter dado como provados os quesitos relativos ao depósito do montante de HKD$3,000,000.00 (três milhões de dólares de Hong Kong) por parte filho da Autora, com base apenas e só depoimento daquele e numa transferência de dinheiro, matéria sequer quesitada na base instrutória!
23. É claro e notório que os levantamentos são feitos mediante apresentação do talão original, o que não foi o que sucedeu, e, confirmado pela testemunha que nunca mais quis saber de tal.
24. Ora, a douta sentença recorre às regras de experiência e senso comum, contudo, vai contra toda a lógica da experiência e senso comum, que se abra uma conta num dia, no mesmo dia temos um alegado talão de depósito emitido pela ora Ré mas, que afinal, foi de um montante alegadamente transferido da conta do filho, E, para a conta da Autora. Isto de acordo com a prova testemunhal produzida pela Autora.
25. O princípio da apreciação da livre prova é mister em sede processual mas, face a tantas incongruências e à não conjugação da prova testemunhal com a prova documental, há que fazer a ligação com o princípio previsto no artigo 437.º do Código de Processo Civil que dispõe que: "A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita."
26. Ou seja, no caso em apreço, nunca se poderia provado um depósito nos termos em que foi feito pelo tribunal a quo, partindo duma transferência entre contas, matéria essa que não estava quesitada.
27. A isto acresce que, a matéria documental e testemunhal, referimo-nos à prova produzida pela Autora, para além de não coincidir com a versão apresentada, colide com a prova documental constante dos presentes autos.
28. Isto porque, o montante a ter sido depositado como consta dos registos e, não da maneira como a Autora alegou, foi levantado.
29. Ora, ao ser levantado e sendo o balanço da Autora junto da ora Ré, zeros, nunca poderia a ora Recorrente ser condenada ao pagamento da quantia de HKD3,000,000.00 (três milhões de dólares de Hong Kong). Isto porque a Autora não é credora de qualquer montante junto da ora Ré e, por seu turno, a ora Recorrente não é devedora de qualquer quantia!
30. Pelo que, ao dar como provados os quesitos 2.º a 4.º e 5.º, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de deficiência, falta de fundamentação, tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.º e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil.
31. A sentença funda-se no facto de ter sido dado como provado o depósito de três milhões de dólares de Hong Kong junto da ora Recorrente e na entrega desse montante pelo filho da Autora, para condenar a ora Recorrente no pagamento dessa quantia.
32. A relação de depósito pressupõe que haja uma obrigação de entrega e uma obrigação de restituição, tudo nos termos do artigo 1111.º do Código Civil e muito mal andou o tribunal a quo, pois, a obrigação de entrega e uma obrigação de restituição, não foram consubstanciadas pela Autora nem transpostas para os autos.
33. E, ainda que se tratasse de uma mera entrega de dinheiro, recuperamos o acórdão acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de Junho de 2013, quando refere "2 - A mera deslocação de dinheiro do património de uma pessoa para o património de outra pessoa não equivale nem integra, só por si, um contrato de mútuo; e não havendo mútuo, também não se pode/deve concluir que, então, a deslocação foi gratuita e por espírito de liberalidade e que estamos perante uma doação ou, ainda e quando muito, que a deslocação patrimonial foi sem causa conhecida, sendo subsumível ao instituto do enriquecimento sem causa.
3 - A falta de causa justificativa (com o sentido do ari. 473.º/1 do CC) para a deslocação/atribuição patrimonial, não se basta com a não prova da causa invocada, sendo necessário alegar e fazer a prova positiva da falta de causa para a atribuição."
34. Não obstante, o que foi dito pela testemunha da Autora, E, não nos podemos conformar, pois entrega não equivale a transferência nem a depósito da referida quantia. E há que explicar cabalmente o que originou a entrega e a obrigação de restituir, o que não sucedeu.
35. Razão pela qual, deverá ser a sentença revogada na parte em que é condenada a pagar a quantia de HKD$3,000,000.00 (três milhões de dólares de Hong Kong) acrescida de juros legais a contar de 30.10.2015 até efectivo e integral pagamento
36. No que aos juros de mora concerne, semelhante raciocínio se impõe, i.e., por se entender que inexiste a obrigação de indemnização e consequente restituição, não poderá a Recorrente ter sido condenada ao pagamento de juros a contar desde 10 de Outubro de 2015.
