Proc. nº 691/2017
Recurso contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 16 de Maio de 2019
Descritores:
- Moradias da RAEM
- Direito a alojamento
- Aquisição
- Pessoal dos quadros locais
SUMÁRIO:
I - O regime do pessoal contratado ao exterior - assente nos arts. 21º do Decreto-Lei n.º 60/92/M, no Decreto-Lei n.º 71/92/M, Despacho n.º 98/GM/92 e Despacho n.º 16/GM/94,– conferia o direito a alojamento.
II - Este direito era satisfeito através da atribuição de moradia ou de subsídios para arrendamento, cuja opção competia à Administração.
III - Os recrutados ao exterior não são arrendatários de moradia, mas sim e apenas “titulares do direito a alojamento”. E não o são, não apenas porque não se celebrava contrato de arrendamento (este elemento nem é decisivo), como também pelo facto de os recrutados não pagarem “renda”, mas somente uma “contraprestação” (art. 9º, nº1, do DL nº 71/92/M).
IV - É diferente o regime do pessoal da Administração Pública de Macau pertencente aos quadros locais e com provimento definitivo. Quanto a este, o art. 37º, al. b), desta Lei 31/96/M, para uma candidatura à aquisição de moradia, apenas exigia que, à data da entrada em vigor desse diploma, o interessado reunisse os requisitos exigidos para o efeito na legislação vigente.
V - A legislação para a qual aquela disposição remete (art. 37º, al. b)) era constituída pela Lei nº 4/83/M e pelo DL nº 56/83/M. Diplomas que, no entanto, embora implicassem o pagamento de uma renda, já não impunham a celebração de contrato escrito.
Proc. nº 691/2017
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A, médico responsável do Serviço de Dermatologia, do quadro do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, residente em Macau, na ……….., ----
Recorre contenciosamente -----
Do despacho do SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS, datado de 08.06.2017, exarado na Proposta n.º 30211/DGP/2017, de 24.04.2017, -----
Que lhe indeferiu o pedido de aquisição de uma moradia da RAEM que estivesse disponível.
Na petição inicial formulou as seguintes conclusões:
“1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Economia e Finanças e acto recorrido o seu despacho datado de 08.06.2017, exarado na Proposta n.º 30211/DGP/2017, de 24.04.2017.
2. A proposta prévia do Departamento de Gestão Patrimonial da DSF, a Proposta n.º 30247/DGP/16, de 22.06.2016, concluía pelo deferimento do pedido de aquisição de moradia da Região formulado pelo ora recorrente.
3. As Informações n.ºs 023/DIR/AS/2016, de 04.07.2016, 032/DIR/AS/2016, de 23.09.2016 e 004/DIR/AS/2017, de 15.03.2017, sustentaram o acto recorrido no sentido do indeferimento da pretensão do recorrente por fazerem da Proposta n.º 30211/DGP/2017, de 24.04.2017.
4. A Informação n.º 023/DIR/AS/2016 indica que o recorrente teve inicialmente atribuída uma moradia de tipologia T1 mediante o despacho n.º 96/FIN/87, ao abrigo do Protocolo de Acordo celebrado entre o Governo de Macau e a República Portuguesa.
5. A Informação n.º 023/DIR/AS/2016 diz que o requerente à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 31/96/M, usufruía do direito a alojamento em moradia da RAEM mediante o pagamento de uma contra prestação, beneficiando, no entanto, de uma situação especial inerente à sua condição de “contratado ao exterior” com direito a alojamento.
6. Que lhe foi atribuída nessa qualidade ao abrigo do Protocolo do Acordo celebrado entre o Governo de Macau e a República Portuguesa acima citado, até à sua entrada para o quadro da RAEM em 1990 e que se manteve.
7. Tendo sido posteriormente autorizada a formalização do contrato de arrendamento, mediante o despacho de 28/06/2000 da Senhora Subdirectora dos Serviços de Finanças, com base no disposto na alínea a) do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 31/96/M.
8. A Informação n.º 032/DIR/AS/2016 mantém tudo o constante na Informação n.º 023/DIR/AS/2016 mas reforça que os funcionários arrendatários das moradias da RAEM com direito à aquisição da moradia em que habitam são, apenas, em face da legislação aplicável, os que reuniram as condições previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º da Lei n.º 4/83/M, com contratos de arrendamento o que não se verifica.
9. Após audiência de interessados foi produzida a Informação n.º 004/DIR/AS/2017 que afirma que os arrendatários com direito à aquisição da moradia da RAEM em que habitam são os que celebram contratos de arrendamento após o preceituado no Decreto-Lei n.º 46/80/M e nas condições previstas nos n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 4j83/M, que expressamente excluía, na alínea d) do n.º 3 do mesmo artigo, as habitações sob reserva.
10. O Registo Biográfico do ora recorrente dita que são errados os factos e o direito invocados no acto recorrido.
11. O ora recorrente nunca foi recrutado ao exterior e pertence aos quadros da RAEM desde 18.12.1989 com a sua nomeação provisória.
12. Enferma o acto recorrido de ilegalidade na vertente do erro sobre os pressupostos de facto por o ora recorrente nunca ter sido recrutado ao exterior ao abrigo da legislação específica aplicável.
13. A única modalidade legal para que o ora recorrente esteja a habitar moradia da Região enquanto quadro local desde 1989 é o Decreto-Lei n.º 46/80/M, de 27 de Dezembro.
14. Esse Decreto-Lei obriga no artigo 1.º a que a distribuição de moradias seja feita mediante arrendamento, sujeito, nos termos do seu artigo 7.º, ao pagamento de uma renda de casa correspondente à percentagem de 5% sobre o vencimento-único, salário ou pensão dos trabalhadores.
15. Não se conhecem os motivos para a DSF não ter promovido a formalização de um contrato de arrendamento desde 1989, mas foi seguramente por sua inércia.
16. A Informação n.º 023/DIR/AS/2016, só fala verdade quando diz foi decidido manter a situação anterior e formalizar o contrato de arrendamento com o Dr. A, em moradia da RAEM, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 31/96/M.
17. Situação anterior que era o materialmente o arrendamento, formalizado em 2000.
18. Ao ora recorrente e desde 1989 aplica-se o Decreto-Lei n.º 46/80/M e nunca o despacho n.º 96/FIN/87.
19. Ao afirmar o contrário o acto recorrido enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mais uma vez determinante da sua invalidade.
