Processo nº 486/2019 Data: 13.06.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime(s) de “furto”.
“Modo de vida”.
Circunstância qualificativa.
Dupla agravação.
Pena.
SUMÁRIO
1. Para que se verifique a circunstância qualificativa do “modo de vida”, necessário não é nem a “habitualidade” nem a “profissionalização”, bastando que se comprove a existência de uma série mínima de “burlas”, envolta numa intencionalidade que possa dar substância a um modo de vida tal como este conceito é entendido pelo comum dos cidadãos, cabendo também notar que a mesma não é incompatível com o exercício, pelo agente, de outra actividade, lícita ou não e remunerada ou não.
2. In casu, ponderando na factualidade dada como provada, nomeadamente, que os vários crimes de “furto” foram todos eles cometidos em “autocarros de transportes colectivos públicos”, tendo o arguido adquirido o cartão “Macau Pass” para neles poder circular de forma ilimitada, (e visto até que no âmbito do Processo n.° CR2-18-0371-PCC foi igualmente condenado por um crime de “furto qualificado”), mostra-se de considerar que o arguido fazia da prática de furtos “modo de vida”, pois que, da referida matéria de facto, constata-se que o arguido se “dedicava a prática de frutos”, e, atento ao seu número, (5), e ao seu “modus operandi”, resulta evidente a sua “intencionalidade” de os praticar com a mesma regularidade (e estabilidade) de quem se dedica a um trabalho ou profissão.
3. Se em relação aos crimes de “furto” pelo arguido cometidos concorrerem “duas circunstâncias qualificativas” – as da alínea b) e h) do n.° 1 do art. 198° do C.P.M. – só uma deve ser considera para efeito de determinação da pena aplicável, sendo a outra (tão só) ponderada em sede da medida concreta da pena; (cfr., n.° 3).
O relator,
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Processo nº 486/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, (1°) arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como autor material e em concurso real de 5 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão cada, e em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, assim como no pagamento das indemnizações discriminadas no Acórdão do T.J.B.; (cfr., fls. 1447 a 1459-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido, recorreu o Ministério Público.
No seu recurso, e em sede de conclusões que a final da motivação apresentada produz, considera que com base nos “factos provados” relativos à conduta do arguido, deve-se convolar a condenação do arguido, passando a ficar condenado como autor da prática de 5 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. b) e h) do C.P.M., como acusado estava; (cfr., fls. 1476 a 1482).
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Respondendo, diz o arguido que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 1487 a 1489).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“O Ministério Público traz a escrutínio, no presente recurso penal, o acórdão condenatório de 1 de Março de 2019, do 1.° Juízo Criminal, verberando o enquadramento penal dos factos tidos como provados, porquanto, em seu critério, eles integram crimes de furto da previsão do artigo 198.°, n.° 1, alíneas b) e h), do Código Penal, sendo certo que o acórdão entendeu que apenas estavam em causa crimes previstos pela alínea b) do referido artigo 198.°, n.° 1, e não já pela sua alínea h).
Trata-se de saber se, face à matéria dada como provada, o arguido devia ter sido punido também por referência à circunstância fazendo da prática de furtos modo de vida.
Temos por bem acompanhar a posição assumida pelo Ministério Público na sua motivação do recurso, permitindo-nos remeter para a sua pertinente argumentação, sem embargo de alguma dificuldade que a matéria provada e não provada pode levantar.
Deu-se, com efeito, como provado que, antes de detido, o arguido A era trabalhador e auferia mensalmente a quantia de RMB ¥ 5.000 a 6.000; e teve-se por não provado que o arguido fizesse da prática de furtos modo de vida.
Pois bem, como a Exm.a colega salienta na motivação do recurso, para funcionamento da qualificativa em causa não é necessário que o agente actue com profissionalidade, exclusividade e continuidade de ocupação, intentando dessa única forma prover ao seu sustento. Basta que a actividade de furto desempenhe um contributo, desejado, para o seu sustento. É este também o entendimento de Faria Costa e de Paulo Pinto de Albuquerque, em comentário ao artigo 204.° do Código Penal Português, respectivamente in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, Tomo II, a páginas 70 e seguintes, e Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, à páginas 639.
Portanto, a circunstância de se ter provado que o arguido, antes de detido, era trabalhador e auferia mensalmente a quantia de RMB ¥ 5.000 a 6.000, não obsta a que se possa concluir no sentido de que fazia modo de vida da prática de furtos.
