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Proc. nº 931/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 23 de Maio de 2019
Descritores:
- Nulidade de sentença
- Pareceres “conformes”
- Danos não patrimoniais

SUMÁRIO:

I - Só a ausência total de fundamentação de facto ou de direito detectada na sentença, não já a insuficiência ou a incompletude, pode corporizar a nulidade da sentença a que se refere o art. 571º, nº1, al. b), do CPC

II - Pareceres “conformes” são aqueles que se devem tomar como tendo uma natureza vinculativa quando se pronunciam num dado sentido, mas não vinculativa se o juízo opinativo for em sentido diferente. Ou seja, obrigam e vinculam, ou não, consoante o sentido desfavorável ou favorável da opinião transmitida.

III - A indemnização por danos não patrimoniais não procura senão aliviar os efeitos negativos do facto ou evento danoso.

IV - Quando os danos são não patrimoniais, a bitola a utilizar, em face da subjectividade de cada vítima e das particularidades de cada caso, não pode deixar de ser a da prudência, da sensatez e da equidade.
Proc. nº 931/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A (A), de sexo masculino, divorciado, de nacionalidade chinesa, portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM n.º XXXXXXX(8), emitido em X de Fevereiro de 2010 pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau, ora residente na ............................., em Macau, ----
Instaurou acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual---
contra: ---
Região Administrativa Especial de Macau, com a Sede do Governo sita na Avenida da Praia Grande, n.º 131.
Com fundamento na emissão de um alegadamente ilegal parecer do GTVA da Polícia Judiciária, com base no qual a “B, Lda” (B) indeferiu a renovação de acesso a áreas restritas do aeroporto, onde trabalhava, diz o autor ter sido despedido pela sua entidade patronal “C Limites”.
Invocando prejuízos, pediu a condenação da ré no pagamento da ré em indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais no valor total de MOP 11,149,812.00, bem como nos juros legais e nas despesas da acção, incluindo custas e honorários.
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Foi a seu tempo proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e condenou a RAEM a pagar ao autor as quantias de MOP$ 23.419,00 e MOP 150.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente.
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Contra tal decisão recorreram ambas as partes, primeiro a RAEM e depois o autor.
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A RAEM, na sua alegação formulou as seguintes conclusões:
“A. A sentença recorrida padece do vício do erro na aplicação da lei, ou seja, violação do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 28/91/M, «Estabelece o regime da responsabilidade civil extracontratual da Administração do Território, pessoas colectivas públicas, seus titulares e agentes por actos de gestão pública», e do art.º 5.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo.
B. No presente caso, entende o tribunal a quo que a recorrente praticou acto ilícito, o qual não era acto administrativo mas acto jurídico de emitir parecer relativamente à verificação dos antecedentes criminais do recorrido. Conformamo-nos com que quer acto administrativo quer acto jurídico, a actividade da Administração deve ser vinculada pelos princípios legais, incluído o da proporcionalidade.
C. O princípio da proporcionalidade contém três níveis, adequação, necessidade e proporcionalidade em strict sensu. Ou seja, é adequado e necessário relativamente à prosseguição da finalidade da decisão e é próprio relativamente à defesa do interesse público.
D. Em termos da proporcionalidade em strict sensu, estamos perante a comparação de dois interesses: interesse ou valor prosseguido pelo acto e interesse ou valor sacrificado por causa do acto. Na atribuição à Administração da discricionariedade para juízo de valor de acordo com caso concreto, só intervém a examinação judicial quando é inaceitável e intolerável o sacrifício do interesse.
E. Dos dados dos dois processos penais em 2001 e em 2002 resulta que são relacionados à droga ambos os dois crimes penais envolvidos nos registos de assunto policial do recorrido, os quais pode ser consumo de droga, detenção de droga ou até participação na venda de droga. Mas, de qualquer forma, crimes de droga são comuns em Macua e são objectos que a polícia presta atenção para bater.
F. Os actos criminosos investigados relativamente ao recorrido envolviam crime de droga. O recorrido costumava a frequentar aos lugares cheios de droga. Embora nessa altura não havia prova suficiente para verificar que o recorrido tinha praticado acto criminoso de droga ou não havia indício suficiente da prática de crime, pode ser confirmado pelo menos que o recorrente foi investigados por duas vezes, o que não era ocasional e era anormal. Pode-se ver, a vida pessoal dele é relacionada com drogas. Mesmo na opinião duma pessoa comum, pode-se concluir que o recorrente é indivíduo marginal do crime de droga, ou é mais fácil contactar drogas ou crime de droga, para não mencionar do ângulo de a polícia bater e imprimir crimes de droga.
G. A verificação dos antecedentes criminais feita relativamente ao recorrido pelo GTVA em 2013 aconteceu mais de dez anos posteriormente aos registos de assunto policial. Mas não concordamos em concluir que o GTVA violou o princípio da proporcionalidade, apenas por causa do factor de longo tempo.
H. Relativamente aos funcionários nas áreas proibidas do aeroporto, a verificação dos antecedentes criminais realizada, quer na entrada de cargo quer na renovação do cartão de acesso, visa sem dúvida à garantia da segurança pública social. É muito prudente a exigência da segurança do aeroporto, o nó mais importante de trânsito externo de Macau. É obrigatório prevenir e excluir todos os actos ilícitos eventuais no aeroporto ou os riscos destes e, por outro lado, prevenir de qualquer delinquente aproveitar o aeroporto, nó mais importante de trânsito externo de Macau, para praticar ou facilitar a prática dos actos ilícitos e prejudicar a paz social e ordem pública.
I. É de notar, em virtude das causas penais graves relativas a droga e da localização especial de Macau, são comuns as situações da venda de droga por meio de aeroporto. Ademais, Macau é normalmente lugar de transporte e de consumo. Todas as drogas são transportadas às escondidas a Macau ou a outros locais por Macau. É mais comum o transporte às escondidas das drogas por aeroporto.
