Processo nº 490/2019 Data: 06.06.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Acidente de viação.
Culpa.
Sinal amarelo.
Passadeira para peões.
Inibição de condução.
Indemnização civil.
Arbitramento oficioso.
SUMÁRIO
1. Atento o estatuído no art. 37°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 – onde se prescreve que “Ao aproximar-se de uma passagem para peões sinalizada, junto da qual o trânsito de veículos e de peões, ou só o primeiro, está regulado por sinalização luminosa ou por agente, o condutor deve, mesmo que autorizado a avançar, deixar passar os peões que já tenham iniciado o atravessamento da faixa de rodagem” – e provado estando que o acidente se deu porque o arguido conduziu o seu motociclo “não respeitando o sinal amarelo” e que colheu o ofendido quando este (já) se encontrava em plena “passagem para peões” – e ainda que com o sinal vermelho, mas tendo já iniciado a sua marcha e dado vários passos – impõe-se concluir que teve culpa no acidente.
2. Uma “situação mais conveniente e/ou económica”, (desde que suportável), não constitui “motivo atendível” para efeitos de suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução.
3. No âmbito do “arbitramento oficioso”, em causa não está a competência do Tribunal no que toca ao quantum da indemnização.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 490/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M. e art. 93°, n°s 1, 2 e 3 e 94°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos e 6 meses, e na pena acessória de inibição de condução por 9 meses, assim como no pagamento de MOP$40.000,00 de indemnização ao ofendido dos autos; (cfr., fls. 284 a 293-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Em sede da sua motivação, produziu as conclusões seguintes:
“I. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão, proferido pelo Tribunal Singular nos vertentes autos, que condenou o Arguido, ora Recorrente, um crime de ofensa grave à integridade física por negligência p.p pelo art.° 142, n.° 1 do Código Penal, conjugado com art.° 93°, n.° 1, 2, 3, ali. 1) e art.° 94°, ali. 1), na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução em 2 anos e 6 meses; foi ainda condenado na inibição de condução durante 9 meses; e o Arguido tem de pagar ao Ofendido MOP$40.000.00 de indemnização.
II. Pretende o Recorrente nos presentes autos de processo singular, colocar em crise a decisão penal que o tinha condenado referente à culpa na produção do acidente melhor descrito nos autos.
III. Relativamente à responsabilidade na produção do acidente, discorda o Recorrente da decisão do Tribunal a quo a condenar o arguido na responsabilidade na produção do acidente dos autos.
IV. Tendo em conta os factos dados como provados e a convicção do Tribunal a quo o Recorrente, vem invocar no presente recurso o erro na aplicação do direito, que, na sua óptica, inquina a decisão proferida pelo douto Tribunal Singular a quo, não pretende apresentar apenas uma simples discordância relativamente à interpretação dos factos feita por aquele douto Tribunal Colectivo, tendo bem presente o dispositivo do art. 114° do Código de Processo Penal, e a natureza insindicável da livre convicção relativamente à apreciação da prova efectuada pelo Tribunal recorrido, e que o vício apontado à decisão recorrida resulta dos próprios elementos constantes dos autos, por si só ou com recurso às regras da experiência comum.
V. Conforme se pode constactar através dos factos dados por provados, quer através das imagens que se teve oportunidade de visionar no julgamento, o condutor ao chegar perto da passagem para peões moderou a sua velocidade cumprindo assim o preceito do art.° 32, n.° 1, alínea 1) da Lei de Trânsito Rodoviário (doravante LTR), além disso era uma curva para a esquerda de 90 graus, era impossível não moderar a velocidade, como também não violou o preceito do art.° 37, n.° 1 do mesmo preceito legal, esse do qual vem acusado de ter violado, e a quando do embate, o seu veículo estava praticamente parado, vindo a ficar imobilizado imediatamente ao embate ao ofendido, não existindo qualquer marcas de travagem brusca no asfalto, e verificando acesas as luzes do STOP (travagem) no seu veículo.