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A Autora respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 333 a 338 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) A 1ª Ré foi estabelecida em Macau em 12 de Julho de 2006 e registada na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis de Macau, em 22 de Agosto de 2006, sob o nº 25XXXS0; (alínea a) dos factos assentes)
b) A sua actividade reside na promoção do jogo de fortuna ou azar em casino ou outros jogos; (alínea b) dos factos assentes)
c) A 2ª Ré foi estabelecida em 17 de Outubro de 2001 e registada no mesmo dia na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o nº 14XXXS0; (alínea c) dos factos assentes)
d) A sua actividade reside na exploração dos jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino; (alínea d) dos factos assentes)
e) Em 28 de Junho de 2002, a 2ª Ré celebrou com a RAEM o “contrato de concessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino na RAEM”; (alínea e) dos factos assentes)
f) Em 08 de Setembro de 2006, a 2ª Ré celebrou com a RAEM a “primeira alteração ao contrato de concessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino na Região Administrativa Especial de Macau”; (alínea f) dos factos assentes)
g) Segundo a cláusula 106ª do contrato referido no ponto 5 da petição inicial, em 27 de Junho de 2002 esse contrato produziu efeitos; (alínea g) dos factos assentes)
h) A partir de 2005, a 1ª Ré tem sido promotor de jogo com a licença de número E089; (alínea h) dos factos assentes)
i) Como a 1ª Ré e a 2ª Ré celebraram o “contrato de promoção de Jogo” e a “convenção de concessão de crédito”, pelos quais, a 1ª Ré foi autorizada pela 2ª Ré para exercer actividades de promotor de jogo e de concessão de crédito no seu estabelecimento; (alínea i) dos factos assentes)
j) A 1ª Ré estabeleceu B VIP Club no estabelecimento da 2ª Ré; (alínea j) dos factos assentes)
k) Em 19 de Setembro de 2014, a Autora depositou uma quantia de HKD3.000.000,00 em numerário na conta de apostas (nº 8XXXXX68) aberta em nome do seu filho, E, em B VIP Club; (resposta ao quesito nº 1 da base instrutória)
l) A Autora é cliente de B VIP Club explorado pela 1ª Ré; (resposta ao quesito nº 1-A da base instrutória)
m) A Autora tem uma conta de apostas nº 8XXXXX69 aberta em B VIP Club; (resposta ao quesito nº 1-B da base instrutória)
n) A 1ª Ré emitiu a E, o filho da Autora, um “recibo de depósito de fichas” nº 0XXX53, do qual consta que “Certifica-se que (o depositante) E, com o número de cliente 8XXXXX68, depositou uma quantia de HKD3.000.000,00 em numerário”; (resposta ao quesito nº 1-C da base instrutória)
o) O respectivo “recibo de depósito de fichas” foi assinado tanto pelo tesoureiro responsável e testemunha da sala de VIP Club para efeito de prova, bem como pelo filho da Autora, E, para provar que tal quantia já foi depositada na conta de apostas aberta por ele em B VIP Club; (resposta ao quesito nº 1-D da base instrutória)
p) Em 17 de Fevereiro de 2015, o filho da Autora, E, levantou um montante de HKD3.000.000,00 em numerário da sua conta e entregou-o à Autora; (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
q) Em 17 de Fevereiro de 2015, a Autora depositou o supracitado montante de HKD3.000.000,00 em numerário na conta de apostas (nº 8XXXXX69) aberta em nome dela própria em B VIP Club; (resposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
r) Depositada a supracitada quantia, a 1ª Ré emitiu à Autora um “recibo de depósito de fichas”, nº 0XXX32, do qual consta que “Certifica-se que (a depositante) A, com o número de cliente 8XXXXX69, depositou uma quantia de HKD3.000.000,00 em numerário”; (resposta ao quesito nº 4 da base instrutória)
s) O respectivo “recibo de depósito de fichas” foi assinado pelo tesoureiro da sala VIP Club e pela Autora, para provar que tal quantia já foi depositada na conta de apostas aberta por ela em B VIP Club; (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
t) No “recibo de depósito de fichas” nº 0XXX32 não consta a assinatura de quem procedeu ao levantamento nem a data de levantamento; (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)
u) Em Setembro de 2015, a Autora exigiu que a 1ª Ré lhe devolvesse o montante de HKD3.000.000,00; (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
v) Até agora, a Autora ainda não conseguiu levantar o supracitado montante de HKD3.000.000,00. (resposta ao quesito nº 8 da base instrutória)
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III – Fundamentação
A. Do recurso da 1ª Ré:
1. Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Vem a 1ª Ré impugnar a decisão da matéria de facto respeitante aos quesitos 2º a 5º da base instrutória, a saber:

   Em 17 de Fevereiro de 2015, o filho da Autora, E, levantou um montante de HKD3.000.000.00 em numerário da sua conta e entregou-o à Autora?

