Proc. nº 8/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 30 de Maio de 2019
Descritores:
- Erro sobre os pressupostos de facto
- Administração agressiva
- Interdição de entrada
- Ónus de prova
- Princípios gerais de direito administrativo
- Proporcionalidade e igualdade
SUMÁRIO:
I - O vício de erro sobre os pressupostos de facto deve ser alegado e provado por quem o invoca, a não ser nos casos de administração ablativa, impositiva e agressiva, hipóteses em que sobre a Administração recai o ónus de prova dos factos em que se baseia para agir contra o particular.
II – Sempre que o Ministério Público determina o arquivamento do inquérito por falta de indícios suficientes para deduzir uma acusação, se o procedimento administrativo não reunir mais e melhores elementos, pode concluir-se que a aplicação da medida administrativa de polícia de interdição de entrada na RAEM padece de erro sobre os pressupostos de facto.
III - Só perante erro grosseiro, manifesto e ostensivo na aplicação dos poderes discricionários pode o TSI sindicar e invalidar actos discricionários com fundamento em vícios consistentes na violação dos princípios gerais de direito administrativo da proporcionalidade e igualdade, entre outros.
Proc. nº 8/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I - Relatório
A (A), casada, nascida em X de X de 1968, de nacionalidade chinesa, portadora do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Hong Kong nº RXXXXXX(4), reside em Hong Kong ................................................., ----
Vem recorrer contenciosamente para este TSI ----
Do despacho do Secretário para a Segurança, que julgou improcedente o recurso hierárquico e lhe manteve a decisão de interdição de entrada do Comandante do CPSP de 28/08/2017.
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Na petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
“I. O CPSP apontou a recorrente como arguida dum crime de auxílio, que tinha praticado delito em Macau. No dia 13 de Julho de 2017, o pessoal alfandegário interceptou a recorrente e vários indivíduos, que entraram em Macau ilegalmente, na parte central da Estrada da Aldeia em Coloane. Tal acto pôs em perigo a segurança e ordem públicas da Região.
II. Finda a audiência escrita, o Sr. Comandante do CPSP proferiu o seguinte despacho no dia 28 de Agosto de 2017: “(…) A (ora recorrente) praticou acto de auxílio. No dia 13 de Julho de 2017, o pessoal alfandegário interceptou A (recorrente) e vários indivíduos, que entraram em Macau ilegalmente, na parte central da Estrada da Aldeia em Coloane. Foram inquiridos, um dos imigrantes ilegais alegou ter conhecido A (recorrente) no Interior da China através de um amigo que lha apresentou no Hotel XX (XX賓館) e, em seguida, foi a Zhuhai, acompanhado de A, de um carro privado conduzido por um homem, a fim de apanhar um barco rápido para entrar ilegalmente em Macau. Uma vez que o referido acto da interessada (recorrente) pôs em perigo a segurança e ordem públicas de Macau, no intuito de assegurar o interesse público da Região e executar as atribuições específicas do CPSP, eu, no uso da competência subdelegada pelo Secretário para a Segurança e nos termos do artº 11º, nº 1, al. 3), e do artº 12º, nº 2, al. 2) da Lei nº 6/2004, determino interditar a entrada na RAEM da referida pessoa por cinco anos (desde 14 de Julho de 2017). (…)” (“[…]” é nosso”)
III. Por causa deste caso, a recorrente foi transferida ao Ministério Público a fim de investigar mais profundamente a referida acusação contra a recorrente e foi instaurado um inquérito com o nº 7640/2017.
IV. Finda a investigação efectuada pelo Ministério Público e órgão de polícia criminal (nomeadamente a inquirição das testemunhas que se envolveram no caso), não se encontrou prova suficiente de que a recorrente tinha praticado o crime de auxílio previsto no artº 14º da Lei nº 6/2004, pelo que, em 14 de Setembro de 2017, o Ministério Público decidiu o arquivamento do inquérito nº 7640/2017, ao abrigo do artº 259º, nº 2 do CPP.
V. No dia 25 de Setembro de 2017, a recorrente interpôs recurso hierárquico necessário, apresentando, em conjunto com o recurso, o despacho de arquivamento.