J. De facto, sendo cada vez mais intensa a segurança do aeroporto na sociedade internacional, em termos da prevenção e batida de crime transnacional, de organização terrorista e de crime de droga, a segurança do aeroporto e a exigência da segurança não permitem qualquer negligência.
K. A respeito da situação pessoal do recorrido, ele era passenger service supervisor, no nível de gestão. Como indica a petição inicial, ele conhecia bem o funcionamento da segurança do aeroporto, podia facilmente, por meio do programa informático, saber as informações de cada voo (incluindo a quantidade e a lista dos passageiro), as listas de bagagens e de cargas, as formalidades de embarque, o trabalho de ancoragem dos aviões e a examinação externa, etc. O recorrido, por causa da qualidade e de cargo dele, tinha acesso livre às zonas proibidas e podia dar instruções ou ordens aos inferiores.
L. É de notar, o tribunal a quo indica que o GTVA faltou a considerar o bom comportamento do recorrido nos dez anos passados, sem novo registo de assunto policial, com o que, porém, não concordamos muito: primeiro, no presente caso não se verifica o facto do bom comportamento do recorrido nos dez anos passados. Não conseguimos perceber como o tribunal a quo tomou conhecimento do bom comportamento do recorrido nos dez anos passados. A não aparência de novo registo de assunto policial não significa ou prova o bom comportamento. Segundo, a não aparência de novo registo de assunto policial constitui uma exigência mais básica para manter não envolvido em qualquer crime ou não ser suspeitado a praticar crime, relativamente a um individuo que trabalha nas zonas proibidas do aeroporto, designadamente que sabia que era sujeito à verificação dos antecedentes criminais aquando da entrada em cargo (não se tratando de um individuo comum). Não podemos considerar isto como um “favor” ou uma “circunstância atenuante” na nova verificação dos antecedentes criminais ao candidato.
M. Confirmamos que foi sacrificado o interesse privado do recorrido, o qual não podia continuar a trabalhar na área conhecida, desenvolver a carreira estabelecida e a relação com colegas, bem como ficava deprimido por causa do desemprego.
N. No entanto, em comparação com o interesse privado do recorrido, o interessa na defesa da segurança pública é manifestamente mais importante e merece mais defesa. Não vemos que o sacrifício do interesse privado do recorrido era intolerável ou inaceitável.
O. De facto, na vista do público social e dum homem comum, prefere-se um indivíduo sem qualquer registo de assunto policial (não mencionar registo de assunto policial relativo ao crime de droga) para entrada no cargo ou continuação do trabalho nas áreas proibidas do aeroporto. Imagine que há um indivíduo, que foi envolvido no registo de assunto policial relativo ao crime de droga, a pedir agora o trabalho nas áreas proibidas do aeroporto. De acordo com os critérios da sentença recorrida, se o GTVA deve emitir o parecer favorável e aceitar a entrada no cargo deste?
P. Para este efeito, com base na experiência e na lógica dum homem comum, o parecer desfavorável emitido pelo GTVA não viola o princípio da proporcionalidade. Ou seja, não existe erro notório ou desrazoabilidade absoluta.
Q. Por outro lado, o tribunal a quo o exemplo de crime, o que é inadequado. Em primeiro lugar, a restituição jurídica é regime do registo criminal, enquanto as deliberações, fundamento da verificação dos antecedentes criminais, determinaram que a verificação era realizada com base no registo de assunto policial. Caso se realizasse o juízo apenas com base no certificado de registo criminal, a parte obrigava-se apenas a apresentar o certificado de registo criminal (e.g. certificado de registo criminal da restituição) e não era necessária a chamada verificação dos antecedentes criminais.
R. Conforme as normas aprovadas pelas deliberações, a verificação dos antecedentes criminais aos indivíduos da entrada em cargo ou da renovação do trabalho nas áreas proibidas do aeroporto baseiam-se nos registos de assunto policial em causa. É exigida manifestamente uma verificação mais profunda, mais completa e mais firme, analisando as causas penais relativas ao interessado e avaliando a confiabilidade e segurança deste. Não se exclui o registo por causa do tempo. Isto corresponde sem dúvida ao senso comum, sem qualquer erro notório ou desrazoabilidade.
S. É de notar, a recorrente interpõe o recurso, não ponderando apenas o presente caso. De facto, apesar das circunstâncias diferentes em cada caso, parece que a sentença recorrida estabelece um exemplo por meio do presente caso: apesar da existência dos registos de assunto policial relativamente à causa de droga há dez anos, a Administração não deve considerar os registos de assunto policial, ao verificar os antecedentes criminais aos indivíduos que trabalham nas áreas proibidas do aeroporto.
T. Sem necessidade de mais palavras, o tribunal a quo intervém no âmbito material do juízo de valor feito pela Administração relativamente à segurança pública, interpretando e aplicando erradamente o princípio previsto no art.º 7.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 28/91/M e no art.º 5.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo. Na existe no presente caso a ilicitude do acto da Administração.
Pelo exposto, pede o Mm.º Juiz do Tribunal de Segunda Instância a conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e rejeitar o pedido da indemnização apresentado pelo recorrido.”.
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O autor não respondeu ao recurso.
*
O autor, na alegação do seu recurso, formulou as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso é interposto da sentença proferida em 29/05/2018, pela qual julgou parcialmente procedente por provado a acção, que condenou a Ré RAEM no pagamento ao autor da quantia total de MOP$173.419,00, sendo MOP$23.419,00, devidos a título de danos patrimoniais sofridos, e MOP$150.000,00, pelos danos morais.
2. A sentença recorrida não fundamenta suficientemente quais as circunstâncias em concreto atendidas e bem assim o critério norteador que vieram a balizar o montante de MOP$150.000,00, pelos danos morais sofridos.