20. A Informação n.º 004/DIR/AS/2017 mantém tudo o afirmado mas faz referência à realidade das moradias reservadas por referência à moradia habitada pelo ora recorrente, sita em Macau, na ……………………..
21. O n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 4/83/M exclui do âmbito das moradias alienáveis, entre outras, as que estejam reservadas por diploma especial ou despacho do Governador para residência de determinados funcionários em atenção aos cargos e funções que exerçam.
22. O ora recorrente desconhece em absoluto se existiu alguma vez um despacho do Governador que tenha operado essa reserva, posto que não existe nenhum diploma especial relativo ao Edifício COMFORSEG.
23. É público e notório que as fracções autónomas do Edifício COMFORSEG são habitadas por trabalhadores da administração pública da RAEM, adstritos aos mais diferentes organismos públicos da RAEM e com as funções mais díspares.
24. Não se verificando a reserva em função de cargos ou funções.
25. A Certidão do Registo Predial do Edifício COMFORSEG demonstra não existirem quaisquer menções especiais, encontrando-se todas as fracções autónomas registadas em nome da Região Administrativa Especial de Macau e em condições de serem alienadas aos seus arrendatários.
26. Como arrendatário o ora recorrente tem direito à aquisição da referida moradia.
27. A conclusão inversa do acto recorrido fá-lo enfermar de erro sobre os fundamentos de facto e de direito e determina a sua ilegalidade.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. entenda por bem suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo anulado o acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 08.06.2017, exarado na Proposta n.º 30211/DGP/2017, de 24.04.2017, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC, em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Mais se requer, a citação da entidade recorrida para, querendo, contestar o presente recurso, ao abrigo do artigo 53.º do CPAC, bem como para, nos termos do n.º 1 do artigo 55.º do mesmo Código, juntar o original do processo administrativo integral bem como todos os demais documentos atinentes à matéria do presente recurso.”
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Na contestação a entidade recorrida pugnou pela improcedência do recurso contencioso em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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As partes apresentaram alegações (facultativas), onde reiteraram as posições já anteriormente assumidas nos autos.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“Constitui objecto do presente recurso contencioso o despacho de 8 de Junho de 2017, da autoria do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, que indeferiu pedido de alienação de moradia da Região Administrativa Especial de Macau formulado por A.
O recorrente acha que o acto padece de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, no que é contraditado pela autoridade recorrida, que se bate pela legalidade do acto.
Vejamos.
O recorrente, invocando a sua qualidade de médico dos Serviços de Saúde de Macau durante mais de 28 anos, ao longo dos quais usufruiu de apartamento do Estado, requereu à Direcção dos Serviços de Finanças, autorização para adquirir uma das moradias do Estado que pudessem ser alienadas.
Após estudo da situação e emissão de pareceres, veio a ser proferido o despacho recorrido, em cujos fundamentos avultam: a situação inicial do recorrente de “recrutado ao exterior”, quando efectuou a conclusão do internato geral em Macau, o que esteve na base da atribuição de alojamento em moradia sob reserva, mediante pagamento de uma contraprestação, nos termos do despacho n.º 96/FIN/87, ao abrigo de Protocolo de Acordo celebrado entre o Governo de Macau e a República Portuguesa; a manutenção da situação de atribuição precária' de moradia, nos termos do aludido Protocolo, sem formalização de contrato de arrendamento, até ao ano de 2000, altura em que, por despacho da Sr.” Subdirectora dos Serviços de Finanças, de 28/06/2000, foi determinado que o recorrente mantivesse a situação anterior e que se formalizasse o contrato de arrendamento; a impossibilidade de aquisição de moradias pelos arrendatários que não hajam celebrado os contratos de arrendamento após concurso nos termos do DL 46/80/M e nas condições previstas no artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, da Lei 4/83/M, cujo n.º 3, alínea d), expressamente excluía as moradias reservadas.
Sustenta o recorrente que há erro nos pressupostos, em suma, porque jamais foi recrutado ao exterior, sempre ocupou moradia da RAEM mediante arrendamento e pagamento da respectiva renda, e não está em causa a ocupação de uma das moradia de reserva, nos termos previstos no artigo 6.º do DL 46/80/M.
É exacto que o recorrente nunca foi recrutado ao exterior. Trata-se de um natural e residente de Macau, onde sempre fez carreira profissional nos Serviços de Saúde, integrando efectivamente os respectivos quadros, pelo menos desde 1990. A circunstância de ter feito o início do internato geral em Portugal em nada interfere com a qualidade de quadro local de Macau. É certo que, ao falar de recrutado ou contratado ao exterior, o despacho recorrido utiliza a expressão entre aspas, o que significa que a própria Administração entende que, na realidade, a situação do recorrente nunca foi a de um contratado ao exterior. Mas, apesar disso, trata a situação pelo prisma de um recrutado ao exterior, nenhum fundamento havendo para o fazer a partir do momento em que, em 1990, o recorrente ingressa, em definitivo, na função pública de Macau. Não sendo contratado ao exterior, não há qualquer razão para se ficcionar que, a partir do momento em que entrou ao serviço da administração pública de Macau, como quadro local, está a ocupar uma moradia ao abrigo de um Protocolo celebrado para acudir a casos de recrutamento ao exterior. A permanência do recorrente em casa do Território, após ingresso no funcionalismo público de Macau, contra o pagamento de um montante retirado do seu vencimento, apenas pode ser encarada como uma situação de arrendamento, posto que a relação não haja sido inicialmente formalizada através de instrumento contratual e não tenha sido precedida de distribuição nos moldes dos artigos 17.º e seguintes, do DL 46/80/M então vigente. Ou seja, substancialmente há uma relação de arrendamento, posto que não formalizada, sendo certo que, no caso, a preterição do formalismo não interfere com a validade do arrendamento. De resto, a falta de formalização até 2000 é apenas imputável à Administração, não parecendo muito curial que esta, apoiando-se na pretensa vigência de uma situação precária constituída com base num Protocolo que evidentemente não é aplicável aos funcionários do quadro, intente coarctar, por essa via, o direito de que se arroga o recorrente.
