Proc. nº 690/2018
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 13 de Junho de 2019
Descritores:
- Associação dos Advogados de Macau
- Isenção de custas
- Acto confirmativo
SUMÁRIO:
I - A Associação de Advogados de Macau, sendo embora uma associação profissional, é, no entanto, uma pessoa colectiva pública.
II - Enquanto dotada de total autonomia, a A.A.M. não se integra na Administração directa, nem indirecta.
III - Nesta medida, não se inclui no âmbito da previsão do art. 1º, nº1, al. b), do Regime das Custas dos Tribunais para efeito de isenção subjectiva de custas.
IV - Quando em direito administrativo se fala em confirmatividade, está pressuposta no conceito a existência de um acto administrativo praticado no âmbito de uma impugnação administrativa necessária e de reexame, que nada de substantivo acrescenta a outro anterior praticado no termo do procedimento de 1º grau, o qual, por isso mesmo, aquele mantém e reitera.
V - Fala-se em mera confirmatividade, quando o acto é tomado no âmbito de uma impugnação administrativa facultativa e de revisão.
VI - A consequência processual da diferença entre as duas noções está no facto de o acto simplesmente confirmativo ser definitivo e recorrível contenciosamente por ser praticado em impugnação administrativa necessária, ao passo que o acto meramente confirmativo não é contenciosamente recorrível, em virtude de não ser definitivo, pela simples razão de o acto praticado no procedimento de 1º grau já ser, ele sim, definitivo e, por conseguinte, recorrível contenciosamente.
VII - Por outro lado, tanto para se falar em confirmatividade, como em mera confirmatividade, é necessário que em ambos os casos o acto administrativo praticado tenha o mesmo destinatário.
Proc. nº 690/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I - RELATÓRIO
B, advogado, com domicílio profissional na Avenida ......, nº ..., Edifício ......, ...º ...-..., em Macau, ---
Interpôs no TSI recurso contencioso do ---
Acórdão do Conselho Superior de Advocacia de 27 de Julho de 2017, que, na sequência de reclamação apresentada pela Associação dos Advogados de Macau, manteve o Acórdão de 6-Julho-2017 da autoria do mesmo CSA, com morada para citação na Avenida ......, nº ..., Edifício ......, ...º andar, em Macau.
Na petição inicial, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
“a) O entrelinhamento da palavra “reclamar” na Deliberação de 12-Julho foi irregular, violando a sua inclusão na acta o disposto no art. 29º do CPA, devendo dar-se por não escrita, donde decorre a falta de autorização para reclamar e, consequentemente, a invalidade da reclamação e do Acórdão do CSA de 27-Julho.
b) Sem prejuízo, o Tribunal poderá interpretar diferentemente o texto ao abrigo do art. 365º/2 do CPC.
c) A Deliberação de 12-Julho padece de absoluta falta de fundamentação, em violação do disposto arts. 113º/1-e) 114º, nº 1, als. a) e f), e nº 2, e 115º do CPA.
d) Um dos membros da Direcção da AAM que participou e votou a Deliberação de 12-Julho estava impedido ou em situação de suspeição, pelo que a deliberação viola o princípio da imparcialidade e demais normas aplicáveis, em particular os arts. 3º/1, 7º, 46º/1-d) 50º/1, 124º e 125º/2 do CPA, e arts. 311º/1-h) e 315º/1 do CPC.
e) Por estes motivos, a Deliberação de 12-Julho é inválida.
f) O membro da Direcção da AAM que assinou a Reclamação não tinha competência própria, nem poderes delegados, para a assinar, pelo que a reclamação padece de vício de falta de representação ou de falta de autorização prescrita por lei, em vista do disposto nos arts. 4º/1, este bem interpretado, e 29º/1-a) e 2 dos Estatutos da AAM, bem como no art. 53º do CPC e nos arts. 3º e 113º/1-b) do CPA.
g) A Reclamação é inválida em consequência do facto de a Deliberação de 12-Julho ser inválida, nos termos dos arts. 122º/2-g) e 124º e ss. do CPA e, bem assim, em vista do disposto no art. 147º/2 do cpc.
h) Independentemente da invalidade desta Deliberação, a Reclamação é de qualquer modo inválida e/ou ineficaz por ter sido praticada por quem não tinha competência própria, nem poderes delegados para a praticar, em virtude dos preceitos legais citados na Conclusão f) supra.
i) O Acórdão do CSA de 27-Julho é inválido em consequência da invalidade da Reclamação, uma vez que o CSA só pode proferir Acórdão sobre reclamação válida apresentada, em consequência do princípio do pedido e em vista do art. 44º do Código Disciplinar do Advogado, dos arts. 124º e ss. do CPA, bem como do art. 1472/2 do CPC.
j) A Deliberação de 26-Julho é nula por irracionalidade e por objecto impossível, uma vez que determinou o recurso de um acto inexistente (com o fundamento de os membros da Direcção quererem ir de férias), nos termos e por efeito dos arts. 1º/1, 2º e 12º/l do Código Disciplinar e art. 122º/1-c) do CPA.
k) O Acórdão recorrido é inválido pelo facto de ter assentado e ter sido proferido na sequência de actos da Direcção da AAM inválidos e/ou ineficazes ou intempestivos.
l) Impõe-se conhecer a data da comunicação do Acórdão do CSA de 6-Julho à Direcção da AAM, a fim de determinar se a Reclamação de 24-Julho foi tempestiva e, logo, se o Acórdão de 27-Julho foi validamente proferido.”