3. Pelo que, nesta parte, a sentença recorrida é nula, por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos do disposto no artigo 571.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, aqui aplicável “ex vis” do artigo 1.º do CPAC.
Se assim não fôr entendido,
4. Entende o recorrente que a sentença recorrida, nessa mesma parte, ainda é nula, por violação da norma contida na alínea c) do n.º 1 do artigo 571.º do citado Código de Processo Civil em vigor, pois, os alegados fundamentos eleitos estão em oposição com a decisão.
5. Efectivamente, se tiver em conta os factos provados e supra transcritos nas presentes alegações de recurso e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, nomeadamente, o elevadíssimo grau de injustiça, de ilicitude, culpa, crueldade e desgosto sofridos, facilmente se conclui que o montante de MOP$150.000,00 se mostra manifesta e intoleravelmente desadequado, e diametralmente oposto em face dos factos que o suportam, eivando a decisão no vício de nulidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC.
Ou, se assim não for entendido,
6. É-nos patente que o valor de MOP$150.000,00, fixado a título de indemnização pelos danos morais sofridos peca por parcimónia excessiva, não tendo avaliado nem reflecte correctamente o impacto negativo sofrido pelo autor pela perda do emprego, e consequente destruição da carreira profissional e vida pessoal e familiar, transtorno, e degradação dos laços de amizade de amigos,
7. Assim se fazendo tábua rasa do disposto nos artigos 489.º e 487.º do Código Civil de Macau.
8. Entende o autor que correctamente interpretando os factos e aplicando o Direito, deveria a Ré RAEM ter sido condenada a indemnizar o recorrente a quantia de MOP$3.000,000,00, pelos danos morais sofridos.
NESTES TERMOS, nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Excia., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, e em consequência, pelos vícios apontados, ser revogada a decisão que fixou o montante de MOP$150.000,00, pelos danos morais sofridos pelo recorrente, substituindo por outra que atribui a quantia peticionada de MOP$3.000.000,00 pelos aludidos danos morais.
Assim se fazendo inteira e sã Justiça!”
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A RAEM respondeu ao recurso do autor, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“A. Na análise da situação concreta do presente caso, o tribunal a quo indicou os factos provados relativos ao dano não patrimonial invocado pelo recorrente e os fundamentos de direito, bem como o facto de que o dano não patrimonial sofrido pelo recorrente devia ser defendido pela lei por causa da gravidade, incluindo o grau da gravidade, o âmbito e a situação económica do recorrente. Além disso, também indicou os factos a não ser considerados na indemnização pelo dano não patrimonial.
B. Como se referem sempre as jurisprudências1, a nulidade da sentença prevista no ar.º 571.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil – Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, indica a omissão completa ou absoluta de todos os fundamentos de facto e de direito, enquanto a insuficiência, o incompleto ou a deficiência da fundamentação são apenas questões gerais de recurso mas não constituem a nulidade da sentença.
C. A sentença recorrida não padece da nulidade causada pela falta de fundamentação, nem da insuficiência, omissão ou incompleto.
D. Na sentença recorrida não aparece a nulidade de que os fundamentos estejam em oposição com a decisão. De acordo com os fundamentos alegados pelo recorrente, ele estava apenas insatisfeito por que era demasiado baixo o montante condenado pelo tribunal a quo, não existindo qualquer oposição.
E. Os fundamentos estão em oposição com a decisão, o que indica que a sentença leva logicamente à decisão oposta ou diferente, qual seja, o resultado, conforme os fundamentos do julgador, é oposto ou diferente àquele material.
F. No presente caso, de acordo com a dedução mostrada na fundamentação relativa à indemnização pelo dano não patrimonial sofrido pelo recorrente extractada na sentença recorrida, não vemos qualquer contraditório na indemnização no montante de MOP 150,000.00 pelo dano não patrimonial julgada ao recorrente pelo tribunal a quo ou uma conclusão diferente.
G. O recorrente invoca apenas a questão jurídica da insuficiente do montante da indemnização. Não podemos ignorar que a questão do erro na interpretação ou na aplicação da lei não tem qualquer relação com a questão formal da nulidade da sentença.
H. O recorrente invoca a violação dos art.º 489.º e art.º 487.º do Código Civil. É de indicar, a recorrida também interpõe recurso da sentença proferida pelo tribunal a quo. Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a responsabilidade civil extracontratual invocada pelo recorrente carece do requisito da ilicitude, o qual não tem qualquer direito à indemnização.
I. Por força dos art.º 489.º, n.º 1 e primeira parte do n.º 3, bem como art.º 487.º do Código Civil, a indemnização pelo dano não patrimonial limita-se aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Sendo impossível de avaliar por dinheiro, o lesante é vinculado à uma obrigação pecuniária para compensar ou confortar o ofendido.
J. Em segundo lugar, é fixado conforme (apenas) a equidade o critério da indemnização pelo dano não patrimonial, ou seja, ponderando as circunstâncias concretas de cada caso, o grau da culpa do lesante, as situações económicas do lesante e do ofendido, bem como outras situações do acidente, etc.
K. No presente caso, de acordo com os factos provados, após a análise detalhada não é difícil de detectar que o recorrente apenas perdeu um emprego que tinha tomado por vários anos e em que tinha interesse (artigos 2 e 5 da base instrutória), apesar dos factos de que foi afectado a ambição profissional (artigo 28 da base instrutória), se afastou de alguns colegas, diminuiu o entretenimento quotidiano com amigos e com a família (artigo s 16 a 18 da base instrutória), bem com tinha pressão económica (artigos 16 e 18 da base instrutória).
L. No entanto, é reduzido o dano não patrimonial sofrido pelo recorrente, o qual não é comparável com aqueles da perda de vida, da deficiência física e mental, da perda de função, da dor levada pela injúria ou pela cirurgia, da perda de familiar. Ademais, a dor mental invocada por ele limita-se de ser zanga, desapontamento, triste ou impaciência por causa da perda de emprego. Não há qualquer prova para verificar o grau, designadamente se precisa da ajuda de agente social ou do tratamento psicológico ou mental.
