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Proc. nº 712/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 16 de Maio de 2019
Descritores:
- Recurso interlocutório
- Art. 628º do CPC

SUMÁRIO:

I – Nos termos do art. 628º, nº2, do CPC, só interessará conhecer do recurso interlocutório que tenha subida diferida, caso o recurso da sentença venha a ser provido. Caso contrário, isso significará que a sentença será confirmada e nessa hipótese, o recurso interlocutório não será conhecido, face ao disposto no art. 628º, nº2, do CPC. Impõe-se, por isso, que se conheça primeiramente do recurso da sentença.

II – Se houve matéria invocada na réplica, admitida judicialmente, que tenha levado à ampliação da causa de pedir, deve a respectiva matéria ser levada à base instrutória, se for relevante para o desfecho da causa na perspectiva nova trazida nesse articulado.


Proc. nº 712/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A (A), divorciado, comerciante, de nacionalidade chinesa, titular do BIRPM n.º 1……(X), emitido em X de X de 2012 pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau, residente na Taipa, ……………. -----
Instaurou no TJB (Proc. nº CV2-16-0037-CAO) contra: -----
1.ª B, registada na Conservatória dos Registos comercial e de Bens Móveis de Macau sob o n.º XXXXX (SO), sociedade comercial com sede em Macau …………………………., e -----
2.ª C, registada na Conservatória dos Registos comercial e de Bens Móveis de Macau sob o n.º XXXXXSO, sociedade comercial com sede em Macau ……………………., ------
Acção declarativa de condenação, com processo ordinário, ----
Pedindo a condenação solidária dos RR no pagamento da quantia total de HKD$ 17.000.000,00, correspondente a MOP$ 17.519.268,30, e juros respectivos.
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Na contestação, a 1ª Ré requereu a intervenção principal de D, mas tal pedido foi indeferido por despacho de fls. 181-182 (tradução fls. 35-38 apenso “traduções”).
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Após a contestação das RR, o autor apresentou réplica em resposta à contestação da 1ª ré, “B”, na qual formulou um novo pedido que designou de alteração/ampliação do pedido.
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A fls. 181-183 dos autos, o juiz titular do processo proferiu despacho em que se pronunciou sobre a admissibilidade da réplica, em resposta à posição da 2ª ré, segundo a qual a réplica não seria admitida em relação a si.
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A fls. 183-187 dos autos o mesmo juiz admitiu a ampliação do pedido formulada na réplica com base nos factos trazidos pelo autor nesse articulado. E admitiu que a réplica do autor também se estendia à 2ª ré, C, apesar de esta na sua contestação apenas ter deduzido defesa por impugnação.
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A 2ª ré recorre de tal despacho, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
“- A Recorrente foi demandada com fundamento em responsabilidade solidária com a 1.ª Ré;
- Sendo assim, existe entre elas litisconsórcio voluntário;
- No litisconsórcio voluntário há uma simples acumulação de acções e os litisconsortes mantêm independência processual entre si;

- A posição relativa das Rés entre si é, pois, de independência processual;
- A Recorrente contestou unicamente por impugnação, razão por que o Autor não podia replicar à Recorrente (apesar de poder fazê-lo relativamente à 1.ª Ré, visto que esta invocou excepções na sua contestação);
- Só replicando contra a Recorrente poderia o Autor ter ampliado a causa de pedir em relação a ela, Recorrente (apesar de lhe ser lícito ampliar a causa de pedir em face da 1.ª Ré - direito de que o Autor usou efectivamente - porque, como se salientou já, a 1.ª Ré lhe ofereceu esse ensejo ao deduzir excepções na sua contestação, o que permitiu ao Autor replicar à 1.ª R.);
- Se a acção for julgada procedente contra a 1.ª Ré, com fundamento em que o dinheiro alegadamente entregue pelo Autor à 1.ª Ré lhe foi confiado meramente para guarda, enquanto depositário, e improcedente em relação à Recorrente porque esse facto, a saber, o depósito, não constava da causa de pedir respeitante à Recorrente, nem por isso ficaria a 1.ª Ré privada do direito de regresso contra a Recorrente (admitindo que lhe assistia esse direito contra a Recorrente) com base num hipotético caso julgado que não existiria in casu, como se explica acima.
Deve assim o despacho recorrido ser parcialmente revogado, declarando-se que a ampliação da causa de pedir só opera relativamente à 1.ª Ré, com o que se fará JUSTIÇA.”
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O autor respondeu ao recurso, sem concluir, pugnando pelo improvimento do recurso em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Na oportunidade foi proferida sentença, que julgou improcedente a acção, absolvendo as rés do pedido.
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Contra esta sentença, interpôs o autor recurso jurisdicional, cuja alegação terminou com a formulação das seguintes conclusões:
“1. O Autor intentou a acção sob a forma de processo ordinário contra B (1ª Ré) e C (2ª Ré) ambas devidamente identificadas nos autos, pedindo a condenação solidária das RR. no pagamento da quantia de MOP$17,510,268.30, acrescida de juros à taxa legal contados a partir da data de citação das RR., na sequência do incumprimento dos contractos de mútuo para a concessão de 4 empréstimos por força do qual a 1.ª Ré é obrigada a restituir as respectivas quantias ao Autor 30 dias depois do termo do contrato.
2. Sendo a 2ª Ré também responsável pela restituição das quantias em causa, em virtude da obrigação decorrente do artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, de 20 de Março de 2002 e do artigo 479º do CC, ao abrigo do qual a 2ª Ré tem a obrigação de supervisionar as actividades da 1.ª Ré, ou ainda porque a 2ª Ré, na qualidade de comitente da 1ª Ré, obteve vantagens pela actividade desenvolvida por esta e, por força disso, responde objectivamente nos termos do artigo 500º do Código Civil.
