Processo n.º 1065/2017
(Autos de recurso contencioso)
Relator: Fong Man Chong
Data: 13/Junho/2019
Assuntos:
- Conceito de investimentos relevantes e fundamentação insuficiente da decisão
SUMÁRIO:
Na audiência escrita os Recorrentes invocaram, entre outros, os seguintes pontos relevantes:
-A empresa "C, Limitada", da qual o Requerente é detentor de 99% das quotas, presta serviços de restauração, desenvolvendo a sua actividade num restaurante de comida portuguesa tipicamente algarvia.
- O Algarve é uma região de Portugal onde a gastronomia se baseia em pratos de peixe, com condimentos próprios dessa região, bem como em doçaria tradicional feita com produtos que só se podem encontrar nessa região do Sul de Portugal.
- (…) Sempre se dirá que um restaurante de comida tipicamente algarvia - e, sublinhe-se, o único restaurante de comida da Região do Algarve, Portugal, em Macau - poderá contribuir para que a oferta de turismo gastronómico aumente, atraindo visitantes e turistas para um sector de actividade que muito contribui para o prestígio e a diversidade de cozinhas típicas e gastronómicas em Macau (…).
E, a Entidade Recorrida fundamentou a sua decisão só nos seguintes termos:
“O interessado seguinte, nos termos da alínea 2 do artigo 1.º do RA 3/2005, requer a autorização de residência temporária na RAEM juntamente com o membro do seu agregado familiar, por meio do investimento relevante. O interessado fica, através da transmissão da quota, titular de 99% das quotas de uma companhia que se dedica a negócios relativos a comidas, snack-food, bar, restaurante e os estabelecimentos do tipo semelhante. Nos termos do projecto do investimento da Companhia, o montante do orçamento do investimento do ano 2016 é MOP 3,379,724.37, porém, considerando que já existem na RAEM as actividades económicas referidas e o investimento não contribui para promoção da diversificação económica, o investimento referido não deve ser qualificado como investimento relevante na RAEM, por esta razão, indefere-se o requerimento de autorização da residência temporária.”
Há nitidamente “omissão de pronúncia” por parte da Entidade Recorrida, pois esta não analisou todos os fundamentos invocados pelos Recorrentes, e como tal há insuficiência de fundamentação, o que impõe necessariamente à anulação da decisão recorrida, por violar os artigos 11º/1, 98º, 114º/-c) e 124º do CPA.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo n.º 1065/2017
(Autos de recurso contencioso)
Data : 13/Junho/2019
Recorrentes : - A
- B
Entidade Recorrida : - Chefe do Executivo da RAEM
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I – RELATÓRIO
A e B, Recorrentes, devidamente identificados nos autos, discordando do despacho do Chefe do Executivo, datado de 26/09/2017, que indeferiu o pedido de fixação de residência temporária dos Recorrentes, vieram, em 17/11/2017, interpor o competente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 24, tendo formulado as seguintes conclusões:
A) Tendo em conta o supra referido, é mister concluir que a actividade da empresa “C, Limitada”, onde se inserem e onde prestam serviço os Recorrentes, traz grande contributo, não só económico como também ao nível da diversidade gastronómico-cultural à RAEM.
B) No contexto de crescente de diversificação turístico-económica em que a RAEM se encontra presentemente (e que, aliás, encontra sustentação no programa de Governo do Chefe do Executivo), um restaurante de cozinha tipicamente algarvia - e, sublinhe-se, o único restaurante de gastronomia da Região do Algarve em Macau - poderá contribuir para que a oferta de turismo gastronómico aumente, atraindo visitantes e turistas para um sector de actividade que muito contribui para o prestígio e a diversidade culinária em Macau.
C) Com a integração de Macau na Rede de Cidades Criativas no ramo da Gastronomia, é premente que o número e variedade de restaurantes cresça.
D) O Despacho ora em crise padece de vício de falta de fundamentação, porquanto viola as disposições conjugadas dos artigos 114.°, 115.°, 122.° e 124.°, todos do CPA.
E) O artigo 2.° do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 não define o que deve ser entendido por “investimento relevante”, razão pela qual não pode o Senhor Chefe do Executivo substituir-se ao legislador e, sem fundamentação, indeferir a pretensão dos Recorrentes;
F) Afigura-se que, in casu, a discricionariedade foi confundida com o livre arbítrio, uma vez que o artigo 7.° do Regulamento Administrativo 3/2015, no seu artigo 7.°, apesar de conceder alguma margem de discricionariedade ao decisor, norteia o sentido da decisão pelos Critérios de Apreciação que enumera;
G) Nos termos da Lei Básica (artigos 35.° e 43.°), o acesso e a escolha de profissão não pode, de modo algum, ser restringida,
H) ln casu, o Despacho ora em crise limita a escolha de profissão pelos Recorrentes.
