Processo n.º 210/2018
(Autos de recurso cível)
Data: 16/Maio/2019
Assuntos: Indemnização por danos
Responsabilidade da companhia de seguros
SUMÁRIO
Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar (artigo 493.º, n.º 1 do Código Civil).
Provado está que no decurso da aula de educação física, o autor caiu ao chão tendo partido a fíbula do pé esquerdo, não sendo essa queda devida a caso fortuito, antes resultou do facto de o jardineiro da escola estar na altura a regar as plantas com uma mangueira, e a água foi derramada para o campo de jogos, fazendo com que o chão ficou molhado e escorregadio.
Efectivamente, segundo se provou nos autos, o autor caiu por que a água deixou o piso escorregadio.
Com base no padrão de diligência exigível a um homem médio perante a situação concreta, o jardineiro devia certificar que não adviria qualquer perigo para os alunos antes de regar as plantas e evitar que a água escorreria para o campo de jogos onde decorreu a aula de educação física, mas não fez assim, o jardineiro teve culpa na queda do autor ao chão.
Daí que, recaindo sobre a entidade patronal do jardineiro o dever de indemnizar no âmbito de responsabilidade pelo risco, e tendo essa responsabilidade por danos causados a terceiros sido transferida à respectiva companhia de seguros, a seguradora tem o dever de indemnizar o lesado pelos danos sofridos.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo n.º 210/2018
(Autos de recurso cível)
Data: 16/Maio/2019
Recorrentes:
- A (Autor)
- B (2.ª Ré)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformado com a sentença que julgou parcialmente procedente a acção interposta pelo Autor A, interpôs o mesmo Autor recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Resulta claro, quer da matéria de facto provada, quer da própria sentença recorrida, que não fosse a conduta do jardineiro em regar as plantas sem se certificar que daí não adviria qualquer perigo para os alunos, e não fosse ainda a preterição do dever de vigilância e fiscalização por parte do docente responsável pela aula, nenhum dano teria ocorrido.
2. Foi devidamente provado o nexo de causalidade entre os danos apurados e a conduta, quer do funcionário que regou as plantas sem assegurar que a água não escorreria para o campo de jogos onde se encontravam alunos a praticar desporto, quer do docente que, mesmo tendo podido evitar o dano ocorrido, certificando-se de que o piso estava em condições e interrompendo a aula, não o fez, faltando com o seu dever de vigilância e fiscalização.
3. Se o iter conducente à decisão parece estar, mutatis mutandis, em consonância com a pretensão do ora Recorrente, o certo é que aquele não encontra reflexo, quer no facto de a 1ª Ré, ora Recorrida, ter sido absolvida do pedido, quer nos montantes indemnizatórios fixados pela douta sentença recorrida.
4. Ao decidir pela absolvição da 1ª Ré e ao reduzir o valor do montante indemnizatório para um patamar deveras inferior àquele que foi efectivamente pedido pelo Recorrente, a douta sentença recorrida viola as disposições legais relativas à responsabilidade civil, nomeadamente o art.º 493º do CC, desvirtuando com isso a intenção do legislador.
O que se invoca nos termos e para os efeitos das alínea a) e b) do n.º 2 do art. 598º do CPC.
Termos em que se solicita a V. Ex.as seja julgado procedente o presente recurso, seja revogado o acórdão recorrido e, destarte, sejam condenadas as Recorridas a pagar ao Recorrente os montantes peticionados a título de custos necessários à reparação dos danos, em montante superior ao decidido pelo tribunal a quo e até ao limite do peticionado, por desarrazoado admitir que de outra forma seja.”
Respondeu a 1.ª Ré C ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“I. Vem o Recurso interposto da douta decisão final proferida pelo Tribunal a quo que julgou (i) Condenar a “Ré B a pagar ao Autor A uma indemnização no montante de MOP$95.000,00 (noventa e cinco mil patacas), a qual acrescentará os juros de mora a taxa legal contado a partir da citação em relação à quantia de MOP$50.000,00 e a partir de data de sentença em relação à quantia de MOP$45.000,00, até ao integral e efectivo pagamento.”; (ii) absolver a “Ré C do pedido formulado pelo Autor.”