3. Realizada a audiência de julgamento da matéria de facto pelo douto Colectivo do Tribunal a quo, foi proferida, a final, a sentença de direito julgando improcedente a acção por entender que não está demonstrado que o Autor chegou a conceder os empréstimos que alega ter concedido à 1ª Ré.
4. Inconformado com essa sentença, vem o Autor dela recorrer para o Venerando Tribunal de Segunda Instância, contra o julgamento da matéria de facto por considerar que porquanto a sentença só se encontra viciada na estrita medida em que se baseou em factos que erroneamente se deram como não provados, afigurando-se que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por assentar num acórdão da matéria de facto que padece de deficiência e falta de fundamentação, vícios previstos no art.º 556.º, n.º 5, do CPC.
5. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas previsto no art.º 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 629.º do CPC.
6. O Autor considera que o Tribunal a quo não realizou, convenientemente, o exame crítico das provas, incorrendo-se num manifesto erro de julgamento decorrente de uma errónea apreciação das provas.
7. Crê a Recorrente que constam dos autos elementos que permitem ao Venerando Tribunal ad quem dar como provado os quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 9º.
8. Salvo o devido respeito por melhor opinião, mal andou o douto Tribunal a quo na resposta que deu aos supra referidos pontos da base instrutória.
9. Quanto ao quesito 1º sobre o facto do Autor ser cliente da promotora de jogo 1ª Ré, ali jogando regularmente numa Sala VIP que a mesma opera no casino C da 2ª Ré, considerou o Tribunal a quo que apenas uma testemunha referiu que o Autor às vezes jogava nos slot-machines. E que apesar de a 2ª Ré ter junto uma lista de apostas feitas na sala VIP em questão indicando que as mesmas foram efectuadas pelo Autor, o certo é que nenhuma outra prova corrobora esta indicação.
10. Ora, perante as declarações da testemunha que o Autor joga nas slotes machinese na falta de prova escrita em contrário - aliás, foi junto aos autos uma lista de apostas em nome do Autor, a fls. 270 a 296 - não se pode retirar uma conclusão de que a prova documental - lista em questão-podia antes dizer respeito às apostas feitas por estes jogadores e não pelo Autor, apenas porque se referiu que o Autor apresentava jogadores à sala VIP para aí trocar fichas com estes jogadores a fim de receber comissão pelas trocas feitas, uma vez que as comissões referidas retiravam-se não daquelas apostas das fls. 270 a 296, mas sim da conta de cliente na sala VIP X.
11. Quanto aos factos referidos nos quesitos 3º, 4º, 5º e 6º refira-se que não se consideraram devidamente os documentos juntos aos autos apresentados pela 1ª Ré, designadamente os documentos de fls. a lista de depósitos feitos pelo Autor junto pela 1ª Ré a fls. 327 e 345 a 347 dos autos, nomeadamente a lista de depósitos feitos pelo Autor junto pela 1ª Ré a fls. 327 dos autos, na linha 21, onde consta um depósito que tudo indica que se trata do depósito referido no quesito n.º 4, referente ao Doc. n.º 5 da P.I. (recibo n.º DA010014) efectuado em 25/06/2014 pelas 15 horas e 45 minutos, na Sala VIP B.
12. Ora, através deste documento podemos concluir que o próprio sistema informático da 1ª Ré reconhece que o montante de HKD$5,000.000.00, referido no recibo n.º DA010014, foi depositado, em 25/06/2014, pelas 15 horas e 45 minutos, sendo que este facto demonstrado neste documento não foi impugnado pela 1ª Ré.
13. E apesar de a fls. 217, na linha 22, constar um registo de levantamento referente a esse mesmo recibo de depósito, no mesmo dia e poucas horas depois, o Autor tem o original do respectivo talão o que, segundo todas as testemunhas, seria devolvido à 1ª Ré aquando do levantamento das quantias depositadas, conforme é referido na douta sentença.
14. Ora, como é do conhecimento geral, quando se confia determinada quantia numa Sala VIP é emitido um talão de depósito. Sendo que, quando se procede ao levantamento dessa quantia, para além de se efectuar o registo do levantamento deverá proceder-se à devolução do original do talão de depósito correspondente.
15. E mesmo que se entenda que a prova reunida não é suficiente para dar como provados todos os depósitos (quesitos 3º, 4º, 5º e 6º), dúvidas não podem existir quanto ao quesito n.º 3, correspondente ao 1º depósito, uma vez que, aliado ao facto do Autor possuir o original do talão de depósito, temos que a irmã do Autor assistiu ao depósito da quantia em causa, conforme se comprova através do seu depoimento que se transcreveu.
16. Assim como dúvidas não podem existir quanto ao quesito n.º 4, o depósito no montante de HKD$5,000.000.00 uma vez que consta da lista de depósitos fornecida pela 1ª Ré de fls. - a lista de depósitos feitos pelo Autor junto pela 1ª Ré a fls. 327 dos autos, na linha 21, consta um depósito que tudo indica que se trata do depósito referido no quesito n.º 4, referente ao Doc. n.º 5 da P.I. (recibo n.º DA010014) efectuado em 25/06/2014 pelas 15 horas e 45 minutos, na Sala VIP B, aliado ao facto do Autor possuir o original do talão de depósito.