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Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Chefe do Executivo da RAEM veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 55 a 67, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. O acto impugnado não se fundamenta na existência em Macau de outros restaurantes de cozinha algarvia, nem em qualquer outro pressuposto factual inverídico;
II. É do conhecimento público a existência em Macau de uma oferta gastronómica abundante, variada e para todas as bolsas;
III. O acto recorrido não diz que o montante do investimento não é significativo, mas sim que, considerando o seu valor e espécie, o investimento em causa não contribui de forma significativa para a diversificação da economia;
IV. Nos termos do RA 3/2005, o CE é obrigado a fazer um juízo pessoal que leve em conta, entre outros, o valor e a espécie do investimento;
V. O CE não contrariou quaisquer critérios legais, tendo-se limitado a exercer os poderes que o RA 3/2005 lhe confere;
VI. A fundamentação do acto impugnado é compreensível por um destinatário normal;
VII. Em abstracto, o facto de o destinatário concordar ou não com a fundamentação do acto administrativo é irrelevante para determinar se o mesmo está ou não devidamente fundamentado;
VIII. As decisões tomadas pelo CE ao abrigo do RA 3/2005 constituem um juízo pessoal;
IX. É impossível fundamentar juízos pessoais através de silogismos perfeitos;
X. A jurisprudência citada pelos recorrentes não é aplicável ao acto impugnado nos presentes autos;
XI. Os recorrentes não consubstanciam a arguição de desrazoabilidade no uso de poderes discricionários;
XII. Não falta qualquer elemento essencial ao acto administrativo, não sendo a fundamentação um elemento essencial;
XIII. A Administração não negou aos recorrentes nada que lhes tivesse prometido;
XIV. O acto impugnado não se pronunciou, nem tinha de se pronunciar, sobre o direito de os recorrentes exercerem a sua profissão em Macau, mas somente sobre se o respectivo investimento justificava a concessão de residência temporária;
XV. Se os recorrentes tinham o direito de exercer a sua profissão em Macau, o mesmo não foi prejudicado pelo acto impugnado.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls. 102 a 104):
Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 26 de Setembro de 2017, da autoria do Exm.º Chefe do Executivo, que indeferiu requerimento de autorização de residência temporária aos recorrentes A e B, formulado ao abrigo do regime de fixação de residência temporária de investidores previsto no Regulamento Administrativo n.º 3/2005,
Na sua petição de recurso, os recorrentes imputam ao acto recorrido os vícios de violação de lei, por ofensa dos artigos 2.° e 7.° do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, e por violação do princípio da boa-fé, bem como o vício de forma por falta de fundamentação, no que são contraditados pela entidade recorrida, que assevera a legalidade do acto.
Vejamos quanto à violação das aludidas normas.
Começam os recorrentes por sustentar que a lei não esclarece o valor do montante a mobilizar para que o investimento possa ser considerado relevante ou significativo, pelo que não podia a Administração fazê-lo e indeferir o pedido tomando por fundamento o valor concreto investido, com o que teria violado aqueles normativos. Não creio que assista razão aos recorrentes.
Desde logo, visto o acto, impõe-se concluir que o montante concreto do valor mobilizado para o investimento não foi invocado como determinante do indeferimento. O que levou ao indeferimento foi o tipo de investimento, na sua globalidade, onde naturalmente está incluído um valor, que aparece mencionado no acto, mas que, como aludido, não se revela determinante no indeferimento, e onde estão referidas as actividades envolvidas no projecto, tais como negócios relativos a comida, snack-food, bar, restaurante e estabelecimentos do tipo semelhante. Ora, não se descortina como possa a Administração ter violado aqueles normativos. Na sua actividade, a Administração tem que proceder à aplicação da lei. Se essa aplicação lidar com conceitos indeterminados, haverá que interpretá-los e preenchê-los, seja vinculadamente, se estiver em causa a estrita interpretação da lei, seja discricionariamente, se houver que lidar com valorações que o legislador coloca a cargo da Administração em vista da melhor defesa do interesse público que lhe incumbe prosseguir.
No fundo, o que os recorrentes questionam é o juízo administrativo formulado acerca da relevância (pouca relevância) do investimento. Há, no entanto, que ter em conta, no seguimento do que supra dissemos sobre conceitos indeterminados, que na concretização ou densificação inerente ao preenchimento de conceitos indeterminados como o de investimento relevante, em que não está em causa apenas a estrita interpretação da lei, a Administração goza de uma margem de livre apreciação na fixação dos pressupostos da sua actuação, o que traduz um momento de discricionariedade imprópria, que segue o mesmo regime da discricionariedade, escapando normalmente ao controle jurisdicional, a menos que padeça de erro manifesto ou ostensivo, o que, no caso não se divisa.