VI. No dia 25 de Outubro de 2017, o Sr. Secretário para a Segurança (recorrido) proferiu decisão, confirmando a medida administrativa de interdição de entrada em Macau aplicada pelo Comandante do CPSP à recorrente (pelo período de cinco anos, contado desde 14 de Julho de 2017) e negando provimento ao recurso hierárquico. A decisão tem o seguinte teor: “ (…) O juízo de perigosidade efectivo formulado pela Administração face ao comportamento da recorrente é legítimo e adequado à realização de um fim legal, visa a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses dos residentes. O facto de ter existido um arquivamento em sede de processo penal (nos termos do nº 2 do artigo 259º do CPP e não nos termos do nº 1 do mesmo artigo), não impede a administração de valorar autonomamente os factos para efeitos de procedimento administrativo, conducente à aplicação das medidas previstas nas Leis nºs 4/2003 e 6/2004, por via da total independência face ao procedimento criminal que pudesse vir a ter origem nos mesmos factos. Afigura-se, pois, que o acto recorrido, praticado pelo Comandante do CPSP em 28.08.2017, no processo nº 6963/2017, está devidamente fundamentado, inexistindo qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, razão pela qual decido confirmá-lo, negando provimento ao presente recurso hierárquico. (…)” (vd. Doc. 1) (doravante designado abreviadamente por “decisão recorrida”)
VII. Temos que apontar que, quanto à existência de indícios da prática de delito pela recorrente, o Ministério Público decidiu o arquivamento do processo, o que significa que foram concluídas a investigação e medidas subsequentes no procedimento penal contra a recorrente e foi reconhecido que não há prova de que a recorrente tinha praticado o crime de auxílio e acto de auxílio.
VIII. Antes da prolação de decisão definitiva de condenação, os arguidos (incluindo a recorrente) são considerados inocentes, segundo o princípio da presunção da inocência. O despacho de arquivamento do Ministério Público significa que não há prova da prática do acto ilícito por parte da recorrente, pelo que deve a mesma ser considerada inocente.
IX. O inquérito nº 7640/2017 do Ministério Público foi arquivado nos termos da lei. Portanto, salvo o devido respeito, entendemos que, por falta de prova, foi arquivado o processo em que a recorrente foi suspeita de ter praticado acto de auxílio e ter praticado o crime de auxílio, assim a Autoridade não podia reconhecer, pelos factos acima indicados, que a recorrente causou perigo às segurança e ordem públicas de Macau e, em consequência, usou da competência/poder que lhe foi concedida por lei.
X. O Sr. Secretário para a Segurança entendeu que o despacho de arquivamento não impede a administração de valorar autonomamente os factos do caso. Salvo o devido respeito, a recorrente não se conforma com tal entendimento.
XI. Como foi dito anteriormente, por falta de prova, foi arquivado o processo em que a recorrente foi suspeita de ter praticado o crime de auxílio, pelo que a Autoridade não podia reconhecer, pelos factos acima indicados, que a recorrente causou perigo às segurança e ordem públicas de Macau.
XII. Caso se possa analisar separadamente o crime de auxílio e o acto de auxílio, os actos e factos envolvidos num acto de auxílio são semelhantes aos do crime de auxílio. Portanto, quando apreciou se o acto de auxílio causou ou não perigo à segurança ou ordem pública de Macau, o Sr. Secretário para a Segurança apenas pôde basear-se nos factos que são semelhantes aos factos do crime de auxílio, mas os factos envolventes no crime de auxílio não foram reconhecidos.
XIII. Razão pela qual a Autoridade não podia reconhecer que a recorrente causou perigo à segurança ou ordem pública de Macau com base no crime de auxílio e/ou acto de auxílio e, em consequência, usou da competência/poder que lhe foi concedida pelos artº 11º, nº 1, al. 3) e artº 12º, nº 2, al. 2 da Lei nº 6/2004.
XIV. Na óptica da recorrente, nesta causa, o recorrido proferiu a decisão recorrida baseando-se nos factos do crime de auxílio e/ou acto de auxílio, incorreu assim no vício de violação da lei previsto no artº 21º, nº 1, al. d) do CPAC, pelo que não podia usar do poder concedido por lei à Administração, pois não há base factual (prova) para sustentar o uso de tal poder. Face ao exposto, requer-se a V.Exas. que ordenem a anulação da decisão recorrida, nomeadamente a interdição de entrada em Macau por cinco anos (desde 14 de Julho de 2017) aplicada à recorrente.
XV. Além dos factos do crime de auxílio e acto de auxílio ligados à recorrente, o Sr. Secretário para a Segurança apontou o facto de entrada ilegal da recorrente aquando da rejeição do recurso hierárquico necessário, referindo que tal acto também causou perigo à segurança ou ordem pública de Macau.