17. Em suma, afigura-se que tanto documentalmente como testemunhalmente esses factos encontram-se plenamente demonstrados. O próprio acórdão da matéria de facto o ilustra quando refere que no que diz respeito aos empréstimos/depósitos, alegados pelo Autor, das quatro testemunhas do Autor apenas a 4a é que assistiu a um dos depósitos, mais precisamente a do quesito 3º da base instrutória e teve conhecimento do depósito do quesito 4º mas já depois de o mesmo ter sido efectuado. Todas as testemunhas deram conta das circunstâncias em que pessoas, tais como as próprias testemunhas, que se dedicavam à troca de fichas no casino começaram a depositar dinheiro ou fichas na sala VIP da 1ª Ré e troco de juros relativamente altos e de outras regalias.
18. E não se venha dizer que consta um registo de levantamento referente a esse mesmo recibo de depósito, no mesmo dia, poucas horas depois, uma vez que o Autor tem o original do respectivo talão - bem como dos demais que aqui reclama o pagamento - pois segundo foi explicado por todas as testemunhas seria devolvido à 1ª Ré aquando do levantamento das quantias depositada, conforme é, aliás, referido na douta sentença.
19. Por outro lado, a douta sentença também não se pronuncia quanto aos Relatórios de Operação Elevado (“ROVE”), sendo estes relatórios de fls. 345 a 347 de extrema importância, pois apesar de não reflectirem o registo do depósito das quantias correspondentes aos talões de recibo n.º DA008270, DA010014, DA012235 e DA013112 também não encontra qualquer correspondência com o registo dos Relatórios de Operação Elevado (“ROVE”) em nome do Autor, junto a 347, ou seja, não reflecte qualquer movimento do extracto da conta de cliente do Autor apresentado pela 1ª Ré a fls. 325 a 338.

20. Ou seja, os referidos relatórios juntos a fls. 345 a 347, quando confrontados com os documentos de fls. 325 a 338 como sendo a lista relativa à conta com o n.º 8033XXXX e extracto dos movimentos realizados na referida conta, no período respeitante a Fevereiro de 2014 até Setembro de 2015, depreende-se que existe uma discrepância de informações, o que revela que as informações prestadas pela 1ª Ré se encontram de algum modo viciadas. Pelo que as dúvidas levantadas por estes documentos nunca poderiam prevalever em desfavor do Autor, mas sim para destruir a pretensão da 1ª Ré no contexto traçado pela impugnação e pelos factos concretamente articulados na sua contestação.
21. Ora, estes documentos gozam de força probatória plena, mas a douta sentença recorrida desconsiderou-os, não se pronunciando sobre os mesmos nem sobre a questão que deles ressalta, o que configura uma omissão de pronúncia.
22. Dos documentos juntos pela 1ª Ré, bem como por esta requeridos, e com todas as dúvidas que se levantaram quanto ao sistema informático e às omissões das informações prestadas pela 1ª Ré relativamente às operações de valor elevado realizadas na sua Sala VIP, percebe-se a precariedade da versão de impugnação dos depósitos por parte da 1ª Ré, quando todas as testemunhas, conforme é referido na douta sentença referem que o original era devolvido à 1ª Ré aquando do levantamento: “Apesar de o Autor ter conseguido exibir o original do respectivo talão, original este que, segundo todas as testemunhas seria devolvido à 1ª Ré aquando do levantamento das quantias depositadas”.
23. Salvo o devido respeito, considera-se que, conjugada toda a prova documental e testemunhal, aliadas às considerações acima feitas sobre os factos impugnados pela RR., o Tribunal a quo dipunha dos elementos suficientes para dar como provados os quesitos 3º, 4º, 5º e 6º, no sentido de se darem como provadas as entregas das quantias em questão nestes autos, levando, à consequente condenação de ambas as Rés ao pagamento dos valores peticionados na petição inicial, nomeadamente porque ficou provado que as receitas de jogo apuradas nas salas VIP das promotoras de jogo, entre as quais ala Ré, pertencem às concessionárias, neste caso a 2ª Ré. (resposta ao quesito 14º da base instrutária).
24. E o mesmo se diga quanto ao quesito n.º 2 o qual deveria ter sido dado como provado, uma vez que afigura-se que testemunhalmente os factos aí alegados encontram-se plenamente demonstrados.
25. E partindo da matéria de facto que foi dada como provada - designadamente que no princípio de Setembro de 2015, o Autor dirigiu-se à sala VIP da la Ré que opera no Casino da 2ª Ré, com o propósito de receber a quantia que alega ter depositado na sua conta aberta na sala VIP e que a 1ª Ré não lhe entregou essa quantia, e apesar de solicitada para o fazer, no dia 4 e 10 de Novembro de 2015 por força dos documentos a fls. 39 a 46 dos autos. Ficou igualmente provado que a D era reconhecida pelas Rés como responsáve1 pela contabilidade da 1ª Ré, e era encarada e reconhecida por terceiros, nomeadamente, pelos utentes das salas de jogo da la Ré que com ela actuavam, e na convicção de se ser uma empregada de topo da la Ré, ali exercendo funções de responsabilidade, nomeadamente como directora-supervisora da tesouraria do “X VIP Club” da P Ré, cujas funções era de contactar e atender clientes, supervisionar o funcionamento da tesouraria da sala “X VIP Club”, conferir e verificar as contas, coordenar e executar o funcionamento diário da sala “X VIP Club”; e ainda que D era encarada tanto pelo autor como por todos os utentes da sala de jogo da la Ré como uma pessoa que, pelos poderes que exibia perante terceiros, merecia toda a credibilidade porque estavam convencidos que ela era plenamente responsável pelos actos da 1ª Ré enquanto empregada de topo da 1ª Ré e que agia em representação desta. Aliás, a D era encarada pelos utentes da sala de jogos como uma pessoa que agia em nome e em representação da contestante e que detinha plenos poderes de representação da sua entidade patronal, a 1ª Ré - aliada ao facto da 3ª testemunha do Autor ter confirmado que assistira a um depósito e que tem conhecimento pessoal de outro, e dos originais dos talões de depósitos em crise nestes autos, estarem da posse do Autor, permite-nos concluir com recurso às presunções, que foram solicitados ao Autor pela 1ª Ré - na pessoa de D - empréstimos retribuídos com uma taxa de juros de 2% ao mês.