VI. Em relação à taxa de alcoolémia, também se pode constactar que não teve qualquer interferência no presente acidente, pois mesmo que não tivesse qualquer taxa de álcool, era muito provável que este acidente tivesse ocorrido na mesma, devido à improvisibilidade da acção do ofendido.
VII. Por outro lado, Verifica-se que o ofendido passou a via de forma repentina e inopinadamente, bem como m desatento aos veículos que circulavam na via, ignorando os outros peões que se encontravam parados no passeio, aguardar a passagem do sinal verde para poderem passarem a via em segurança e nos termos da lei.
VIII. No domínio da circulação rodoviária, há que referir um princípio fundamental desenvolvido pela Jurisprudência, denominado o princípio da confiança, o qual retira o desvalor da acção quando o agente tenha actuado, confiando que os outros tenham cumprido os seus deveres de cuidado, ou seja, uma pessoa pode legitimamente esperar que as outras pessoas tenham sucessivamente cumprido, os seus deveres de cuidado que lhes impunham, a eles próprios, um certo comportamento.
IX. Tal como o Tribunal de Segunda Instância já por diversas vezes teve oportunidade de se debruçar sobre este princípio, no que respeita a acidentes de viação, envolvendo, ou não, peões, como o fez no Processo n.° 339/2011, de 16 de Fevereiro de 2012, da seguinte forma, “No domínio da circulação rodoviária, há que referir um princípio fundamental desenvolvido pela jurisprudência, denominado “principio da confiança”, o qual retira o desvalor da acção quando o agente tenha actuado, confiando que os outros tenham cumprido os seus deveres de cuidado. Ou seja, uma pessoa pode legitimamente esperar que as outras pessoas tenham sucessivamente cumprido, os seus deveres de cuidado, que lhes impunham, a eles próprios, um certo comportamento. Se um condutor circular pela sua mão de trânsito, tem o direito de partir do princípio que o condutor que circula em sentido contrário também o faz. O condutor que vai na rua e vê um peão, para quem o sinal está vermelho, tem o direito de presumir que o peão não vai atravessar a rua, etc.”
X. Decorre do art.° 6, n.° 2, no art.° 68, n.° 2, alínea 1) e no art.° 70, n.° 1, 2 e 3, todos artigos da LTR, que os peões têm a obrigação de atravessar a faixa de rodagem de forma rápida e segura, tendo em conta a distância e a velocidade dos veículos que se aproximam, e obedecer às prescrições dos sinais, quando atravessa as passagens para peões equipadas com sinalização luminosas, enquanto ao condutor são impostos os deveres de moderar especialmente a velocidade na aproximação de passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de peões.
XI. Nas passagens para peões sinalizadas, junto das quais o trânsito está regulado por sinalização luminosa, aqueles que se encontrem autorizados a avançar (tanto os peões como os condutores dos veículos) têm normalmente a confiança em que a outra parte faça o que lhes compete, que é parar, e esperar para a mudança de sinal, deixando-os passar com preferência, pelo que se entende que é aos que devem parar que se impõem maiores obrigações de obedecer às regras de trânsito.
XII. No presente caso, o ofendido deveria obedecer às prescrições dos sinais, notando-se que na altura havia diversos peões a aguardar no passeio a passagem do sinal para verde a fim de poderem atravessar a estrada em segurança, tal como o ofendido, deveria ter feito, o atravessamento feito pelo ofendido foi de forma súbita e inopinada, em que não deixou qualquer tempo para o Recorrente poder reagir, de forma a poder imobilizar o veículo que conduzia antes de o embater e evitar o acidente que se discute nos presentes autos, não deixando qualquer dúvida que o ofendido foi o único responsável pelo acidente do qual o Recorrente foi condenado.
XIII. Por serem os factos constantes acima enunciados nesta Motivação de Recurso um conjunto de elementos de prova que imporia retirar-se dos mesmos, através de um processo racional e lógico, e por recurso às regras de experiência comum, a conclusão irrecusável de ter sido o ofendido o responsável pelo acidente, devendo ser a decisão ora em crise revogada pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância, e proferido douto Acórdão que determine a absolvição-do Recorrente na responsabilidade pela ocorrência do acidente.