    Em 17 de Fevereiro de 2015, a Autora depositou o supracitado montante de HKD3.000.000,00 em numerário na conta de apostas (nº 8XXXXX69) aberta em nome dela própria em B VIP Club?

   Depositada a supracitada quantia, a 1ª Ré emitiu à Autora um “recibo de depósito de fichas”, nº 0XXX32, do qual consta que “Certifica-se que (a depositante) A, com o número de cliente 8XXXXX69, depositou uma quantia de HKD3.000.000,00 em numerário”?

   E o respectivo “recibo de depósito de fichas” foi assinado pelo tesoureiro responsável e testemunha de cena de VIP Club, para efeito de prova, bem como pela Autora, para provar que tal quantia já foi depositada na conta de apostas aberta por ela em B VIP Club?
As respostas dadas aos referidos quesitos foram as seguintes:
Quesito 2º: “Provado”.
Quesito 3º: “Provado”.
Quesito 4º: “Provado”.
Quesito 5º: “Provado que o respectivo “recibo de depósito de fichas” foi assinado pelo tesoureiro da sala VIP Club e pela Autora, para provar que tal quantia já foi depositada na conta de apostas aberta por ela em B VIP Club”.
Na óptica da 1ª Ré, os factos vertidos nos quesitos 2º a 5º deveriam ser dados como não provados.
Para sustentar a sua posição, indicou o depoimento das suas testemunhas E, e F, bem como tentou distinguir o sentido de “para depositar” e “depositar” para afirmar que é impossível dar provada a existência da relação depósito entre ela e a Autora.
Quid juris?
Como é sabido, segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
A justificar tal princípio e aquilo que permite a existência do mesmo, temos que o Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente, a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
Sobre o princípio da imediação ensina o Ilustre Professor Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil, I, 175), que “é consequencial dos princípios da verdade material e da livre apreciação da prova, na medida em que uma e outra necessariamente requerem a imediação, ou seja, o contacto directo do tribunal com os intervenientes no processo, a fim de assegurar ao julgador de modo mais perfeito o juízo sobre a veracidade ou falsidade de uma alegação”.
Já Eurico Lopes Cardoso escreve que “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.” (in BMJ n.º 80, a fls. 220 e 221)
Por sua vez Alberto dos Reis dizia, que “Prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador seguindo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei. Daí até à afirmação de que o juiz pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas, vai uma distância infinita. (...) A interpretação correcta do texto é, portanto, esta: para resolver a questão posta em cada questão, para proferir decisão sobre cada facto, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, forma sua convicção como resultado de tal apreciação e exprime-a na resposta. Em face deste entendimento, é evidente que, se nenhuma prova se produziu sobre determinado facto, cumpre ao tribunal responder que não está provado, pouco importando que esse facto seja essencial para a procedência da acção” (in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora IV, pago 570-571.)
É assim que “(...) nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (artº 436º do CPC), do ónus da prova (artº 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (artº 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (artº 557º do CPC), da livre apreciação das provas (artº 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é "livre" até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito do artºs. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo. Só assim se compreende a tarefa do julgador, que, se não pode soltar os demónios da prova livre na acepção estudada, também não pode hipotecar o santuário da sua consciência perante os dados que desfilam à sua frente. Trata-se de fazer um tratamento de dados segundo a sua experiência, o seu sentido de justiça, a sua sensatez, a sua ideia de lógica, etc. É por isso que dois cidadãos que vestem a beca, necessariamente diferentes no seu percurso de vida, perante o mesmo quadro de facto, podem alcançar diferentes convicções acerca do modo como se passaram as coisas. Não há muito afazer quanto a isso.” (Ac. do TSI de 20/09/2012, proferido no Processo n° 551/2012)
Deste modo, “A reapreciação da matéria de facto por parte desta Relação tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação” (Ac. do STJ de 21/01/2003, in www.dgsi.pt)
Com efeito, “não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.(...).” (Ac. do RL de 10/08/2009, in www.dgsi.pt.)