26. Mais, dos documentos juntos aos autos, nomeadamente os recibos de depósito realizado pelo Autor, assinados pela responsável da tesouraria da 1ª Ré e com o carimbo da 1ª Ré; embora as testemunhas da 1ª Ré refiram que os recibos foram preenchidos de forma não padronizada ao que é uso fazer-se, o certo é que em momento algum é posto em causa que o papel do recibo não corresponde ao que é usado pela 1ª Ré.
27. E, nessa sequência, também aqui se considera que o facto do quesito 7º foi incorrectamente julgado pelo Tribunal a quo, porque não existe compatibilidade e coerência entre o teor dos documentos juntos aos autos, bem como das inquirições das testemunhas produzidas nos autos e as respostas dada ao quesito em questão. E mais uma vez se sublinha aqui a matéria de facto que foi dada como provada.
28. E por todas as razões acima expostas, nunca se poderia deixar de considerar que o Autor depositou os montantes referidos nos Recibos de Depósito na conta de cliente do Autor n.º 8033XXXX, junto da 1ª Ré, devendo dar-se como provado o quesito 9º.
29. Por último uma constatação terá ainda que ser afirmada. Não resultaram provados os factos referentes aos depósitos da quantia na sala VIP da 1ª Ré pelo Autor, mas ficou provado que no princípio de Setembro de 2015, o Autor dirigiu-se à sala VIP da 1ª Ré que opera no Casino da 2ª Ré, com o propósito de receber a quantia que alega ter depositado na sua conta aberta na sala VIP (resposta ao quesito 10º da base instrutória) e que a 1ª Ré não entregou a quantia referida na resposta ao quesito 10º (resposta ao quesito 11º da base instrutória) e ainda que apesar de solicitada para o fazer, no dia 4 e 10 de Novembro de 2015 por força dos documentos a fls. 39 a 46 dos autos, a 1ª Ré não entregou a quantia referida na resposta ao quesito 10º (resposta ao quesito 12º da base instrutória).

30. Neste contexto, afigura-se que tanto documentalmente como testemunhalmente os depósitos das quantias em crise na sala VIP da 1ª Ré, pelo Autor encontram-se plenamente demonstrados, até porque os documentos juntos em audiência ilustram os depósitos das quantias pelo Autor na Tesouraria da 2ª Ré.
31. Havendo portanto condições para que esse Venerando Tribunal ad quem possa alterar a resposta aos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 9º da B.I., dando-os como provados.
32. Considerando o supra-exposto, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por assentar num acórdão da matéria de facto que padece de deficiência e falta de fundamentação, vícios previstos no art.º 556.º, n.º 5, do CPC.
V - PEDIDO
TERMOS EM QUE, pelos fundamentos acima expostos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra na qual sejam alteradas as respostas aos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º. 6º, 7º e 9º da Base Instrutória, dando-os como provados, no sentido de ficar a constar que foi feita a prova da entrega das quantias ai referidas à 1.ª Ré, condenando-se esta e a 2.ª Ré a pagarem solidariamente ao Autor o valor total de MOP$17,510,268.30, acrescido de juros de mora até ao seu integral pagamento.
Assim se fazendo a tão costumada, JUSTIÇA.”
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A 1ª ré respondeu ao recurso, concluindo a sua alegação da seguinte maneira:
1. Antes de mais, levanta-se uma questão prévia, a maneira como as conclusões foram apresentadas pelo Recorrente.
2. As conclusões como formuladas não são sucintas, foi transcrito o corpo das alegações para as conclusões, só não tendo indicado as passagens da prova gravada, porque no restante, nada mais é do que o corpo da alegações ipsis verbis violando, o disposto no artigo 598.º do Código de Processo Civil, e encontramos apoio neste sentido, no Acórdão de 6 de Setembro de 2016 do Tribunal da Relação de Guimarães, que defende que as conclusões deverão apenas enunciar de forma clara e concisa os elementos.
3. Razão pela qual, com o devido respeito, as conclusões, não deverão ser admitidas, como foram redigidas, pela falta de síntese, ou, in extremis, não deverá haver lugar ao conhecimento do objecto do recurso.
4. O Autor, ora Recorrente, fundou a acção que deu origem às alegações de recurso e respectivas contra-alegações e, colocou a tónica em quatro alegados empréstimos realizados, em numerário, retribuídos com uma taxa de 2% ao mês, melhor referidos artigos 6.º a 12.º da petição inicial do ora Recorrente. (sublinhado e negrito nosso)
5. Entende o ora Recorrente, entende que o acórdão de matéria de facto “padece de deficiência e falta de fundamentação, vícios previstos no art.º 556, n.º 5 do CPC”, que o tribunal ad quo não fez uma análise correcta das provas, “incorrendo-se num manifesto erro de julgamento decorrente de uma errónea apreciação das provas.” e, que constam nos autos elementos que permitem que se dêem como provados os quesitos 1.º a 7.º e 9.º da base instrutória.