Por outro lado, não se alcança razão plausível para considerar a casa habitada pelo recorrente como casa de reserva. Isto é uma conclusão não alicerçada em elementos factuais ou normativos bastantes, e que, salvo melhor juízo, releva de uma errada interpretação do artigo 6.º do DL 46/80/M. É óbvio que este artigo não abrange, não pode abranger, todas as casas da Administração que, por via de despacho, geralmente despacho da Direcção de Finanças, hajam sido confiadas a funcionário em vista do seu alojamento. Apenas abrangerá aquelas que, por despacho do Governador ou por diploma especial, hajam sido expressamente reservadas para habitação de determinados funcionários ou agentes, em razão dos seus cargos e funções, ou seja, as designadas casas de função, nestas não se englobando evidentemente a do recorrente.
Pois bem, e em conclusão, radicando o despacho recorrido nos pressupostos de que o alojamento do recorrente foi precário até 2000, não configurando uma relação de arrendamento, e de que a casa por ele habitada era uma casa de reserva, pressupostos que, impedindo o deferimento da pretensão formulada perante a Administração, não condizem com a realidade, ocorre violação de lei por erro nos pressupostos.
Ante o exposto, na procedência do vício de violação de lei por erro nos pressupostos, propendemos para o provimento do recurso, com a sequente anulação do acto.”
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1. O recorrente é natural de Macau e deslocou-se para Portugal para frequentar o curso de medicina, que concluiu na Universidade do Porto.
2. Após a conclusão do curso de medicina ingressou como Interno Geral no Hospital Geral de Santo António, na cidade do Porto, em 01.02.1986, mas foi autorizado a concluir esse mesmo internato geral em Macau no CHCSJ, com efeitos a partir de 22.06.1987.
3. Concluiu o internato em 16/11/1987 em Macau.
4. A execução do internato geral em Macau foi efectuada ao abrigo de “contrato além do quadro”, na sequência de Protocolo de Acordo celebrado entre os Governos de Macau e da República Portuguesa, publicado no BO nº 16, de 20 de Abril de 1987, tendo-lhe sido nesse mesmo contrato reconhecido o direito a casa mobilada nos termos do mesmo Protocolo (fls. 316. a 318 do p.a).
5. Então, por Despacho nº 96/Fin/87, de 28/10/1987, o director dos Serviços de Finanças, por sub-delegação do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, atribuiu ao recorrente, então médico interno da DSS, a moradia T1 do Xº andar X, do Novo Edifício Residencial do HCCSJ (fls. 308- 309 do p.a.).
6. Desde 1/11/1987 foi descontado no vencimento salarial do recorrente o montante devido a título de renda de casa, de acordo com os arts. 25º e 26º do DL nº 100/84/M, de 25 de Agosto1, diploma que actualizava e revia o regime dos abonos dos funcionários e agentes da Administração do território de Macau. (fls. 307-308).
7. Iniciou a sua carreira médica no CHCSJ como Clínico Geral, inicialmente em regime de eventual em 17.11.1987, posteriormente como contratado além do quadro em 25.03.1988 e, finalmente, em regime de nomeação definitiva integrado nos quadros de pessoal do CHCSJ desde 18.12.1990, na categoria de Clínico Geral, grau 1, 1.º escalão (fls. 306 do p.a.).
8. Com autorização, o ora recorrente ausentou-se posteriormente de Macau para frequentar o Estágio do Internato Complementar de Dermatologia, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, no período compreendido entre 01.03.1992 e 30.04.1994 no âmbito do Internato Complementar de Dermatologia que iniciou no CHCSJ, em Macau, em 01.02.1990.
9. O recorrente, para a frequência do Internato da especialidade em Portugal, requereu em 14/02/1992 (dando simultaneamente sem efeito um pedido anterior em que dava conta de entregar a moradia durante o período do internato em Portugal) a manutenção da moradia que utilizava ao abrigo do art. 9º, nº1, do DL nº 46/80/M, de 27/12 durante a sua ausência de Macau (fls. 298 do p.a.).
10. Este pedido foi deferido por despacho do Director dos SS de 9/03/1992 (fls. 299, vº, do p.a.).
11. Desde então, regressado a Macau, toda a carreira profissional do recorrente foi feita em Macau no âmbito da sua especialidade médica, detendo desde 14.11.2005 a posição de Responsável do Serviço de Dermatologia do CHCSJ.
12. Em 19/06/2000 foi prestada a Informação Administrativa nº 30479/DACE/00, no âmbito da Direcção dos Serviços de Finanças, que concluiu pela existência de uma situação de arrendamento, embora nunca tenha sido lavrado nenhum contrato escrito entre a Administração e o ora recorrente (fls. 286 a 291 do p.a.).
13. No rosto da referida Informação 30479/DACE/00 a subdirectora da DSF, em 28/06/2000, considerou que era “de manter a situação presente” (fls. 286 do p.a.).
14. Em 14/11/2003, por despacho nº 36/M/Fin/2003, a mesma Subdirectora determinou que a moradia do 15º andar, “B”, do edifício “Comforseg” passasse a ficar atribuída ao ora recorrente (fls. 275 do p.a.).
15. O recorrente recebeu a referida casa no dia 13/01/2004, com os móveis e aparelhos nela existentes (fls. 274 do p.a.).
16. Em 9/05/2016, o recorrente requereu à Direcção dos Serviços de Finanças, a compra de uma moradia da RAEM que estivesse disponível para alienação, por aquela onde reside (…………………… pertencente à RAEM) não poder ser alienada. (fls. 256, do p.a.).
17. Em 2/06/2016 foi elaborada uma Proposta, a que foi dado o nº 30247/DGP/16, que concluiu pela seguinte forma:
“(…)6. Do exposto resulta que, à luz desta norma, destinada a salvaguardar direitos, o Dr. Gilberto J. da Silva Júnior, em 1996, à data da entrada em vigor do diploma, era funcionário de nomeação definitiva do quadro dos Serviços de Saúde e, por conseguinte, nos termos do mesmo artigo 37.º alínea b) reúne o mesmo as condições legalmente exigidas para a aquisição da moradia de que é arrendatário, previstos no nº 1 e nº 2 do artigo 1.º da Lei nº 4/83/M.