II. O Recurso interposto pela Autora não poderá proceder quando requer a condenação da 1ª Ré.
III. O contrato de seguro em apreço é um contrato de seguro de “Public Liability”, ou seja, um contrato de seguro de responsabilidade pública (civil) e não de acidentes pessoais.
IV. Nesse sentido, como está legalmente estabelecido, a seguradora obriga-se dentro dos limites da lei e do contrato a cobrir o risco que possa surgir para o segurado, constituindo-se apenas na obrigação de indemnizar um terceiro pelos prejuízos causados por um evento previsto no contrato.
V. Como é consabido, apenas existe a obrigação de indemnizar caso estejam reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, sempre na perspectiva de danos causados a terceiros por parte do segurado, o que não ocorreu no presente caso.
VI. A lesão sofrida pelo Autor foi produzida por acto involuntário do próprio Autor que escorregou.
VII. Mesmo que estivessem reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, o que não sucede no modesto entendimento da ora Recorrida, o referido contrato de seguro é de “Public Liability” e não um contrato de seguro de acidentes pessoais.
VIII. Assim, sempre estaria afastada a aplicação do contrato de seguro assinado com a 1ª Ré/Recorrida a este caso em apreço, porquanto não se verificou nenhum evento previsto no mesmo que pudesse servir de base à cobertura de danos reclamados pelo Recorrente.
IX. Andou bem o Tribunal a quo ao absolver a 1ª Ré, ora Recorrida, do pedido formulado pelo Autor, Recorrente.
X. De resto, a existir – o que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona – a responsabilidade de indemnizar por parte da 1ª Ré, essa mesma responsabilidade apenas existiria caso existisse um contrato de acidentes pessoais, mas nunca essa obrigação de indemnizar pode advir da existência de um contrato com o teor do contrato que consta de fls. 219 a 222 dos autos.
XI. Como bem salienta a douta decisão recorrida, apenas de constar dos factos assentes que esse contrato é contrato de seguro de acidentes pessoais, aliás, segundo o teor da apólice junta aos autos, o contrato de seguro em causa é um contrato de seguro de “Public Liability”.
XII. Na verdade, entende a ora Recorrida que além de não estarem reunidos os requisitos da responsabilidade civil no caso em apreço, inexiste qualquer contrato de seguro de acidentes pessoais firmado com a 1ª Ré.
XIII. A douta decisão proferida pelo Tribunal a quo não interpretou nem aplicou incorrectamente as normas legais invocadas pelo Recorrente, nomeadamente os artigos 477º, n.º 1 e 493º, n.º 2 do Código Civil.
Termos em que V. Exas. doutamente suprirão, deve o Recurso a que ora se responde ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Fazendo assim V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
Ao recurso respondeu ainda a 2.ª Ré, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
*
Também inconformada com a sentença, recorreu a 2.ª Ré B jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou o seguinte:
“1. Entendeu o Douto Tribunal a quo, na sentença proferida que ora se recorre, na fundamentação a fls. 327 e ss., que a apólice de seguro vigente entre a 2ª Ré, ora Recorrente e a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) cobre os danos morais sofrido pelo Autor,
2. e, por isso, condenou a ora Recorrente ao pagamento de MOP$15.000,00 ao Autor, a título de compensação por danos não patrimoniais.
3. Ora, com o devido respeito, a Recorrente discorda de tal interpretação do contrato de apólice de seguro, pelos motivos que a seguir se expõem e que devem ditar a procedência da presente excepção e consequente absolvição do pedido de condenação no pagamento de danos morais.
4. Antes de mais, há que atentar ao elemento literal do contrato de seguro em crise, comparando-o com o Caderno de Encargos ao qual o contrato corresponde, tendo sido outorgado no culminar de um concurso público organizado pela DSEJ para a aquisição de seguro escolar.