Não há, pois, razão para dirigir qualquer censura ao juízo formulado sobre a relevância do investimento, que não incorre em violação dos normativos apontados pelos recorrentes.
Em matéria de violação do princípio da boa-fé, os recorrentes sustentam que o IPIM lança determinada informação na sua página da internet, que depois, na hora de apreciação dos pedidos de residência por investimento, é ignorada. Referem-se, cremos, à ênfase dada à gastronomia na aludida página.
Mas é seguro que não há aqui qualquer violação da boa-fé que deve presidir ao relacionamento da Administração com os particulares. Quando exalta a gastronomia de Macau na sua página, o IPIM nada está a prometer, nem tão pouco a sugerir que investimentos realizados nessa área terão hipóteses acrescidas de aprovação ou que as exigências plasmadas nos critérios legais serão postas de parte. Nenhum elemento aponta no sentido de que a Administração haja transmitido sinais, inculcado a ideia ou incutido a confiança nos recorrentes de que o seu pedido viria a ser deferido em resultado do investimento na área da restauração.
Soçobra, pois, a imputada violação de lei por ofensa do princípio da boa-fé.
Por fim, no que toca a falta de fundamentação, como vício de forma, o artigo 115.° do Código do Procedimento Administrativo prescreve que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto, equivalendo à sua falta a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A partir deste inciso legal, a doutrina e a jurisprudência vêm apontando a relatividade do conceito e vincando que o que importa é que, perante o acto, um destinatário médio fique inteirado da motivação da decisão, das razões que levaram a Administração a decidir da forma como decidiu e não doutra.
Consideram, por isso, que não vale como fundamentação a adopção de proposições ou juízos conclusivos desacompanhados da concretização factual em que assentam, porquanto dessa forma não se logra esclarecer a motivação do acto, desiderato essencial do dever de fundamentação.
Cremos que, no caso vertente, e atendo-nos à matéria sobre que versou o acto e ao teor deste, se mostra suficientemente cumprido aquele dever de fundamentação. Com efeito, referenciando inequívoca e expressamente o enquadramento legal em que se move, ou seja, o do Regulamento Administrativo 3/2005, e, em particular, o segmento respeitante aos titulares de investimentos, com o que fica satisfeita a exigência mínima de fundamentação de direito, o acto também arregimenta os fundamentos fácticos essenciais levados em conta para denegar a pretendida autorização de residência temporária. Convocou, na verdade, o quadro de actividade a que se dedica a sociedade detida pelos recorrentes (negócios relativos a comidas, snack-food, bar, restaurante e estabelecimentos do tipo semelhante), o valor investido em 2016, bem a circunstância de se tratar de um ramo de actividade económica já muito preenchido em Macau, e portanto sem apetência para contribuir para a diversificação económica, o que conduziu à recusa de qualificação como investimento relevante na RAEM.
Perante este arrazoado, e não obstante a dificuldade de concretização ou densificação inerente ao preenchimento do conceito investimento relevante constante da norma aplicável, crê-se que um destinatário normal fica a saber que a entidade recorrida não valorou como especialmente relevante, à luz dos interesses de Macau, a actividade económica que os recorrentes se propunham exercer na área da restauração, ao ponto de justificar a concessão da autorização de residência.
Tanto basta - cremos - para que o acto se tenha por fundamentado, pelo que também este vício de forma soçobra.
Improcedem, pois, os suscitados vícios pelo que deve negar-se provimento ao recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
1) - Em 19 de Outubro de 2015, os Recorrentes requereram, junto do IPIM, autorização de fixação de residência temporária na RAEM, com fundamento em investimento relevante (Processo n.ºP0458/2015).
2) - No âmbito desse procedimento, foi o 1.º Recorrente notificado, em 20 de Outubro de 2016, para exercer o seu direito à Audiência Prévia, dado que “Em relação aos documentos entregues foi feita uma análise e...” concluiu o IPIM que “...a situação poderia ser desfavorável ao pedido de autorização de residência temporária...” (cfr. Documento n.º 2).
3) - O Recorrente apresentou a sua Audiência Escrita (cfr. Documento n.º 3), a 28 de Outubro de 2016, onde rebateu os argumentos invocados pelo IPIM no Oficio do IPIM de 20 de Outubro de 2016, demonstrando que o seu investimento era (e é) relevante para a RAEM, porquanto não existe na Região outro restaurante a fornecer pratos gastronómicos da Região do Algarve, elaborados com os condimentos próprios e típicos desta região de Portugal, alegando ainda:
a) - Pelo que não poderiam proceder os argumentos invocados pelo IPIM,
b) - Reiterando, a final, o deferimento do pedido de autorização de residência temporária.
c) - De notar é o facto de o processo de autorização de residência temporária junto do IPIM ter sido iniciado em 19 de Outubro de 2015 e, volvidos mais de 2 anos, tal procedimento ainda não ter encontrado o seu desfecho.