Por outro lado, igualmente se crê que a circunstância de se ter por não provado, em matéria de facto, que o arguido fazia da prática de furtos o seu modo de vida, não se apresenta decisiva para afastar a hipótese de qualificar a actividade como integrada na alínea h) do artigo 198.°, n.° 1, do Código Penal. É que, em rigor, não se está ante um facto, mas perante uma conclusão, pelo que a respectiva resposta haverá que ter-se por não escrita.
E sendo assim, como cremos, afigura-se que não há obstáculo ponderoso a que se possa chegar à conclusão da verificação da agravante modo de vida através da conjugação dos vários elementos apontados na motivação do recurso, que aqui reiteramos, os quais sugerem e inculcam alguma regularidade e reiteração na conduta do arguido contra a propriedade alheia, visando angariar proventos, pecuniários ou de expressão pecuniária, assim incrementando o seu rendimento.
E, verificada essa agravante, desnecessária à qualificação do furto, dada a concorrência de outra – a da alínea b) – será ela valorada na determinação da medida da pena, importando, a este nível, a alteração sugerida na motivação do recurso – artigo 198.°, n.° 3, do Código Penal.
Ante o exposto, propendemos para o provimento do recurso, integrando-se a conduta do arguido na previsão do artigo 198.°, n.° 1, alíneas b) e h), do Código Penal, e fazendo-se funcionar uma das agravantes ao nível da determinação da medida da pana, aumentando-se esta nos termos propostos na motivação do recurso”; (cfr., fls. 1585 a 1586).
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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Colectivo a quo foram dados como provados os factos seguintes:
“ 1.
Os arguidos, A, B e C, são residentes do Interior da China e, entraram, por várias vezes, em Macau com os outros suspeitos. Os arguidos compraram o cartão “Macau Pass” e utilizaram-no frequentemente para apanhar autocarro em todos os dias após a entrada em Macau, o que é diferente dos viajantes gerais.
2.
Em 13 de Abril de 2018, pelas 16h37, os arguidos A e B, e D, entraram juntos em Macau através do posto fronteiriço das Portas do Cerco. No mesmo dia, por volta das 17h00, os três deslocaram-se juntos da paragem de “Avenida do XX / Jardim XX” para o “Supermercado XX” sito na Avenida do XX (Edf. XX), onde o arguido A pagou uma quantia de MOP$100,00 para carregar o seu cartão “Macau Pass” n.º 30XXXXX26.
3.
No mesmo dia, por volta das 6h14 da tarde, quando um autocarro de Nova Era da carreira n.º 1 tinha chegado à paragem, E (é 1.ª vítima em causa) e os outros passageiros iam subir para o autocarro. Naquela altura, no bolso direito da frente das calças de E encontrava-se um telemóvel da marca XX (modelo: XX, no valor actualmente de cerca de MOP$8.000,00).
4.
Depois de subir para o autocarro, E descobriu rapidamente que o seu telemóvel tinha perdido, assim, o motorista parou o autocarro e participou à polícia (vide fls. 285 a 291 dos autos e o Auto de Visionamento de Vídeo constante de fls. 490 dos autos).
5.
Em 14 de Abril de 2018, pelas cerca de 15h20, F (é 2.ª vítima em causa) apanhou um autocarro de Nova Era da carreira n.º 3 na paragem de “Ponte 16” e, naquele momento, os arguidos A e B, e D também estavam naquele autocarro. O arguido A pagou a tarifa com um cartão “Macau Pass” n.º 30XXXXX26 e o arguido B pagou a tarifa com um cartão “Macau Pass” n.º 60XXXXX61.
6.
Naquela altura, F levava uma mochila a uma costa e permanecia ao lado dos “assentes de carinho” no autocarro. Durante o percurso do autocarro, o arguido A aproximou-se de F, utilizou a sua mochila carregada na frente do corpo para dissimulação, abriu o zíper da mochila de F e, retirou com sucesso uma carteira de bolso de F colocada na mochila. (vide o Auto de Visionamento de Vídeo constante de fls. 26 a 35 dos autos)
7.
Após a autuação com sucesso, os arguidos A e B, e D desceram juntos do autocarro na paragem de Rua da Ribeira do Patane e saíram para a mesma direcção. F saiu do autocarro na paragem das Portas do Cerco e, enquanto saiu de Macau, descobriu que a sua carteira de bolso tinha perdido.
8.
Nesta carteira de bolso, excepto os documentos e cartões bancários de F, ainda encontravam-se MOP$4.500,00.
9.