7. Deste modo, atendendo que as moradias do edifício Comforseg, por motivos e interesses da Administração não se podem alienar e, para que o Dr. Gilberto J. da Silva Júnior, possa usufruir do direito legal da compra de moradia da RAEM, sugere-se, salvo melhor entendimento, que lhe sejam facultadas algumas moradias para escolha e posterior transferência nos termos legais, consoante a tipologia actualmente atribuída, por uma questão de igualdade com aqueles que adquiriram as moradias da RAEM onde residem independentemente da composição do agregado familiar no momento da aquisição. (…)” (fls. 235-240 do p.a.).
18. Em 25/01/2011 foi elaborada a Informação nº 007/NAJ/DB/11, que concluiu que o recorrente à data da entrada em vigor do DL nº 31/96/M não reunia os requisitos da Lei nº 4/83/M para aquisição de moradia da RAEM (fls. 225 a 229 do p.a.).
19. Em 26/01/2011 a Directora dos Serviços concordou com o teor da aludida Informação nº 007/NAJ/DB/11 (fls. 225 do p.a.).
20. Em 4/07/2016 foi elaborada a Informação Jurídica nº 023/DIR/AS/2016, que concluiu que o recorrente não tinha direito à pretendida aquisição, nos seguintes termos:
(…) 7- Em face do que precede constata-se que o requerente, à data da entrada em vigor do Decreto-lei n." 31/96/M, usufruía do direito ao alojamento em moradia da RAEM mediante o pagamento de uma contraprestação, beneficiando, no entanto, de uma situação especial inerente à sua condição de "contratado ao exterior" com direito ao alojamento, que lhe foi atribuída nessa qualidade ao abrigo do Protocolo do Acordo acima citado, até à sua entrada para o quadro da RAEM em 1990 e que se manteve, tendo sido posteriormente autorizada a formalização do contrato do arrendamento, mediante o despacho de 28/06/2000 da Senhora Subdirectora dos Serviços de Finanças, com base no disposto na alínea a) do artigo 37.° do Decreto-Lei n." 31/96/M.
8- CONCLUSÕES
Nesta conformidade, a situação acima descrita do requerente como arrendatário de uma moradia da RAEM, apenas foi regularizada ao abrigo do despacho de 28/06/2000 da Senhora Subdirectora dos Serviços de Finanças, fundamentado na alínea a) do artigo 37.° do Decreto-Lei n." 31/96/M, a qual não confere o direito à aquisição a que se reporta a alínea b) do artigo 37.° do supracitado Decreto-Lei n." 31196/M, tendo presente a legislação vigente à data da entrada em vigor deste diploma.
Salvo melhor opinião, pela legislação vigente a que se refere a Informação/Proposta n.º 30247/DGP/16, os arrendatários com direito a aquisição da moradia da RAEM em que habitam, são os que celebraram os contratos de arrendamento nas condições previstas nos n.º I e n.º 2 do artigo 1.° da Lei n.º 4/83/M, o que, todavia, em nosso entendimento, em face do exposto, não ocorreu no caso presente.” (fls. 232-234 do p.a.).
21. Em 23/09/2016 foi elaborada a Informação Jurídica nº 032/DIR/AS/2016, reiterando a posição da Informação nº 023/DIR/AS/2016 (fls. 63-72 do p.a.).
22. Posteriormente foi emitida a Informação 30036/DGP/17, que conclui pela necessidade de notificar o recorrente para se pronunciar em audiência de interessados sobre o teor da Informação 023/DIR/AS/2016 (fls. 58-62, do p.a.).
23. O recorrente pronunciou-se em se de audiência de interessados através de advogado constituído (fls. 47 -49 do p.a.).
24. Em 15/03/2017 foi emitida a Informação Jurídica nº 004/DIR/AS/2017, que manteve a opinião anteriormente expendida no sentido do indeferimento da pretensão do interessado (fls. 41-44 do p.a.).
25. Em 24/04/2017 foi produzida uma outra (Proposta nº 3021/DGP/2017), com o seguinte teor:
“1. Por requerimento dado entrada nesta Direcção de Serviços a 09/05/2016, o Dr. A, médico consultor dos Serviços de Saúde, residente na moradia ……………………., solicitou a compra de uma moradia da RAEM, moradia que estivesse actualmente disponível e que pudesse ser vendida nos termos da legislação em vigor, dado que o apartamento onde reside não pode ser vendido.
2. Em 02/06/2016, submeteu-se à consideração superior a proposta n.º 30247/DGP/16, que se pronunciava, salvo melhor entendimento, no sentido de autorização do pedido de transferência de moradia para que, posteriormente, se pudesse candidatar à compra da mesma.
3. Em 20/0612016, por despacho do Exmo. Senhor Director desta Direcção de Serviços, exarado na proposta n.º 30247/DGP/16, 02/06/2016, foi determinado que a situação fosse objecto de análise jurídica.
4. Em 07/07/2016, por despacho do Exmo. Senhor Director destes serviços exarado na informação nº 023/DIR/AS/2016, de 04/07/2016, que se pronuncia pelo indeferimento da pretensão do interessado, foi determinado a este Departamento para proceder ao levantamento de casos de atribuição de moradias similares à do requerente em questão.
5. Em cumprimento do despacho do Exmo. Senhor Director referido no parágrafo antecedente da presente informação, através da informação n.º 30393/DGP/16, de 17/08/2016, a qual mereceu despacho de visto e determinou que fosse remetida ao Dr. Silveira para accionamento, comunicou-se dos casos arquivados neste departamento de situações de moradias atribuídas ao abrigo do artigo 6º do DL nº 46/80/M, de 27/12, e ainda de pedidos que foram objecto de análise jurídica, cujos pareceres se anexaram à citada informação.
6. Em 06/12/2016, na sequência do requerimento apresentado pelo Dr. A, em 29/11/2016, no qual solicitava informação sobre o seu pedido de compra de moradia da RAEM, submeteu-se à consideração superior a informação n.º 30597/DGP/16, na qual foi exarado parecer do Exmo. Senhor Chefe do DGP, Subst.º, de 07/12/2016, mas não obteve despacho.
7. Em 04/01/2017, por despacho do Exmo. Senhor Director desta Direcção de Serviços exarado na Informação nº 032/DIR/AS/2016, de 23/09/2016, de concordância, foi determinado que a mesma fosse remetida ao Departamento de Gestão Patrimonial que solicitou o mesmo parecer. Contudo, a emissão do parecer jurídico foi determinado por despacho do Exmo. Senhor Director conforme exarado na proposta nº 30247/DGP/16, 02/06/2016, já referida na presente informação.