XIV. Relativamente à inibição de condução, o Recorrente foi condenado em pena acessória à inibição de condução por um período de 9 meses.
XV. O Recorrente não concorda referente à sua responsabilização pela produção pelo presente acidente, também acha de forma injusta a pena que lhe foi atribuída através da inibição de condução, entende que foi excessiva a imputação da pena acessória, além de, caso venha a ser condenado em tal pena acessória, deveria ter sido suspensa na sua prática.
XVI. O Recorrente trabalha por conta própria, fazendo reparações e instalações elétricas, o seu veículo é essencial para ele poder desempenhar as suas funções profissionais, pois necessita diariamente de transportar vários materiais que não são permitidos serem transportados nos transportes públicos, nomeadamente as botijas de gás refrigerante para o Ar Condicionado, as lâmpadas florescentes tubulares (TLD) e também as botijas de gás butano para proceder às soldaduras, ficando assim impossibilitado de fazer o seu trabalho e ganha-pão diário.
XVII. A. Jurisprudência na maioria das vezes só coloca a hipótese de suspensão, nos termos do n.° 1 do art.° 109 da LTR, da execução da sanção de inibição de condução, quando o Arguido for um motorista profissional e tiver a sua subsistência a depender dessa profissão, no caso do Recorrente não é motorista profissional, mas a sua subsistência depende do desempenho das suas funções profissionais, e estando limitado a transportar certos materiais nos transportes públicos, fica em causa a sua subsistência
XVIII. Caso o Tribunal de Segunda Instância não concorde com os argumentos do Recorrente, relativamente à responsabilidade do acidente em causa, e que confirme a condenação ao Recorrente, relativamente à pena acessória de inibição de condução, venha a mesma a ser suspensa nos termos do art.° 109, n.° 1 da L TR, mesmo que essa suspensão seja limitada à viatura automóvel do Recorrente de matrícula MJ-**-** durante o período das 9.00 às 17.00 dos dias de semana, para que o Recorrente tenha forma de cuidar da sua subsistência e poder desempenhar a sua profissão.
XIX. Em relação à indemnização arbitrada oficiosamentem foi o Recorrente condenado a pagar ao ofendido título de indemnização o montante MOP$40,000.00.
XX. O Ofendido não fez no processo dos autos qualquer pedido de indemnização cível, No entanto o Tribunal a quo condenou o recorrente ao pagamento de indemnização cível ao ofendido nos termos do art.° 74 do Código de Processo Penal, (Arbitramento oficioso de Reparação), Atribuindo repartição de culpas na responsabilidade da produção do acidente, em que atribui 60% de culpa ao Ofendido e 40% ao Recorrente.
XXI. Foi apurado que o Ofendido recebia o salário de MOP$15,000.00 por mês e que esteve 2 meses de baixa, vindo atribuir um montante de MOP$30,000.00 a título de reparação oficiosa, e atribuiu também o montante de MOP$70,000.00 a título de dano não patrimonial, perfazendo um montante total de MOP$100.000,00, o que devido à repartição de culpa, em que o Recorrente foi responsável pelo acidente em 40%, foi o mesmo condenado no pagamento ao Ofendido no montante de MOP$40,000.00.
XXII. Salvo devido respeito, não pode o Arguido, ora Recorrente, concordar com tal decisão, por entender que a mesma nesta parte, se encontra ferida de uma nulidade insanável, prevista no art.° 106, alínea e) do Código de Processo Penal, conforme se passará a demonstrar.