XVI. A entrada ilegal é uma prática inadequada, mas não é crime. No entendimento da recorrente, a entrada ilegal não prejudica qualquer bem jurídico, nem causa perigo à segurança ou ordem pública de Macau, pelo que a ela não deve ser aplicada a interdição de entrada em Macau por cinco anos.
XVII. A recorrente entende que a decisão do Sr. Secretário para a Segurança padece do vício de violação da lei previsto no artº 21º, nº 1, al. d) do CPAC, pelo que requer a V.Exas. que ordenem a anulação da decisão recorrida.
XVIII. Caso assim não se entenda, na óptica da recorrente, a ela também não deve ser aplicada a interdição de entrada em Macau por cinco anos, devendo ser fixado um prazo de interdição de entrada mais curto.
XIX. No acórdão nº 137/2016 do Tribunal de Segunda Instância, o residente de Hong Kong foi suspeito de praticar crime (crime de ofensa à integridade física provocado pelo empréstimo de grande valor por jogos), ao qual a Administração aplicou a interdição de entrada em Macau por três anos. No acórdão nº 645/2015 do Tribunal de Segunda Instância, o residente de Hong Kong foi condenado em primeira instância (pela prática do crime de emprego ilegal previsto no artº 16º, nº 1 da Lei nº 6/2004, na pena de cinco meses de prisão, suspensa a sua execução por dois anos), ao qual a Administração aplicou a interdição de entrada em Macau por três anos. No acórdão nº 77/2016 do Tribunal de Segunda Instância, o residente de Hong Kong foi suspeito de praticar crime (crime de abuso de confiança), ao qual a Administração aplicou a interdição de entrada em Macau por três anos. Nos acórdãos nºs 770/2015 e 769/2015 do Tribunal de Segunda Instância, o cidadão de Singapura foi suspeito de praticar crime (crime relacionado com drogas), ao qual a Administração aplicou a interdição de entrada em Macau por três anos.
XX. Das decisões judiciais acima referidas resulta que ao indivíduo que foi suspeito de praticar crime e condenado em primeira instância só foi aplicada a interdição de entrada em Macau por três anos. E o acto da recorrente não envolveu crime, mas a ela foi aplicada a interdição de entrada em Macau por cinco anos, tratando-se realmente de uma violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e igualdade.
XXI. As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar, sendo este o princípio da proporcionalidade consagrado no direito administrativo.
XXII. O princípio da proporcionalidade identifica-se com a proibição de excesso, isto é, deve haver uma relação adequada entre os meios utilizados e os fins desejados. A ideia nuclear do princípio da proporcionalidade consiste em três elementos: adequação, necessidade e equilíbrio. O meio empregado deve ser adequado para alcançar o objectivo procurado. Entre os meios adequados deve ser escolhido um que prejudica o menos os direitos e interesses legais e que permite um equilíbrio entre os interesses, baseando-se no interesse público.
XXIII. O princípio da proporcionalidade é um princípio jurídico material de justa medida, visando, tal como os demais princípios fundamentais do direito administrativo, limitar a actividade administrativa, em particular a actividade administrativa ligada aos direitos fundamentais e liberdade dos particulares e ao uso do poder discricionário.
XXIV. Interditar a entrada em Macau de um não residente pressupõe a verificação de perigo à segurança e ordem pública de Macau. Quando considerar as presentes alegações, há que analisar a relação entre o interesse prejudicado da recorrente e o interesse público (segurança e ordem públicas) perseguido pelo órgão competente.
XXV. Interditar a entrada da recorrente em Macau por cinco anos viola manifestamente a jurisprudência sobre o sentido do perigo à segurança e ordem públicas e o princípio da proporcionalidade.
XXVI. Interditar a entrada da recorrente em Macau por perigo à segurança e ordem públicas de Macau viola manifestamente o equilíbrio entre o interesse prejudicado e o objectivo perseguido e a relação adequada entre o meio e o fim procurados pelo princípio da proporcionalidade.
XXVII. Interditar a entrada em Macau de um não residente significa limitar a sua liberdade de entrar no território. E o processo envolvido já foi arquivado. Comparando a medida de interdição de entrada aplicada à recorrente e o objectivo de proteger a ordem e segurança públicas de Macau, aparentemente, o direito da interessada foi restringido inadequadamente.