A citada informação concluiu o seguinte teor que passo a transcrever:
“A propósito do pedido de aquisição de moradia formulado pelo Dr. A, mantemos o parecer emitido na informação nº 023/DIR/AS/2016, de 04/07/2016, considerando, como então expresso, que os funcionários arrendatários das moradias da RAEM com direito à aquisição da moradia em que habitam são, apenas, em face da legislação aplicável, os que reuniram as condições previstas nos n.ºs. l e 2 do artigo 1.º da Lei n.º 4/83/M e que celebraram os contratos de arrendamento conforme previsto no Decreto-Lei n.º 46/80/M, tal como decorre do acima exposto e não ocorreu no caso presente.”
8. Assim, em 12/01/2017, submeteu-se a informação nº 30036/DGP/17, que obteve despacho de concordância do Exmo. Sr. Director, de 19/01/2017, no sentido de notificar o requerente para que, querendo, nos termos do artigo 93.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, se pronunciar quanto ao conteúdo do parecer emitido na informação nº 023/DIR/AS/2016, de 04/07/2016, que se pronuncia no sentido de indeferimento da sua pretensão pelos motivos de facto e de direito expostos na mesma.
9. Da análise jurídica constante da informação nº 023/DIR/AS/2016, de 04/07/2016, que se pronuncia pelo indeferimento da pretensão, e que mereceu despacho de concordância do Exmo. Senhor Director desta Direcção de Serviços exarado na informação n.º 032/DIR/AS/2016, de 23/09/2016, passo a transcrever o entendimento sustentado:
“Dando cumprimento ao despacho de V Ex.ª exarado na Proposta/Informação n.º 30247/DGP/16, de 02 de Junho, e considerando os pressupostos de facto nela expostos que fundamentam o pedido de aquisição de moradia da RAEM apresentado pelo médico-consultor do quadro dos Serviços de Saúde de Macau, Dr. A, expendemos os seguintes considerandos:
1- Dos factos descritos verifica-se, primeiramente, que foi atribuída ao requerente a moradia de tipologia T1, do X.º andar “X” do edifício residencial do CHCSJ da RAEM, mediante o despacho nº 96/FIN/87, exarado em 28 de Outubro de 1987, ao abrigo do artigo 6.º do Decreto-Lei n. º46/80/M, de 27 de Dezembro, conforme previa o Protocolo do Acordo celebrado entre o Governo de Macau e a República Portuguesa, publicado no BO n.º 16, de 20 de Abril de 1987, a fim de que os médicos, durante a sua permanência em Macau para a realização do internato geral, fossem sujeitos à legislação vigente no Território em todas as situações em que esta lhes fosse aplicável.
2- Tendo terminado o internato geral, em 16/11/87, o Dr. A foi autorizado a deslocar-se à República Portuguesa para a frequência de um estágio de 20 meses (internato complementar) e solicitou que lhe fosse mantido na sua ausência o direito à manutenção da sua moradia ao abrigo do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 46/80/M (corrigindo um pedido inicial de devolução da mesma moradia), continuando a efectuar o pagamento da correspondente contraprestação, tendo sido admitido, em regime eventual, como médico de clínica geral, a partir de 17/11/87.
3- Foi contratado além do quadro, como médico de clínica geral, a partir de 25/03/1988.
4- Foi nomeado, provisoriamente, como clínico geral, a partir de 18/12/89.
5- Em 18 de Dezembro de 1990, conforme publicação em BO n.º 20, de 20 de Maio de 1991, o Dr. A ingressou no quadro do Centro Hospitalar Conde S. Januário, na categoria de clínico geral, grau 1, 1.º escalão, tendo sido nomeado definitivamente nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do ETAPM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, sendo que, entretanto, continuava a usufruir do direito a alojamento e a pagar a citada contraprestação.
6- Em 28/06/2000, por despacho da Senhora Subdirectora dos Serviços de Finanças, exarado na Informação nº 30479/DGP/DACE/00 de 19/06, foi decidido manter a situação anterior e formalizar o contrato do arrendamento com o Dr. A, em moradia da RAEM, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 31/96/M.
7- Em face do que precede constata-se que o requerente à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 31/96/M, usufruía do direito ao alojamento em moradia da RAEM mediante o pagamento de uma contraprestação, beneficiando, no entanto, de uma situação especial inerente à sua condição de “contratado ao exterior” com direito ao alojamento, que lhe foi atribuída nessa qualidade ao abrigo do Protocolo do Acordo acima citado, até à sua entrada para o quadro da RAEM em 1990 e que se manteve, tendo sido posteriormente autorizada a formalização do contrato do arrendamento, mediante o despacho de 28/06/2000 da Senhora Subdirectora dos Serviços de Finanças, com base no disposto na alínea a) do artigo 37.º do Decreto-Lei n. º31/96/M
8- CONCLUSÕES
Nesta conformidade, a situação acima descrita do requerente como arrendatário de uma moradia da RAEM, apenas foi regularizada ao abrigo do despacho de 28/06/2000 da Senhora Subdirectora dos Serviços de Finanças, fundamentado na alínea a) do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 31/96/M, a qual não confere o direito à aquisição a que se reporta a alínea b) do artigo 37.º do supracitado Decreto-Lei n.º 31/96/M, tendo presente a legislação vigente à data da entrada em vigor deste diploma.
Salvo melhor opinião, pela legislação vigente a que se refere a Informação/Proposta n.º 30247/DGP/16, os arrendatários com direito a aquisição da moradia da RAEM em que habitam são os que celebraram os contratos de arrendamento nas condições previstas nos n.º 1 e n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 4/83/M, o que, todavia, em nosso entendimento, em face do exposto, não ocorreu no caso presente.”
10. Em 20/01/2017, pelo ofício nº 10175/DGP/17, notificou-se o requerente para, querendo, nos termos e ao abrigo do artigo 93º, se pronunciar, por escrito, no prazo de 10 dias, quanto ao conteúdo da informação nº 023/DIR/AS/2016, de 04/07/2016, que informava do sentido provável da decisão no sentido de indeferimento da sua pretensão pelos motivos de facto e de direito acima expostos.
DA AUDIÊNCIA DO INTERESSADO
11. Na sequência do ofício acima referido, no dia 03/02/2017, a advogada do Dr. Gilberto veio a este Departamento e consultou o processo do citado interessado.