M. Antes do despedimento, o último cargo do recorrente era o de passenger service supervisor. Sendo no aeroporto o lugar de trabalho, é relativo ao aeroporto o conhecimento apreendido e dominado e tinha experiência e conhecimento de trabalho como aqueles que trabalhem no banco, no hotel ou no lugar de turismo, mas diferente das profissões de médico, de direito, de engenharia e de contabilidade, que exigem alto grau profissional e grau de habilitação. Por outras palavras, mesmo que o recorrente tome um trabalho novo, não fica na situação de saber nada causada pela mudança de profissão, mas apreende de novo as regras, as práticas e as experiências conforme o lugar diferente de trabalho e a necessidade diferente de trabalho.
N. Os factos de que não tinha interesse por trabalho novo, não se habituava, tinha dificuldade de adaptar-se ou mudou de quatro trabalhos em três anos, bem como que foi bater a todas as portas para investigar a razão do despedimento e que faltava harmonia com a família, não foram provocados pelo acto da ré (o GTVA Grupo de Trabalho para Verificação de Antecedentes Criminais emitiu parecer desfavorável).
O. O recorrente apenas perdeu um emprego que tinha tomado por vários anos e por que tinha interesse. Apesar dos factos de que foi afectada a ambição profissional dele, que afastou-se de alguns colegas, que diminuiu o entretenimento quotidiano com colegas, amigos e a família, bem como que tinha pressão económica, o recorrente é ainda saudável, não precisa de tratamento psicológico ou mental, não tem técnica específica profissional, não fica na dificuldade económica ou tem uma situação económica muito difícil e tem procurado posteriormente emprego novo. Não vemos a violação da equidade por parte do tribunal a quo, ao decidir pela indemnização pelo dano não patrimonial no montante de MOP 150,000.
P. Ou até, como se refere nos casos citados em cima e de acordo com a jurisprudência comum de Macau, é no montante de MOP 150,000 na maioria das situações a indemnização pelo dano não patrimonial aos filhos que percam o pai / a mãe no acidente de viação. Como dispõe o art.º 50.º, n.º 4 e n.º 5, al. c) do Decreto-Lei n.º 40/95/M, no caso da morte derivante do acidente de trabalho ou da doença profissional, também é no montante de MOP 150,000 a indemnização aos pais do trabalhador morto.
Q. Nestes termos, a sentença recorrida não viola os art.ºs 489.º e 487.º do Código Civil.”
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade (mantemos o texto, tal qual o recebemos da tradução, com a diferença única relativamente à designação das entidades citadas, que transcrevemos em itálico):
- O autor entrou em cargo em 1996.7.22 na C Limited (nome antigo: “C Limited”), até a 2013.9.3 (facto assente A).
- O autor tomou finalmente o cargo de passenger service supervisor na C Limited, com o salário mensal no montante de MOP 23,419.00 (facto assente B).
- Em 2013.9.10, o autor recebeu a notificação por escrita da rescisão do contrato laboral, emitida pela C Limited (facto assente C).
- Em 2015.7.16, a B, Lda. respondeu por meio de carta ao auto, na qual exigiu o prestamento a análise feita pelo grupo GTVA e os dados da avaliação (facto assente D).
- Em 2015.10.8, o autor recebeu a resposta oral do agente da Polícia Judiciária, relativa às razões concretas de não propor a B, Lda. emitir o cartão de acesso do aeroporto (facto assente E).
- A decisão de não atribuir ao autor o cartão de acesso às aéreas restritas do aeroporto foi feita pela B, Lda., a qual foi feita conforme o ponto 3.4.3 da deliberação n.º 1/2013-FAL/SEC da Comissão Territorial FAL/SEC e de acordo com o parecer de “não propor a dar o cartão de acesso” apresentada pelo GTVA Grupo de Trabalho para Verificação de Antecedentes Criminais (facto assente F).
- A Comissão Territorial FAL/SEC regula, respectivamente por meio das deliberações n.º 1/95-FAL/SEC (1995.7.26), n.º 1/96-FAL/SEC (1996.5.17), n.º 2/96-FAL/SEC (1996.5.17), n.º 3/96-FAL/SEC (1996.11.18), n.º 1/2003-FAL/SEC (2003.4.3), n.º 1/2007-FAL/SEC (2007.3.9), n.º 1/2010-FAL/SEC e n.º 1/2013-FAL/SEC, as definições, classificações e limitações das aéreas restritas e reservadas do Aeroporto Internacional de Macau, bem como a licença, a homologação, a emissão de cartão de acesso a estas aéreas e a guarda dos dados (facto assente G).
- Respectivamente em 2001.12.5 e em 2002.10.11, o Ministério Público instaurou o processo de inquérito n.º 9535/2001 (n.º 3193/2001 da PJ) e o processo de inquérito n.º 7241/2002 (n.º 2385/2002 da PJ). O autor é arguido no processo de inquérito n.º 7241/2002 (facto assente H).
- O processo de inquérito n.º 9535/2001 do MP foi arquivado em 2002.4.30 (facto assente I).
- O processo de inquérito n.º 7241/2002 do MP foi arquivado em 2002.13.3 (facto assente J).
- O autor emitiu cartas de pedido de emprego e de CV a empresas diferentes, foi à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais para o registo do pedido de emprego, bem como foi à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego participar o exame para carteira profissional, querendo a procurar um emprego adequado (artigo 1 da base instrutória).
- O autor adora o trabalho no aeroporto, tem apreendido muito conhecimento profissional relativo ao negócio de aeroporto e ao serviço do cliente e não tem interesse por outra profissão (artigo 2 da base instrutória).