5. Veja-se que entre o Caderno de Encargos, constante dos autos, e a apólice de seguro propriamente dita existe uma similitude praticamente total entre os respectivos clausulados.
6. Uma similitude tanto de conteúdo das cláusulas como da própria sistematização cronológica das mesmas, ou seja, Caderno de Encargos e Apólice de Seguro contêm exactamente a mesma disciplina, exceptuando aquela que, por vontade das partes, nomeadamente por vontade da entidade segurada, se resolveu não contratar.
7. É pois de concluir que o que constava do Caderno de Encargos e não consta da apólice de seguro não se encontra segurado.
8. E não se encontra coberto pela apólice de seguro por vontade da entidade segurada que, assim entendendo, contratou noutras condições e pagou o prémio correspondente.
9. As obrigações da seguradora ora Recorrente emergentes do contrato são apenas e só as que dele constam e para as quais foi pago o correspondente prémio.
10. E é esse contrato que a seguradora ora Recorrente está obrigada a cumprir, nos termos do disposto no art.º 400º, n.º 1 do Código Civil, não tendo o mesmo sido modificado por vontade das partes nem a lei o admitir.
11. A apólice de seguro em causa prevê apenas três tipos de indemnização e com limites máximos pré-fixados:
i. A destinada a ressarcir as despesas médicas MOP$50.000,00;
ii. A dirigida a reparar os prejuízos resultantes da incapacidade total e permanente – MOP$100.000,00;
iii. E a atribuída para compensar o dano morte – MOP$100.000,00.
12. Em lado algum do contrato se faz referência à cobertura da obrigação de indemnizar, nem sequer se estipula um limite pecuniário à mesma.
13. Ora, olhando para o Caderno de Encargos do concurso de “Aquisição de Seguro Escolar para os Alunos do Ensino Não Superior nos Anos Escolares de 2014/2015 e 2015/2016”, é imediata a percepção de que do mesmo constam as cláusulas 4.1.5 e 4.2.8.
A primeira, 4.1.5, reporta-se à responsabilidade civil, estabelecendo, na sua parte útil para o que agora se discute, que o “adjudicatário garante o pagamento das indemnizações e compensações devidas, resultantes dos danos patrimoniais e não patrimoniais (…)”.
A segunda, 4.2.8, também reportando-se à responsabilidade civil, estabelece, na sua parte útil para o que agora se discute, que “adjudicatário garante o pagamento das indemnizações e compensações devidas, resultantes dos danos patrimoniais e não patrimoniais (…)”.
14. Confrontando o Caderno de Encargos com o contrato de seguro, é possível concluir sem grande dificuldade que ambos são praticamente iguais em conteúdo e numeração, exceptuando no que toca a estas duas cláusulas e pouco mais, ou seja, a entidade segurada, DESJ, não desejou transferir a responsabilidade pelos danos morais/não patrimoniais para a ora Recorrente, não constando do contrato tal disciplina.
15. Outro indício forte de que foi essa a vontade da entidade segurada e a disciplinar do contrato é que o mesmo para todas as indemnizações estatui limites, não se encontrando estatuído qualquer limite para eventuais indemnizações por danos morais.
16. E não se encontra estatuído o limite para compensação por danos morais porque simplesmente o contrato de seguro não os cobre.
17. Ou seja, por vontade da entidade segurada, a apólice de seguro – e o prémio proporcionalmente pago pela mesma – não cobre compensações devidas por danos não patrimoniais.
18. Laborou, por isso, em equívoco a sentença ora recorrida quando fundamenta a improcedência da excepção invocada pela 2ª Ré, afirmando que “no que toca aos danos morais, a cláusula contratual refere-se à indemnização das lesões corporais, sem distinguir se forem danos patrimoniais e danos morais”, concluindo, de seguida, que “carece de razão dizer que os danos morais originados das lesões corporais não são cobertos pela apólice”.
19. Labora em equívoco, antes de mais, na medida em que é explícita – por confronto dos documentos caderno de encargo e apólice – que a entidade segurada não quis segurar as compensações por danos morais, caso contrário não teria retirada as referidas cláusulas do conteúdo da apólice e teria inserido um limite às mesmas.