12. Em 06/02/2017, por requerimento dado entrada nesta Direcção dos Serviços, a citada advogada, veio manifestar a sua discordância respeitante às conclusões que lhe foram transmitidas.
Afirma, assim, no aludido requerimento que:
- Foi atribuída, inicialmente, ao interessado, por Despacho n.º 96/FIN/87, de 28 de Outubro de 1987, a moradia de tipologia TI, do X.º andar “X”, do Edifício do CHCSJ, ao abrigo do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 46/80/M, de 27 de Dezembro;
- Sendo o interessado funcionário do quadro do Centro Hospitalar Conde S. Januário, adquiriu o direito de aquisição da moradia, aquando do seu ingresso, ou seja, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho;
- De acordo com a alínea b) do n~ do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 31/96/M, “Os trabalhadores que habitem moradias da propriedade do território podem candidatar-se à sua aquisição, desde que, á data da entrada em vigor do presente diploma, reúnam os requisitos para o efeito na legislação vigente.”
Reunindo os requisitos para a aquisição da moradia antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 31/96/M, duvidas não restam que esse direito do interessado se mantém;
- O interessado não é nem pode ser responsabilizado por não ter sido formalizado o contrato de arrendamento, aquando do seu ingresso no quadro do Centro Hospitalar Conde S. Januário e que o arrendamento sempre foi reconhecido pela administração como sendo um direito do interessado, tendo-lhe sido descontado no seu ordenado as rendas devidas, e;
- Por fim, refere que ao contrário do referido no ponto 7 do despacho o interessado nunca foi um “contratado ao exterior”. À data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 31/96/M, o interessado fazia parte do quadro do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, onde ingressou, na categoria de clinico-geral, grau 1, 1.º escalão, em 18 de Outubro de 1990.
13. Deste modo, para efeitos de apreciação da audiência de interessado, em 09/02/2017, submeteu-se à consideração superior a informação nº 30086/DGP/17, no sentido de se remeter o original do requerimento para apreciação do autor da informação nº 023/DIR/AS/2016, de 04/07/2016, que está na base da proposta de indeferimento notificado ao interessado.
14. Da apreciação constante na informação n.º 004/DIR/AS/2017, de 15/03/2017, que aqui dou por integralmente reproduzida concluiu que: “..., como anteriormente, que, pela legislação vigente a que se refere a informação/Proposta n.º 30247/DGP/16, os arrendatários com direito a aquisição da moradia da RAEM em que habitam são os que celebram os contratos de arrendamento após o preceituado no Decreto-Lei n.º 46/80/M e nas condições previstas nos n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 4/83, que expressamente excluía, na alínea d) do n.º 3 do mesmo artigo, as habitações sob reserva”.
Pelo exposto, julgo ser de submeter à presente informação à consideração superior do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, propondo-se o indeferimento do pedido de compra de moradia da RAEM, nos termos propostos no parecer jurídico Constante da informação n.º 023/DIR/AS/2016, de 04/07/2016.”
Mais, comunica-se a V. Ex.ª que, nos termos do disposto na subalínea (2), da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2004, e da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do Código de Processo Administrativo e Contencioso - aprovado pelo Decreto-Lei nº 110/99/M, de 13 de Dezembro - do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso a interpor, no prazo de 30 dias a contar da data da notificação, junto do Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau.
Para qualquer esclarecimento, queira entrar em contacto com a Sra. X ou a Sra. X pelo número de telefone: 8599XXXX e 8599XXXX.
Com os melhores cumprimentos.
Pel’O Director dos Serviços,
A Chefe do D.G.P.
XXX”
26. O Secretário para a Economia e Finanças, em 8/06/2017, proferiu o seguinte despacho (fls. 31 do p.a.):
“Indefiro o pedido de compra de moradia” (a.a.).
***
IV – O Direito
1. O caso
O recorrente contencioso pretendeu adquirir, por contrato de compra e venda, a moradia identificada nos autos. Com esse propósito formulou o respectivo pedido.
A decisão administrativa foi, porém, no sentido de indeferir a pretensão, com o argumento de que só têm direito a aquisição de moradias da RAEM os trabalhadores da Administração que tenham celebrado contrato de arrendamento à luz do DL nº 46/80/M e nas condições previstas nos nºs 1 e 2 da Lei nº 4/83, o que não seria o caso do recorrente.
Apreciando.
*
2. O enquadramento jurídico passa pela necessária consideração dos seguintes diplomas:
Em primeiro lugar, o DL nº 46/80/M, de 27/122.
Este articulado estabeleceu:
i) Que a distribuição de moradias do Estado pelos seus servidores na actividade de serviço em Macau seria feita em “regime de arrendamento” (arts. 1º e 2º);
ii) Que os servidores da função pública, independentemente da forma de provimento e da prestação de serviço, desde que habitem casa atribuída pelo Estado, “ficam sujeitos ao pagamento de uma renda de casa” (art. 7º, nº1);
iii) Que o arrendamento deveria ser objecto de contrato escrito (art. 12º).
iv) A atribuição de moradias seria feita por concurso público (art. 17º, nº1).
-
Depois, a Lei nº 4/83/M, in B.O. de 11/06/1983.
Trata-se do diploma que estabelece os requisitos da alienação das habitações a funcionários.
O seu art. 1º, nº1 preceitua que:
“As habitações arrendadas pelo Território a funcionários dos seus quadros próprios, no activo ou aposentados, podem ser vendidas nos termos desta lei” (destaque nosso).
A 1ª conclusão a retirar desta formulação normativa é que o direito de adquirir não representa um direito potestativo, mas sim um direito subjectivo ante a reunião dos requisitos necessários, e cuja concessão dependeria de “requerimento” do interessado (art. 3º) e de “autorização” do Chefe do Governo da época. Portanto, o então Governador não estava vinculado a alienar as moradias arrendadas; podia discricionariamente fazê-lo!
E o art. 2º prescreve que “As habitações só podem ser vendidas aos respectivos arrendatários” (destaque nosso).
Este preceito, conjuntamente com aquele outro, revela que a alienação das moradias só podia ser feita a quem delas fosse arrendatário.
Isso mesmo, aliás, veio a ser reiterado no diploma que se cita já a seguir.
-
Ainda o DL nº 56/83/M, de 30/12.
