Processo n.º 13/2019
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Plasbor - Fábrica de Plásticos e Borrachas S.A.R.L.
Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM
Data da conferência: 10 de Julho de 2019
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Assuntos: - Caducidade-preclusão
- Princípio da boa fé
- Causa impeditiva da caducidade (art.º 323.º n.º 2 do CC)
- Lei Básica da RAEM (art.º 103.º)
SUMÁRIO
1. Não é essencial a questão de culpa no não aproveitamento dos terrenos no prazo fixado para o efeito, já que com o decurso do prazo máximo da concessão provisória sem a conclusão do aproveitamento do terreno, a concessão não pode ser renovada, desde que não se verifique a excepção prevista na lei, e deve ser declarada a sua caducidade. Trata-se duma caducidade-preclusão.
2. No âmbito da actividade vinculada não se releva a invocação da violação do princípio da boa fé (e ainda dos princípios da justiça, da proporcionalidade, da tutela da confiança e da igualdade).
3. Os actos praticados pela Administração, invocados pela recorrente para demonstrar que a Administração criou legítimas expectativas na recorrente, nomeadamente, ao afirmar que iria rever o contrato de concessão atenta a alteração de finalidade do terreno, nunca poderiam constituir o reconhecimento de algum direito da recorrente por parte da RAEM (por exemplo o direito de aproveitar o terreno depois do termo do prazo de arrendamento) nem obstar à declaração da caducidade pelo decurso de tal prazo.
4. Não se verifica a causa impeditiva prevista no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil.
5. A protecção do direito da propriedade consagrada no art.º 103.º da Lei Básica deve ser operada “em conformidade com a lei”.
6. Há de chamar atenção para a natureza das concessões por arrendamento em causa, dadas a título provisória, natureza que se mantém antes de as concessões se tornarem em definitivas, daí que o direito de uso dos terrenos concedidos reveste também a natureza provisória.
7. Não é de aceitar que, com a protecção consagrada na Lei Básica, os direitos decorrentes do contrato de concessão mereçam protecção para além do prazo de arrendamento do terreno, independentemente da renovação, ou não, da concessão, já que, como é lógico e legal, a protecção desses direitos para além do prazo inicial de arrendamento depende sempre da renovação da respectiva concessão, efectuada em conformidade com as leis vigentes na altura de renovação, tal como prevê a segunda parte do art.º 120.º da Lei Básica, segundo a qual as concessões de terras renovadas após o estabelecimento da RAEM devem ser tratadas em conformidade com as leis e políticas respeitantes a terras da RAEM.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
Plasbor - Fábrica de Plásticos e Borrachas S.A.R.L., melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Senhor Chefe do Executivo de 15 de Dezembro de 2016 que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 2.902 m2, designado por lote “SA”, situado na Ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van.
Por acórdão proferido em 11 de Outubro de 2018, o Tribunal de Segunda Instância decidiu negar provimento ao recurso contencioso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Inconformada com o acórdão, recorre Plasbor - Fábrica de Plásticos e Borrachas S.A.R.L. para o Tribunal de Última Instância, alegando em síntese o seguinte:
- O Acórdão recorrido incorre numa errada qualificação jurídica do instituto da caducidade tal como previsto na Lei de Terras e, em consequência, errada aplicação da lei substantiva; e numa errada apreciação da lei, nomeadamente do art.º 8.º do Código do Procedimento Administrativo, que estipula o princípio da boa fé; do art.º 323.º do Código Civil, relativo à invocada existência de uma causa impeditiva da caducidade; do art.º 103.º da Lei Básica e do art.º 1417.º do Código Civil, por referência ao direito do uso de superfície.
- Apesar de a jurisprudência de Macau ter entendido a caducidade prevista no art.º 52.º da Lei de Terras como caducidade preclusiva, essa não é a interpretação correcta desse artigo.
- O que está em causa na Lei de Terras não é a caducidade preclusiva, mas sim a caducidade sancionatória.