20. E não pode, por ilegal, haver um dano segurado sem estar o mesmo previsto na apólice, por um lado, nem pode haver um dano segurando sem que o contrato de seguro imponha limites à cobertura.
21. Isso mesmo resulta do disposto no art.º 962º, n.º 1 do Código Comercial: “(…) a seguradora se obriga (…) a indemnizar, dentro dos limites convencionados, o dano produzido ao segurado (…)”.
22. Ora, os contratos são o reflexo da vontade das partes e as prestações neles previstas revestem essa mesma vontade.
23. E foi vontade da entidade segurada contratar um seguro que excluísse a cobertura de danos morais.
24. O Douto Tribunal a quo operou, por isso, uma interpretação extensiva do contrato que resultou em atribuir ao mesmo disciplinar que ele não inclui, por um lado, e conferindo às partes uma vontade e obrigação que do mesmo não emerge.
25. Esta mesma posição, que exclui do âmbito deste contrato a cobertura de danos não patrimoniais, foi muito recentemente sustentada por esse Venerando TSI no acórdão do processo 470/2016, de 8 de Junho de 2017.
26. Depois de excluir, e bem, tal como no presente processo, a outra apólice potencialmente aplicável ao caso, restringindo a cobertura à apólice de natureza semelhante à que ora está em discussão, de seguro escolar, discorre o douto acórdão do TSI:
“Assim, a cobertura dos danos sofridos pelos Autores só pode ser dada pelo contrato titulado pela apólice n.º LFH/PAI/2010/000001 o qual prevê apenas três tipos de indemnização com limites máximos pré-fixados: a destinada a ressarcir as despesas médicas – MOP$10.000,00; a dirigida a reparar os prejuízos resultantes da incapacidade total e permanente – MOP$100.000,00; e a atribuída para compensar o dano da morte – MOP$100.000,00. No que aos danos sofridos pelo 2º Autor, na parte relativa às consequências do acidente, entendeu-se que apenas está provado que o 2º Autor teve dores no cóccix e na região lombar aquando da queda e sofreu lesões no cóccix para cujo tratamento recebeu vários tratamentos médicos quer em clínicas privadas quer no hospital público tendo a 1ª Autora despendido com isso a quantia de MOP$8.899,00.”
“Assim (…) Uma vez que o contrato de seguro aplicável ao presente caso só dá cobertura às despesas médicas e não às dores sofridas pelo 2º Autor, o valor da indemnização a arbitrar cinge-se no que diz respeito à quantia de MOP$8.899,00 despendida pela 1ª Autora com os tratamentos recebidos pelo 2º Autor.”
Termos em que se requer a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida na parte em que arbitrou um quantum indemnizatório de MOP$15.000,00 a título de danos não patrimoniais, por violação do art.º 962º, n.º 1 do Código Comercial e, em consequência, deverá ser corrigida a douta sentença recorrida, através da eliminação do mencionado montante indemnizatório.
Assim se fazendo serena Justiça!”