- Em 2016.3.7, o autor consultou, por meio de advogado, o arquivo dele no Grupo de Trabalho para Verificação de Antecedentes Criminais GTVA (artigo 3 da base instrutória).
- O autor ficou deprimido por causa da perda de emprego e não tem podido adquirir os dados em causa até ao facto referido no artigo anterior, o que o deixa magoado, zangado e triste (artigo 4 da base instrutória).
- Tem trabalhado por 17 anos na C Limited. O trabalho e os colegas são parte da vida do autor. Por isso, o desemprego priva o autor de esperança e ambição (artigo 5 da base instrutória).
- Nem consegue procurar emprego do mesmo tipo em Macau. (artigo 6 da base instrutória).
- Parte dos colegas afastam-se do autor por causa do despedimento dele (artigo 7 da base instrutória).
- Nestes 17 anos, são estáveis o emprego e o rendimento do autor, os quais ficam não estáveis por causa da desemprego, o que o deixa muito indeciso (artigo 9 da base instrutória).
- O autor mudou de quadro empregos nos três anos (artigo 10 da base instrutória).
- Os novos empregos não lhe dá a oportunidade de desempenhar a capacidade, o que deixa o autor magoado (artigo 11 da base instrutória).
- Antes de ser despedido, o autor era um homem saudável, alegre e vivo, que não tem qualquer vício mau e cuida da família, convivendo com os pais e uma filha (artigo 12 da base instrutória).
- O autor é o pilar económico da família (artigo 13 da base instrutória).
- Um mês posterior de sair da C Limited, apesar de procurar um emprego com salário mensal de $30,000, o autor não se habituou por causa do turno e ficou aflito (artigo 14 da base instrutória).
- Antes disso, o autor gostava de viajar, indo à viagem com a família, os amigos ou os colegas pelo menos 2 a 3 vezes por ano (artigo 15 da base instrutória).
- Depois de ser despedido, o autor diminuiu as vezes de viagem por causa da situação económica da família (artigo 16 da base instrutória).
- Antes do despedimento, o autor tinha relação interpessoal boa e personalidade activa, indo correr, jogar basquetebol, jogar futebol e conviver com amigos ou colegas (artigo 17 da base instrutória).
- O assunto não só faz intensa a situação económica da família do autor, como também é difundida entre colegas e amigos. O autor não sabe como encarar este ou explicar-lhes a razão do despedimento. Por isso, o autor rejeitou os convites, o que o deixa insociável e ir fora raramente (artigo 18 da base instrutória).
- Antes de ser despedido, era o autor que pagava o empréstimo bancário da residência da família e as despesas de estudo e de vida da filha. Era estável a economia familiar (artigo 19 da base instrutória).
- Os pais do autor ajudavam a tratar da filha dele. Era alegre a família (artigo 20 da base instrutória).
- O autor foi forçado a dedicar-se em novo emprego para ganhar dinheiro. Apesar de não ter interesse no trabalho em casino, escolheu no Outubro de 2013 a tomar cargo de gerente do departamento do desenvolvimento do negócio internacional no David Group (artigo 22 da base instrutória).
- Antes de ser despedido, o autor tinha uma relação boa com os pais e trata bem da filha, indo divertir ou conviver com os pais e a filha (artigo 23 da base instrutória).
- O autor e o pai têm batido a todas as portas pelo despedimento do autor, o que deixa cansados os dois, as quais se brigaram por isso (artigo 24 da base instrutória).
- O autor perdeu paciência à filha (artigo 25 da base instrutória).
- A partir de tomar cargo na C Limited quando tinha 19 anos, o autor tem sido trabalhador e planeado a desenvolver-se estavelmente na sociedade. O superior dele louvou várias vezes a atitude dele no trabalho. O autor tinha a potência promoção e tinha esperança no trabalho anterior (artigo 28 da base instrutória).
Acrescenta-se ainda o seguinte facto, em resultado dos documentos juntos aos autos:
- O parecer a que se refere a alínea F) dos factos assentes, emitido pelo Grupo de Trabalho para a Verificação de Antecedentes Criminais (GTVA), foi no sentido de propor que não fosse concedido o cartão de acesso ao autor aos locais restritos do aeroporto em virtude de ele estar envolvido em dois inquéritos criminais nº 3193/2001 e 2385/2002, por posse de estupefaciente e consumo de estupefaciente, respectivamente (fls. 84 e vº dos autos).
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III – O Direito
1. Enquadramento institucional e legal do caso
Entre a “RAEM” e a “D” foi celebrado o contrato de concessão da exploração do Aeroporto Internacional de Macau.
Entre a “D” e a “B – B, Lda.” foi celebrado contrato de cooperação relativamente à administração do aeroporto.
Entre a “D”e a “C Limited” foi celebrado contrato de subconcessão de exploração de serviços de exploração no aeroporto, incluindo serviços de transporte de passageiros e serviços aéreos, serviços de assistência em escala, de carga, de manutenção e engenharia de aeronaves, e manutenção de equipamentos de suporte terrestre.
A Autoridade da Aviação Civil de Macau foi criada pelo DL nº 10/91/M, de 4/02 e o seu Presidente conta, no cumprimento das suas competências no âmbito deste diploma, com a colaboração de uma Comissão Territorial de Facilitação e Segurança, adiante abreviadamente designada por Comissão Territorial FAL/SEC (art. 1º, nº2, do DL nº 36/94/M. de 18/07/1994).
Esta Comissão Territorial FAL/SEC, no cumprimento da sua função, regulou o acesso do pessoal que trabalha no aeroporto às áreas restritas e reservadas. Fê-lo através de várias Resoluções (ver facto assente G).
O cartão de acesso a essas áreas restritas é da competência da B (B), depois de o Grupo de Trabalho para a Verificação de Antecedentes Criminais (GTVA), constituído por elementos das PSP, da Polícia Judiciária e dos Serviços de Alfândega (coordenado pela Polícia Judiciária), analisar o perfil individual dos candidatos, face à Resolução nº 1/2010 da Comissão Territorial FAL/SEC (ponto 3.4.2.3).