- Com a sua actuação a Administração violou o princípio da boa fé, plasmado no artigo 8.º do CPA, e assegurado para todas as fases da actividade administrativa, de que é corolário a tutela da confiança e da segurança jurídica que pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos actos do poder, de molde a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos actos praticados.
- Em total contradição com o disposto na alínea 9) do art.º 2.º da Lei n.º 10/2013, que aprovou a Lei de Terras, e que consagra o princípio da segurança jurídica, como garantia da “estabilidade do regime legal vigente e do respeito pelas situações jurídicas validamente constituídas”.
- Não se entende que a Administração se escude nos art.ºs 48.º, n.º 1, 52.º e 166.º da Lei n.º 10/2013, para apelar à caducidade da concessão do lote “SA”, quando é manifesto que esses preceitos só fazem sentido se não existir um comportamento culposo por parte da Administração.
- Os argumentos que constam na fundamentação do acto recorrido, nomeadamente o de que as concessões provisórias não podem ser renovadas e de que a caducidade opera automaticamente no termo do prazo da concessão, havendo ou não culpa do concessionário, não pode ser juridicamente aceite nem elimina a responsabilidade da Administração perante as concessionárias pelos compromissos que assumiu.
- A Administração criou legítimas expectativas na Recorrente, nomeadamente, ao afirmar que iria rever o contrato de concessão atenta a alteração de finalidade por si unilateralmente determinada.
- Foi a confiança depositada na Administração que levou a Recorrente a aceitar a alteração da finalidade para o terreno concedido, não obstante já ter apresentado projectos para o seu desenvolvimento nos termos da concessão originária, e a não ter requerido de imediato a troca do terreno.
- A Administração comprometeu-se a prorrogar os prazos de aproveitamento e a proceder às revisões dos contratos de concessão.
- De acordo com o art.º 323.º do Código Civil, quando a Administração reconhece, de qualquer forma, que o concessionário tem o direito de utilizar o terreno, a Administração é impedida de declarar a caducidade do direito de utilização de terreno.
- Com o reconhecimento expresso dos direitos que assistem à concessionária, ora Recorrente, a Administração provocou o efeito jurídico impeditivo da caducidade, previsto no art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil.
- O douto Acórdão recorrido faz uma errada interpretação do artigo 103.º da Lei Básica e do artigo 1417.º do Código Civil.
Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso.
E o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.
2. Factos
É dado como assente a seguinte factualidade:
1 - Por despacho do então Governador de Macau n.º 168/GM/89, de 29 de Dezembro de 1989, foi concedida, por arrendamento a favor da ora Recorrente, a concessão de um terreno com a área de 2.902m2, designado por lote “SA”, situado na Ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, destinado à construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo oito pisos, ficando parte do r/c e o 2.º piso afectados a uma unidade industrial de transformação de borracha e matérias plásticas, a explorar directamente pela concessionária (Docs. n.ºs 2 e 3, juntos com a p.i.).
2 - O referido terreno está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22140, a fls. 118v., do Livro B111A e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor da concessionária sob o n.º 789, a fls. 23 do Livro FK3 (Docs. n.º 2 e 4 cits.).
3 - O prémio no valor de MOP3.773.911,00 foi totalmente pago pela Recorrente, desde 29 de Janeiro de 1992, conforme consta da Proposta n.º 031/DSODEP/2016 da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (“DSSOPT”), de 5 de Fevereiro de 2016, sobre a qual foi exarado o Despacho do STOP (ver Doc. n.º 2), e do Parecer da Comissão de Terras n.º 24/2016, de 19 de Fevereiro de 2016 (ver Doc. n.º 1 cit.).
4 - Por Despacho, de 30 de Agosto de 1993, do então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas (“SATOP”) foi aprovado o Plano Geral de Exploracão e Recuperacão da Pedreira de Coloane para o loteamento da designada zona de Seac Pai Van passar a ter uma finalidade habitacional em vez da finalidade industrial, inicialmente prevista nos vários Despachos de concessão por arrendamento dos lotes dessa zona de Seac Pai Van (Despacho a fls. 17, incluído no Doc. n.º 2 cit.).