4) - Em 19 de Outubro de 2017, foi o 1.º Recorrente notificado do Despacho de Indeferimento do Pedido de Fixação de Residência Temporária (cfr. Documento n.º 4), cujo teor aqui se transcreve:
“O interessado seguinte, nos termos da alínea 2 do artigo 1.º do RA 3/2005, requer a autorização de residência temporária na RAEM juntamente com o membro do seu agregado familiar, por meio do investimento relevante. O interessado fica, através da transmissão da quota, titular de 99% das quotas de uma companhia que se dedica a negócios relativos a comidas, snack-food, bar, restaurante e os estabelecimentos do tipo semelhante. Nos termos do projecto do investimento da Companhia, o montante do orçamento do investimento do ano 2016 é MOP 3,379,724.37, porém, considerando que já existem na RAEM as actividades económicas referidas e o investimento não contribui para promoção da diversificação económica, o investimento referido não deve ser qualificado como investimento relevante na RAEM, por esta razão, indefere-se o requerimento de autorização da residência temporária.” (original em língua chinesa, tradução pelos Recorrentes).
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A versão chinesa deste despacho:
卷宗編號:第0458/2015號 重大投資權利人臨時居留許可申請
申請人- A 適用第3/2005號行政法規
澳門特別行政區行政長官批示
以下利害關係人根據第3/2005號行政法規第一條第(二)項規定,以重大投資為依據申請其本人及家團成員於澳門特別行政區臨時居留許可,利害關係人以股權轉讓方式,持有一家從事食品和小吃、酒吧、餐廳和同類場所業務類別公司的99%股份,按其提交公司投資計劃書所載,申請人2016年的預算投資金額為3,379,724.37澳門元,基於該行業在澳門特別行政區已有提供,且該項投資對促進澳門經濟多元化並無顯著貢獻,認為該項投資不應視為特別有利於澳門特別行政區的重大投資,因此不批准該臨時居留許可申請。
序號
姓名
關係
1
A
申請人
2
B
配偶
行政長官
2017年9月26日
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IV – FUNDAMENTOS
A resolução do presente recurso passa pela análise e resolução das seguintes questões:
1) – Vício da violação da lei – artigos 2º e 7º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, de 4 de Abril;
2) - Vício de falta de fundamentação da decisão;
3) – Violação do princípio da boa fé.
Como as primeiras 2 questões estão tematicamente indexadas, veremos, em primeiro lugar, a 3ª questão que é a eventual violação do princípio da boa fé alegada pelos Recorrentes.
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1ª questão: Violação do princípio da boa fé
Ora, é do entendimento quase uniforme que, em matéria de direito administrativo, a invocação da violação do princípio de boa fé só faz sentido quando, perante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que diferente decisão estaria para ser tomada por parte da Administração. Mas não é o caso dos autos.
Nesta matéria, ensina a doutrina:
“Apesar de o princípio da boa-fé ser dotado de inúmeras potencialidades jurídicas, é possível, com Rui de Alarcão, resumi-las a dois vectores básicos: um, de sentido negativo, em que se visa impedir a ocorrência de comportamentos desleais e incorrectos (obrigação de Lealdade), e um de sentido positivo, mais exigente, em que se intenta promover a cooperação entre os sujeitos (obrigação de cooperação).
Naquele primeiro sentido, podem subsumir-se certas exigências típicas da boa-fé, tais como a inadmissibilidade, em certas condições, da invocação de vícios formais, a proibição de venire contrafactum proprium (ou proibição de comportamento contraditório) - de acordo com a qual se veda (ou impõe) o exercício de uma competência ou de um direito, quando tal exercício (ou não exercício) entra em flagrante e injustificada contradição com o comportamento anterior do titular, por este ter suscitado na outra parte uma fundada e legítima expectativa de que já não seriam (ou o seriam irreversivelmente) exercidas -, a supressio ou verwirkung (que da anterior se distingue pelo facto de a dimensão temporal ganhar uma relevância autónoma), etc.
(…)
Com a amplitude que o Código lhe deu, a cláusula geral da boa-fé é, certamente, muito ousada - mesmo se a referência à actividade da "Administração Pública" deve ser entendida extensivamente, uma vez que o princípio vale tanto para os entes a que se refere o n.º 2 do art. 2.º do Código, como para qualquer outro ente, mesmo privado, a quem esteja confiado o exercício de uma actividade administrativa.
E é ousada essa cláusula geral porque refere o dever de boa-fé a todas as "formas e fases" da actividade administrativa, quando, por exemplo, nalgumas dessas formas (seja a actividade de fiscalização sancionatória ou a de produção normativa) não sobra praticamente campo de valorização jurídica do princípio da boa-fé, para além da garantida pela intervenção dos princípios da (legalidade e da) igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e justiça.