XXVIII. O princípio da proporcionalidade é o princípio fundamental que deve ser observado no uso do poder discricionário. Quando se verifica a violação do princípio, deve ser anulado o acto administrativo.
XXIX. Além dos princípios da adequação e da proporcionalidade, a recorrente não pode deixar de falar de outro princípio fundamental – princípio da igualdade. No uso dos poderes concedidos por lei, a Administração deve tratar todos os casos da mesma forma, não podendo tratar caso a caso. Nos processos referidos, o grau de gravidade é mais elevado, pelo menos envolveram crimes, mas o caso da recorrente não. O prazo da interdição de entrada imposta à recorrente é mais longa do que aplicados nos casos mais graves, o que é uma violação do princípio da igualdade, pelo menos, não deve aplicar à recorrente um prazo mais longa dos períodos aplicados nos processos referidos.
XXX. Quanto aos artº 11º, nº 1, al. 3) e artº 12º, nº 2, al. 2) da Lei nº 6/2004, o legislador não definiu os conceitos com vista a dar ampla margem de decisão à Administração. A decisão proferida mediante livre apreciação não pode violar os princípios fundamentais do direito administrativo, entre os quais os princípios da adequação, da proporcionalidade e igualdade.
XXXI. A recorrente entende que, nesta causa, a decisão recorrida proferida pelo recorrido padece do vício de violação da lei previsto no artº 21º e no nº 1, al. d) do mesmo artigo do CPAC, pelo que requer a V.Exas. que ordenem a anulação da decisão recorrida, nomeadamente a interdição de entrada em Macau por cinco anos (desde 14 de Julho de 2017) aplicada à recorrente.
Face a todo o exposto, solicita a V.Exas. que considerem os fundamentos invocados e julguem procedente o recurso interposto e, em consequência, anulem a decisão recorrida, nomeadamente a interdição de entrada em Macau por cinco anos (desde 14 de Julho de 2017) aplicada à recorrente.”
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Na contestação, a entidade recorrida pugnou pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:
“I. Não se aceita que a decisão da Administração esteja ferida de violação de lei, por erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários;
II. O crime previsto no artigo 14.º da Lei n.º 6/2004 consubstancia a consciência colectiva da sociedade que repugna este tipo de comportamento, pela tutela do bem jurídico relativo ao direito dos residentes;
III. E também pela perigosidade que representa o auxílio à entrada e permanência de forma ilegal de sujeitos sobre os quais não é possível exercer um controlo efectivo da sua actividade na RAEM, cujo comportamento pode ser de elevada perigosidade;
IV. A decisão da Administração demonstra claramente a existência de um perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas com a permanência da recorrente na RAEM, como prevê o n.º 3 do artigo 12.º da Lei n.º 6/2004, ex vi alínea 2) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003;
V. O perigo efectivo para a segurança e ordem públicas traduz um conceito indeterminado que admite larga margem de livre apreciação à Administração;
VI. Não sendo um acto punitivo porque não visa a aplicação de uma sanção, de uma multa, de privação de liberdade ou outra, nem é, obviamente, um acto judicial, proferido em sede de processo penal;
VII. Não é correcto equiparar a medida de revogação da autorização de permanência à moldura penal que cabe em abstracto ao crime de auxílio, nem daí extrair qualquer juízo de proporcionalidade;
VIII. O juízo de perigosidade efectivo formulado é legítimo e adequado à realização de um fim legal, visa a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses dos residentes;
IX. Não existe qualquer violação dos princípios gerais que limitam ou condicionam a discricionariedade das decisões da Administração, pelo que não se pode aceitar que a medida aplicada seja desproporcional;
X. Às normas que regulam a entrada e permanência de não-residentes está subjacente o interesse comum da tranquilidade securitária da RAEM e dos seus residentes e não os interesses fundamentais de que cuida o direito criminal;
XI. Para que o interesse da tranquilidade securitária da RAEM possa ser colocado em perigo por determinado não-residente, basta que existam indícios fortes de que esse tenha cometido um crime na RAEM;
XII. Os fortes indícios foram directamente constatados por pessoal verificador alfandegário, conforme o artigo 5.º desta contestação;
XIII. O potencial perigo para a segurança ou ordem públicas que a presença na RAEM da ora recorrente representa deve ser avaliado com base num juízo de prognose em relação ao seu comportamento futuro caso aqui permanecesse;
XIV. O arquivamento do processo penal teve como fundamento o n.º 2 do artigo 259.º do CPP e não o n.º 1 do mesmo artigo;
XV. Tal não impede a administração de valorar autonomamente os factos para efeitos de procedimento administrativo, conducente à aplicação das medidas previstas nas Leis n.ºs 4/2003 e 6/2004, por via da total independência face ao procedimento criminal;
XVI. O comportamento da Administração não enferma de nenhum vício que lhe seja imputado ou de quaisquer outros que devam ser sindicados por este Venerando Tribunal.