5 - Naquele Despacho de 30 de Agosto de 1993, o SATOP ordenava que fossem oficiados os concessionários de lotes do Seac Pai Van, para se obter o acordo destes para a alteração da finalidade e revisão das concessões, com a definição de novos prazos de aproveitamento compatíveis com os previstos para a disponibilização dos respectivos lotes, bem como para a revisão dos prémios pagos (cfr. 17, doc. n.º 2. cit.)
6 - Por Ofício do Director dos SSOPT n.º 850/8113.1/SOLDEP/93, de 2 de Dezembro de 1993, a ora Recorrente foi informada de que fora decidido, por causa da localização do terreno e do elevado custo e dificuldades na execução das infra-estruturas, afectar o loteamento do Seac Pai Van à finalidade habitacional em vez de industrial e atribuir a regularização e loteamento do terreno a uma empresa com capacidade técnica para a sua execução (cfr. fls. 20 do Doc. n.º 2. cit.)
7 - Mais se informava, naquele Ofício da DSSOPT, que, como a regularização do terreno, o tratamento paisagístico e a comparticipação nos custos das infra-estruturas dos lotes concedidos, que também constituíam encargos dos respectivos concessionários, era necessário obter o consentimento destes para a revisão e alteração da finalidade da concessão, com definição de novos prazos de aproveitamento e ajustamentos dos montantes dos prémios.
8 - Em 20 de Dezembro de 1993, a concessionária, respondeu dizendo que, não obstante já ter apresentado os projectos de construção de acordo com a finalidade da concessão, manifestava o seu interesse no reaproveitamento do terreno para fins habitacionais, com a consequente revisão da concessão, e solicitou o fornecimento de todas as informações necessárias para a elaboração de novos estudos de aproveitamento do lote “SA” (fls. 21 do doc. n.º 2 cit.).
9 - Em 29 de Julho de 1999, um requerimento ao então Governador de Macau, em que solicitava a troca do lote concedido por um outro terreno situado na Ilha da Taipa, junto à Estrada Almirante Marques Esparteiro, destinado às finalidades de comércio e habitação (fls. 22 do doc. n.º 2 cit.).
10 - O requerimento para a troca de terrenos foi indeferido por Despacho do SATOP, de 24 de Setembro de 1999 (cfr. fls. 24 e 26 do doc. n.º 2 cit.).
11 - Em 19/02/2016, a Comissão de Terras emitiu o seguinte parecer:
“PARECER N.º 24/2016
Proc. n.º 9/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 2 902m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SA”, a favor da Plasbor – Fábrica de Plásticos e Borrachas, S.A.R.L., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 28 de Dezembro de 2014, cuja concessão foi titulada pelo Despacho n.º 168/GM/89.
I
1. Ao abrigo do disposto no artigo 44.º da Lei n.º 10/2013, Lei de terras, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das suas características e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente. Nos termos do disposto no artigo 48.º da mesma Lei, a concessão provisória não pode ser renovada. Assim, por despacho do Chefe do Executivo, declara-se a caducidade da concessão, por decurso do prazo de arrendamento, de acordo com o artigo 167.º da mesma lei.
2. Ao abrigo do disposto no artigo 179.º da Lei de terras e no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, o despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado por despacho do Chefe do Executivo quando se verifica a declaração da caducidade da concessão.
3. Face ao exposto, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), através da proposta n.º 349/DSODEP/2015, de 18 de Novembro de 2015, propôs autorização para dar início ao procedimento de declaração de caducidade das concessões provisórias cujo prazo de arrendamento expirou ou irá expirar, bem como dar início aos respectivos trabalhos por ordem cronológica das datas em que terminou o prazo de arrendamento de cada um daqueles processos, tendo o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) aprovada esta proposta por despacho de 25 de Novembro de 2015.