Este Regulamento da Alienação dos Fogos do Estado aos Seus Arrendatários prevê que se podem candidatar à compra de habitações do Estado todos os arrendatários que manifestem a intenção de o fazerem mediante a entrega de um boletim de candidatura (art. 1º, nº1).
-
Também o DL nº 31/96/M, in B.O. de 17/06/1996.
Este diploma ocupa-se em rever o regime de atribuição de alojamento em moradias do “Território” (art. 1º, nº1) aos trabalhadores “locais” da Administração Pública. A atribuição de alojamento a pessoa recrutado ao exterior e a magistrados seria regulada em legislação própria (art. 1º, nº2).
O art. 6º afirmava que a atribuição de moradias é feita mediante concurso público e o art. 19º preceitua que o contrato de arrendamento deve ser celebrado por contrato escrito.
O seu art. 37º prevê que:
“Os trabalhadores que habitem moradias da propriedade do Território podem:
a) Permanecer nessas moradias, ainda que tenham sido atribuídas a título precário, até à cessação do respectivo arrendamento, sem prejuízo do uso das faculdades de permuta ou de transferência nos termos previstos no presente diploma;
b) Candidatar-se à sua aquisição, desde que, à data da entrada em vigor do presente diploma, reúnam os requisitos exigidos para o efeito na legislação vigente” (destaque nosso).
Daqui resulta, desde já, que para se candidatarem à aquisição de uma das moradias da RAEM3, sob a vigência do DL nº 31/96/M, é necessário que:
- O interessado candidato seja trabalhador da Administração Pública;
- Faça parte do pessoal contratado/nomeado localmente (não recrutado ao exterior, nem magistrado);
- Seja arrendatário de uma moradia da RAEM;
- À data da entrada em vigor do DL nº 31/96/M (ou seja, em 18/06/1996, face ao seu art. 40º) o candidato já reúna os requisitos exigidos para o efeito na legislação então vigente (legislação que estava reunida na Lei nº 4/83/M e DL nº 56/83/M).
*
3. E o caso vertente?
O recorrente, que é natural de Macau e tirou o seu curso de medicina em Portugal, depois que regressou licenciado à sua terra, começou por ocupar uma moradia cedida pela Administração quando ingressou como contratado “além do quadro” celebrado em 29/06/1987 para concluir em 16/11/1987 em Macau no HCCSJ o internato geral que tinha iniciado no Hospital de Santo António na cidade do Porto.
Este internato em Macau teve lugar em virtude do permissivo Protocolo de Acordo celebrado entre os Governos de Macau e da República Portuguesa, publicado no BO nº 16, de 20 de Abril de 1987. Foi, aliás, também ao abrigo desse mesmo Protocolo que lhe foi conferido o alojamento em 28/10/1987 (Despacho 96/FIN/87: fls. 309 do p.a.).
Não fez contrato de arrendamento? Não, é certo.
Mas o Protocolo de 1987 também esclarecia que a prestação de alojamento seria feita “nos termos da legislação em vigor” (ver o teor do capítulo II, no p.a. apenso, a fls. 318).
Ora, a legislação então em vigor era, precisamente, a que resultava do DL nº 100/84/M, de 25/084, cujo artigo 24º preceituava que “Sem prejuízo do disposto em legislação especial, os funcionários e agentes que sejam inquilinos de moradias atribuídas pelo Território, incluindo os serviços autónomos e autarquias locais, ficam sujeitos ao pagamento de uma renda mensal nos termos previstos nos artigos seguintes.” (destaque nosso) ---
E o art. 27º, nº 2 prescrevia que “O pagamento da renda efectua-se mediante desconto na remuneração do inquilino, a processar oficiosamente pelos serviços competentes da entidade que atribuiu a moradia.”.
Significa isto que ao recorrente foi atribuído direito a alojamento em moradia da RAEM, ao abrigo do referido Protocolo, o que explica a ausência de contrato escrito e de concurso para atribuição de moradia, mediante a correspectividade de uma renda periódica. Renda que, porém, sempre pagou, mediante o processamento por “desconto no vencimento” remuneratório mensal, justamente ao abrigo dos arts. 25º e 26º do DL nº 100/84/M (fls. 307-308 do p.a.).
E foi nessa situação (de pagamento de renda) que posteriormente se manteve, primeiro como médico eventual em 17.11.1987, posteriormente como contratado além do quadro em 25.03.1988 e, finalmente, no regime de nomeação definitiva integrado nos quadros de pessoal do CHCSJ desde 18.12.1990, na categoria de Clínico Geral, grau 1, 1.º escalão (fls. 306 do p.a.).
Quadro de facto que não se alterou, nem mesmo após se ter ausentado para Lisboa, a fim de ali, com autorização prévia, frequentar o Internato Complementar de Dermatologia, no Hospital de Santa Maria, no período compreendido entre 01.03.1992 e 30.04.1994 no âmbito do Internato Complementar de Dermatologia que tinha iniciado no CHCSJ, em Macau, em 01.02.1990. (fls. 298).
Note-se: quando foi para Lisboa, fazer a especialidade de dermatologia, já era médico do quadro local do HCCSJ.
Parece, pois, que independentemente da celebração de contrato escrito de arrendamento, o recorrente era naquela época arrendatário de uma casa do Estado.
E o art. 37º, al. b), desta Lei 31/96/M, para uma candidatura à aquisição de moradia, apenas exigia que, à data da entrada em vigor desse diploma, o interessado reunisse os requisitos exigidos para o efeito na legislação vigente. Mais nada.
Ora, a legislação para a qual aquela disposição remete era constituída pela Lei nº 4/83/M e pelo DL nº 56/83/M acima citados. Eram esses os textos legais aplicáveis nessa altura (à data do DL nº 31/96/M, de 17/06, e também à data do requerimento para aquisição, que teve lugar em 9/5/2016).
E estes diplomas bastavam-se com a existência de um arrendamento a funcionários dos quadros locais, para que estes logo pudessem requerer a aquisição de uma casa (cujo requerimento, repete-se, não leva forçosa e inevitavelmente à aquisição, porque a Administração pode discricionariamente não querer vender a casa por razões que só a ela dizem respeito, mas que decerto deverão circunscrever-se a razões de interesse público).