Pelo que, negando provimento ao presente recurso contencioso farão VV. Ex.as a costumada JUSTIÇA”
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Nenhuma das partes apresentou alegações facultativas.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 25 de Outubro de 2017, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, que, confirmando acto de 28 de Agosto de 2017, do Comandante do CPSP, interditou a entrada da recorrente A na Região Administrativa Especial de Macau pelo período de cinco anos.
Fundou-se tal acto na circunstância de ter a recorrente A cometido um crime de auxílio à imigração clandestina, com o que pôs em perigo a segurança e ordem públicas de Macau, o que esteve na base da revogação da sua autorização de permanência, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea 3), da Lei 6/2004, e na sequente interdição de entrada, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, alínea 2), da mesma Lei, sendo este vector da interdição da entrada o que vem questionado.
A recorrente acha que o acto padece dos vários vícios de violação de lei que lhe imputa na sua petição de recurso (erro nos pressupostos, violação do princípio da proporcionalidade e violação do princípio da igualdade), no que é contraditada pela autoridade recorrida, em cuja contestação se afirma a legalidade do acto e se pugna pela improcedência do recurso.
Vejamos, começando pelo erro nos pressupostos de facto.
Diz a recorrente que não há base factual para lhe ser imputada a prática do crime de auxílio à imigração ilegal que esteve na base do juízo de perigosidade em que assentou a sua interdição de entrada na Região Administrativa Especial de Macau.
Como bem resulta do procedimento administrativo no seu conjunto e do encaminhamento do caso para tratamento em sede penal, o acto de auxílio referido no acto administrativo sindicado (cf. despacho do Comandante do CPSP mantido pelo acto recorrido, com tradução a fls. 29 a 30 do apenso traduções) é o crime de auxílio à imigração clandestina.
Ora, compulsando todos os elementos fácticos disponíveis, quer os que constam do processo instrutor, quer os que foram fornecidos pelo Ministério Público, não há qualquer indício que aponte para a prática, por parte da recorrente, do aventado crime de auxílio.
Ela e outros foram detidos por suspeita de entrada ilegal em Macau, facto que confessaram. Todavia, ninguém admitiu, e nenhum deles imputou a quem quer que fosse, pessoa concreta e determinada, a prática de auxílio à imigração clandestina.
É certo que o também detido XXX disse, perante os agentes alfandegários, ter sido apresentado à A, por um tal A Keong, em XX, e que seguiu com esta até entrarem numa viatura, conduzida por um desconhecido, onde vieram a entrar mais quatro outros imigrantes clandestinos, todos tendo sido transportados num bote rápido para Macau. Mas nada imputa à A que possa ser entendido ou interpretado como participação, colaboração, ajuda ou auxílio a uma operação de imigração clandestina. Aliás, perante o juiz de instrução, confirmou as declarações prestadas nos Serviços de Alfândega e esclareceu que foi um homem que o ajudou a entrar clandestinamente em Macau, o qual lhe disse para pagar a importância do transporte (¥ 6.500) à pessoa que o iria receber em Macau, o que induz a conclusão de que não implicou a ora recorrente em qualquer actividade de auxílio à imigração clandestina nas suas declarações anteriormente prestadas nos serviços alfandegários.
Também os demais detidos se mostraram inteiramente alheios à hipótese de o transporte ter sido patrocinado ou tratado pela A. Nem sequer conseguiram reconhecê-la fotograficamente como uma das pessoas presentes no bote; todos falam de um indivíduo do sexo masculino como sendo quem providenciou o transporte; igualmente falam de um indivíduo do sexo masculino como sendo quem conduziu o automóvel em que viajaram em Zhuhai; e todos indicam um indivíduo do sexo masculino como sendo o condutor do bote que os trouxe até Macau...
Ante este cenário factual, quid juris quanto ao invocado erro nos pressupostos?