Ou seja,
Uma coisa é não agradar o resultado da avaliação que se faz da prova, e outra bem diferente é detectarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.
No caso em apreço, o Tribunal a quo justificou a sua convicção pela forma seguinte:
   “…
   A convicção do tribunal relativamente à matéria dos itens 1º, 1ºC e 1ºD, para além de ter sido confessada pela 1ª Ré na sua contestação – artº 4º por referência aos artº 16º e 18º da p.i. -, resulta também do documento de fls. 83/84 e foi relatada pelas duas primeiras testemunhas ouvidas as quais disseram ser, respectivamente, filho e marido (ao tempo, actualmente ex-marido) da A., sendo que, segundo contaram o depósito dos três milhões resultou do dinheiro que a Autora obteve com recurso ao crédito junto do BOC dando em garantia uma fracção autónoma, o que está documento a fls. 52 a 82 – certidão do registo predial, escritura pública e caderneta bancária onde consta o levantamento -.
   A matéria dos itens 1ºA e 1ºB foi também confessada pela 1ª Ré na sua contestação – artº 4º por referência aos artº 11º e 12º da p.i. -, documentos a fls. 201 a 203 e igualmente o depoimento das duas primeiras testemunhas ouvidas, já supra indicadas.
   A matéria constante dos itens 2º a 6º resulta do depoimento da primeira testemunha ouvida o qual confirma que por desavenças familiares entre si e a sua mãe, esta mandou proceder à transferência do dinheiro que estava na conta que terminava em 168 e que pertencia à primeira testemunha para a conta da sua mãe e aqui Autora que terminava em 169, sendo que, da sala VIP lhe telefonaram a perguntar se autorizava a transferência o que este autorizou uma vez que o dinheiro não era seu mas da sua mãe aqui Autora, situação esta que, segundo as regras da experiência é a forma utilizada pelas salas VIP para autorizarem o levantamento de quantias das contas dos seus clientes, uma vez que, estando quase sempre relacionadas com a actividade de bate fichas os levantamentos nem sempre são feitos pelo titular da conta mas por pessoal que trabalha para este e vai à sala com clientes, sendo os levantamentos normalmente feitos através de autorização dada pelo titular da conta por telefone, através de número previamente fornecido para o efeito. Contudo a Ré nem sequer põe em causa que o levantamento haja sido feito e embora em sede de inquirição venha suscitar a questão de que o talão de depósito havia de ser entregue quando a quantia foi levantada (o que a sua testemunha, a terceira a ser ouvida confirma dizendo que quando as quantias são levantadas se tem de entregar o talão de depósito), o certo é que, não explica a 1ª Ré como é que reconhecendo que o depósito foi levantado continua na posse do depositante o talão de depósito cuja autenticidade não questiona. A razão – desavenças familiares – e a ordem de transferência da conta 168 para a conta da Autora é também confirmado pela segunda testemunha ouvida e ex-marido da Autora. O documento de fls. 85 e 86 bem como os documentos de fls. 199 a 203 confirmam a realização do depósito o qual até consta dos registos elaborados pela 1ª Ré. No que concerne a eventuais levantamentos da quantia depositada a 1ª Ré nem sequer invoca essa matéria pelo que é irrelevante o que a respeito a própria Autora alega a fls. 197 e 198, sendo certo que, em momento algum a 1ª Ré apresenta os documentos que suportam o eventual levantamento da quantia depositada. A terceira testemunha ouvida e que seria Directora de Tesouraria da 1ª Ré vem dizer que as contas tanto podem ter uma numeração sequencial como serem-lhes atribuídos números escolhidos pelos clientes se ainda não estiverem a ser usados e desde que o seu superior autorize, desconhecendo como foi atribuída a numeração das contas da Autora e do seu filho, pelo que, daqui nada se pode concluir quanto à estranhesa entre o tempo que supostamente mediou entre a abertura das contas e o de terem números sequenciais. Pelo que, com base nestes elementos convenceu-se o tribunal pela veracidade desta matéria.
   A matéria dos itens 7º e 8º resultou do depoimento das duas primeiras testemunhas ouvidas…”.
Ora, em face da prova efectivamente produzida e atentas as regras e entendimento acima enunciados, não assiste razão à 1ª Ré ao colocar em causa a apreciação e julgamento da matéria de facto realizada pelo douto Tribunal a quo que não poderia ter decidido em sentido diverso daquele que decidiu.
Face ao expendido, é de negar provimento ao recurso nesta parte.