Ao recurso não respondeu o Autor.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Realizada a audiência e discussão de julgamento, foi dada como provada a seguinte factualidade:
Não obstante as sucessivas comunicações posteriormente enviadas e recebidas da 1ª Ré, nunca esta fez até ao presente momento qualquer pagamento intercalar por conta da indemnização a computar a final dos tratamentos e intervenções cirúrgicas do Autor. (alínea A) dos factos assentes)
A 2ª Ré celebrou um contrato de seguro escolar com a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (cfr. doc. de fls. 197 a 207), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea B) dos factos assentes)
O contrato supra referido tem por âmbito os alunos do ensino não superior, que frequentem cursos da educação regular ou de ensino recorrente, registados naquela direcção de serviços e válidos pelo período de 1 de Setembro de 2014 a 31 de Agosto de 2016. (alínea C) dos factos assentes)
A apólice de seguro n.º LFH/PAI/2014/000110 tem por cobertura as despesas médicas, a incapacidade total e permanente (por referencia à tabela anexa à apólice), indemnização por morte e as despesas de funeral. (alínea D) dos factos assentes)
Sendo que os valores máximos de seguro são os seguintes:
a) MOP$50.000,00, para as despesas médicas;
b) MOP$100.000,00, para a incapacidade total e permanente, de acordo com as situações previstas na tabela constantes do contrato;
c) MOP$100.000,00, para o dano morte, e
d) MOP$10.000,00, para as despesas com funeral. (alínea E) dos factos assentes)
Entre a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude e a C foi celebrado em 25 de Junho de 2014 contrato de seguro de acidentes pessoais, no âmbito da Apólice nº CIM/LGP/2014/000714, (cfr. doc. de fls. 219 a 222), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea F) dos factos assentes)
O qual abrangia a escola frequentada pelo ora Autor. (alínea G) dos factos assentes)
No ano lectivo 2014/2015 o Autor frequentava como aluno do 4º ano, o ensino secundário geral na Escola Secundária Luso-Chinesa Luís Gonzaga Gomes, sita em Macau. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
No dia 29 Set 2014, pelas 10:00, estava a decorrer, no campo de jogos descoberto da Escola Secundária Luso-Chinesa Luís Gonzaga Gomes, a aula de educação física a cargo e sob a responsabilidade do respectivo docente da disciplina, D. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
O jardineiro da Escola estava a regar com uma mangueira as plantas adjacentes ao campo de jogos que estava em uso durante a aula de educação física. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
Em virtude dessa acção de rega, a água derramou para o mencionado campo de jogos em uso, molhando-o e tornando-o escorregadio. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
O Autor, enquanto jogava basquetebol, escorregou no piso molhado de água. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
O Autor, por ter escorregado, caiu ao chão. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
Com a queda, o Autor partiu a fíbula do pé esquerdo. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
O Autor teve de ser transportado de urgência, para o Hospital Conde de S. Januário. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
Estando já no Hospital, o Autor, pelas 22:30 desse mesmo dia 29 Set 2014, veio a ser submetido a uma primeira intervenção cirúrgica, fruto da qual lhe foram implantados 6 parafusos no pé esquerdo. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
Após a intervenção cirúrgica, o Autor fez sessões de fisioterapia. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
À data de acção, o Autor ainda está sujeito ao tratamento de fisioterapia. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
Para preparação da segunda intervenção cirúrgica, o Autor teve de se submeter a uma série de exames e consultas preparatórias. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
O Autor foi submetido a segunda intervenção cirúrgica em 3 de Novembro de 2015 para retirar os 6 parafusos. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
No pós-operatório da segunda intervenção cirúrgica, o Autor foi acompanhado nos Serviços de Saúde. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
A 2ª Ré não pagou ao Autor qualquer quantia até à presente data. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
Cada sessão diária de fisioterapia foi cobrada a MOP$300,00. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
O Autor tinha ficado impossibilitado de comparecer às aulas durante três meses. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
Em virtude disso, o Autor contratou uma explicadora particular a fim de tentar que o mesmo ainda conseguisse recuperar e transitar de ano lectivo. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
O valor mensal das explicações foi de MOP$2.500,00 correspondendo 9 meses de explicações, no valor global de MOP$22.500,00. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
Para custeio de despesas médicas e terapêuticas, o Autor despendeu até à propositura da acção as seguintes quantias:
a) Sessões de fisioterapia, no valor de MOP$81.000,00;
b) Medicamentos chineses, no valor de MOP$13.500,00;
c) Máquina para estiramento da perna esquerda, no valor de MOP$800,00. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
Aquando do acidente, o Autor sofreu dores físicas fortes e intensas. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
Durante o seu transporte para o Hospital Conde de S. Januário, o Autor continuou a sofrer dores, que se revelaram e permaneceram cada vez mais intensas até ao momento em que foi operado, pelas 22:30. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
Após a primeira operação em que lhe foram afixados seis parafusos no pé esquerdo, o Autor sofreu dores. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
Ambas as intervenções cirúrgicas foram efectuadas com anestesia geral, situação que causou preocupação ao Autor. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
O Autor ficou com a incapacidade física permanente e parcial de 1%. (respostas aos quesitos 26º e 26º-A da base instrutória)
Em resultado do acidente o Autor chumbou o ano lectivo de 2014/2015, por deixar de ter possibilidade de frequentar, como anteriormente sempre fizera, todas as aulas. (resposta ao quesito 30º da base instrutória)
A perda desse ano lectivo causou um sofrimento moral motivado pela frustração interior do Autor de, contra a sua vontade, ver interrompido o percurso escolar. (resposta ao quesito 31º da base instrutória)
Antes do acidente, o Autor era uma pessoa alegre, à data tinha 17 anos. (resposta ao quesito 33º da base instrutória)
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Comecemos pelo recurso da 2.ª Ré.