A referência a "todas as formas e fases" do relacionamento entre Administração e particulares também deve ser entendida reservadamente noutros aspectos ou por outras razões, como sucede, por exemplo, no procedimento de contra-interessados, em que os particulares são chamados a esgrimir, entre si, quase contraditoriamente, não se impondo a nenhum deles que traga ao procedimento os factos do interesse da "contraparte", sem que isso implique quebra do seu dever de boa-fé – do mesmo modo que o próprio Código prevê, na parte final da alínea b) e nas alíneas c) e d) do n.º 2 do seu art. 89.º, que os interessados se abstenham, em certos casos, de dar conta no procedimento de factos que os possam prejudicar.
Há, finalmente, muitos domínios administrativos onde as únicas regras da boa-fé aplicáveis se consomem nas exigências respeitantes ao princípio da transparência administrativa e ao dever de informar os interessados sobre o que consta dos processos ou procedimentos em causa.
(…)
Sobre esta última hipótese pode ver-se, com interesse, os Acórdãos do STA de 6 de Junho de 1984 e de 11 de Fevereiro de 1988, in AD, 289, pág. 62 e BMJ, 374, pág. 301, respectivamente.
Quanto à questão inversa - saber se um acto será ilegal por violação do princípio da boa-fé - há que distinguir, em primeiro lugar, se se trata de boa (ou má) fé da Administração ou do particular, ou seja, se foi a Administração que levou um particular a confiar na prática (ou na não prática) ou no conteúdo de certo acto, que depois não praticou (ou praticou), ou se foi o particular que a induziu a praticá-lo (ou omiti-lo), escamoteando-lhe dados que poderiam levar a Administração a uma ponderação diversa do caso em apreço.
Na primeira hipótese, a resposta é, em geral, negativa, salvo se a lei (ou a natureza do acto) impuserem a vinculatividade jurídico-administrativa da expectativa criada e sem embargo, claro, da responsabilidade em que, por isso, a Administração se constitui.
Outro caso em que deveria considerar-se a hipótese de invalidade de uma actuação administrativa contraditória com as expectativas criadas pela Administração a um interessado seria a de se ter praticado um acto prévio sobre certa situação de (des)condicionamento administrativo da actividade que ele pretende levar a cabo, serem cumpridos os condicionalismos postos para poder obter o efeito condicionado e, depois, ao verificar esse cumprimento, a Administração praticar um novo acto condicionando tal efeito a novas (ou até contraditórias) condições. Então, se tratar de verdadeiras condições da sua lavra (e não de uma conditio legis ou juris), tal acto seria ilegal por violação do princípio da boa-fé – embora seja verdade que a sua ilegalidade derivaria também da proibição, da alínea b) do n.º 1, do art. 140.° do CPA, de revogação de actos constitutivos de direitos (ou interesses legítimos), que sejam legais.
Se, pelo contrário, é a má-fé do particular que leva a Administração a incorrer numa convicção errónea sobre dados determinantes do caso administrativo (e lhe permite obter uma vantagem ou eximir-se a uma desvantagem), deve entender-se que essa actuação dolosa gera a invalidade do acto (por erro induzido ou provocado sobre os pressupostos de facto ou de direito) e, eventualmente, a própria destruição dos prazos estabelecidos para a revogação anulatória, no art. 141.º do CPA - se não é que, em casos mais graves, a sanção da nulidade do acto seria mesmo a mais adequada, salvo havendo terceiros de boa-fé que tenham adquirido posições jurídicas com base naquele acto.”1
No caso sub judice, não verificamos qualquer atropelo ao princípio de boa fé, pois, na lógica que vimos a defender, aos Recorrentes é ilegítimo afirmar, perante a Administração Pública, que possam vir a ter a expectativa de adquirir o estatuto de residente (temporário) de Macau, face às circunstâncias que eles têm estado, porque a última palavra é sempre da Entidade Recorrida.
Neste ponto o Digno Magistrado do MP junto deste TSI opina:
“Em matéria de violação do princípio da boa-fé, os recorrentes sustentam que o IPIM lança determinada informação na sua página da internet, que depois, na hora de apreciação dos pedidos de residência por investimento, é ignorada. Referem-se, cremos, à ênfase dada à gastronomia na aludida página.
Mas é seguro que não há aqui qualquer violação da boa-fé que deve presidir ao relacionamento da Administração com os particulares. Quando exalta a gastronomia de Macau na sua página, o IPIM nada está a prometer, nem tão pouco a sugerir que investimentos realizados nessa área terão hipóteses acrescidas de aprovação ou que as exigências plasmadas nos critérios legais serão postas de parte. Nenhum elemento aponta no sentido de que a Administração haja transmitido sinais, inculcado a ideia ou incutido a confiança nos recorrentes de que o seu pedido viria a ser deferido em resultado do investimento na área da restauração.