2. Do mérito da sentença condenatória:
A sentença recorrida na parte que diz respeito à condenação da 1ª Ré tem o seguinte teor:
   “…
   Cumpre apreciar e decidir.
   De acordo com o disposto no artº 1070º do C.Civ. «mútuo é o contrato pelo qual uma parte empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade».
   Segundo o artº 1111º do C.Civ. «depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e a restitua quando for exigida». «Diz-se irregular o depósito que tem por objecto coisas fungíveis» - cf. artº 1131º do C.Civ. -, aplicando-se ao depósito irregular as normas relativas ao contrato de mútuo.
   Por sua vez o Código Comercial sob o título de contratos bancários, nos artigos 840º e seguintes regula o depósito bancário como sendo o depósito de uma quantia em dinheiro num banco mediante a obrigação por banda deste de a restituir em moeda da mesma espécie.
   Ora, da factualidade apurada nas alíneas k) a t) o que resulta ter acontecido foi que mediante acordo celebrado entre a Autora e a 1ª Ré aquela entregou a esta numerário/fichas vivas com o valor monetário de HKD3.000.000,00.
   Resulta das regras da experiência ser prática corrente nas salas VIP os clientes constituírem contas que segundo o acordado tanto podem permitir ao cliente obter empréstimos em fichas de jogo até determinado valor, como também permitir ao cliente depositar as fichas que comprou ou ganhou nessa mesma conta até voltar a jogar ou decidir levantá-las, e a depositar também numerário.
   Simultaneamente, não é menos frequente, encontrarem-se situações em que as salas VIP necessitando de se financiar oferecem remunerações por esses depósitos.
   Embora esta actividade tenha semelhanças e ande próxima dos contratos bancários, quando feita através de fichas de jogo, ela não se confunde com a actividade bancária, tal como também acontece com os empréstimos a que alude a Lei nº 5/2004.
   Assim sendo, e tendo o depósito sido feito em numerário, como tal fungível, face à factualidade apurada impõe-se concluir que a situação sub judice se enquadra nos depósitos irregulares, estando sujeita ao regime do mútuo nos termos do artº 1132º do C.Civ.
   Destarte, o depósito será remunerado ou não consoante o que as partes convencionarem de acordo com o artº 1072º do C.Civ., sendo que no caso em apreço nada se alegou ou demonstrou quanto a essa matéria.
   Quanto ao prazo da entrega segundo o nº 2 do artº 1075º do C.Civ. (aqui aplicado “ex vi” artº 1132º do C.Civ.) não se tendo fixado prazo pode qualquer das partes pôr termo ao contrato desde que o denuncie com a antecedência de trinta dias.
   Ora, provando-se que a 2ª Ré foi interpelada em Setembro de 2015, - havendo que ficcionar ter sido no último dia do mês por não se ter apurado o dia em concreto,- para devolver a quantia depositada, impõe-se concluir que a 1ª Ré havia de ter entregue à Autora fichas vivas no valor de HKD3.000.000,00 ou o valor correspondente em numerário, no dia 30 de Outubro de 2015.
   Não o tendo feito incorreu a 1ª Ré em incumprimento.
   Para além da entrega da coisa depositada pede a Autora a condenação no pagamento dos juros legais.
   De acordo com o disposto no artº 787º do C.Civ. o devedor que falte ao cumprimento da sua obrigação incorre na obrigação de indemnizar o que, no caso de obrigações pecuniárias (como é o caso dos autos) corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora – artº 795º do C.Civ. –, que na ausência de taxa fixada pelas partes devem ser calculado à taxa dos juros legais.
   Concluindo deve ser ordenada a restituição à Autora da quantia de HKD3.000.000,00 acrescida de juros legais a contar de 30.10.2015 até efectivo e integral pagamento.
   Da responsabilidade solidária das Rés.
   A este respeito invoca a Autora a responsabilidade solidária das Rés com base no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 uma vez que a 1ª Ré é um promotor de jogo que desenvolvia a sua actividade no casino da 2ª Ré.
   A Lei nº 16/2001 no seu artº 1º define o seu âmbito e objectivo, assim como no artº 2º, nº 1, 6) define o que se entende por promotor de jogo.
   A responsabilidade das concessionárias pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo enunciada no artº 23º da Lei 16/2001 visa salvaguardar os objectivos consagrados no artº 1º da mesma lei.