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Na contestação, a entidade recorrida pugnou pela improcedência do recurso, concluindo a respectiva peça nos seguintes termos (fls. 70-72).:
“A - A deliberação do C.S.A. em questão traduziu-se num acto confirmativo e, como tal, insusceptível de impugnação contenciosa (destaque nosso em itálico)
B - Perante a reclamação deduzida pela Associação dos Advogados de Macau o C.S.A. limitou-se a reiterar a deliberação colegialmente tomada, “rectius”, limitou-se a dar como reproduzido (a confirmar) o acórdão profusamente fundamentado e datado de 06 de Julho de 2017, já que nada mais havia a acrescentar quanto à sua fundamentação e à justeza da deliberação tomada.
C - Por outro lado, não vislumbramos que o acto ora impugnado (a deliberação do CSA que decidiu sobre a reclamação da Direcção da A.A.M.) seja lesivo para o recorrente em termos de pretender vê-lo eliminado da ordem jurídica. É uma clara situação de falta de interesse processual (destaque nosso em itálico).
D - Assim sendo, o presente recurso deverá, no entendimento do C.S.A. recorrido, ser liminarmente rejeitado.
E - O C.S.A. não teve, não podia ter, nem tinha obrigação de ter conhecimento acerca do modo como se formou na Direcção da A.A.M. a vontade de reclamar da decisão do Conselho recorrido.
F - Ao C.S.A. apenas competia verificar se a interposição da reclamação em causa estava formalmente regular, ou seja, se vinha deduzida por quem tem legitimidade para o fazer.
G - O que verificou, como lhe competia, foi que a reclamação em causa vinha subscrita pelo Sr. Presidente da Direcção da A.A.M., ou seja, vinha subscrita por quem, nos temos do disposto no artigo 4º dos Estatutos da Associação Pública dos Advogados de Macau, tem poderes para a representar.
H - Se a deliberação em questão padece, eventualmente, de um qualquer vício formal ou substantivo, é questão que escapa à apreciação do C.S.A.
I - O C.S.A. não tem o ónus de pugnar pela manutenção da deliberação da Direcção em questão nem da subsequente. Trata-se, em boa verdade, de uma “res inter alios”, de uma disputa a que é alheio.
J - Se, por mera hipótese, o recurso for nesta parte julgado procedente e, por arrastamento, a decisão da reclamação (julgada improcedente/indeferida pelo C.S.A.) for julgada inválida e, no fim da linha, se o recurso contencioso (rec. cont. nº 776/2017) não obtiver provimento, como se espera, a única consequência que se perfila é a deliberação/acórdão condenatório do C.S.A. vir a transitar em julgado com as legais consequências para o aqui recorrente”.
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A AAM, como contra-interessada, apresentou contestação, pugnando pela procedência das excepções de irrecorribilidade, face ao carácter meramente confirmativo do acto, bem como de ilegitimidade do recorrente, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
Por impugnação, advogou a improcedência do recurso contencioso.
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Houve lugar a apresentação de alegações facultativas, nas quais as partes mantiveram essencialmente as posições anteriormente assumidas nos autos.
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O digno Magistrado do MP emitiu então o seguinte parecer (fls. 97 e vº):
“Na sua contestação, a entidade recorrida suscitou matéria de excepção, substanciada na mera confirmatividade do acto e na falta de interesse processual do recorrente, tendo este respondido no sentido da improcedência das suscitadas excepções.
Crê-se que assiste razão à entidade recorrida.
Por um lado, o acórdão de 27 de Julho de 2017 do Conselho Superior da Advocacia, exarado na sequência de uma reclamação, facultativa, da Direcção da Associação dos Advogados de Macau, limita-se a reafirmar e manter, nos seus precisos termos, o acórdão de 06 de Julho de 2017. Porque assim, e dado que o ora recorrente fora notificado do acórdão proferido em primeiro lugar, estão reunidos os requisitos de confirmatividade que, nos termos do artigo 31.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, impõem a rejeição do recurso com fundamento na mera confirmatividade. O artigo 44.º do Código Disciplinar dos Advogados não diz que a decisão proferida em via de reclamação é recorrível. Diz, sim, é que, no caso de haver reclamação, o prazo para o recurso contencioso conta-se a partir da notificação da decisão da reclamação ou do termo do prazo em que a reclamação deva ter-se por tacitamente indeferida.
Por outro lado, o próprio recorrente aceita e reconhece ter-se conformado com a decisão disciplinar que o acórdão de 06 de Julho de 2017 adoptou e que o acórdão de 27 de Julho de 2017 reafirmou e manteve. Ou seja, o recorrente aceitou, sem reserva, a decisão que o Conselho Superior da Advocacia tomou quanto a si em matéria disciplinar, pelo que não tem interesse em agir no que a essa matéria respeita, estando-lhe vedado o recurso nos termos do artigo 34.º do Código de Processo Administrativo Contencioso. A circunstância de poder haver uma qualquer ilegalidade no processo de formação da vontade de outra entidade colegial, que não a autoridade recorrida, em nada interfere com a decisão da reclamação, pois esse processo de formação de vontade é estranho à autoridade e à decisão recorrida, não constituindo nomeadamente pressuposto desta, pelo que não tem virtualidade para a inquinar.
Procede, pois, a matéria de excepção suscitada pela entidade recorrida, pelo que o recurso deve ser rejeitado.
Para além disso, há que considerar que o recurso foi interposto fora do prazo.
Em rigor, não vem imputado ao acto recorrido qualquer vício gerador de nulidade, donde resulta que o recurso contencioso está sujeito ao prazo de 10 dias previsto no artigo 44.º do Código Disciplinar dos Advogados. Quando, em Julho de 2018, foi interposto o presente recurso, há muito que se havia esgotado tal prazo, o que importa a caducidade do direito ao recurso.
Também por este fundamento haverá que rejeitar o recurso.”