A 2.ª Ré insurge-se contra a decisão de primeira instância na parte em que a condenou a pagar ao Autor MOP15.000,00, a título de compensação por danos não patrimoniais.
Sem necessidade de delongas considerações, julgamos irrecorrível esta parte da sentença, por o valor de sucumbência ser inferior a metade da alçada dos Tribunais de Primeira Instância, pelo que, verificado não está um dos pressupostos gerais da admissibilidade de recurso ordinário, vai o mesmo indeferido nos termos do n.º 1 do artigo 583.º do CPC.
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Vejamos agora o recurso interposto pelo Autor.
O recorrente começa por referir que a sentença incorreu em erro na interpretação e aplicação de normas jurídicas, entendendo que estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por parte da Escola em que o Autor frequentava, o que implicará, por força do contrato de seguro celebrado entre a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) e a 1.ª Ré, uma obrigação de indemnização por parte desta última.
Entretanto, entende a sentença recorrida que a 1.ª Ré, não obstante o referido contrato de seguro, não teve a obrigação de indemnizar, por não se verificar qualquer conduta dolosa e imputável à Escola.
Em nossa opinião, entendemos não andou bem a sentença recorrida quanto a esta parte.
De acordo com a matéria dada como provada, o Autor foi estudante do 4.º ano do ensino secundário da Escola Luso-Chinesa Luís Gonzaga Gomes. No dia dos factos, no campo de jogos da Escola, estava a decorrer a aula de educação física. Naquela altura, o jardineiro da Escola estava a regar com uma mangueira as plantas adjacentes ao campo de jogos, e em virtude dessa conduta de rega, a água derramou para o campo de jogos, molhando-o e tornando-o escorregadio.
De facto, foi celebrado entre a DSEJ e a 1.ª Ré um contrato de seguro denominado por “public liability”, em chinês “公眾責任險”, constante de fls. 219 a 222 dos autos.
Conforme dito na sentença recorrida, e bem, esse tipo de contrato de seguro visa transferir, do segurado para a seguradora, a responsabilidade por danos causados ao terceiro, proveniente de facto ilícito ou risco.
De acordo com a informação facultada pelo site da enciclopédia 智富百科1, “公眾責任保險又稱“普通責任保險”或“綜合責任保險”。它主要承保被保險人在公共場所進行生產、經營或其他活動時,因發生意外事故而造成的他人人身傷亡或財產損失,依法應由被保險人承擔的經濟賠償責任。投保人可就工廠、辦公樓、旅館、住宅、商店、醫院、學校、影劇院、展覽館等各種公眾活動的場所投保公眾責任保險。”
No caso dos autos, ao contrário do que entende a sentença recorrida, entendemos que sobre a 1.ª Ré também impende o dever de indemnizar o autor. Senão vejamos.
Ora bem, provado está que no decurso da aula de educação física, o autor caiu ao chão tendo partido a fíbula do pé esquerdo.
E essa queda não foi devida a caso fortuito, antes resultou do facto de que o jardineiro estava na altura a regar as plantas com uma mangueira, e a água foi derramada para o campo de jogos, fazendo com que o chão ficou molhado e escorregadio.