Soçobra, pois, a imputada violação de lei por ofensa do princípio da boa-fé.”
Estas considerações merecem a nossa inteira concordância. Pois, em lado nenhum está demonstrado que a Entidade Recorrida praticou algum acto que infringe o princípio de boa fé, ou criou nos Recorrentes sua expectativa juridicamente protegida.
Pelo que, julga-se improcedente a argumentação produzida pelos Recorrentes nesta parte do recurso.
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2ª questão: Vício da violação da lei – artigos 2º e 7º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, de 4 de Abril
Ora, o artigo 2º e 7º do citado Regulamento Administrativo, de 4 de Abril, dispõem:
Investimentos relevantes
Para efeitos do disposto no presente diploma, poderá ser considerada relevante:
1) A instalação de unidades industriais que, pela natureza das respectivas actividades, contribuam para o desenvolvimento e diversificação da economia da Região Administrativa Especial de Macau;
2) A instalação de unidades de prestação de serviços, designadamente serviços financeiros, de consultoria, de transporte e de apoio à indústria ou ao comércio, que se apresentem de interesse para a Região Administrativa Especial de Macau;
3) A instalação de unidades hoteleiras e similares de reconhecido interesse turístico.
Depois o artigo 7º manda:
Critérios de apreciação
No exercício da competência referida no artigo anterior serão tomados em consideração todos os aspectos relevantes, nomeadamente:
1) O valor e espécie dos projectos de investimento ou dos investimentos;
2) O curriculum do interessado;
3) A área profissional dos quadros dirigentes e técnicos especializados;
4) A situação, necessidades e segurança da Região Administrativa Especial de Macau;
5) O número de elementos do agregado familiar para os quais seja pedida autorização de residência temporária.
Os Recorrentes começam por advogar que a lei não esclarece o valor do montante a mobilizar para que o investimento possa ser considerado relevante ou significativo, pelo que não podia a Administração fazê-lo e indeferir o pedido tomando por fundamento o valor concreto investido, com o que teria violado aqueles normativos.
Em 1º lugar, não é o valor de investimento como único critério que o legislador manda atender em matéria discutida nos autos, até, em certos casos, um valor reduzido poderá ser atendido para conceder a respectiva autorização de residência temporária;
Em 2º lugar, o artigo 7º citado manda atender a um conjunto de factores, um dos quais é o que possa contribuir para a diversificação da economia de Macau, circunstância esta que foi devidamente avaliada pela Entidade Recorrida.
Em 3º lugar, é de ver que está em causa um conjunto de factores, cuja avaliação e preenchimento se incumbe à Entidade Recorrida. E, pela vista, inexistem dados demonstrativos de que tal poder de avaliação foi exercido de modo desrazoável ou excede os limites legais.
A observação do Digno. Magistrado do MP é também pertinente quando escreve:
“Desde logo, visto o acto, impõe-se concluir que o montante concreto do valor mobilizado para o investimento não foi invocado como determinante do indeferimento. O que levou ao indeferimento foi o tipo de investimento, na sua globalidade, onde naturalmente está incluído um valor, que aparece mencionado no acto, mas que, como aludido, não se revela determinante no indeferimento, e onde estão referidas as actividades envolvidas no projecto, tais como negócios relativos a comida, snack-food, bar, restaurante e estabelecimentos do tipo semelhante. Ora, não se descortina como possa a Administração ter violado aqueles normativos. Na sua actividade, a Administração tem que proceder à aplicação da lei. Se essa aplicação lidar com conceitos indeterminados, haverá que interpretá-los e preenchê-los, seja vinculadamente, se estiver em causa a estrita interpretação da lei, seja discricionariamente, se houver que lidar com valorações que o legislador coloca a cargo da Administração em vista da melhor defesa do interesse público que lhe incumbe prosseguir.
No fundo, o que os recorrentes questionam é o juízo administrativo formulado acerca da relevância (pouca relevância) do investimento. Há, no entanto, que ter em conta, no seguimento do que supra dissemos sobre conceitos indeterminados, que na concretização ou densificação inerente ao preenchimento de conceitos indeterminados como o de investimento relevante, em que não está em causa apenas a estrita interpretação da lei, a Administração goza de uma margem de livre apreciação na fixação dos pressupostos da sua actuação, o que traduz um momento de discricionariedade imprópria, que segue o mesmo regime da discricionariedade, escapando normalmente ao controle jurisdicional, a menos que padeça de erro manifesto ou ostensivo, o que, no caso não se divisa. (…)”
É de reconhecer que a Entidade Recorrida tentou mostrar os fundamentos que, tendo por objecto densificar tais critérios “fluídos” dos artigos 2º e 7º do citado RA, procuram demonstrar o raciocínio utilizado para indeferir a pretensão dos Recorrentes.