E em resposta à matéria das excepções suscitadas pela contra-interessada, Direcção da Associação dos Advogados de Macau, pugnou mais uma vez pela irrecorribilidade do acto, bem como pela ilegitimidade do recorrente, em termos que aqui damos por reproduzidos para todos os efeitos (fls. 274 e vº) .
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Entretanto, na sequência do despacho de fls. 180 -181, que determinou às contestantes CSA e AAM) o pagamento do preparo, veio a AAM e o CSA pronunciar-se contra o dito despacho, dele reclamando para a Conferência.
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O recorrente não tomou posição sobre o assunto, mas o digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer (fls. 274 vº e 275):
“II. Reclamações para a conferência:
Quer a entidade recorrida, Conselho Superior da Advocacia, quer a recorrida particular, Direcção da Associação dos Advogados de Macau, vêm reclamar para a conferência do despacho de fls. 180 verso a 181, que, ponderando não estar a Associação dos Advogados de Macau (AAM) isenta de custas, ordenou que as reclamantes efectuassem os preparos devidos pela sua intervenção processual inicial.
Argumentam, em suma, que a AAM está abrangida pela isenção subjectiva prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do Regime das Custas nos Tribunais, já que, tendo a seu cargo, por devolução de poderes do Estado, a função de regulamentar e disciplinar o exercício da advocacia, integra a administração indirecta do Estado.
Durante muito tempo, alguns autores, entre os quais Freitas do Amaral, sustentaram que as associações públicas de cariz profissional integravam, tal como os institutos públicos, a administração indirecta do Estado. Hoje em dia, essa concepção está ultrapassada, sendo praticamente unânime a opinião de que se trata de administração autónoma.
Pois bem, a circunstância de ser autónoma e de prosseguir atribuições que respeitam e interessam a um grupo profissional específico não lhe retira a essência pública da sua função administrativa, que exerce em substituição e sob a tutela meramente inspectiva do Estado.
Neste contexto, seria deveras prejudicial para o prosseguimento dos seus fins que, para a sustentação judicial das suas decisões tomadas no âmbito daqueles poderes de administração pública, tivesse que suportar, ao contrário do que sucede com todas as outras entidades administrativas, as custas inerentes a uma presença em juízo. E também não deixaria de ser ilógico, como sustenta o Conselho Superior da Advocacia, que a AAM tivesse uma participação nas custas judiciais arrecadadas pela justiça e tivesse que pagar, ela própria, custas na justiça por causa do exercício das suas funções públicas de entidade administrativa.
Daí que se creia, não obstante algum laconismo da norma, que a administração autónoma protagonizada por pessoas colectivas públicas de natureza associativa, como sucede com a AAM, inclui-se nos serviços e organismos da Região Administrativa Especial de Macau com previsão no artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do Regime das Custas nos Tribunais, com a inerente' isenção subjectiva.
Razão por que se emite parecer no sentido da procedência das reclamações.”
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II – APRECIANDO
A – DAS RECLAMAÇÕES
1 - Vêm apresentadas duas reclamações contra o despacho de fls. 180 vº e 181.
Nesse despacho foi considerado que a Associação dos Advogados não cabe no âmbito da isenção subjectiva a que respeita o art. 2º, nº1, al. e), do RCT. Daí que tenha determinado a notificação das contestantes, Direcção da Associação e o Conselho Superior de Advocacia, para o pagamento do preparo inicial.
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2 - O despacho em crise tem o seguinte teor:
“I – Fls. 161 e sgs. (especialmente “in fine”).
Considera a Direcção da Associação dos Advogados de Macau que está isente de preparos e custas.
Mas ela tem conhecimento de que este TSI tem tomado ultimamente posição contrária àquele entendimento. Isso foi manifestado no Ac. do TSI de 4/07/2013, Proc. nº 328/2013, no voto de vencido lavrado no Ac. do TSI, de 6/07/2017, Proc. nº 183/2016 e, no âmbito de uma impugnação de conta, pelo despacho proferido em 15/12/2017, Proc. nº 1011/2015.
Mantemos a posição de que a AAM não está isenta por não dispor, até ao momento, de utilidade pública administrativa reconhecida e declarada. Razão pela qual não goza de isenção subjectiva no quadro do art. 2º, nº1, als. b) e e), do Regulamento das Custas nos Tribunais.
Assim sendo, notifique-a para o pagamento das custas, digo, do preparo devido, após o trânsito do presente despacho.
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II – Constata-se agora que a entidade recorrida (Conselho Superior de Advocacia), enquanto órgão da AAM, não efectuou o preparo, certamente por lapso da Secretaria em não emitir a respectiva guia.
Como assim, passe guia para o efeito, após o trânsito deste despacho.
Notifique.”
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3 - Apreciando
3.1 - Em ambas as peças, aqueles entes da AAM vêm pôr em destaque a natureza pública da Associação, o que os leva a defender a não aplicação do disposto na referida alínea e), mas sim a da alínea b), do nº1 do citado art. 2º do RCT.
Ora bem. As associações públicas profissionais são aquelas “que se agrupam para prosseguirem os seus fins próprios, e que por isso mesmo dirigem, orientam e gerem os seus destinos, os seus bens, o seu pessoal e as suas finanças” e que, por isso, são “entes independentes” (Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, I, 2ª ed., pág. 400). É esta autonomia que leva a que o seu regime, ressalvado o que for incompatível com o carácter público de tais entidades, se “tem de reconduzir ao das associações de direito privado” (autor e ob. cits., pág. 409).
A AAM é, efectivamente, uma “associação pública” (art. 3º do Estatuto do Advogado”) e, enquanto tal, uma “pessoa colectiva pública” (art. 27º, nº1, do cit. Estatuto), embora “representativa dos licenciados em Direito que exercem a advocacia em Macau” (art. 3º, do Estatuto do Advogado e 1º, nº1, dos Estatutos da Associação). Isto é, apesar de pública, ainda assim não deixa de ser uma associação de entes privados1.