No mesmo dia, pelas 4h13 da tarde, o arguido A e G (é 3.ª vítima em causa) subiram para um autocarro de Transmac da carreira n.º 33 na paragem da Av. de Almeida Ribeiro / WENG HANG.
10.
Quando G deslocou-se para a porta de saída do autocarro, o arguido A aproximou-se dela, utilizou a sua mochila colocada na frente do corpo para dissimulação, abriu a bolsa de mão de G e, retirou com sucesso uma carteira dela colocada na bolsa de mão, logo após, saiu do autocarro. (vide o Auto de Visionamento de Vídeo constante de fls. 451 a 457 dos autos)
11.
Essa carteira de bolso é da marca “XX”, no valor de cerca de MOP$850,00. Excepto os documentos e cartões bancários de G, ainda nela encontravam-se MOP$100,00 e RMB$250,00.
12.
Em 20 de Abril de 2018, pelas 7h15 da noite, H (é 5.ª vítima em causa), subiu para um autocarro de Nova Era da carreira n.º 1 na paragem de “Avenida do Almirante Lacerda / Mercado Vermelho”. Naquela altura, H tinha na costa uma bolsa de mão de cor branca, onde se encontrava um telemóvel da marca XX de cor prateada (modelo: XX, no valor cerca de HKD$10.000,00).
13.
Logo após a entrada no autocarro, H descobriu que o telemóvel tinha perdido (vide o Auto de Visionamento de Vídeo constante de fls. 619 a 624 dos autos e o Relatório de Análise)
14.
Em 21 de Abril de 2018, pelas 17h49, I (é 6.ª vítima em causa) subiu para um autocarro de Nova Era da carreira n.º 3X na paragem de “Istmo de Ferreira do Amaral”, o arguido A, D e um outro homem, J, também subiram para o mesmo autocarro. Após a entrada no autocarro, o arguido A permanecia por trás da vítima I; D permanecia por trás de uma outra passageira; e, J permanecia entre o arguido A e D. Naquela altura, o arguido A pagou a tarifa com um cartão “Macau Pass” n.º 30XXXXX26.
15.
No momento em que I estava distraída, o arguido A, utilizou o seu casaco colocado na mão para dissimulação, abriu o zíper da mochila de I e, retirou com sucesso uma carteira de bolso e um telemóvel de cor dourada de I (da marca XX, modelo: XX, no valor de cerca de MOP$5.000,00). Nesta carteira de bolso, excepto os documentos e vários cartões bancários de I, ainda encontravam-se MOP$260,00 e RMB$240,00. Após a actuação com sucesso, o arguido A, D e J saíram sucessivamente do autocarro na paragem de “Avenida do Almirante Lacerda”, e I também saiu na mesma paragem. (vide o Auto de Visionamento de Vídeo constante de fls. 728 a 735 dos autos)
16.
Em 21 de Abril de 2018, por volta das 18h30, K (é 7.ª vítima em causa) entrou num autocarro de Nova Era da carreira n.º 3 na paragem de “Rua da Ribeira do Patane”. Um minuto antes da entrada no autocarro, K ainda tinha mexido o telemóvel e, logo após acabou por colocá-lo no bolso direito das calças. Este é um telemóvel da marca XX de cor prateada (modelo: XX, no valor de cerca de MOP$8.000,00)
17.
Aquando de K subir para o autocarro, o arguido A, D e J aproximaram-se de K, entre os quais, A e D permaneciam por atrás de K, e J permanecia ao lado esquerdo de K. Antes do momento da entrada de K no autocarro, um dos três acima referidos, sob a colaboração dos dois restantes, tirou com sucesso o supra telemóvel de K colocado no bolso direito das calças. Depois de ter entrado no autocarro, K descobriu de imediato que o seu telemóvel tinha perdido e procurou-o na porta do autocarro. Naquela altura, o arguido A, D e J ainda permaneceram na paragem de autocarro e saíram juntos após a saída do autocarro. (vide o Auto de Visionamento de Vídeo constante de fls. 177 a 181 dos autos)
18.
Em 30 de Abril de 2018, por volta das 14h45, L (é 8.ª vítima em causa) subiu para um autocarro de Nova Era da carreira n.º 3 na paragem de “Jardim Cheong Meng”. Após a entrada, ficava ao lado da porta de saída no autocarro. Naquele momento, L levava uma mochila, onde se encontrava um telemóvel no bolso esquerdo extremo. Este é um telemóvel da marca XX de cor-de-rosa (modelo: XX, com o preço de compra de MOP$7.688,00).
19.