Mas, aqui, é pertinente perguntar-se, a Entidade Recorrida chegou a analisar e decidir todos argumentos (fundamentos) invocados pelos Recorrentes no e durante do procedimento administrativo? Ou seja, a decisão final da Entidade Recorrida está suficientemente fundamentada?
Com estas perguntas passemos a ver 3ª questão: suficiente ou insuficiente da fundamentação da decisão.
3ª questão: Vício de falta (ou insfuciência) de fundamentação da decisão
Em matéria de fundamentação da decisão administrativa, o artigo 115.º (Requisitos da fundamentação) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) prescreve:
1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
3. Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos administrados
Nestes termos, a fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A fundamentação formal distingue-se da fundamentação material. À fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto.
Como ensina Vieira de Andrade (O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, 2003, p. 231.), o dever formal cumpre-se «... pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Nesta matéria, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a defender a relatividade do conceito da fundamentação da decisão administrativa, destacando que o que releva é que, perante o acto, um destinatário médio fique inteirado da motivação da decisão, das razões que levaram a Administração a decidir da forma como decidiu e não doutra.
No caso dos autos, houve lugar à audiência escrita, os Recorrentes alegaram, entre outros pontos, os seguintes:
a) Da contribuição não significativa para o desenvolvimento da diversificação económica do território
2. A empresa "C, Limitada", da qual o Requerente é detentor de 99% das quotas, presta serviços de restauração, desenvolvendo a sua actividade num restaurante de comida portuguesa tipicamente algarvia.
3. O Algarve é uma região de Portugal onde a gastronomia se baseia em pratos de peixe, com condimentos próprios dessa região, bem como em doçaria tradicional feita com produtos que só se podem encontrar nessa região do Sul de Portugal.
4. Apesar de existiram na Região Administrativa Especial de Macau (doravante "Macau" ou "RAEM"), diversos restaurantes de comida portuguesa, não existe nenhum de comida tipicamente algarvia.
5. Existem presentemente em Macau cerca de 11 restaurantes de comida portuguesa, a saber:
- Restaurante XXX (Região da Guarda, Portugal);
- Restaurante XXX (Região dos Açores, Portugal);
- Restaurante XXX (Região de Montemor-o-Novo, Portugal);
- Restaurante XXX (representativo de todas as regiões de Portugal);
- Restaurante XXX (Região de Lisboa, Portugal),
- Restaurante XXX (representativo de todas as regiões de Portugal);
- XXX de Macau (Região de Lisboa, Portugal);
- Restaurante XXX (Região de Tomar, Portugal);
- Restaurante XXX (Região dos Açores, Portugal);
- Restaurante XXX (Região de Lisboa, Portugal);
- Restaurante XXX (representativo de todas as regiões de Portugal).
6. Nenhum dos restaurantes acima referidos fornece aos seus clientes comida da região do Algarve, tão apreciada por locais, visitantes e turistas da República Popular da China e de muitos outros países da Ásia.
7. Pelo que, deverá falecer desde logo o argumento de que a actividade desenvolvida pelo ora Requerente não contribui para a diversificação da economia da RAEM.
8. Aliás, tal poderá ser comprovado por todos os eventos agendados para o Restaurante "A Baía" por parte de dirigentes, altos quadros e funcionários do IPIM que, por serem apreciadores de tão diferenciada oferta ao nível da gastronomia portuguesa, bem como da qualidade da mesma, agendam nesse local os seus almoços e jantares com as comitivas que visitam Macau.
9. Acaso não fosse a comida servida pelo restaurante acima identificado tão diferente da que é providenciada pelos demais restaurantes portugueses, o IPIM não escolheria tal restaurante para levar os seus mais prestigiados convidados.
10. Neste contexto, poderia o Recorrente arrolar qualquer funcionário do IPIM para prestar depoimento acerca da especificidade, da qualidade e da diversidade da comida da região do Algarve.
11. Por outro lado, existem na RAEM inúmeros restaurantes de comida chinesa, representativos das várias regiões da República Popular da China, restaurantes que nunca foram alvo de qualquer discriminação quanto à região da qual são oriundos.
12. Assim, se pretendermos comer comida de Sichuan ou de Shanghai, temos na RAEM uma panóplia de restaurantes daquela região - não sendo, pois, possível afirmar genericamente que temos um restaurante chinês, tal como pretende argumentar o IPIM na sua decisão de indeferimento.
13. Assim, também por este motivo, não pode necessariamente proceder o argumento invocado pelo IPIM para fundamentar o indeferimento do pedido realizado pelo Requerente.