Bastará essa natureza de pessoa colectiva pública para a incluir na isenção de custas?
O problema é, antes de mais nada, de integração eventual da alínea e) citada, que isenta de custas “As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa”. Aparentemente, este normativo não se aplica à AAM visto que, sendo ela já uma associação pública, não carecerá que lhe seja reconhecida utilidade pública administrativa, o que até se pode colher, efectivamente, do art. 1º da Lei nº 11/96/M, de 12/08.
Partindo deste pressuposto, concedemos que a alínea e) não pode ser invocada para, com base nela, se afastar a isenção2.
E integrará a previsão da alínea b)?
Vejamos.
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3.2 - As reclamantes classificam a AAM como entidade integrada na Administração da RAEM através da Administração indirecta, como forma de a incluírem no âmbito da previsão do art, 1º, nº1, al. b), do RCT.3
Não cremos que tenha razão.
A tese de administração indirecta, se já foi seguida em tempos pelo ilustre administrativista acima citado, foi por si mesmo abandonada e agora ele mesmo já não tem dúvidas de que as associações públicas profissionais pertencem à administração autónoma não territorial, mas associativa (autor e ob. cit., pág. 413-414; neste sentido, também Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, I, Lisboa, 1999, pp. 307 e sgs,, 319 311 ss.; João Caupers, em Introdução ao Direito Administrativo, Âncora Editora, 7ª ed., págs. 99 e 194 e tb. Direito Administrativo I – guia de estudo, 4ª ed., Lisboa, 1999, pág. 266 e 292 e sgs.; Nuno J. Vasconcelos Albuquerque Sousa, Noções de Direito Administrativo, Coimbra Editora, 2011, pág. 274).
As associações públicas profissionais ou ordens profissionais são associações públicas de natureza privada, sendo rejeitada a opção de a sua regulação ser realizada por esquemas inseridos na Administração Indirecta do Estado (Jorge Bacelar Gouveia, As Associações Públicas Profissionais no Direito Português, pág. 10-11 e 13)4.
Efectivamente, não é apenas o facto de ser dotada de personalidade jurídica que faz da AAM um ente da Administração indirecta.
As entidades incluídas na Administração indirecta estão sujeitas à superintendência e tutela do Governo. Ora, isso não acontece em relação à AAM, que não depende nem directa, nem indirectamente do Governo (nem tutela, nem superintendência este exerce sobre aquela). Isso, aliás, resulta tanto do art. 1º, nº2, dos Estatutos da Associação, que sublinham essa autonomia de uma maneira muito marcante, quando afirma que a AAM não está sujeita a poderes de orientação do Governo, sendo independente e autónoma na prossecução dos seus objectivos, como do art. 27º, nº2 do Estatuto dos Advogados, que de uma forma também particularmente impressiva e eloquente assinalam que a AAM, além de autónoma, é uma entidade “livre”.
É verdade. A AAM é inteiramente autónoma (José Eduardo Figueiredo Dias, Manual de Formação de Direito Administrativo de Macau, 1ª reimpressão, págs. 58-61; L. Ribeiro e C. Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, pág. 168).
Daí que não possa ser integrada, a título nenhum, no quadro da administração indirecta. Isso mesmo, de resto, se pode constatar a partir da leitura, não só da Lei de Bases da Orgânica do Governo (Lei nº 2/1999), como do Regulamento Administrativo nº 6/1999, diplomas dos quais resulta que a AAM não faz parte do elenco das entidades que dependam directa, indirecta ou tutelarmente do Governo (seja do Chefe do Executivo, seja de qualquer dos seus Secretários, especificamente do da Administração e Justiça).
Portanto, dados os fundamentos da sua criação e os objectivos que prossegue, não se pode dizer que seja uma pessoa colectiva administrativa ou pessoa colectiva da Administração. É uma pessoa colectiva pública, sim, mas de carácter profissional e associativo, mas não administrativa no seu sentido estrito.
Cremos, por isso, que a sua situação não cabe na previsão da referida alínea b): Não é um serviço da Administração da RAEM, nem é um seu organismo personalizado. Quando a disposição fala em “seus organismos, ainda que personalizado”, está a referir-se aos entes que povoam a Administração, mesmo que disponham de personalidade jurídica e detenham autonomia administrativa e financeira, como sucede, por exemplo, com a Direcção dos Serviços de Saúde, que pertence à Administração Indirecta, como se sabe.
Estamos convencidos, pois, de que a sua situação não se enquadra no âmbito da alínea b), do art. 2º do RCJ.
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3.3 - Em Portugal, por exemplo, e face a norma congénere (cfr. art. 2º, nº1, al. a), do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo DL nº 224-A/96, de 26 de Novembro5, a jurisprudência defendeu que a isenção do Estado não abrange as associações públicas, designadamente as de escopo profissional (Ac. do STA, de 28/03/1995, proc. nº 036346).
Portanto, se a AAM não goza de isenção de custas com base no regime legal das custas (RCT), só em diploma avulso dela pode vir a gozar. Se não há norma, haverá que criá-la6.
Em suma, se a AAM não cabe directamente no âmbito de previsão da alínea b) citada, cumprirá à Associação dos Advogados de Macau diligenciar pela feitura de uma norma especial que a isente de custas, tal como aconteceu com os Estatutos da Ordem dos Advogados em Portugal, aprovados pelo DL nº 84/84, onde fez constar no art. 151º, nº2, essa isenção. Isto é, o facto de o RCJ não a isentar de custas não obsta a que a isenção venha ser incluída em diploma avulso.
Neste momento, o que somos levados a pensar é que tal isenção subjectiva não existe no RCT, nos Estatutos da AAM, nem em outro qualquer diploma.