Aquele Grupo de Trabalho para a Verificação de Antecedentes Criminais (GTVA) foi criado pelas normas de segurança do Anexo Q constante do “Plano de Segurança” elaborado pela “Comissão Territorial de Facilitação e Segurança”.
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2. O caso propriamente dito
O autor da acção foi admitido ao serviço da empresa “C Limited” em 22/07/1996 (nessa altura a sua designação era “X/X X (Macau) Ltd”, trabalhando no Aeroporto Internacional de Macau, como “Passenger Services Supervisor” desde 1 de Janeiro de 2008.
O autor pediu a renovação do seu cartão de acesso às áreas restritas do aeroporto.
O Grupo de Trabalho para a Verificação de Antecedentes Criminais (GTVA) emitiu parecer negativo (fls. 85) em virtude de ele (autor) ter estado envolvido em dois processos criminais.
A B de Macau B, com base neste parecer, indeferiu o pedido e comunicou essa decisão à entidade patronal do autor.
Com este fundamento, a sua entidade patronal, “C Limited”, despediu o autor através de carta de notificação de 10/09/2013.
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3. A posição do autor
Defendia o autor que aquele parecer do Grupo de Trabalho para a Verificação de Antecedentes Criminais (GTVA), para si vinculativo, e que esteve na base da negação do acesso às áreas restritas (por parte da B) e levou ao despedimento pela sua entidade patronal (C Limited), era ilegal.
Ilegal, por o GTVA - sem ter feito investigação sobre a sua situação e ter simplesmente emitido a opinião apenas com base no registo policial - ter violado os princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos residentes (art. 4º do CPA) e da boa-fé (art. 8º, do CPA), bem como o direito fundamental previsto no art. 35º da Lei Básica, e o direito à honra e consideração, bom nome e reputação, previstos nos arts. 73º e 81º do Código Civil.
E por se achar vítima de danos patrimoniais e não patrimoniais que o parecer acabou por provocar, na medida em que foi por causa dele que lhe foi negado o cartão de acesso a áreas reservadas e restritas e, em consequência, despedido da empresa para a qual trabalhava, pediu a indemnização global de MOP$ 11.149.812,00 (em que se incluía o montante de MOP$ 3.000.000,00, a título de danos não patrimoniais).
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4. A tese da sentença
A sentença, depois de transcrever uma boa parte das deliberações 1/95-FAL/SEC, 1/2993- FAL/SEC, 1/2007-FAL/SEC, 1/2010-FAL/SEC e 1/2013-FAL/SEC, concluiu que o parecer do GTVA era vinculativo (ponto 3.4.3 da deliberação 1/2003-FAL/SEC) e que foi por causa dele que o autor veio a perder o seu emprego, circunstância, portanto, que revela o nexo de causalidade.
Depois considerou que aquele parecer é ilícito, na medida em que não se pode concluir que os factos a que se reportam aqueles autos de inquérito criminal geraram risco para a segurança do aeroporto, já que tiveram lugar em 2001 e 2002. Ilícito também, porque “injusto”, já que esta análise foi feita pelo GTVA apenas em Setembro de 2013, quando nas renovações anteriores nunca aqueles factos (existência dos inquéritos) tinha sido equacionada, e sem ponderar o tempo decorrido desde aquelas datas até ao momento em que foi feita a análise pela GTVA.
Além disso considerou haver culpa por deficiente funcionamento do serviços (GTVA), a quem imputa a violação do princípio da proporcionalidade e razoabilidade.
E por haver danos, que computou em menor escala do que a invocada, condenou a RAEM no pagamento da respectiva indemnização (patrimoniais em MOP 23.419,00; não patrimoniais em MOP 150.000,00), ao abrigo do DL nº 28/91/M (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração)
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5. Do 1º Recurso (da RAEM)
A RAEM (Ré na acção) considera que a sentença violou o art. 7º do DL nº 28/91/M e o art. 5º, nº2, do CPA.
E isto porque, segundo a recorrente, o facto de terem sido arquivados os inquéritos penais do MP (Processos nºs 9535/2001 e 7241/2002), por falta de prova, não obstava a que a GTVA pudesse emitir um parecer desfavorável, já ele não tem como pressuposto a condenação judicial, mas antes apenas representa a análise do ponto de vista policial. E estando em causa alguém que teria estado envolvido presumivelmente em posse de droga, a sua presença naquele posto de trabalho poderia pôr em causa a segurança do próprio aeroporto.
Acrescenta ainda que não está provado que nestes dez anos passados o autor tivesse bom comportamento, rematando, por fim, que o interesse da defesa da segurança é mais importante do que o interesse privado do recorrido.
Pugna, por isso, pelo provimento do recurso.
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6º. Do 2º recurso (do autor)
Para o autor está em causa:
i) - Em primeiro lugar, a nulidade da sentença, por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de condenação da RAEM apenas no pagamento de MOP$ 150.000,00. O que preencheria a previsão do art. 571º, nº1, al. b), do CPC;
ii) - Em segundo lugar, a nulidade da sentença por os fundamentos invocados estarem em oposição com a decisão. O que preencheria a previsão do art. 571º, nº1, al. c), do CPC;
iii) – Em terceiro lugar, a insuficiência do quantum indemnizatório face aos factos dados como provados. E isto violaria o disposto nos arts. 487º e 489º do Código Civil.
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7. Apreciando
7.1. Recurso da RAEM
Antes de mais nada, cumpre dizer que o parecer da GTVA, que propõe a não concessão ao autor do cartão de acesso às zonas reservadas e restritas do aeroporto, faz parte daqueles a que alguma doutrina já deu o estranho nome de “pareceres conformes”2. São aqueles que se devem tomar como tendo uma natureza vinculativa quando se pronunciam num dado sentido, mas não vinculativa se o juízo opinativo for em sentido diferente. Ou seja, obrigam e vinculam, ou não, consoante (“conforme”) o sentido favorável ou desfavorável da opinião transmitida.