N a mesma esteira, sempre se dirá que,
14. Nos termos do disposto no artigo 2.°, alínea 1) da Lei n.º 3/2005, poderá ser considerada relevante "A instalação de unidades industriais que, pela natureza das respectivas actividades, contribuam para o desenvolvimento e diversificação da economia da Região Administrativa Especial de Macau",
15. Como supra ficou demonstrado, a existência de um restaurante de comida portuguesa, tipicamente algarvia, é uma inovação em Macau, onde proliferam os restaurantes de todas as zonas do mundo, mas que ainda não dispõe de um restaurante típico da referida região de Portugal.
d) Do "contributo económico ao território"
34. Com base nos pontos acima referidos, o IPIM conclui que a actividade principal da empresa "C, Limitada" não trará grande contributo económico à RAEM.
35. Na verdade, se compararmos a empresa "C, Limitada" a um qualquer casino a operar na RAEM, poderá assistir alguma razão ao IPIM, visto que económica e financeiramente, um casino dará um maior contributo económico à RAEM, visto que movimenta diariamente milhões de patacas.
36. No entanto, e no contexto crescente de diversificação da economia em que a RAEM se encontra presentemente (e que, aliás, encontra sustentação no programa de Governo do Chefe do Executivo), sempre se dirá que um restaurante de comida tipicamente algarvia - e, sublinhe-se, o único restaurante de comida da Região do Algarve, Portugal, em Macau - poderá contribuir para que a oferta de turismo gastronómico aumente, atraindo visitantes e turistas para um sector de actividade que muito contribui para o prestígio e a diversidade de cozinhas típicas e gastronómicas em Macau.
Realce-se que os Recorrentes alegaram que pretendiam montar um restaurante de comida típica do Algarve, se bem que único restaurante especializado para esta comida, em Macau ou até na Ásia. Eis a particularidade ou singularidade do caso, o que deve ser objecto de análise por parte da entidade competente. Mas, não assim aconteceu.
Como sobre este ponto a Entidade Recorrida não chegou a pronunciar-se nem tocou nele, o que não deixa de constituir uma situação de “omissão de pronúncia”, ou seja, a Entidade Recorrida não analisou todos os fundamentos invocados pelos Recorrentes, e como tal há insuficiência de fundamentação, o que impõe necessariamente à anulação da decisão ora posta em crise, por violar os artigos 11º/1, 98º, 114º/-c) e 124º do CPA.
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Síntese conclsuvia:
Na audiência escrita os Recorrentes invocaram, entre outros, os seguintes pontos relevantes:
-A empresa "C, Limitada", da qual o Requerente é detentor de 99% das quotas, presta serviços de restauração, desenvolvendo a sua actividade num restaurante de comida portuguesa tipicamente algarvia.
- O Algarve é uma região de Portugal onde a gastronomia se baseia em pratos de peixe, com condimentos próprios dessa região, bem como em doçaria tradicional feita com produtos que só se podem encontrar nessa região do Sul de Portugal.
- (…) Sempre se dirá que um restaurante de comida tipicamente algarvia - e, sublinhe-se, o único restaurante de comida da Região do Algarve, Portugal, em Macau - poderá contribuir para que a oferta de turismo gastronómico aumente, atraindo visitantes e turistas para um sector de actividade que muito contribui para o prestígio e a diversidade de cozinhas típicas e gastronómicas em Macau (…).
E, a Entidade Recorrida fundamentou a sua decisão só nos seguintes termos:
“O interessado seguinte, nos termos da alínea 2 do artigo 1.º do RA 3/2005, requer a autorização de residência temporária na RAEM juntamente com o membro do seu agregado familiar, por meio do investimento relevante. O interessado fica, através da transmissão da quota, titular de 99% das quotas de uma companhia que se dedica a negócios relativos a comidas, snack-food, bar, restaurante e os estabelecimentos do tipo semelhante. Nos termos do projecto do investimento da Companhia, o montante do orçamento do investimento do ano 2016 é MOP 3,379,724.37, porém, considerando que já existem na RAEM as actividades económicas referidas e o investimento não contribui para promoção da diversificação económica, o investimento referido não deve ser qualificado como investimento relevante na RAEM, por esta razão, indefere-se o requerimento de autorização da residência temporária.”
Há nitidamente “omissão de pronúncia” por parte da Entidade Recorrida, pois esta não analisou todos os fundamentos invocados pelos Recorrentes, e como tal há insuficiência de fundamentação, o que impõe necessariamente à anulação da decisão recorrida, por violar os artigos 11º/1, 98º, 114º/-c) e 124º do CPA.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente o presente recurso, anulando-se o despacho recorrido por insuficiência de fundamentação da decisão.
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Sem custas.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 13 de Junho de 2019.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Mai Man Ieng
1 Cfr. Código do Procedimento Administrativo, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e outros, 2ª edição, Almedina, pág. 109 e seguintes.
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