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3.4 - A Direcção da Associação dos Advogados de Macau e o Conselho Superior de Advocacia trazem-nos ainda um elemento de ponderação curioso e interessante e que não deixa de ter a sua lógica. Apontam-nos o seguinte: Que sentido tem a AAM pagar custas se, ao abrigo do art. 36º, nº1, al. c), do Estatuto do Advogado7 tem a AAM direito a participação nas custas judiciais e no imposto de justiça?
A noção que subjaz a este argumento é a de chamar a atenção para o eventual contra-senso que representaria conferir à AAM uma participação em custas, se logo a seguir se lhe iria exigir que pagasse as suas próprias custas em processos judiciais em que interviesse.
Se pensarmos bem, no entanto, este argumento não pode ser decisivo.
Basta pensar que, numa comparação um tanto bizarra, mas que esperamos compreensível, a necessidade de custas pela AAM se equivaleria à lógica comercial que preside à necessidade de o sócio pagar a sua própria refeição e a dos seus familiares no restaurante que, em sociedade, explora com outro profissional do ramo, embora se saiba que no final do ano se fará a distribuição dos lucros por ambos (o que, necessariamente, já inclui a margem de ganho que resulta do pagamento daquelas refeições). Razões de rigor de gastos, igualdade e transparência comercial e fiscal justificam que assim ajam os sócios.
Ainda assim, mesmo que simplesmente colateral, estudemos rapidamente esta questão.
De acordo com o DL nº 46/93/M, de 6/09, e com o objectivo de concretizar o art. 36º, nº 2 do Estatuto do Advogado, a AAM tem direito a participar nas custas judiciais e nas receitas emolumentares arrecadadas pelos serviços de registo e de notariado (art. 1º, nº1). Essa participação é igual a 370 vezes o vencimento correspondente ao índice da tabela indiciária aplicável à função pública.
Todavia, não existe presentemente diploma algum que obrigue a uma transferência específica para a AAM a título de participação em custas judiciais, embora se saiba que o Cofre de Justiça e dos Registos e Notariado, ou simplesmente Cofre, efectua anualmente a transferência para a AAM de uma verba que sai do seu orçamento.
Repare-se:
. Com o DL nº 64/93/M, de 22 de Novembro (atribuições, competências e funcionamento do Cofre) ficou consignado que seria encargo do Cofre uma verba para a AAM resultante da sua participação nas custas judiciais e nas receitas emolumentares registrais e notariais (art.8º, al. o));
. Com o DL nº 51/95/M, de 25 de Setembro (alteração do DL nº 64/93/M) manteve-se que o encargo do Cofre para a AAM a título de participação nas custas judiciais e nas receitas emolumentares registrais e notariais (nova redacção dada ao art. 8º, al. r) do DL nº 64/93/M);
. Com o Regulamento Administrativo nº 10/2003 (Regulamento do Cofre dos Assuntos de Justiça, que revogou o DL nº 64/93/M e o DL nº 51/95/M) ficou definido que constituiria encargo do Cofre o montante das receitas da AAM resultante da sua participação nas “receitas emolumentares registrais e notariais” (art. 10º, nº1, al. 7)).
Ou seja, com o Regulamento nº 10/2003 desapareceu o encargo do Cofre de transferir qualquer verba para a AAM a título de participação em custas, apenas se mantendo o envio de verba (aquela que resulta da aplicação do art. 1º, nº1, DL nº 64/93/M) mas enquanto participação nas receitas emolumentares registrais e notariais.
. Com o Regulamento Administrativo nº 30/2015 (que altera o RA nº 10/2003) manteve-se no art. 10º, al. 6) o encargo anteriormente referido na alínea 7).
Quer isto dizer que a AAM recebe anualmente uma verba do Cofre a título de participação em emolumentos registrais e notariais, mas já não em custas (pelo menos assim está inscrito nos Regulamentos acabados de referir).
E isto até está em sintonia com o próprio Orçamento do Gabinete do Tribunal de Última Instância. Com efeito, se é verdade que constituem receitas do Gabinete as custas cobradas nos tribunais (art. 18º, al. 4), do Regulamento Administrativo nº 19/2000: Organização e Funcionamento do Gabinete do Presidente do TUI), a verdade é que não existe neste momento qualquer obrigação normativa (assim não está expressamente previsto) que lhe determine o encargo de transferir para nenhuma entidade ou pessoa colectiva qualquer verba a participação em custas e taxa de justiça.
Vejamos, agora, muito sucintamente, como as coisas se passam na prática:
Aplicando o factor multiplicativo referido no art. 1º, nº1, do DL nº 46/93/M pelo índice 100 é encontrada a verba que anualmente é transferida para a AAM.
Em relação, por exemplo, ao ano de 2018, a Lei nº 16/2017 (Lei do Orçamento para 2018) consagrou à AAM, via Cofre dos Serviços de Justiça, a verba de 3.145.000,00, o que corresponde exactamente ao resultado do factor 370 pelo valor do índice 100 (8.500).
Enfim, se não se pode dizer que actualmente a AAM beneficie de qualquer verba do Orçamento do Cofre a título de participação em custas (pese embora a letra do art. 1º, nº1, do DL nº 46/93/M8), a verdade é que para a Associação isso acaba por não ter qualquer relevância negativa, já que para si o que importa é o resultado da aplicação do factor multiplicativo 370 pelo índice salarial vigente em cada ano económico e o consequente montante que daí resulta a título de receita.
De qualquer maneira, e voltando ao início, mesmo que nesta análise acabada de fazer nos tenha escapado algum dado, somos a pensar que o argumento trazido pela AAM e CSA não nos parece de capital importância para efeito da dilucidação da questão central, que é a de saber se a AAM está, ou não, isenta de custas.