L descobriu que o telemóvel tinha perdido. (vide o Auto de Visionamento de Vídeo constante de fls. 827 a 835 dos autos e o Relatório de Análise)
20.
Em 15 de Maio de 2018, por volta das 18h30, M (é 10.ª vítima em causa) subiu para um autocarro de Nova Era da carreira n.º 1 na paragem de “Avenida do Almirante Lacerda / Mercado Vermelho”. Naquele momento, M carregava uma mochila, onde se encontrava um telemóvel. Este é um telemóvel da marca XX de cor preta (modelo: XX, no valor de cerca de MOP$8.800,00).
21.
Durante o percurso do autocarro, quando M estava distraída, o arguido A retirou o telemóvel de M acima referido.
22.
Em 12 de Maio de 2018 e 13 de Maio de 2018, os arguidos, A, B e C, foram sucessivamente interceptados pela polícia de Macau no posto fronteiriço.
23.
Com o consentimento do arguido A, os investigadores criminais da Polícia Judiciária efectuaram uma revista pessoal a este arguido e, em consequência, encontraram e apreenderam, na posse dele, os seguintes objectos: (vide o Auto de Revista e Apreensão constante de fls.71 dos autos)
1. Um telemóvel de cor branca (marca: XX, n.º de série 35XXXXX728);
2. Um telemóvel de cor-de-rosa (marca: XX, n.º de série 35XXXXX601);
3. Um telemóvel de cor preta (marca: XX, n.º de série 35XXXXX358);
4. Um cartão “Macau Pass” n.º 60XXXXX071
5. Uma mochila de cor azul;
6. RMB$1.200,00 em numerário.
24.
Relativamente ao telemóvel de cor-de-rosa acima indicado, após o reconhecimento feito pela vítima M, é apurado que este pertence à mesma. Este tribunal já entregou este telemóvel a M. O cartão “Macau Pass” e a mochila de cor azul acima referidos são os objectos utilizados pelo arguido A para cometer os crimes no autocarro.
25.
Com o consentimento do arguido B, os investigadores criminais da Polícia Judiciária efectuaram uma revista pessoal a este arguido e, em consequência, encontraram e apreenderam, na posse dele, os seguintes objectos: (vide o Auto de Revista e Apreensão constante de fls.95 dos autos)
1. Três telemóveis (os dois deles são da marca “XX”; e, um outro deles é da marca “XX” );
2. Um par de óculos;
3. Um cartão “Macau Pass” n.º 60XXXXX61.
26.
O arguido, A, agiu, de forma livre, consciente e voluntária, conjunta ou separadamente, ao subtrair dolosamente os bens móveis de passageiros do autocarro e apropriou-se deles.
27.
O arguido, A, bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
De acordo com os certificados de registo criminal e a certidão de sentença, o registo criminal dos três arguidos é o seguinte:
O arguido A, foi condenado em 10 de Janeiro de 2019, nos autos n.º CR2-18-0371-PCC, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de um ano e três meses de prisão efectiva. E, sendo assim, esta sentença transitou em julgado em 30 de Janeiro de 2019.
Os arguidos, B e C, não têm qualquer registo criminal.
Além disso, as situações pessoais e familiares dos arguidos A e B são:
O arguido A - antes de ser detido, era trabalhador, auferia mensalmente a quantia de RMB$5.000,00 a 6.000,00.
- tem os pais a seu cargo.
- tem como habitações literárias o 4.º ano do ensino primário.
O arguido B - antes de ser detido, era trabalhador, auferia mensalmente a quantia média de RMB$3.800,00.
- tem o pai a seu cargo.
- tem como habitações literárias o 5.º ano do ensino primário”; (cfr., fls. 1451 a 1454).
Do direito
3. Como se deixou relatado, vem o Ministério Público recorrer do Acórdão prolatado pelo T.J.B., insurgindo-se contra a decisão de condenação do (1°) arguido A, como autor material e em concurso real da prática de 5 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão cada, e em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, assim como no pagamento das indemnizações discriminadas no Acórdão do T.J.B..
Em síntese, é de opinião que com base nos “factos provados” relativos à conduta do arguido, devia-se condenar o mesmo como autor da prática de 5 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. b) e h) do C.P.M., como acusado estava.
Vejamos.