No caso em apreço, ele seria vinculativo quando fosse desfavorável ao interessado, tal como resulta dos pontos 3.4.3 da Deliberação nº 1/2010-FAL/SEC e da Deliberação 1/2013-FAL/SEC (ver extractos na sentença recorrida).
Como tal, a B não tinha possibilidade de deixar de seguir a proposição do referido parecer.
O que afirmou a sentença do T.A.?
- Depois de largo e aturado estudo, concluiu que o parecer da GTVA foi a causa do despedimento do autor da empresa para qual estava a trabalhar.
Sim, isso parece evidente. A rescisão do contrato de trabalho ficou a dever-se à emissão do parecer vinculativo já aludido.
- Depois asseverou que, se os factos ocorreram nos longínquos anos de 2001 e 2002, sem que nenhum registo criminal tivesse revelado a prática de quaisquer ilícitos criminais, a ausência de ilicitude durante todo esse tempo deveria ser relevada ou ponderada.
Também é sensata esta avaliação.
- Afirmou, ainda, a sentença que em todo este período, e face à conclusão do parágrafo anterior, nunca foi posta em causa a segurança do aeroporto.
Concordamos; pelo menos, não há elementos nos autos e no procedimento administrativo apenso que nos revelem ou sequer indiciem essa insegurança por causa do autor.
- Terminou, ajuizando que não seria justo que aquela factualidade (alegadamente ilícita) pudesse ser valorada em 2013, quando o não foi aquando da renovação anterior.
Sim, também estamos de acordo com esta posição, que o autor tinha densificado como preenchendo a violação do princípio da boa-fé. Na verdade, o silêncio anterior relativamente à instauração daqueles Inquéritos era motivo para o autor confiar que eles nunca mais seriam tidos em conta negativamente para efeito de renovação do cartão de acesso. E isso pode, sim, configurar a violação do princípio da boa-fé (art. 8º, do CPA).
Em geral, concordamos com o grupo de considerandos vertidos na sentença impugnada.
Na verdade, mesmo que se considerasse ser certo que o autor esteve directamente envolvido na situação de facto que deu origem aos 2 inquéritos penais, isso foi há longo tempo. Se volvidos onze ou doze anos nada mais se registou contra si em termos de ilicitude ou de comportamento anómalo, anti-ético, anti-social ou de natureza criminal, e se sempre ele esteve ao serviço da sua empresa no Aeroporto Internacional de Macau sem quaisquer incidentes (de contrário, teriam sido reportados), isso até parece conduzir à tese contrária à do parecer. Consequentemente, mesmo que os factos constantes dos Inquéritos fossem verdadeiros, eles não terão tido qualquer repercussão, nem no seu desempenho laboral, nem na segurança do Aeroporto.
Mas, em todo o caso, o que se nos oferece acrescentar é que os eventuais factos a que o autor pudesse ter estado ligado jamais foram apurados. E o grande erro do parecer vinculativo está no facto de se ter tratado a mera existência do Inquérito Penal como um labéu, um selo permanente e indelével da prática de ilícitos que nunca se provaram. Repare-se que por tais factos nem sequer o autor chegou a ser acusado, tendo o Inquérito sido arquivado por falta de indícios.
Ora, não pode ao Inquérito arquivado conferir-se maior valor para efeitos policiais, do que aquele que teve para efeito criminais na análise efectuada pelo órgão judiciário próprio que é o Ministério Público ao mandar arquivá-lo. Tem que haver unidade do sistema, sob pena de atropelo discricionário dos diversos poderes sobre outros. Não se pode mudar a realidade: se não houve prova para efeitos criminais, com a exigência que se impunha ao MP na análise dos elementos recolhidos, afigura-se-nos inaceitável, à luz do Estado de Direito e do primado da lei, que o órgão em causa, GTVA, tenha chegado a conclusão diferente se nem sequer dispunha de mais, e melhores, elementos de ponderação do que aqueles que os Inquéritos forneciam.
Sendo assim, a actuação daquele órgão agiu em desconsideração do princípio da razoabilidade e proporcionalidade, tal como decidiu a sentença e boa-fé, a que podemos adicionar a violação do fundamental princípio da presunção de inocência previsto no art. 29º, nº2, da Lei Básica.
Enfim, toda a actividade manifestada na alegação do recurso apresentada pela ora recorrente não é mais do que um exercício de presunção, de dedução, de inferência a partir de factos laterais (v.g., art. 25º da alegação), que não pode servir para atingir o indispensável grau de certeza acerca dos factos e do modo como ocorreram, em torno da posse ou consumo de droga que estava em causa, se o foro próprio onde essa matéria podia ser (e foi) apreciada era o Ministério Público, que lhes retirou toda a importância enquanto matéria indiciária.
Não cremos, em suma, que a sentença tenha andado mal em algum aspecto.
Razão pela qual o recurso não pode ser provido.
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7.2. Recurso do autor
Nesta impugnação, estão expostas duas questões:
A nulidade da sentença e o mérito desta acerca do quantum da indemnização que a sentença impugnada fixou em relação aos danos não patrimoniais.
Comecemos pela nulidade.
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7.2.1. Da nulidade da sentença
i) Em primeiro lugar, pensa o autor/recorrente que a sentença não especificou suficientemente os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão, o que a tornaria nula, nos termos do art. 571º, nº1, al. b), do CPC, “ex vi” art. 1º do CPAC.
Vejamos.
O que está em causa, para a recorrente, é o seguinte trecho da sentença:
“Face à indemnização por danos não patrimoniais, de acordo com as circunstâncias concretas em causa, e tendo em conta a gravidade dos danos sofridos pelo autor, os prejuízos indemnizáveis e a situação económica do indemnizado, é adequado o montante da indemnização fixado em MOP$150.000,00”.