Efectivamente, segundo se provou nos autos, o autor caiu por que a água deixou o piso escorregadio.
Em boa verdade, com base no padrão de diligência exigível a um homem médio perante a situação concreta, o jardineiro devia certificar que não adviria qualquer perigo para os alunos antes de regar as plantas e evitar que a água escorreria para o campo de jogos onde decorreu a aula de educação física, mas não fez assim, somos a concluir que o jardineiro teve culpa na queda do autor ao chão.
Ao abrigo do n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil, “aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar”.
Como observam Pires de Lima e Antunes Varela2, “a comissão pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este. Só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo. É o caso do criado em face do patrão, do operário ou empregado em relação à entidade patronal, do mandatário quanto ao mandante ou do motorista perante o dono do veículo.”
No caso vertente, sendo a Escola a entidade patronal do jardineiro, recai sobre aquela instituição educativa o dever de indemnizar no âmbito de responsabilidade pelo risco, o que implica necessariamente, por força do contrato de seguro celebrado entre a DSEJ e a 1.ª Ré, o pagamento, por parte desta ao autor, de indemnização pelos danos sofridos.
Posto isto, procedem as razões do recorrente quanto a esta parte.
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Defende ainda o Autor ora recorrente que os valores indemnizatórios arbitrados pelo Tribunal recorrido são muito inferiores aos montantes peticionados, pedindo a este TSI que se arbitre até ao limite do peticionado.
Sinceramente, analisado o teor das suas alegações de recurso, não se verifica que o recorrente tenha fundamentado minimamente a sua discordância quanto aos valores indemnizatórios fixados pelo Tribunal recorrido, apenas vem invocar que os valores arbitrados são extremamente reduzidos.
Sem embargo, somos a entender que os valores das indemnizações são justos e equilibrados.
No que respeita às despesas médicas e medicamentosas, provado ficou que para tratamento das lesões, o Autor teve que se submeter a sessões de fisioterapia e comprar medicamentos chineses e a máquina de estiramento da perna, tendo despendido a quantia total de MOP95.300,00, pelo que é este o valor da indemnização que o Autor tem direito a título de danos patrimoniais (despesas médicas e medicamentosas).
No que toca à indemnização por incapacidade permanente parcial, provado nos autos que resultou para o Autor uma incapacidade permanente e parcial de 1%, pelo que foi correcto ter-lhe fixado uma indemnização no montante de MOP30.000,00.
Relativamente ao montante da indemnização por danos não patrimoniais, conforme referido na sentença recorrida, tendo em consideração as dores sofridas pelo Autor, bem assim a sua idade, é equilibrado o valor de MOP15.000,00 arbitrado na sentença.
Aqui chegados, há-de conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Autor, sendo a 1.ª Ré C e a 2.ª Ré condenadas a pagar solidariamente ao Autor MOP140.300,00, acrescidos de juros de mora, sem prejuízo do limite máximo das despesas médicas fixado no contrato de seguro firmado entre a DSEJ e a 2.ª Ré.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Autor A, condenando a 1.ª Ré C e a 2.ª Ré B a pagar solidariamente ao Autor MOP140.300,00 (sem prejuízo do limite máximo fixado no contrato de seguro celebrado entre a DSEJ e a 2.ª Ré), acrescidos de juros de mora à taxa legal a partir da citação no que se refere à quantia de MOP95.300,00 e a contar da data de sentença de primeira instância em relação à quantia de MOP45.000,00, até integral e efectivo pagamento.
Indefere-se o recurso interposto pela 2.ª Ré B.
Custas pela 2.ª Ré em relação ao seu recurso, e pelas partes na proporção do decaimento quanto ao recurso do Autor, sem prejuízo do apoio judiciário de que este beneficia.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 16 de Maio de 2019
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 https://wiki.mbalib.com/zh-tw/%E5%85%AC%E4%BC%97%E8%B4%A3%E4%BB%BB%E4%BF%9D%E9%99%A9
2 Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, pág. 508
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Recurso Cível 210/2018 Página 1