XXIII. O legislador deixou em aberto, na aplicação do arbitramento oficioso da reparação, uma oportunidade para em casos excepcionais e rigorosamente demarcados na lei, garantir aos mais carenciados uma reparação pelos prejuízos sofridos, No entanto, quando o lesado deixou de proceder ao respectivo pedido (no processo crime ou em acção civil separada), porque não quis, não pôde ou porque se desleixou, não lhe é lícito beneficiar de qualquer arbitramento, o que foi o caso do presente ofendido, uma vez que até o Tribunal a quo lhe deu oportunidade de juntar aos autos até à 2.ª secção de julgamento, os recibos de despesas médicas para se poder proceder à respectiva reparação, e este não o fez, mostrando um total desprezo pela referida reparação.
XXIV. De acordo com o entendimento do presente Tribunal da Segunda Instância, no Acórdão n.° 51/2008 em 23.12.2008, “A luz do art.° 74, n.° 1, do CPP de Macau, não é de arbitrar oficiosamente a indemnização cível quando do julgamento feito em processo penal não tiver resultado prova suficiente de todos os pressupostos e do quantitativo de reparação a arbitrar segundo os critérios da lei civil.”
XXV. Relativamente ao arbitramento do dano não patrimonial, não se compreende onde o Tribunal a quo foi arranjar provas suficiente e o quantitativo para atribuir uma indemnização a este título, enquanto o arbitramento oficioso retrata de uma reparação, a indemnização não patrimonial retrata de uma compensação, no modesto entendimento do Recorrente, para que pudesse ser condenado no pagamento da indemnização não patrimonial, deveria existir um pedido de indemnização cível, para lhe dar oportunidade para chamar a parte civil a ser parte no processo, e que se possa fazer a referida prova suficiente para ser arbitrada a esse título.
XXVI. Além disso, tratando-se de um processo em curso é-lhe aplicável, quanto à competência do Tribunal, a Lei de Bases da Organização Judiciária (LBOJ), Lei n.° 9/1999, tal como modificada pelas Leis n.° 7/2004, n.° 9/2004 e 9/2009, já que as modificações introduzidas pela Lei n.° 4/2019 (com efeitos a partir de 3 de Abril de 2019) aos artigos 18.°, 21.° e 23.° não se aplicam aos processos instaurados antes da referida data (n.° 2 do artigo 16.° da Lei n.° 4/2019.
XXVII. No caso, havendo lugar a arbitramento oficioso de reparação, tal deverá significar (salvo irregularidade processual) que, nos termos do artigo 74.° do Código de Processo Penal: a) não foi deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em acção cível separada, nos termos dos artigos 60.° e 61.°; b) a reparação se impõe para uma protecção razoável dos interesses do lesado; c) o lesado a ela não se opôs; e d) do julgamento resultou prova suficiente dos pressupostos e do quantitativo da reparação a arbitrar, segundo os critérios da lei civil.
XXVIII. De facto, não tendo havido pedido de indemnização civil, não foi admitido o exercício conjunto da acção cível a que se refere a alínea 2) do art.° 23 da LBOJ, pelo que não há lugar à competência do tribunal colectivo para a acção penal, quanto a isto, não parece haver dúvidas, mas do mesmo modo, não pode haver dúvidas que houve que produzir prova em audiência de julgamento, quer dos pressupostos, quer do quantitativo de reparação, ou seja, houve que julgar uma questão de facto cujo montante se mostra superior ao da alçada da primeira instância.
XXIX. A lei não define expressamente quais os termos a que está submetida a apreciação da matéria de facto, significando isto que deverá haver lugar à aplicação por analogia do que se preceitua na alínea 2) do art.° 23 da LBOJ, mas somente quanto à questão de facto de que depende a possibilidade de arbitramento oficioso da reparação, ou seja, esta questão (na medida em que o montante dos danos, dados como provados, excede a alçada da primeira instância) é da competência do tribunal colectivo, não podendo ser julgada por tribunal singular.
XXX. Parece-nos que se trata de uma nulidade insanável relativamente à violação das regras de competência do tribunal, prevista na alínea e) do artigo 106.° do CPP, sendo o Recorrente absolvido do arbitramento oficioso da indemnização que foi condenado”; (cfr., fls. 331 a 357).