Não parece que a recorrente tenha razão. Na verdade, o juiz não se limitou a socorrer-se daquele fundamento. O segmento transcrito, aliás, não passa de um remate, em tom conclusivo, que é apresentado como corolário da exposição que fez anteriormente acerca da matéria referente ao dano não patrimonial.
Com efeito, pode ler-se na pág. 40/46 a elencagem dos factos alusivos a estes danos, tendo o Ex.mo Juiz depois disso avaliado que esses factos eram reveladores de um dano merecedor da tutela do direito (fls. 41/46). Todavia, a sentença também fez a distinção entre os danos que decorrem directamente do facto causal e aqueles que são comuns na vida e não podem derivar do facto do despedimento (fls. 41/46).
E foi, posteriormente, com base na gravidade do dano, e considerando as circunstâncias concretas do dano, que arbitrou a indemnização em MOP$ 150.000,00.
Não cremos, portanto, que a sentença não tenha fundamentado com suficiência o percurso valorativo que levou à fixação daquele montante. E como é sabido, só a ausência total de fundamentação de facto ou de direito detectada na sentença, não já a insuficiência ou incompletude, pode corporizar a nulidade da sentença a que se refere o art. 571º, nº1, al. b), do CPC (v.g., Ac. do TSI, de 24/07/2014, Proc. nº 235/2014).
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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ii) A seguir, invoca a nulidade, tendo por base o disposto no art. 571º, nº1, al. c), do CPC, por entender que os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão.
Na óptica do recorrente, tendo o tribunal dado como provados os factos constantes das respostas aos arts. 2º, 4º, 5º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º 16º, 17º a 20º, 22º, 24º, 25º e 28º da Base Instrutória, não poderia fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais em valor “manifestamente” e “intoleravelmente desadequado” e “diametralmente oposto ao decidido”.
Contudo, não é assim que o problema deve ser equacionado. Se o recorrente acha que os factos deveriam ter levado o tribunal a outra decisão em termos quantitativos, isso não caracteriza a oposição a que se refere o normativo indicado para efeito de nulidade, e quando muito será erro de julgamento (vício que, de resto, também apontou à sentença e que de seguida abordaremos).
Razão pela qual também nesta parte o vício tem que improceder.
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7.2.2 – Do erro de julgamento
Por fim, acha o recorrente que a sentença fez tábua rasa do disposto nos arts. 487º e 489º do Código Civil de Macau, ao atribuir uma indemnização tão parcimoniosa de MOP$ 150.000,00 pelos danos não patrimoniais, contra os 3 milhões de patacas que inicialmente peticionou.
Como se sabe, o montante da indemnização a este título deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias de cada caso (art. 489º, nº2, CC).
E os danos a indemnizar devem ser de tal forma graves que mereçam a tutela do direito (art. 489º, nº1, do CC).
Ora, no caso, o que se passou foi uma perda de emprego, o qual, embora tenha assento superior no referido parecer e na posterior decisão de não atribuir ao autor o cartão de acesso a zonas restritas do aeroporto, derivou de uma decisão directa da sua entidade patronal. Foi ela quem teve a última palavra, foi dela que veio a vontade de rescindir o contrato de trabalho com o autor da acção, mas não está demonstrado nos autos que ela não o pudesse continuar a manter ao seu serviço. E esta circunstância não pode deixar de ser relevada.
De resto, o próprio autor não descreve um iter justificativo do valor de 3 milhões peticionados a este título. Porquê este “quantum”? Por causa da afectação emocional, sociológica e laboral descrita nas respostas aos quesitos? Sim; mas porque não um valor diferente?
Ora, o que o autor fez foi pedir aquilo que ele pensa corresponder aos reflexos derivados do despedimento nos moldes apurados nas referidas respostas. Outra qualquer vítima poderia, possivelmente, peticionar um valor muito inferior. Serve isto para dizer que, quando os danos são não patrimoniais, a bitola a utilizar, em face da subjectividade de cada vítima e das particularidades de cada caso, não pode deixar de ser a da prudência, da sensatez e da equidade.
Por outro lado, a indemnização por dano não patrimonial não procura senão aliviar os efeitos negativos do facto ou evento danoso. Ela tem em vista” …. proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, inadequados sendo “montantes simbólicos ou miserabilistas”, sendo igualmente de se evitar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso. 3. A reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes - “danos não patrimoniais” - são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).” (Ac. do TSI, de 21/05/2015, Proc. nº 405/2015).
Neste quadro, tanto nos parece exagerado o valor peticionado, como insuficiente o judicialmente atribuído na 1ª instância.
Parece-nos justo que a compensação a arbitrar, tendo em conta os princípios da proporcionalidade e de adequação aplicáveis, deve subir para MOP$ 400.000,00, montante que se nos afigura capaz de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento descrito e provado nos autos.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1- Negar provimento ao recurso interposto pela RAEM;
2.1 - Conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença na parte alusiva ao montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais, e consequentemente, concedendo ao autor/recorrente a indemnização de MOP$400.000,00 a esse título.
2.2 - Negar provimento na parte restante.
Custas apenas pelo recorrente-autor, na proporção do decaimento.
T.S.I., 23 de Maio de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

1 Os acórdãos do TUI de 2004.04.14, processo n.º 21/2004 e de 2012.02.15, processo n.º 1/2012 e os acórdãos do TSI de 2000.02.24, processo n.º 1274, de 2009.12.15, processo n.º 1026/2009, de 2011.11.10, processo n.º 955/2009 e de 2018.01.18, processo n.º 596/2017.
2 José Eduardo Figueiredo Dias, Manual de Formação de Direito Administrativo de Macau, CFJJ, 2009, pág. 250
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