6. Pois, a ora Recorrida, discorda em absoluto de tal, na medida em que, a matéria como foi levada à base instrutória, refere-se a empréstimos realizados pelo Autor, ora Recorrente, à Recorrida, quesitos 3.º a 6.º da base instrutória. (sublinhado e negrito nosso)
7. No que concerne ao 1.º quesito da base instrutória, não basta alegar que o Recorrente era cliente e a prova como apresentada não foi suficiente, tendo o tribunal ad quo afirmado “o tribunal não deu como provado que o Autor jogava regularmente na sala VIP da 1.ª Ré porque nenhuma testemunha fez essa referência tendo apenas uma delas dito que o Autor às vezes jogava nas slot machines.” (sublinhado e negrito nosso)
8. A ora Recorrente, apenas se socorreu do depoimento da testemunha, em que o tribunal não se pôde apoiar, pela qualidade de irmã, e por não ter conhecimento directo dos factos, depoimento esse que não foi tido em linha de conta pelo tribunal pela qualidade de irmã do Recorrente.
9. Relativamente aos quesitos artigos 3.º a 6.º da base instrutória, que foram e bem, dados como não provados, por não se poder dar como provado os empréstimos alegadamente titulados pelos talões de depósito apresentados.
10. Isto porque, com base na prova testemunhal e documental produzida pela ora Recorrente, foi afirmado sem margem para dúvidas que a ora Recorrida não aceitava empréstimos de clientes, quando muito era a Recorrida que concedia crédito aos clientes. (sublinhado e negrito nosso)
11. A isto acresce que, também foi demonstrado pela prova testemunhal produzida pela ora Recorrida que os talões de depósito juntos pelo Recorrente, documentos 4.º a 7.º padeciam de inúmeras falhas, e não tinham sido emitidos de acordo com as boas práticas da Recorrida, i.e., continham carimbos que não eram usados pela tesouraria, tinham números por extenso quando não deveriam, não constava número de conta e, um deles até fazia referência a um cheque.
12. E nesta senda, relembra-se que foi junto pela 2.ª Recorrida certidão de autos de execução ordinária que corriam termos no 2.º Juízo Cível, Tribunal Judicial de Base com o n.º CV2-1520147-CEO, contra D pelo Recorrente.
13. Verificou-se que os referidos autos tiveram por base três cheques, sendo que dois deles, n.º 41070177 e 41070176, no montante de HKD2,000,000.00 (dois milhões de dólares de Hong Kong) e HKD5,000,000.00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong) foram encontrados, conforme alegado a artigo 31.º, 33.º e 34.º da contestação apresentada pela ora Recorrida, na gaveta da Sra. D, conforme docs. 8 e 9 da contestação da ora Recorrida, sendo o talão de depósito junto como documento n.º 7.º da petição inicial, faz referência ao cheque com o n.º 41070177 e, conforme doc. n.º 9.º junto com a contestação, e foi encontrada uma cópia do talão de depósito, correspondente ao documento n.º 6 da petição inicial com uma cópia do cheque com o n.º 41070176 na gaveta da Sra. D.
14. Para além disso, conforme prova testemunhal produzida pela ora Recorrente, a referida senhora não podia emitir cheques pessoais em nome da ora Recorrida.
15. Como diz o douto acórdão recorrido e bem, “estão juntos aos autos os citados talões e depósito, dois dos quais juntamente com cópias de dois cheques pessoais de Chao Iok Mei, nos mesmos montante e emitidos por esta a favor do Autor.. uma certidão judicial junta que indica que o Autor intentou uma acção executiva para pagamento de três cheques, dois dos quais os acabados de referir....”, dizendo mais à frente, e bem, “Ora, ou a 1.ª Ré é devedora ou é a Chao Iok Mei é devedora ou nenhuma delas é da quantia em questão”.

16. Não basta ao Recorrente fazer alusão a talões de depósito, para provar uma acção que foi configurada como relação de empréstimo, e, também não pode esperar que, possa “ter o melhor de dois mundos”, porque, se o quesito n.º 4 da base instrutória, e conforme prova documental e testemunhal reflecte um registo de entrada e saída do dinheiro, não pode depois vir dizer que os restantes montantes também continuam lá depositados porque emprestados, quando não há qualquer registo nesse sentido!
17. A este respeito, uma das testemunhas da Recorrente afirmou que não se poderia devolver nada ao Recorrente por a Recorrida não poder aceitar empréstimos. (sublinhado nosso)
18. E as testemunhas da Recorrida foram peremptórias, ao afirmar, que a Recorrida não poderia aceitar empréstimos dos clientes, como já referido ao longo destas alegações.
19. Dizendo nesse sentido o douto acórdão recorrido, “As testemunhas da Ré negaram peremptoriamente a existência de empréstimos nos termos alegados pelo Autor e relativamente aos depósitos a que se referem os presentes autos, as mesmas afirmaram que os talões de depísito juntos pelo Autor que alegadamente titulam os empréstimos/depósitos não estavam emitido segundo a forma padronizada pela sala VIP da 1.ª Ré”.
20. Não se aceita, que se dêem provados os empréstimos, ou depósitos, numa versão, “antes que”, primeiro porque o tribunal ad quo entende que a única testemunha que poderia ser atendida, é irmã do Autor, ora Recorrente, e que, mesmo o seu depoimento pela sua qualidade não poderia ser levado em conta, e por não haver conhecimento directo dos factos.
21. A isto acresce que, não há prova documental que sustente a pretensão do Autor, nem mesmo a questão dos ROVE’ s, que não foram levados à base instrutória.

22. Colocando a questão de uma forma muito simplista, o Autor, ora Recorrente, fundou a sua causa de pedir numa alegada relação de empréstimo, e a única prova documental que apresentou foram quatro talões de depósito alegadamente emitidos pela ora Recorrida, tendo tal facto sido contrariado pela prova testemunhal e documental produzida pela ora Recorrente, pelas inúmeras falhas que tais talões de depósito tinham, indicado pelas testemunhas da ora Recorrida, suas antigas funcionárias, que também descreveram sem dificuldade os procedimentos da tesouraria da Recorrida.