Prescreve o art. 198° do C.P.M. que:
“1. Quem furtar coisa móvel alheia
a) de valor elevado,
b) transportada em veículo, colocada em lugar destinado ao depósito de objectos ou transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtracção tenha lugar na estação ou cais,
c) afecta ao culto religioso ou à veneração da memória dos mortos e que se encontre em lugar destinado ao culto ou em cemitério,
d) explorando situação de especial debilidade da vítima, de desastre, acidente, calamidade pública ou perigo comum,
e) fechada em gaveta, cofre ou outro receptáculo, equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança,
f) introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar,
g) com usurpação de título, uniforme ou insígnia de funcionário, ou alegando falsa ordem de autoridade pública;
h) fazendo da prática de furtos modo de vida, ou
i) deixando a vítima em difícil situação económica, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
2. Quem furtar coisa móvel alheia
a) de valor consideravelmente elevado,
b) que possua significado importante para o desenvolvimento tecnológico ou económico,
c) que, por natureza, seja altamente perigosa,
d) que possua importante valor científico, artístico ou histórico e se encontre em colecção ou exposição públicas ou acessíveis ao público,
e) introduzindo-se em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas,
f) trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta, ou
g) como membro de grupo destinado à prática reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do grupo, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.
3. Se na mesma conduta concorrerem mais do que um dos requisitos referidos nos números anteriores, só é considerado, para efeitos de determinação da pena aplicável, o que tiver efeito agravante mais forte, sendo o outro ou outros valorados na determinação da medida da pena.
4. Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de valor diminuto”.
Pretendendo o Ministério Público que se dê também como provada e verificada a “qualificativa da alínea h)” do transcrito preceito legal, ou seja, que se declare que o arguido “fazia da prática de furtos modo de vida”, vejamos.
Pois bem, a questão não é nova, e por este T.S.I. já foi diversas vezes abordada, nomeadamente em sede do crime de “burla”, onde se considerou que: “Para que se verifique a circunstância qualificativa do “modo de vida”, necessário não é nem a “habitualidade” nem a “profissionalização”, bastando que se comprove a existência de uma série mínima de “burlas”, envolta numa intencionalidade que possa dar substância a um modo de vida tal como este conceito é entendido pelo comum dos cidadãos, cabendo também notar que a mesma não é incompatível com o exercício, pelo agente, de outra actividade, lícita ou não e remunerada ou não”; (cfr., v.g., os Acs. de 11.04.2019, Proc. n.° 289/2019 e de 30.05.2019, Proc. n.° 453/2019).
In casu, provado está que o arguido cometeu 5 dos “furtos” relatados na matéria de facto, ocorridos, um do dia 13 de Abril de 2018, dois no dia 14 e outos dois no dia 21 do mesmo mês e ano, tendo como ofendidos F, G, I, K e M; (cfr,. fls. 1455-v, pág. 18 do Acórdão recorrido).
E, nesta conformidade, ponderando também na restante factualidade dada como provada, nomeadamente, que os “crimes” foram todos eles cometidos em “autocarros de transportes colectivos públicos”, tendo o arguido adquirido o cartão “Macau Pass” para neles poder circular de forma ilimitada, (e visto até que no âmbito do Processo n.° CR2-18-0371-PCC foi igualmente condenado por um crime de “furto qualificado”; cfr., matéria de facto e C.R.C. do arguido), cremos que tem o Recorrente razão, sendo de se dar como verificado que o arguido fazia da prática de furtos “modo de vida”, pois que, da referida matéria de facto, claro nos parece que o arguido se “dedicava a prática de frutos”, e, atento ao seu número, e ao seu “modus operandi”, resulta evidente a sua “intencionalidade” de os praticar com a mesma regularidade (e estabilidade) de quem se dedica a um trabalho ou profissão.
Dest’arte, e na parte em questão, procede o recurso.
–– Quanto à pena, vejamos.
Em face do estatuído no n.° 3 do atrás transcrito comando legal – onde se prescreve que “Se na mesma conduta concorrerem mais do que um dos requisitos referidos nos números anteriores, só é considerado, para efeitos de determinação da pena aplicável, o que tiver efeito agravante mais forte, sendo o outro ou outros valorados na determinação da medida da pena” – e verificado estando agora que perante a factualidade dada como provada, concorrem, in casu, as circunstâncias qualificativas da “alínea b)” – como já se tinha decidido – e da “alínea h)” – como atrás se entendeu – afigura-se-nos justo e equilibrado que, por cada um dos crimes de “furto” cometidos seja o arguido condenado na pena parcelar de 1 ano e 3 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão, também nesta parte procedendo o recurso.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso.
Custas pelo arguido recorrido, com a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 13 de Junho de 2019
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
Proc. 486/2019 Pág. 26
Proc. 486/2019 Pág. 25