II
4. Através do Despacho n.º 168/GM/89, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 2 902m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SA”, a favor da Plasbor – Fábrica de Plásticos e Borrachas, S.A.R.L., destinado à construção de um edifício industrial.
5. Conforme a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, porém, não tendo sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobredito despacho, passando o prazo de arrendamento a contar-se da data da sua publicação, ou seja, até 28 de Dezembro de 2014.
6. Conforme o previsto na cláusula terceira do contrato da concessão, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 8 pisos, destinados às finalidades industrial e de estacionamento, ficando parte do rés-do-chão e o 2.º piso afectados a uma unidade industrial de transformação de borracha e matérias plásticas, a explorar directamente pela concessionária.
7. Conforme o previsto na cláusula quinta do contrato da concessão, o prazo global de aproveitamento do terreno é de 30 meses, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que autoriza o contrato, ou seja, de 29 de Dezembro de 1989 até 28 de Junho de 1992.
8. Conforme a cláusula sexta do contrato de concessão, constituem encargos especiais a serem suportados exclusivamente pela concessionária a desocupação do terreno concedido e a remoção do mesmo de todas as construções e materiais aí existentes.
9. Da leitura das informações da folha de acompanhamento financeiro decorre que a concessionária pagou integralmente o montante do prémio no valor de $3 773 911,00 patacas conforme previsto na cláusula décima do contrato.
10. O terreno referido em epígrafe está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22 140 a fls. 118v do livro B111A e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor da concessionária sob o n.º 789 a fls. 23 do livro FK3.
11. Em cumprimento do despacho emitido em 30 de Agosto de 1993 pelo Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas (SATOP), exarado na informação n.º 063/SOTSDB/93, de 6 de Agosto de 1993, a DSSOPT, através do ofício n.º 850/8113.1/SOLDEP/93, de 2 de Dezembro de 1993, comunicou à concessionária o seguinte:
“……devido à sua localização e ao elevado custo e dificuldade na execução das infra-estruturas de uma zona com as características de Seac Pai Van, foi decidido por despacho do Exmo. Senhor Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, de 30 de Agosto de 1993, o seguinte:
a) Afectar o loteamento do Seac Pai Van à finalidade habitacional em vez de industrial;
b) Atribuir a obra de regularização e loteamento do terreno a uma empresa com capacidade técnica para a sua execução.
Assim, e porque a referida regularização do terreno, o tratamento paisagístico e comparticipação nos custos das infra-estruturas dos lotes concedidos, constituem encargos dos respectivos concessionários torna-se necessário, a fim de se evitarem contratempos, obter um acordo, por escrito, de V. Exa., quanto à aceitação de revisão do contrato de concessão, face à nova finalidade do terreno o qual implicará, nomeadamente:
a) A definição de um novo prazo de aproveitamento compatível com o prazo previsto para a disponibilização do lote;
b) O ajustamento do montante do prémio.
Caso V. Exa. continue a ter preferência pela concessão com finalidade industrial, deverá igualmente informar esta Direcção de Serviços com vista à concessão, por troca, de um terreno equivalente, em local mais adequado a essa finalidade.
Tornando-se necessário programar rapidamente o início dos trabalhos, solicita-se uma resposta de V. Exa. até dia 20 de Dezembro de 1993.”
12. A concessionária, através da carta apresentada em 20 de Dezembro de 1993, veio manifestar interesse no reaproveitamento do terreno para fins habitacionais e solicitar o fornecimento de todas informações necessárias relativas ao lote e, mormente, plantas ou outros elementos com as novas directrizes e condicionamentos urbanísticos de forma a poder ser elaborado novo estudo de aproveitamento.
13. Posteriormente, a concessionária apresentou um requerimento à DSSOPT em 28 de Julho de 1999, a solicitar a troca do lote concedido por um outro terreno situado na ilha da Taipa, junto à Estrada Almirante Marques Esparteiro, destinado às finalidades de comércio e habitação. O pedido foi indeferido por despacho do SATOP, de 24 de Setembro de 1999.