23. Acresce que, não é pelo facto de a Recorrida ter junta a lista de movimentos, que se pode considerar o Recorrente, cliente, muito menos que se pode dar provado o empréstimo patente no quesito 4.º da base instrutória, sendo o único elemento que dali se retira um registo de entrada e saída de dinheiro.
24. O ónus da prova, recai sobre quem alega, e o ora Recorrente, com o devido respeito, falhou redondamente, pois, os empréstimos não foram nem podem ser dado como provados, tendo a prova testemunhal da Recorrida contrariando em absoluto, a concessão de empréstimos pelo Recorrente à Recorrida.
25. Dizendo e bem, a sentença final, “Uma vez que não está demonstrado que o Autor chegou a conceder os empréstimos que alega ter concedido à 1.ª ré, o seu pedido nunca pode proceder independentemente do acerto do entendimento que aquele defende ...”, sob pena de violção do princípio da estabilidade da instância, o que não sucedeu! (sublinhado e negrito nosso)
26. Pois, e na medida em que, não houve qualquer erro notório na apreciação da prova, tendo todos os elementos que foram carreados para os autos analisados, impera, pois, o principio da livre apreciação da prova e, a conjugação da prova documental com a testemunhal. Prova essa, que foi insuficiente, e, absolveu, e muito bem, a 1.ª Ré e 2.ª Ré, ora Recorridas, do pedido formulado pelo Autor, ora Recorrente. (sublinhado e negrito nosso)
Por todo o exposto, o Recorrente carece de razão, na medida em que o tribunal tomou conhecimento e pronunciou-se devidamente sobre todas as questões que deveria ter-se pronunciado. E, por tal, a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância deverá ser mantida na íntegra.”
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Também a 2ª ré respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:

“a) Apenas a irmã do Recorrente afirmou ter conhecimento directo de um dos empréstimos que este alegou ter realizado; no entanto as testemunhas apresentadas pela B, suas antigas funcionárias, além de desconhecerem o caso concreto, colocaram fundamentadamente em crise os talões de depósito/ empréstimo que constam nos presentes autos, para além de afirmarem que era a B quem emprestava aos seus clientes e não o contrário;
b) cabia ao Recorrente o ónus de prova sobre os factos essenciais da sua causa de pedir, não tendo o mesmo sabido superar a dúvida que foi provocada:
i. pelos depoimentos das testemunhas da B,
ii. pelo facto de ter demandado a D com fundamento em cheques pessoais dela, um deles com a expressa referência do seu número introduzida num dos quatro talões de depósito,
iii. pelo facto de a B ter encontrado cópias de dois cheques da D emitidos a favor do Recorrente e anexadas a cópias de dois talões de depósito/ empréstimo, e
iv. pelo facto de um dos alegados empréstimos constar na lista de movimentos da sua conta-cliente na sala VIP da B como efectivamente depositado mas também como levantado umas poucas horas depois.
c) o Tribunal a quo, no uso do seu poder de apreciar livremente as provas que foram produzidas na audiência de discussão e julgamento, decidiu de acordo com a sua convicção, face às dúvidas sobre a efectiva realização dos empréstimos, contra a parte que alegou a existência de tais empréstimos;
d) a validade e credibilidade dos talões de depósito/ empréstimo, foi altamente questionada pelas testemunhas que, por terem sido funcionários da B, lidaram com vários talões emitidos por esta ao longo do tempo, sendo certo que os talões per se não fazem prova de que os empréstimos/ depósitos efectivamente aconteceram;
e) se a B fosse condenada a restituir ao Recorrente as quantias que este alegou ter depositado, a Recorrida não seria solidariamente responsável por tal obrigação porque não teria violado o seu dever de fiscalização da B, porque não existe relação de comitente-comissário entre si e esta e porque o artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 não consagra a responsabilidade civil da Recorrida por actos da B perante terceiros.
Por tudo o exposto, e com douto suprimento, deve julgar-se absolutamente improcedente o recurso, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida.”
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
“- A 1ª Ré é uma sociedade por quotas unipessoal que tem por objecto a promoção de jogos de fortuna e azar em casinos (alínea A) dos factos assentes).
- Sendo titular da licença de promotor de jogo – pessoa colectiva n.º E089, emitida pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos em 18 de Agosto de 2006, com validade pelo menos até à data de 16 de Novembro de 2015, em que opera junto à concessionária C, aqui 2ª Ré (alínea B) dos factos assentes).
- A 2ª Ré é uma sociedade anónima que se dedica à exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casinos e é concessionária de jogo (alínea C) dos factos assentes).