E para nós, pelo que se disse, não está.
Assim, ambas as contestantes terão que efectuar o preparo inicial correspondente às respectivas contestações.
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B – DO RECURSO
Pressupostos processuais
1 - O tribunal é absolutamente competente.
Não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.
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2 - Das excepções suscitadas
Vem invocada matéria exceptiva que pode obstar ao conhecimento de mérito. Importa, por isso, que a conheçamos.
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2.1 - Antes, porém, de se conhecer das excepções, fixemos a matéria de facto essencial respeitante ao recurso:
1 – O recorrente, B, advogado inscrito na Associação dos Advogados de Macau, foi condenado criminalmente por acórdão do TSI, de 14/07/2016, na pena de um ano e seis meses de prisão, que, porém, foi suspensa na sua execução por um período de 2 anos.
2 – Na sequência de um procedimento disciplinar (nº 22/2010/CSA), o Conselho Superior de Advocacia da AAM, em 6/07/2017, aplicou ao recorrente, a pena de suspensão do exercício da advocacia pelo período de 2 anos, suspensa, porém, na sua execução por um período de 3 anos.
3 – Desse acórdão o recorrente, que foi notificado por ofício de 7/07/2017 (fls. 1278 do p.a. apenso, vol. IV), não reclamou, nem recorreu.
4 – Dele, contudo, foi interposto recurso contencioso pela AAM para o TSI, onde neste momento (Junho de 2019) ainda pendem sob o nº 776/2017.
5 – Do referido acórdão do CSA foi também apresentada reclamação pela Associação dos Advogados de Macau, pugnando pela aplicação de uma pena mais severa do que a de suspensão do exercício de 2 anos e pela não suspensão da execução da pena.
6 – Em 27/07/2017, o CSA apreciou a reclamação referida no ponto anterior, tendo deliberado manter o acórdão anterior de 6/07/2017 mencionado no ponto 2 supra.
7 – É desta deliberação que vem interposto o presente recurso contencioso pelo advogado B.
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2.2 - Da irrecorribilidade
Na sua contestação, a entidade contestante (CSA) suscita a inimpugnabilidade da deliberação do CSA de 27/07/2017, em virtude do seu carácter alegadamente confirmativo da deliberação de 6/07/2017, tal como o defendeu igualmente a AAM na sua contestação de fls. 161, e o opinou também o digno Magistrado do MP no seu parecer de fls. 97, que reiterou a fls. 274.
Apreciando.
Quando em direito administrativo se fala em confirmatividade, está pressuposta no conceito a existência de um acto administrativo praticado no âmbito de uma impugnação administrativa (procedimento de 2º grau), em sede de uma impugnação necessária e de reexame, que nada de substantivo acrescenta a outro anterior praticado no termo do procedimento de 1º grau, o qual, por isso mesmo, aquele mantém e reitera.
No entanto, tal noção, na doutrina e na jurisprudência, desdobra-se em confirmatividade “tout court”, por um lado, e mera confirmatividade, por outro, sendo que neste segundo caso o acto é tomado no âmbito de uma impugnação administrativa facultativa e de revisão. A consequência processual da diferença entre as duas está no facto de o acto simplesmente confirmativo ser definitivo e recorrível contenciosamente por ser praticado em impugnação administrativa necessária, ao passo que o acto meramente confirmativo não é contenciosamente recorrível, em virtude de não ser definitivo, pela simples razão de o acto praticado no procedimento de 1º grau já ser, ele sim, definitivo e, por conseguinte, recorrível contenciosamente.
Subsiste ainda uma outra ideia que, em geral, anda associada a esta temática do “acto meramente confirmativo”. É esta: a confirmatividade implica que se esteja perante um acto secundário praticado em procedimento de 2º grau, como se disse, mas em reacção desencadeada pelo mesmo administrado inconformado com decisão de 1º grau. Ou seja, tanto a decisão de 1º grau, como a de 2º grau têm que ter o mesmo destinatário. E precisamente neste ponto que se fala na necessidade de identidade de sujeitos e que tem sido considerado pela doutrina como um requisito da mera confirmatividade (Freitas do Amaral, Direito Administrativo, III, 1989, págs. 232-233).
É esta, de resto, a posição da jurisprudência comparada, quando pugna que “só se verifica uma situação de confirmatividade entre actos administrativos que apresentem objecto e conteúdo idênticos e dirigindo-se ao mesmo destinatário, limitando-se a repetir a mesma decisão, perante o mesmo condicionalismo, de facto e de direito (sem pois que o reexame dos pressupostos decorra da revisão imposta por lei), existindo assim perfeita identidade entre os mesmos, de modo que, o segundo acto se limita a repetir o anterior, utilizando a mesma fundamentação, sem nada inovar na ordem jurídica, caso em que não apresenta, em princípio, lesividade autónoma e, consequentemente, não será contenciosamente recorrível» (destaque nosso)9.
Ora, aqui, a decisão impugnada contenciosamente foi tomada no âmbito de uma reclamação, que, além de não ser necessária - já que das normas especiais constantes dos arts. 15º e 16º do RICSA (Regulamento Interno do Conselho Superior de Advocacia), 44º, nº3, do CDA (Código Disciplinar do Advogado) e 10º, nºs 1 a 3 do EA (Estatuto do Advogado) resulta que das deliberações do Conselho Superior de Advocacia que punam disciplinarmente os advogados cabe reclamação administrativa ou recurso contencioso directo, deixando ao interessado a escolha do meio a utilizar10 - também não foi instaurada pelo ora recorrente, mas sim pela AAM.