14. De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato, ou seja, o prazo terminou em 28 de Dezembro de 2014. No entanto, uma vez que o terreno ainda não foi aproveitado e a respectiva concessão ainda é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei de terras, a mesma não pode ser renovada. Nestas circunstâncias, a DSSOPT procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 031/DSODEP/2016 de 8 de Janeiro de 2016, propôs que seja autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, proposta esta que mereceu a concordância do STOP por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
15. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 28 de Dezembro de 2014 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do respectivo contrato (caducidade preclusiva).
Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 13l.º).
Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior), que no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas.
Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013.
Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opôr à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a concessionária a favor da Região Administrativa Especial de Macau todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
III
Reunida em sessão de 19 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e ter tido em consideração o parecer e proposta constantes na proposta n.º 031/DSODEP/2016, de 8 de Janeiro de 2016, bem corno o despacho nela exarado pelo STOP, de 3 de Fevereiro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 28 de Dezembro de 2014, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Comissão de Terras, aos 19 de Fevereiro de 2016.”
12 - O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, em 26/02/2016, emitiu o seguinte parecer:
“Parecer
Proc. n.º 9/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 2 902m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SA”, a favor da Plasbor – Fábrica de Plásticos e Borrachas, S.A.R.L., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 28 de Dezembro de 2014, cuja concessão foi titulada pelo Despacho n.º 168/GM/89.
1. Através do Despacho n.º 168/GM/89, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 2 902m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SA”, a favor da Plasbor – Fábrica de Plásticos e Borrachas, S.A.R.L., destinado à construção de um edifício industrial.
2. Conforme a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, porém, não tendo sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobredito despacho, passando o prazo de arrendamento a contar-se da data da sua publicação, ou seja, até 28 de Dezembro de 2014.
3. Conforme o previsto na cláusula terceira do contrato da concessão, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 8 pisos, destinados às finalidades industrial e de estacionamento, ficando parte do rés-do-chão e o 2.º piso afectados a uma unidade industrial de transformação de borracha e matérias plásticas, a explorar directamente pela concessionária.
4. O prazo de arrendamento do lote “SA” terminou em 28 de Dezembro de 2014 e este não se mostrava aproveitado naquela data. Nestas circunstâncias, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
5. Reunida em sessão de 19 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, considerou que o prazo de arrendamento de 25 anos fixado na cláusula segunda do contrato terminou em 28 de Dezembro de 2014, e que, a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013, Lei de terras, aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão do lote “SA” encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido.
Aos 26 de Fevereiro de 2016.
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas,
Raimundo Arrais do Rosário”
13 - O Chefe do Executivo, em 15/12/2016 produziu o seguinte despacho (a.a.):
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 9/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 26 de Fevereiro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.
Aos 15 de Dezembro de 2016
O Chefe do Executivo,
Chui Sai On”
3. Direito
Alega a recorrente que o acórdão recorrido incorre nos seguintes vícios:
- Errada qualificação do instituto da caducidade;
- Errada interpretação do princípio da boa fé inscrito no art.º 8.º do CPA;
- Errada interpretação do art.º 323.º do Código Civil, relativo à invocada existência de uma causa impeditiva da caducidade; e
- Errada interpretação do art.º 103.º da Lei Básica e do art.º 1417.º do Código Civil, por referência ao direito do uso de superfície.
Há de apreciar as questões suscitadas pela recorrente.
3.1. Da errada qualificação do instituto da caducidade
Na óptica da recorrente, apesar de a jurisprudência de Macau ter entendido a caducidade prevista no art.º 52.º da Lei de Terras como caducidade preclusiva, essa não é a interpretação correcta desse artigo e o que está em causa na Lei de Terras não é a caducidade preclusiva, mas sim a caducidade sancionatória.