- 根據澳門商業及動產登記局申請編號AP.XX/28052014,透過2014年3月14日的議事錄,EE作為B的單一股東,被委任為該公司的單一行政管理機關成員。(alínea D) dos factos assentes)
- No princípio de Setembro de 2015, o Autor dirigiu-se à sala VIP da 1ª Ré que opera no Casino da 2ª Ré, com o propósito de receber a quantia que alega ter depositado na sua conta aberta na sala VIP (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
- A 1ª Ré não entregou a quantia referida na resposta ao quesito 10º (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
- Apesar de solicitada para o fazer, no dia 4 e 10 de Novembro de 2015 por força dos documentos a fls. 39 a 46 dos autos, a 1ª Ré não entregou a quantia referida na resposta ao quesito 10º (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
- As receitas de jogo apuradas nas salas VIP das promotoras de jogo, entre as quais a 1ª Ré, pertencem às concessionárias (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
- D era reconhecida pelas Rés como responsável pela contabilidade da 1ª Ré, e era encarada e reconhecida por terceiros, nomeadamente, pelos utentes das salas de jogo da 1ª Ré que com ela actuavam, e na convicção de se ser uma empregada de topo da 1ª Ré, ali exercendo funções de responsabilidade (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
- As 1ª e 2ª Rés acordaram, em 15 de Agosto de 2008, na sua cláusula 4. (Release) do contrato de autorização para a concessão de crédito para jogo, o seguinte (resposta ao quesito 16º da base instrutória):
“4 (Desoneração): Na execução deste contrato, o PROMOTOR DE JOGO actua como um outorgante independente e não como agente, empregado ou representante legal da C. O PROMOTOR DE JOGO terá o controlo exclusivo dos meios e métodos que use e empregue para conceder facilidades de crédito e para satisfazer as obrigações do PROMOTOR DE JOGO aqui estabelecidas, em todos os seus aspectos e detalhes. O PROMOTOR DE JOGO não está autorizado a fazer negócios em nome da C para de alguma forma vincular a C, por conseguinte o PROMOTOR DE JOGO concederá crédito em seu próprio nome e por seu próprio risco. (...) ESTE CONTRATO não poderá ser interpretado como de alguma forma estabelecendo uma parceria ou outro empreendimento ou iniciativa empresarial conjunta entre as partes, e nenhuma delas responde pelas asseverações, actos ou omissões da outra.”.
- D (D) era directora-supervisora da tesouraria do “X VIP Club” da 1.ª Ré, cujas funções era contactar e atender clientes, supervisionar o funcionamento da tesouraria da sala “X VIP Club”, conferir e verificar as contas, coordenar e executar o funcionamento diário da sala “X VIP Club” (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
- D era encarada tanto pelo autor como por todos os utentes da sala de jogo da 1ª Ré como uma pessoa que, pelos poderes que exibia perante terceiros, merecia toda a credibilidade porque estavam convencidos que ela era plenamente responsável pelos actos da 1ª Ré enquanto empregada de topo da 1ª Ré e que agia em representação desta (resposta ao quesito 22º da base instrutória).
- A D era encarada pelos utentes da sala de jogos como uma pessoa que agia em nome e em representação da contestante e que detinha plenos poderes de representação da sua entidade patronal, a 1ª Ré (resposta ao quesito 25º da base instrutória).”
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III – O Direito
1 - Do recurso interlocutório
Sobre a matéria do 1º recurso, o juiz do processo despachou o seguinte:
“- Fls. 155 a 160 v. dos autos:
Na réplica, o Autor requereu aditar o pedido e os novos factos da causa de pedir.
Salvo o devido respeito e melhor entendimento, na realidade, o Autor não aditou o pedido. O pedido é o efeito jurídico pretendido pelo Autor na acção, in casu, o pedido formulado pelo Autor na petição inicial é que as duas Rés devem solidariamente restituir ao Autor as quantias indicadas nos 4 recibos de depósito em questão.
Na sua réplica, o Autor alegou que, caso o Juízo considerasse finalmente que o Autor não emprestou as quantias à 1.ª Ré e o acto em questão é considerado como depósito das quantias, o Autor ainda pedia ao Juízo que se dignasse condenar as duas Rés a pagar ao Autor um montante equivalente ao valor destas quantias.
Daí, pode-se ver que, o efeito jurídico exigido pelo Autor é sempre o mesmo, pedindo ao Juízo a condenação das duas Rés no pagamento ao Autor das quantias indicadas nos 4 recibos de depósito, o Autor nunca solicitou o aditamento do pedido” .
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Entende a recorrente “C” que a réplica apresentada pelo autor à matéria de excepção deduzida na contestação da primeira ré, “B”, não se podia estender a si. E isto porque a invocada responsabilidade solidária entre si, recorrente, e a 1ª ré, tal como a acção está caracterizada, traduz um litisconsórcio voluntário, o que significa que existe independência processual entre as rés. Logo, porque a recorrente apenas deduziu matéria de impugnação na sua contestação, a réplica apenas podia valer contra a excepcionante, 1ª ré, e não contra si. Por isso, diz a 2ª ré, a ampliação da causa de pedir efectuada na réplica não pode ter qualquer efeito sobre si.
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1.1 - Questão prévia
Expostos no ponto anterior os termos do recurso interlocutório, importa neste momento recordar que se trata de um recurso com subida diferida e que só ascendeu a este TSI aquando do recurso da sentença interposto pelo autor.
Ora, na sentença o autor saiu vencido, tendo sido a acção julgada improcedente e as RR absolvidas do pedido.
Nesta conformidade, só interessará conhecer deste recurso, caso o recurso da sentença venha a ser provido. Caso contrário, isso significará que a sentença será confirmada e nesse caso, o recurso interlocutório não será conhecido, face ao disposto no art. 628º, nº2, do CPC. Impõe-se, por isso, que se conheça primeiramente do recurso da sentença.
Deste modo, passemos a conhecer imediatamente do recurso final.
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2 - Do recurso da sentença
O autor instaurou a acção contra as duas rés, por alegadamente ter feito um empréstimo, em 4 tranches, da quantia de MOP$ 17.510.268,30 à primeira.
Com que fundamento?
O autor, confesso jogador no casino da 2ª ré, afirma ter emprestado à 1ª ré, operadora de jogo numa sala VIP daquela, a referida quantia, com juros à taxa de 2% ao mês. Explicou que essas quantias ficaram depositadas na sua conta com o nº 8033XXXX da referida sala VIP para que o utilizasse no jogo e com liberdade de o levantar quando o entendesse. Acrescenta, porém, que, quando quis resgatar as quantias depositadas, se deparou com a recusa da 1ª ré, que nem sob interpelação acedeu em restituir o dinheiro do autor.