Diferente era o regime do pessoal contratado ao exterior, que assentava nos arts. 21º do Decreto-Lei n.º 60/92/M, no Decreto-Lei n.º 71/92/M, Despacho n.º 98/GM/92 e Despacho n.º 16/GM/94, aplicável ao pessoal recrutado em Portugal para exercer funções públicas em Macau.
Este segundo regime também conferia, sim, o direito a alojamento, que era satisfeito através da atribuição de moradia, equipada ou não, ou de subsídios para arrendamento, cuja opção competia à Administração. Os recrutados ao exterior não são arrendatários de moradia, mas sim e apenas “titulares do direito a alojamento”. É isto é assim, não apenas porque não se celebrava contrato de arrendamento (mas este elemento nem é totalmente decisivo), como também pelo facto de os recrutados não pagarem “renda”, mas somente uma “contraprestação” (art. 9º, nº1, do DL nº 71/92/M)5.
No sentido de que só os funcionários/trabalhadores locais providos definitivamente nos lugares dos quadros da Administração Pública de Macau podem candidatar-se à aquisição de moradia em que habitem, ver ainda o Ac. do TUI, de 6/07/2016, Proc. nº 26/2016, bem como o Ac. do TSI, de 3/12/2015, Proc. nº 779/2013.
Portanto, se o recorrente nunca foi recrutado ao exterior e se, como natural e residente de Macau, ingressou na Administração Pública para os quadros locais nos Serviços de Saúde de Macau, o facto de ter ido realizar o internato geral de medicina em Portugal e, mais tarde, ali concluir o internato complementar na especialidade de dermatologia que tinha iniciado no HCCSJ, não faz dele um recrutado ao exterior, como nos parece por demais evidente.
Por outro lado, a circunstância de nunca ter sido formalizado o contrato escrito de arrendamento, nem ter sido beneficiado da atribuição de uma moradia com precedência de concurso público (exigia-o o art. 17º, nº1, do DL nº 46/80/M e 17º do DL nº 46/80/M, diploma que revogou aquele):
a) Não desfigura a relação material de arrendamento substância ou realmente existente, e que as partes sempre reconheceram (v.g., fls. 295 do p.a.);
b) Não transforma num “quid” diferente aquilo que sempre pelas partes foi tido como renda, que sempre foi paga e recebida com essa configuração e com tal propósito, como sobejamente o demonstra o procedimento administrativo apenso;
c) Não pode prejudicar o arrendatário, porque a culpa pela ausência de forma escrita e de concurso nos moldes referidos não lhe é imputável.
Cremos, portanto, que os fundamentos invocados no acto não são correctos para afastar o recorrente do exercício da faculdade de se candidatar à aquisição de uma moradia.
Por outras palavras, o acto errou nos pressupostos de direito, o que equivale a concluir que cometeu o vício de violação de lei, consistente na violação das apontadas normas legais.
Quer isto dizer que a concreta fundamentação utilizada no acto sindicado não podia servir para negar a alienação da casa ao ora recorrente.
***
V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso contencioso, anulando o acto impugnado.
Sem custas.
T.S.I., 16 de Maio de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Concordo com a decisão propugnada no Acórdão. No entanto, isto não quer significar, a meu ver, que o recorrente tenha adquirido automaticamente o direito de adquirir moradia da RAEM, pois, nos termos do artigo 37.º do DL. n.º 31/96/M, a venda de moradia da propriedade do então Território de Macau ou da actual RAEM pressupõe que o recorrente, sendo arrendatário de uma determinada moradia do Território, tem estado a viver nessa mesma moradia que pretende adquirir. No caso vertente, à data de entrada em vigor daquele diploma legal, embora vivesse em moradia do Território, o recorrente não se candidatou à aquisição da respectiva moradia onde morava, pelo contrário, transferiu posteriormente para outra moradia do Território. Assim, embora a fundamentação do acto não seja de subscrever, creio que, caso a Administração tenha que voltar a decidir a pretensão, esta, pelo que acima se disse, não poderá ser satisfeita.
Vencido pelo seguinte:
A montante foi ao abrigo de um Protocolo de Acordo celebrado entre os Governos do então Território de Macau e da República Portuguesa, versando sobre o fornecimento por parte do Governo de Macau do alojamento aos funcionários recrutados da República, que foi atribuído ao recorrente o direito a uma casa mobilada.
Não obstante todas as vicissitudes posteriormente ocorridas, nomeadamente o seu ingresso por nomeação definitiva no quadro do pessoal dos Serviços de Saúde e a celebração do um contrato de arrendamento em 2000, o seu direito a casa mobilada nos termos do Protocolo entre dois Governos nunca foi convertido, quer pelo simples decurso do tempo quer por qualquer desses factos entretanto ocorridos, num verdadeiro direito à atribuição de uma casa do Estado nos termos do Decreto-Lei nº 46/80/M então vigente e dos diplomas legais que o revogaram posteriormente.
O facto de o recorrente permanecer numa casa do Estado só se explica por mera tolerância e por erros sucessivos por parte da Administração ao longo do tempo, pois foi apenas por força do tal acordo celebrado entre dois governos que lhe foi atribuída a casa, fundamento esse que já cessou há muito tempo com o estabelecimento de um vínculo funcional que ligou o recorrente à função pública de Macau.
Não tendo sido convertido, por falta de fundamento legal, num verdadeiro direito à atribuição de uma casa do Estado, o direito ora invocado pelo recorrente, a existir, nunca lhe confere o direito de adquirir a uma casa nos termos pretendidos.
De qualquer maneira, mesmo satisfeitos todos os requisitos para adquirir uma casa à Administração, esta nunca está obrigada a vender a sua propriedade, uma vez que em face dos diplomas aplicáveis, o direito de adquirir uma casa nunca foi configurado como um direito protestativo, mas sim só é satisfeito quando a Administração quer fazê-lo.
Portanto, nada é de censurar no acto ora recorrido.
Lai Kin Hong
Mai Man Ieng
1 Diploma revogado pelo DL nº 87/89/M, que aprova o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau
2 Este diploma foi revogado pelo DL nº 31/96/M.
3 Diremos assim, RAEM, por uma questão actualística da nomenclatura aplicável.
4 Diploma que viria a ser revogado pelo DL nº 87/89/M, que aprova o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
5 Sobre a diferença destes regimes, ver Ac. do TSI, de 23/04/2015, Proc. nº 360/2014
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Proc. nº 691/2017 1