Desde logo, é de recordar que a questão sobre a natureza da caducidade das concessões provisórias dos terrenos foi já por várias vezes abordada e apreciada tanto pelo Tribunal de Segunda Instância como por este Tribunal de Última Instância.
Tal como reconhece a própria recorrente, a jurisprudência de Macau vai no sentido de considerar a caducidade como caducidade preclusiva, e não sancionaria como alega a recorrente.
Nos seus acórdãos proferidos nos processos n.º 7/2018, n.º 43/2018 e n.º 90/2018, de 23 de Maio, 6 de Junho e 12 de Dezembro de 2018, respectivamente, este Tribunal de Última Instância foi chamado a pronunciar-se sobre a questão de caducidade-sanção ou caducidade-preclusão, tendo concluído que a caducidade da concessão provisória por decurso do prazo de arrendamento constitui um caso de caducidade-preclusão.
E dá-se por integralmente reproduzido o teor dos referidos acórdãos na parte respeitante à questão ora colocada pela recorrente.
É de frisar que não é essencial a questão de culpa no não aproveitamento dos terrenos no prazo fixado para o efeito, já que com o decurso do prazo máximo das concessões provisórias sem a conclusão do aproveitamento dos terrenos, as mesmas concessões não podem ser renovadas, desde que não se verifique a excepção prevista na lei (art.º 48.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 10/2013).
E as concessões caducam no termo do prazo inicial da concessão, que é inicialmente dada a título provisória (art.ºs 52.º e 44.º da Lei n.º 10/2013).
Trata-se duma caducidade-preclusão, como já vimos em acórdãos anteriores proferidos pelo TUI, caso em que é irrelevante a discussão sobre a questão de culpa no não aproveitamento do terreno concedido.
Improcede o argumento da recorrente.
3.2. Da errada interpretação do princípio da boa fé
Sustenta a recorrente que a Administração violou o princípio da boa fé, plasmado no art.º 8.º do CPA, em total contradição com o disposto na al. 9) do art.º 2.º da Lei n.º 10/2013, que consagra o princípio da segurança jurídica.
Ora,constata-se nos autos que o Chefe do Executivo decidiu declarar a caducidade da concessão, dado que já tinha decorrido o prazo de arrendamento estabelecido no contrato de concessão sem que o terreno tenha sido aproveitado pela concessionária ora recorrente.
Trata-se duma actividade de natureza vinculativa.
Face à falta de aproveitamento por parte da concessionária no prazo de concessão, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade de concessão.
É de manter aqui a posição deste TUI, já anunciada em vários acórdãos em que se discute a questão sobre a natureza discricionária ou vinculativa do acto de declaração de caducidade.1
Salienta-se que é de entendimento uniforme deste TUI que no âmbito da actividade vinculada não se releva a alegada violação do princípio da boa fé (e ainda dos princípios da justiça, da proporcionalidade, da tutela da confiança e da igualdade).2
Daí que, nos presentes autos, tem a Administração o dever de declarar a caducidade da concessão do terreno em causa, não se relevando pertinente a invocação da errada interpretação ou violação do princípio da boa fé.
Quanto aos actos praticados pela Administração, invocados pela recorrente para demonstrar que a Administração criou legítimas expectativas na recorrente, nomeadamente, ao afirmar que iria rever o contrato de concessão atenta a alteração de finalidade do terreno, é de dizer que os mesmos nunca poderiam constituir o reconhecimento de algum direito da recorrente por parte da RAEM (por exemplo o direito de aproveitar o terreno depois do termo do prazo de arrendamento) nem obstar à declaração da caducidade pelo decurso de tal prazo.
3.3. Da errada interpretação do art.º 323.º do Código Civil
Alega a recorrente que, de acordo com o art.º 323.º do Código Civil, quando a Administração reconhece, de qualquer forma, que o concessionário tem o direito de utilizar o terreno, é impedida de declarar a caducidade do direito de utilização de terreno. E com o reconhecimento expresso dos direitos que assistem à concessionária ora recorrente, a Administração provocou o efeito jurídico impeditivo da caducidade, previsto no art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil.