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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso é de rejeitar; (cfr., fls. 371 a 374-v).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Recorre B da sentença de 19 de Março de 2019, proferida no âmbito do processo comum singular CR4-18-0218-PCS, que, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência grosseira, o condenou na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 anos e 6 meses, na pena acessória de inibição de condução por um período de 9 meses, e no pagamento da quantia de MOP $40.000, arbitrada oficiosamente a favor do ofendido.
Na motivação e respectivas conclusões, sustenta o recorrente, em via principal, que a aplicação das normas estradais pertinentes ao caso impunha a sua absolvição, já que, à luz de tais normas, o único responsável pelo sinistro foi o próprio ofendido. Além disso, e para a hipótese de não vingar tal entendimento, deveria o tribunal ter decretado a suspensão da execução da pena acessória e não podia ter arbitrado indemnização ao ofendido, pois, além de não estarem preenchidos os pressupostos da reparação oficiosa, não foi produzida prova para caracterizar o dano não patrimonial e computar o seu quantitativo, nem podia o tribunal singular, por força da norma do artigo 23.°, n.° 6, alínea. 2), da Lei de Bases da Organização Judiciária, julgar matéria de facto relativa a valor superior à alçada dos tribunais de primeira instância.
Na resposta à motivação do recurso, pronunciou-se o Ministério Público em primeira instância no sentido de não assistir razão ao recorrente, dado o acerto da decisão recorrida.
Vejamos.
O primeiro e principal fundamento do recurso (falta de responsabilidade do recorrente na produção do acidente, que, na sua óptica, deveria ser atribuída por inteiro ao ofendido) labora num equívoco evidente.
Ficou provado que o recorrente não respeitou o sinal amarelo de transição do sinal verde para o vermelho. E a argumentação do recorrente assenta no pressuposto, errado, de que podia passar com esse sinal amarelo. Mas tal não é exacto. Conforme artigo 12.° do Regulamento do Trânsito Rodoviário, a activação deste sinal amarelo proíbe a entrada de veículos na zona regulada pelo sinal, a menos que, pela sua proximidade, a paragem não possa efectivar-se em condições de segurança. Assim, quando, a cerca de 10 metros da sinalização, o recorrente se deparou com o sinal amarelo de transição do verde para o vermelho, tinha a estrita obrigação de parar, não podendo avançar, como fez, na tentativa de passar antes da abertura do sinal vermelho.
Nenhuma razão lhe assiste, pois, na análise normativa que faz na tentativa de se desresponsabilizar do acidente.
Improcede este fundamento do recurso.
Quanto à pretendida suspensão da execução da pena acessória, o recorrente argumenta ter ficado provado que trabalha por conta própria, dedicando-se a reparações e instalações eléctricas, para a partir daí sustentar a indispensabilidade do uso e condução de veículo automóvel para assegurar o seu ganha-pão.
Também não se crê que lhe assista razão neste ponto.
É certo que a maioria, se não mesmo a totalidade, dos casos de suspensão da execução deste tipo de penas acessórias surge associada a razões de preservação do rendimento do trabalho exclusivamente dependente da condução de veículos. Mas, face à matéria que, nesta sede, ficou provada – apenas se provou que o arguido ée1ectricista – nenhuma razão de índole profissional se perfila susceptível de integrar o conceito indeterminado “motivos atendíveis” utilizado, na norma do artigo 109.°, n.° 1, da Lei do Trânsito Rodoviário. Nada habilita, com efeito, à conclusão de que o recorrente trabalha por conta própria e que, no exercício da sua profissão, tem imperiosamente de usar e conduzir veículos automóveis, sob pena de não poder exercer a profissão e prover ao seu sustento.
Improcede igualmente este fundamento do recurso.
Finalmente, o recorrente verbera a decisão relativa à reparação arbitrada oficiosamente ao ofendido.