   A não se entender assim e cabendo numa das possíveis atribuições do promotor de jogo facultar transporte aos jogadores, poderia colocar-se a questão de, ocorrendo acidente de viação durante esse transporte e impendendo sobre o promotor de jogo também transportador a obrigação de indemnizar, se dessa obrigação também seria solidariamente responsável a concessionária? Ora, salvo melhor opinião a resposta só pode ser negativa, ainda que esse transporte seja feito para ou do casino, vindo ou para ir jogar.
   A responsabilidade solidária da concessionária não pode ser outra que não seja a forma como se exerce a actividade de jogo de fortuna e azar e já não quanto a tudo o mais que ocorre para lá do jogo.
   Ora, pese embora se haja provado a alegada relação entre as Rés – concessionária/promotora de jogo - o certo é que, o acordo celebrado entre a Autora e a 1ª Ré não está relacionado com a actividade de jogos de fortuna e azar, nem com esta tem relação alguma.
   Apesar de como já se referiu a existência destes depósitos e, ou mútuos entre os promotores de jogo e os seus clientes ou financiadores ser paralelo à actividade dos jogos de fortuna e azar o certo é que ela não é conexa com o exercício da actividade de jogos de fortuna e azar.
   A concessionária será responsável se a actividade desenvolvida pelo promotor de jogo não respeitar os princípios consagrados na lei para os jogos lícitos de fortuna e azar, mas de modo algum poderá ser responsável por outros actos que esses mesmos promotores de jogo pratiquem, nomeadamente na obtenção de financiamento ou depósitos.
   Destarte, uma vez que no caso em apreço a solidariedade não resulta da lei nem da vontade das partes, face ao disposto no artº 506º do C.Civ. não é a 2ª Ré responsável pela devolução do depósito feito pela Autora na 1ª Ré, improcedendo quanto àquela a acção.
   Nestes termos e pelos fundamentos expostos julga-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada e em consequência condena-se a 1ª Ré a devolver à Autora a quantia de MOP3.090.000,00 acrescida dos juros de mora à taxa dos juros legais a contar de 30.10.2015 até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a 2ª Ré dos pedidos.
   Custas a cargo da 1ª Ré.
   Registe e Notifique.…”.
Trata-se duma decisão que aponta para a boa solução do caso com a qual concordamos na sua íntegra, pelo que ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, negamos provimento ao recurso da 1ª Ré nesta parte, remetendo para os fundamentos invocados na decisão impugnada.
B. Do recurso da Autora:
Na óptica do Autor, o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento ao absolver a 2ª Ré do pedido com fundamento na insuficiência de factos que permitem imputar àquela a falta de cumprimento do dever de fiscalização da actividade desenvolvida pela 1ª Ré no seu Casino, legalmente previsto na al. 5) do artº 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
Pois, entende que o Tribunal a quo deveria considerado, ao abrigo do nº 2 do artº 5º do CPC, o facto instrumental/complementar resultante do depoimento da testemunha E, no sentido de que o depósito do numerário no valor de HKD$3.000.000,00 na Sala de VIP da 1ª Ré visa permitir a Autora exercer a actividade de bate-fichas, retirando assim a ilação judicial de que o depósito em causa tem conexão com a promoção da actividade de jogo e azar.
Quid júris?
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
Vejamos.
Em primeiro lugar, o facto de que o depósito em causa visa permitir a Autora exercer a actividade de bate-fichas, caso for provado, constitui um novo facto essencial, e não meramente instrumental ou complementar tal como é pretendido pela Autora, já que a Autora, na petição inicial, alegou que o depósito destina-se para “為了避免在轉移資金或幸運博彩籌碼時的滅失風險及用於賭博”.
Não sendo facto instrumental ou complementar, o Tribunal não pode dele conhecer sem alegação das partes.
Em segundo lugar, ainda que fosse instrumental ou complementar, não significa que o Tribunal a quo tem de acreditar no depoimento da testemunha, dando-o como provado.
Quanto à presunção judicial, a mesma consiste na ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, e só é admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (cfr. artºs 342º e 344º do C.C.).
No caso em apreço, nenhum facto assente e provado permite o Tribunal retirar a ilação de que o depósito em causa tem conexão com a promoção da actividade de jogo e azar.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento aos recursos interpostos pela Autora A e pela 1ª Ré B Limitada, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pelas Autora e 1ª Ré.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 06 de Junho de 2019.

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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong




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193/2019