--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 17/06/2019 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 563/2019
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida a violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 65 a 71 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 73 a 74-v).
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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Inconformado com o despacho de 18 de Abril de 2019, que lhe recusou a liberdade condicional com o fundamento de que não estavam verificados os requisitos para o efeito exigidos pelo artigo 56.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal, dele recorre o recluso A.
Sustenta, na sua motivação de recurso, que todos os requisitos necessários para a concessão da liberdade condicional estavam preenchidos, pelo que, ao denegar-lhe a pretendida libertação condicional, a decisão recorrida teria incorrido em erro de direito na aplicação do artigo 56.°, n.° 1, do Código Penal.
Na contraminuta de recurso apresentada pelo Ministério Público preconiza-se a improcedência do recurso e a manutenção do julgado, remetendo-se para o parecer que precedeu a decisão e assinalando-se a improcedência dos argumentos utilizados na motivação do recurso.
Também nos parece que a decisão recorrida não merece reparo que a possa pôr em xeque.
Estão em discussão os requisitos materiais exigidos pelo artigo 56.° do Código Penal.
É sabido que a liberdade condicional é de aplicação casuística, dependendo a sua concessão do juízo de prognose indiciador de que o recluso vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, bem como da ponderação da compatibilidade entre a libertação antecipada e a defesa da ordem jurídica e da paz social. Trata-se, no fundo, de verificar se estão satisfeitas as exigências de prevenção especial e de prevenção geral preconizadas no artigo 56.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal.
No caso em apreço, tal como a decisão recorrida ponderou, não obstante a evolução favorável que é possível vislumbrar no trajecto penitenciário do recorrente, persistem dúvidas sobre a sua preparação para, no imediato, conduzir a sua vida de modo socialmente responsável. O recorrente adoptou comportamento prisional adequado, sem registo de transgressões, é certo, o que é normal e é aquilo que se espera de um recluso, e até participou na formação profissional. Mas alheou-se, por exemplo, das responsabilidades inerentes à reparação dos encargos a que a sua conduta deu causa (custas), circunstância que não pode deixar de ser ponderada enquanto indicador da falta de arrependimento sincero que deve nortear a expiação da pena. Digamos que, neste contexto, ainda não é possível arriscar um juízo de prognose favorável sobre a sua reinserção na sociedade em conformidade com as regras de convivência, como acabou por concluir o despacho recorrido.
Por outro lado, e não menos importante, subsiste a questão da prevenção geral. Prevenção geral positiva ou de integração, enquanto exigência de tutela do ordenamento jurídico, que se manifesta primordialmente no momento chave da aplicação da pena, mas que não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, parágrafos 283 e 852.
Também deste ponto de vista é possível acompanhar a ideia subjacente ao despacho recorrido para julgar não satisfeito o requisito da prevenção geral. Face à gravidade e impacto social dos crimes relativos ao tráfico ilícito de droga, que, como se sabe, são objecto de uma especialmente acentuada reprovação ético-jurídica da comunidade, particularmente quando estão em causa estrangeiros que se deslocam à RAEM para aqui introduzirem ilicitamente droga, como sucedeu, a libertação do recorrente, neste momento do cumprimento da pena, pode acarretar desconfiança quanto à efectiva vigência e eficácia das normas violadas e colocar em causa as finalidades de prevenção positiva que não podem deixar de ser salvaguardadas na concessão da liberdade condicional, as quais em Macau são particularmente prementes.
Somos, assim, a concluir que a decisão recorrida efectuou uma correcta ponderação dos aspectos a considerar na concessão da liberdade condicional, em consonância com os comandos do artigo 56.° do Código Penal, pelo que, na improcedência da argumentação do recorrente, deverá ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 112 a 113-v).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.S.I. de 19.03.2015, foi, A, ora recorrente, condenado pela prática como autor de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, na pena de 8 anos de prisão;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.C. em 19.12.2013, e em 18.04.2019, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 18.12.2021;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá à DONGGUAN, R.P.C..
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).
“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 19.12.2013, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.03.2019, Proc. n.° 169/2019, de 25.04.2019, Proc. n.° 339/2019 e de 09.05.2019, Proc. n.° 404/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Ora, no caso, cremos que apenas de sentido negativo pode ser a resposta.
Com efeito, atento o tipo de crime cometido, (o de “tráfico de estupeficantes”), a qualidade e quantidade de estupefaciente em questão, (5,754 gramas de “Ketamina” e 44,391 gramas de “Metanfetamina”), nos prejuízos sociais e para a saúde pública que o mesmo causa, e ponderando, outrossim, na pena aplicada, na expiada e no período de pena que falta cumprir e que atinge o seu términus em 18.12.2021, (a cerca de 2 anos e 6 meses), evidente se nos apresenta que importa acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que, (pelo menos, por ora), não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo, igualmente, que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”, impondo-se, também por isso, uma reafirmação social mais intensa da validade das normas jurídicas violadas; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106 e o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).
Como no recente Ac. do T.R. de Évora de 05.02.2019, (Proc. n.° 669/16), se considera, importa ter em conta que “a compatibilidade da libertação condicional com a defesa da ordem e da paz social não se reconduz, restritivamente, à previsível ausência de expressões públicas de inconformismo, mas antes, mais latamente, à compatibilidade da libertação condicional com a defesa da sociedade e a prevenção da prática de crimes”, não sendo de se olvidar também que nos termos do art. 43°, n.° 2 do C.P.M. se prescreve que: “A execução da pena de prisão serve igualmente a defesa da sociedade, prevenindo o cometimento de crimes”.
Assim, em face das expostas considerações, e manifesto se nos mostrando que verificado não está o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. b) do C.P.M., há que decidir como segue.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 17 de Junho de 2019
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