Não creio que faleçam os pressupostos da reparação oficiosa. É evidente que não foi deduzido pedido de indemnização civil na acção penal e também nada se apurou no sentido de haver sido intentada acção cível em separado; também não houve oposição do ofendido, que, bem pelo contrário, solicitou que lhe fosse fixada uma reparação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais; sem o arbitramento oficioso era altamente provável que o ofendido não lograsse ver-se ressarcido da essencialidade dos danos, pois não lançara mão de qualquer outro pedido, nem despoletara qualquer outro procedimento; e do julgamento foi possível recolher os elementos indispensáveis para fixação do quantum reparatório segundo os ditâmes da lei civil.
Também não se afigura que não tenha sido produzida prova para caracterizar o dano não patrimonial e computar o seu quantitativo. Não se tratou da prova exuberante e rigorosa que geralmente anda associada às acções de indemnização civil, mas, mesmo assim, foi produzida prova bastante, perante a qual o arguido foi confrontado e pôde exercitar o contraditório. As dores inerentes às ofensas corporais, que demandaram um período de inactividade de dois meses, e que, em 18 de Fevereiro de 2017, volvidos mais de três meses e meio sobre o acidente, ainda perduravam no joelho e no quadril direito, bem como as tonturas que ainda ocorriam nesta data, configuravam danos não patrimoniais de gravidade suficiente para convocar a tutela do direito, não havendo censura a dirigir ao montante fixado a esse título.
Por fim, também não se afigura procedente o argumento da nulidade por falta de intervenção do tribunal colectivo.
Desde logo, porque a norma do artigo 23.°, n.° 6, alínea 2), da Lei de Bases da Organização Judiciária, refere-se a acções penais em que tenha sido enxertada a acção civil de indemnização, o que, evidentemente, não é o caso. Depois, porque, na tese do recorrente, sempre que no decurso do julgamento com tribunal singular se apurasse que a reparação a arbitrar excedia a alçada dos tribunais de primeira instância, ou não se podia arbitrar reparação, ou o julgamento tinha que ser anulado para fazer intervir ab initio o tribunal colectivo, o que, em qualquer dos casos, não favorecia a oficiosidade do arbitramento da reparação nos termos do artigo 74.° do Código de Processo Penal. E, por fim, haverá também que dizer que, in casu, apesar de ter lidado com uma operação matemática que envolvia um valor superior à alçada dos tribunais de primeira instância, o tribunal arbitrou uma reparação de MOP $40.000, valor que se contém na referida alçada, e sendo certo que não se deparava ao tribunal pedido que excedesse tal alçada.
Também estes argumentos relativos à reparação oficiosa soçobram.
Ante o exposto, haverá que negar provimento ao recurso”; (cfr., fls. 415 a 417).
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Nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 285 a 286, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).
Do direito
3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor da prática de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M. e art. 93°, n°s 1, 2 e 3 e 94°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos e 6 meses, e na pena acessória de inibição de condução por 9 meses, assim como no pagamento de MOP$40.000,00 de indemnização ao ofendido dos autos.
Em síntese, é de opinião que a decisão recorrida padece dos vícios de “erro na aplicação de direito” no que toca à conclusão da sua “culpabilidade pelo acidente” dos autos, assim como em relação à “pena acessória” e “indemnização”.
Cremos porém que as “questões” pelo ora recorrente colocadas em sede do seu recurso foram já objecto de adequada apreciação e correcta solução no douto Parecer do Ministério Público que se deixou transcrito, e cujas considerações aqui se adoptam como fundamentação da decisão a proferir, pouco havendo a acrescentar.
Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.
–– Diz o arguido que: “Relativamente à responsabilidade na produção do acidente, discorda o Recorrente da decisão do Tribunal a quo a condenar o arguido na responsabilidade na produção do acidente dos autos”; (cfr., concl. III).
Porém – e notando-se que não põe em causa a “decisão da matéria de facto”, (cfr., concl. IV), que também não vislumbramos motivos para censurar ou alterar – não se pode reconhecer razão ao ora recorrente.
Desde já, importa ter presente que atenta a factualidade provada – e certo sendo que nenhum facto do despacho de pronúncia ficou por provar – decidiu o Tribunal a quo fixar a “culpa” pelo acidente dos autos em 40% para o ora recorrente, e em 60% para o ofendido.