E justificou o pedido com a seguinte ordem de razões:
A 1ª ré deve restituir o dinheiro, por ser a ela que o autor emprestou o dinheiro; e a 2ª ré também deve ser solidariamente condenada na devolução pelo facto de ser responsável com os promotores de jogo pela actividade por estes desenvolvida, conforme art. 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 20 de Março de 2002, mas também pelo facto de ela ter violado o dever de supervisionar as actividades da 1ª ré, na qualidade de comitente, face às vantagens que ela retira da actividade do jogo desenvolvida pela 1ª (arts. 479º e 500º).
Foi com este desenho que a petição inicial foi desenvolvida.
Na réplica, o autor modificou a causa de pedir, face aos termos da contestação da 1ª ré “B”, em virtude de esta ter dito que D, sua gerente de caixa, não tinha poderes para a prática de empréstimos, nem para proceder a recebimentos de dinheiro ou pagamentos a jogadores.
Daí que tivesse, nesse articulado, alterado a causa de pedir, no sentido de transformar a entrega do dinheiro à 1ª ré, de empréstimo, para contrato de depósito.
A sentença, porém, face aos factos provados, limitou-se a considerar que o autor não fez quaisquer empréstimos à 1ª ré. E foi simplesmente com base nisto que julgou improcedente a acção.
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2.1 - Apreciando
Não nos parece que a sentença tenha andado bem, salvo o devido respeito, que, como de costume, é sempre muito. Realmente, a partir do momento em que o juiz do processo aceitou a modificação da causa de pedir na réplica, deveria a sentença ter estudado o caso na perspectiva, não do empréstimo, mas do contrato de depósito, tal como foi traçada nesse articulado.
Ao não efectuar este estudo, acabou por realizar a subsunção dos factos provados a uma causa de pedir que já não fazia parte da fundamentação relevante.
Ora, se o despacho de fls. 183-187, em conjugação com o de fls. 297, autorizou a ampliação da causa de pedir, nem por isso a 1ª instância ficava dispensada de conhecer desta adicional causa de pedir.
Quer dizer, não obstante a matéria dos “empréstimos” ter sido dada como não provada, haveria que analisar a sorte da acção no que concerne aos alegados “contratos de depósito” alegados na réplica e à não devolução do dinheiro depositado contido na conta do autor. Ora, sobre isso a sentença foi totalmente omissa.
De qualquer maneira, importa ainda sublinhar o seguinte:
Há matéria de facto quesitada que foi dada como não provada (v.g., aquela que dizia respeito a “empréstimos”: arts. 2º a 6º da BI), mas que podia ter uma outra resposta, se fosse de considerar que o dinheiro entregue na 1ª ré era feito a título de “contrato de depósito”. Isto quer dizer que, se esta perspectiva fáctica estiver certa e em harmonia com a realidade, então a resposta a esses quesitos deveria ter merecido uma resposta explicativa e não apenas negativa. Isso podia ser feito, quanto a nós.
Note-se que não estamos a afirmar que a resposta deveria ser outra, mas apenas a equacionar a perspectiva que resulta da ampliação da causa de pedir efectuada na réplica e que não teve a consideração devida na Base Instrutória, nomeadamente a matéria dos arts. 32º a 34º desse articulado.
Portanto, com esta matéria provada não podemos verdadeiramente concluir que não houve contratos de depósito, visto que a factualidade que foi quesitada não teve em mente essa perspectiva trazida na réplica, mas unicamente a perspectiva de empréstimo introduzida na petição inicial.
Desta maneira, além de deverem ser quesitados aqueles arts. 27º a 34º da réplica, haverá que repetir o julgamento quanto a toda a restante matéria quesitada, para que o julgamento seja feito de forma unitária, harmoniosa, coerente e lógica. Na verdade, uma vez que todo o julgamento da matéria de facto deve ser feito numa óptica global e que todas as respostas devem ser dadas dentro desse mesmo enquadramento holístico, não se pode manter a resposta dada aos artigos da base instrutória. Porquê? Porque a resposta a eles pode vir a ficar em contradição com aquela que vier a ser dada a toda a matéria, agora em repetição de julgamento de forma alargada. Por isso, não se pode salvar o julgamento efectuado sobre a matéria de facto. É para evitar essa contradição que se impõe a repetição do julgamento.
Esta é a solução que permitirá de novo apreciar a causa de pedir modificada e que a Base instrutória não chegou a reflectir, uma vez que toda ela estava somente orientada para a prova do contrato de empréstimo invocado na petição inicial.
Sendo assim, haverá que anular a sentença da 1ª instância, nos termos do art. 629º, nº4, do CPC, a fim de que se proceda a novo julgamento de toda a matéria, à qual deverá ser acrescentada a dos referidos arts. 27º a 34º da replica.
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3 - Epílogo
Tendo em atenção o que se acaba de fundamentar, não se procede ao conhecimento da bondade jurídica da sentença. Com a anulação a que oficiosamente se procederá, deverão os autos baixar à primeira instância para os supra indicados efeitos.
Em consequência, fica prejudicado, para já, o conhecimento do recurso interlocutório.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em anular a sentença e todo o julgamento da matéria de facto, que de novo deverá ser efectuado, agora, porém, com a adição dos artigos da réplica acima mencionados.
Custas pela parte vencida a final.
T.S.I., 16 de Maio de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong



Proc. nº 712/2018 1