Temos então para nós que a deliberação de 27/07/2017 só podia ser meramente confirmativa em relação à AAM (nesse sentido, a Associação não disporia de recurso contencioso dessa deliberação, mas nem isso sequer aqui está em causa), não em relação ao interessado/ora recorrente. Quando muito, em relação a este seria simplesmente confirmativa. Só que se o afirmássemos claramente, e se ao termo conferíssemos a conotação jurídica que na RAEM ainda anda associada ao plano da recorribilidade contenciosa e/ou definitividade dos actos administrativos, isso equivaleria a dizer que o acto em apreço poderia ser objecto de recurso contencioso por parte do aqui interessado, Dr. B. E tal, como se verá adiante, não é possível.
Claro que também não podemos aceitar a alegação feita pelo recorrente (em resposta à matéria exceptiva invocada pela entidade recorrida na sua contestação) de que o art. 44º, nº3 do Código Disciplinar permite sempre o recurso contencioso de todas as deliberações do Conselho Superior de Advocacia. Isso não decorre do nº 3; quando ele afirma que cabe recurso da deliberação do Conselho está a referir-se, obviamente, à deliberação que for tomada no âmbito de reclamação pelo próprio arguido, que não tenha preferido recorrer contenciosamente da deliberação punitiva (pois, como já se disse, dela se pode recorrer imediatamente para o tribunal).
O problema da (i)rrecorribilidade não estará, portanto, na natureza confirmativa do acto sindicado contenciosamente, que não tem, mas em outra circunstância. Dela trataremos de seguida.
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2.3 - Da falta de interesse processual
Na mesma contestação, o CSA advoga que o acto impugnado não é lesivo para o recorrente, pelo que se está em presença de uma situação de falta de interesse processual.
Por si só, não é lesivo; efectivamente, isso é certo.
Com efeito, o acto em exame, rigorosamente nada acrescenta à deliberação de 6/07/2017, que, aliás, se limita a reiterar. Diferente seria se esta segunda deliberação, tomada na sequência de reclamação apresentada pela AAM, trouxesse algum novo fundamento, alguma carga dispositiva nova, própria e específica que atentasse contra os interesses do douto advogado, ou alterasse a sua esfera jurídica mais do que ela já estava por causa da deliberação reclamada, enfim, se ultrapassasse os limites materiais do acto anterior. Mas isso não chegou a acontecer!
Esta deliberação deixou inalterada a esfera do recorrente, limitando-se a reproduzir e manter na ordem jurídica a deliberação reclamada.
Sendo assim, estamos em presença de uma deliberação que não apresenta lesividade própria em relação ao recorrente. A lesão radica na deliberação de 6/07/2017, da qual não foi interposto recurso contencioso por parte do mesmo aqui recorrente, embora dela tenha sido interposto recurso pela AAM. Mas, o facto de ter sido interposto pela AAM não estende os seus efeitos à esfera do principal destinatário do acto, o ora recorrente. Isto é o mesmo que dizer que a definitividade do acto incide a sua eficácia individual dispositiva sobre cada um dos interessados em presença; vale dizer, se o acto se tiver tornado firme e inatacável por parte do ora recorrente, por não o ter impugnado, não readquire a sua recorribilidade apenas pelo facto de outro eventual interessado (no caso, a AAM) o ter impugnado.
Ora, isto pode configurar, numa certa perspectiva, uma falta de interesse processual, nos termos do art. 72º, do CPC, associada ao facto de o recorrente ter deixado que o acto anterior de 6/07/2017, para si, se tornasse caso decidido, análogo ao caso julgado em direito processual civil.
E, para este efeito, é despiciendo ao caso que a AAM tenha querido agravar a pena imposta ao recorrente. Tudo não passou de uma tentativa, que manifestou na dita reclamação para o CSA. A verdade é que essa tentativa não foi bem sucedida, razão pela qual foi mantida a pena anteriormente aplicada e indeferida a reclamação. Não se percebe, por isso, a justificação que sobre o assunto o recorrente apresenta para ilustrar o alegado interesse em agir na sua resposta à contestação.
O recorrente chama à colação o aresto do TSI, de 26/03/2015, Proc. nº 292/2014, como modo de contrariar a posição do MP. Todavia, a situação material do aresto citado é diferente daquela que aqui se discute. Com efeito, enquanto naqueles o mesmo interessado recorreu contenciosamente e reclamou administrativamente, no presente o interessado não reclamou da decisão punitiva, nem recorreu contenciosamente, e quem reclamou da decisão disciplinar para o CSA foi outra pessoa, no caso, a AAM, sendo da respectiva deliberação que ora vem interposto o presente recurso contencioso pelo aqui recorrente.
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2.4 - Da ilegitimidade activa
Mas ao advogar que o acto não é lesivo para o recorrente, o CSA contestante está também a suscitar a falta de legitimidade activa, mesmo que assim não qualifique expressamente a excepção.
Ilegitimidade activa que do mesmo modo, então expressamente, foi suscitada pela “contra-interessada” AAM na sua contestação de fls. 161 e sgs. e pelo digno Magistrado do MP, a fls. 274 e vº.
Ora, é por qualquer acto sindicado ser lesivo que o art. 33º, al. a), do CPC impõe que o recorrente demonstre estar lesado no seu direito ou interesse legalmente protegido “pelo acto recorrido”. A lesão continua a ser o principal “leit motiv” que abre as portas ao recurso contencioso ao administrado “lesado”. Na falta dessa lesão, o recorrente deve alegar e demonstrar um interesse directo pessoal e legítimo no provimento do recurso (al. a), parte, do cit. art. 33º). Mas, sinceramente não vemos que o recorrente tenha sido capaz de alegar e revelar uma trilogia de interesses diferente, e autonomamente relevante, da invocada no Proc. nº 776/2017.