Dispõe o art.º 323.º do Código Civil o seguinte:
“Artigo 323.º
(Causas impeditivas da caducidade)
1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.”
Ora, tal como já foi dito, não se nos afigura que os actos praticados pela Administração configurem, de algum modo, o reconhecimento dos direitos da recorrente que possam ser exercidos depois de ter decorrido o prazo de arredamento.
Por outro lado, coloca-se ainda a questão de saber se os direitos da RAEM em causa são ou não disponíveis, pois só há lugar à aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil quando estão em jogo direitos disponíveis.3
Improcede também o recurso, nesta parte.
3.4. Da errada interpretação do art.º 103.º da Lei Básica e do art.º 1417.º do Código Civil, por referência ao direito do uso de superfície
A mesma questão já foi abordada no nosso acórdão proferido em 4 de Abril de 2019, no Processo n.º 2/ 2019, onde expomos que:
《É verdade que, nos termos do art.º 103.º da Lei Básica, a RAEM “protege, em conformidade com a lei, o direito das pessoas singulares e colectivas à aquisição, uso, disposição e sucessão por herança da propriedade e o direito à sua compensação em caso de expropriação legal”.
No presente caso, há de chamar atenção para a natureza da concessão por arrendamento em causa, dada a título provisória, natureza que se mantém antes de a concessão se tornar definitiva, daí que o direito de uso do terreno concedido reveste também a natureza provisória.
Ora, a protecção dos direitos deve ser operada “em conformidade com a lei”.
Os direitos dos concessionários de terrenos previstos nos contratos de concessão devem ser reconhecidos e protegidos no âmbito legal.
Não é de aceitar que, com a protecção consagrada na Lei Básica, os direitos decorrentes dos contratos de concessão mereçam protecção para além do prazo de arrendamento dos terrenos, independentemente da renovação, ou não, das concessões, já que, como é lógico e legal, a protecção desses direitos para além do prazo inicial de arrendamento depende sempre da renovação das respectivas concessões, efectuada em conformidade com as leis vigentes na altura de renovação, tal como prevê a segunda parte do art.º 120.º da Lei Básica, segundo a qual as concessões de terras renovadas após o estabelecimento da RAEM devem ser tratadas em conformidade com as leis e políticas respeitantes a terras da RAEM.
Tendo em consideração as disposições nos art.ºs 47.º n.º 1, 48.º n.º 1, 52.º e 166.º da Lei n.º 10/2013, sobre o prazo de validade dos contratos de concessão, sobre a não renovação das concessões provisórias e sobre a consequência legal (de caducidade das concessões provisórias) do não aproveitamento do terreno concedido nos prazos e termos contratuais, bem como a jurisprudência consolidada dos tribunais da RAEM, é de crer que não resta nenhuma dúvida para a declaração da caducidade das concessões dos terrenos em causa, que se opera com o decurso do prazo de arrendamento dos terrenos estabelecidos nos respectivos contratos.》
É de manter tal posição.
Não se vislumbra a imputada violação do art.º 103.º da Lei Básica nem do art.º 1417.º do Código Civil.
4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 18 UC.
Macau, 10 de Julho de 2019
Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
1 Cfr. Ac.s do TUI, de 11 de Outubro de 2017, Proc. n.o 28/2017, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.o 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.o 43/2018.
2 Cfr. Ac.s do TUI, de 3 de Maio de 2000, Proc. n.º 9/2000, de 11 de Abril de 2018, Proc. n.º 38/2017, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.º 7/2018, de 5 de Dezembro de 2018, Proc. n.º 88/2018 e de 12 de Dezembro de 2018, Proc. n.º 90/2018.
3 Cfr. Ac. do TUI, de 13 de Março de 2019 e de 4 de Abril de 2019, Proc. n.º 16/2019 e n.º 2/2019.
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Processo n.º 13/2019