E, provado estando que o acidente se deu porque o arguido conduziu o seu motociclo “não respeitando o sinal amarelo” e que colheu o ofendido quando este (já) se encontrava em plena “passagem para peões” – e ainda que com o sinal vermelho mas, tendo já iniciado a sua marcha e dado vários passos – visto cremos estar que não se pode acolher o entendimento no sentido de que nenhuma responsabilidade teve no dito acidente.
Não se nega que, como já tivemos oportunidade de afirmar: “Tal como sobre o condutor de uma viatura impendem “deveres de cuidado” e (de observância) das regras estradais, também ao peão cabe observar as mesmas regras e, da mesma forma, tomar as suas providências, de forma a não perturbar, (“embaraçar”), o trânsito e a segurança dos outros utentes”, certo sendo também que “Em conformidade com o “princípio da confiança” todo aquele que se comporta dentro dos limites do cuidado objectivamente exigido ou do risco permitido, pode confiar que os demais coparticipantes da mesma actividade também actuarão cuidadosamente, seguindo as regras de experiência, (id quod plerumque accidit), de sorte que sua aplicação exclui a responsabilidade dos agentes quanto aos fatos que se situam fora do dever concreto que lhes é exigido no momento da acção” e que “O utente da via que age de acordo com as normas de cuidado impostas na situação concreta deve poder confiar que o mesmo sucederá com os restantes utentes da via”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 31.05.2018, Proc. n.° 418/2018).
Porém, há que atentar que como preceitua o art. 37°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007: “Ao aproximar-se de uma passagem para peões sinalizada, junto da qual o trânsito de veículos e de peões, ou só o primeiro, está regulado por sinalização luminosa ou por agente, o condutor deve, mesmo que autorizado a avançar, deixar passar os peões que já tenham iniciado o atravessamento da faixa de rodagem”.
E, atento o que “provado” ficou, e atrás se deixou retratado, à vista está a solução, havendo que se negar provimento ao recurso na parte em questão, (notando-se, aliás que de forma alguma se mostra de considerar excessiva a percentagem de culpa fixada ao ora recorrente, que não se altera, em virtude de o presente recurso ter sido interposto pelo arguido, podendo-se sobre situação próxima ver o recente Ac. deste T.S.I. de 30.05.2019, Proc. n.° 348/2018).
–– Quanto à pretendida “suspensão da execução da pena acessória”, a mesma se apresenta dever ser a solução.
Com efeito, e como no art. 109°, n.° 1 da referida Lei n.° 3/2007 se prescreve, tal medida exige a verificação de “motivos atendíveis”.
E, no caso dos autos, a factualidade dada como “provada” – só esta contando, de nada valendo ao recorrente alegar “matéria nova”, não provada, no seu recurso – não permite que se dêem tais “motivos” como verificados.
Aliás, em recente Ac. deste T.S.I. e abordando situação próxima consignou-se que: “Uma “situação mais conveniente e/ou económica”, (desde que suportável), não constitui “motivo atendível””; (cfr., o Ac. de 02.05.2019, Proc. n.° 319/2019).
–– Por fim, quanto à “indemnização”.
Também aqui cremos que não se pode reconhecer razão ao ora recorrente.
Com efeito, atento o que dos autos consta e ao estatuído no art. 74° do C.P.P.M., tem-se como verificados os necessários “pressupostos processuais” para a decisão em questão, afigurando-se-nos evidente que no âmbito do “arbitramento oficioso” em causa não está a competência do Tribunal no que toca ao quantum da indemnização.
Por sua vez, ponderando nas lesões pelo ofendido sofridas, no período para a sua recuperação e nas evidentes dores e inconvenientes que sofreu, cremos que o montante arbitrado – onde se ponderou a percentagem de culpa do arguido – apresenta-se justo e equitativo, nenhum motivo havendo para se alterar.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 06 de Junho de 2019
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
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