Seja, então, pela falta de interesse processual ou pela ilegitimidade activa, o mérito do recurso não pode ser apreciado.
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2.5 - Da extemporaneidade
O digno Magistrado do MP, a fls. 97 vº, invocou a extemporaneidade da petição inicial e, em razão disso, a caducidade do direito de recorrer, face ao prazo do art. 44º do Código Disciplinar dos Advogados.
Em sua opinião, tendo a deliberação impugnada sido tomada em 27/07/2017, estaria ultrapassado o prazo previsto no art. 25º, nº2, al. a), do CPAC, do recurso contencioso, apenas interposto em Julho de 2018.
Com o devido respeito, não subscrevemos esta posição.
Realmente, a deliberação que vem impugnada, datada de 27/07/2017, não foi notificada ao recorrente, tal como referido pelo CSA a fls. 279, visto que o seu destinatário era apenas a AAM, que havia reclamado da deliberação de 6/07/2017 que sancionara disciplinarmente o recorrente com a pena de suspensão do exercício da advocacia por dois anos, por considerar que lhe devia ser aplicada sanção mais severa.
Ora, sendo assim, temos que confiar na palavra do recorrente, quando diz que apenas teve conhecimento do teor desta deliberação de 27/07/2017 na sequência da notificação efectuada em 6/07/2018 no Proc. nº 776/2017 (recurso contencioso de anulação da deliberação da AAM de 6/07/2017).
Sendo esta matéria exceptiva (com o sabido ónus probatório que resulta do art. 335º do CC e 407º, nº2, al. b), do CPC), e não estando demonstrado ter o recorrente sido notificado antes da data por si indicada, cremos que, face ao art. 321º do CC, não se pode dizer que o prazo para o exercício do direito de recorrer (cfr. art. 25º do CPAC) tivesse começado a correr antes da data indicada e que a petição inicial apresentada no dia 16/07/2018 fosse extemporânea.
Razão pela qual se haverá de concluir não ocorrer no caso em presença a caducidade do direito ao recurso.
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2.6 - Da ilegalidade das deliberações referidas no art. 3º da petição.
Acha o recorrente que a análise da ilegalidade da deliberação de 27/07/2018 implica a análise das deliberações da Direcção da AAM de:
- 12/07/2017 (que decidiu reclamar do acórdão do CSA de 6/07/2017);
- 24/07/2017 (reclamação contra o supra aludido acórdão do CSA);
- de 26/07/2017 (que decidiu recorrer do acórdão que viesse a ser proferido pelo CSA no âmbito do processo disciplinar nº 22/2010/CSA).
Mas, o facto é que eventuais ilegalidades de que estas deliberações padecessem não podem ser aqui apreciadas. Por duas razões:
Primeiro, porque escapam ao âmbito do objecto da impugnação contenciosa com que nos confrontamos. Repare-se: as duas primeiras têm a ver com a própria reclamação que veio a ser decidida pela deliberação ora impugnada; e a terceira é, numa antecipação, a manifestação de um propósito de recorrer contenciosamente da eventual deliberação que viesse a recair sobre a reclamação apresentada.
Segundo, porque se o recorrente, se não tem interesse em agir, nem legitimidade, nos termos já enunciados em relação ao recurso do acto de 27/07/2018, menos os tem em relação a estas deliberações, nem sequer a título incidental.
Face, então, à conclusão acima obtida, sempre fica prejudicada a análise, mesmo que colateral, das eventuais vicissitudes de tais deliberações.
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III – DECIDINDO
Face ao exposto, acordam em:
1 – Julgar improcedentes as reclamações para a conferência (a propósito da invocada a isenção subjectiva de custas por parte das reclamantes e da necessidade de pagamento de preparo inicial).
Custas pelas reclamantes, com taxa de justiça em 4UC (art. 87º e 89º, nº1, do RCT).
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2 – Julgar procedentes as excepções acima referidas (B-2.3 e B.2-4), em consequência do que absolvem a entidade recorrida e a contra-interessada da instância.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 8 UCs.
T.S.I., 13 de Junho de 2019
(Relator) José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
Mai Man Ieng
1 Lino Ribeiro e C. Pinho, Código de Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado, pág. 172.
2 Nesta medida, o relator afasta-se do entendimento que vinha seguindo ultimamente sobre o assunto.
3 Que reza que goza de isenção de custas “O Território, incluindo os seus serviços e organismos ainda que personalizados.
4 https://portal.oa.pt/media/117223/jbg_ma_14420.pdf
5 Que dizia que estava isento de custas “O Estado, incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados”.
6 Faz todo o sentido que se crie, para que, por exemplo, se não criem limitações nem constrangimentos financeiros a uma intervenção jurídico/processual/judicial no âmbito da sua missão disciplinar junto dos seus associados.
7 Quando nos parece que essa matéria deveria antes fazer parte dos Estatutos da Associação.
8 Não vale a pena aqui estudar o caso pela eventualidade de o Regulamento atentar contra o DL, que precisamente deveria respeitar.
9 Na RAEM, v.g., Ac. do TUI, de 6/06/2012, Proc. nº 15/2012; do TSI, de 17/09/2014, Proc. nº 540/2013.
Em direito comparado, v.g, Ac. do STA de 19-06-2007, Proc. nº 997/06, Acs. STA/Pleno de 18/03/1999, Proc. nº 32209, de 19/12/2001, Proc. nº. 42143, de 26.09.02, Proc. nº 195/02, de 18.12.2002, Proc. nº 48366, de 01.02.2005, Proc. nº 971/04, de 11.10.06, Proc. nº 614/06, e de 12.04.07, Proc. nº 1218/06.
10 Neste sentido, ver Ac. do TSI, de 26/03/2015, Proc. nº 292/2014
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Rec. Cont. nº 690/2018 4