Cremos que a razão está do lado da recorrente.
Para imputar a alguém a prática de um crime, com as consequências que, em matéria administrativa, foram impostas à recorrente, a Administração tem que lidar com indícios suficientes ou fortes. Indícios são vestígios, marcas, provas, sinais, que, reportados a um crime, permitem formular um juízo de probabilidade de ter sido cometido um determinado tipo de ilícito criminal. Pois bem, perante as provas disponíveis e os passos mais significativos que destacámos, temos por seguro que não foram colhidos indícios, muito menos fortes ou suficientes, de que a recorrente tenha praticado qualquer crime, nomeadamente o de auxílio à imigração clandestina. E se dúvidas persistissem a esse respeito, também o despacho de arquivamento do Inquérito contribuiria para as desfazer, no sentido da insuficiência dos indícios.
É claro que a Administração não tem que estar condicionada pela apreciação que o Ministério Público venha a fazer dos indícios, até porque os procedimentos são independentes entre si e visam objectivos distintos. Mas há-de convir-se que, para aquilatar da prática de um crime, como pressuposto de uma expulsão e de uma interdição de entrada, a Administração não poderá deixar de lidar com cânones interpretativos iguais ou semelhantes àqueles em que se movem os tribunais na interpretação da lei penal e no preenchimento de conceitos indeterminados que a tarefa de interpretação comporta, como o de indícios suficientes ou indícios fortes.
Ora, à luz desses cânones de interpretação jurídica, tem-se por certo que, no caso, não há indícios, tão pouco ténues, de que a recorrente tenha cometido o crime que esteve na base da interdição da sua entrada na Região Administrativa Especial de Macau, por mais estranheza que a sua actividade de deslocação clandestina entre Macau e Zhuhai possa suscitar.
Procede, pois, a invocada violação de lei por erro nos pressupostos de facto, o que, salvo melhor juízo, prejudica a apreciação dos demais vícios, de feição subsidiária e dirigidos especificamente ao momento discricionário da fixação do prazo de interdição.
Termos em que, na procedência do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, deve o recurso obter provimento, anulando-se o acto recorrido.”
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os factos
1 - No dia 14 de Julho de 2017, o Chefe de Serviço de Migração do CPSP lavrou a seguinte decisão:
GOVERNO DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
SERVIÇO DE MIGRAÇÃO
DESPACHO
Assunto: revogação da autorização de permanência
Interessada: A, feminino, titular do BIR Permanente de Hong Kong n.º RXXXXXX(4)
Doc. Ref.: Guia de Apresentação dos Serviços de Alfândega n.º 0705/2017 e Auto de Notícia n.º 2654/2017
Em 13 de Julho de 2017, a interessada foi interceptada pelos verificadores alfandegários no Território. Segundo os dados da investigação dos Serviços de Alfândega, mostra-se que a interessada é arguida de um processo de “auxílio”, pois, foi levada pelos Serviços de Alfândega ao Ministério Público. Segundo os dados do auto, em 13 de Julho de 2017, numa beira-mar, na Cidade de Zhuhai da China, a interessada forneceu auxílio para a entrada ilegal, de bote rápido, na RAEM de vários indivíduos chineses. Após a investigação dos Serviços de Alfândega, um dos imigrantes ilegais verificou que a interessada levou-lhe a uma beira-mar na Cidade de Zhuhai da China para apanhar o bote rápido e entrar ilegalmente na RAEM. Há forte indícios de que a interessada praticou o acto criminoso acima indicado. Tendo em conta que o respectivo acto constitui perigo para a segurança ou ordem pública, nos termos do disposto no art.º 11.º, n.º 1, alínea 3) da Lei n.º 6/2004, e usando das competências subdelegadas pelo Despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública n.º 01/CPSP/2017P, decido revogar a autorização de permanência da interessada e decretar que a interessada1 tem de abandonar a RAEM de imediata.
R.A.E.M. aos 14 de Julho de 2017.
Chefe do Serviço de Migração do CPSP
(ass.: vide o original)
XXX, intendente
2 - No dia 28/08/2017 o Comandante do CPSP proferiu o seguinte despacho:
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
DESPACHO
Assunto: Medida de interdição de entrada na RAEM
Da investigação efectuada pelos Serviços de Alfândega de Macau resulta que a interessada A (A) (feminino, nascida em 24 de Abril de 1968, portadora do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Hong Kong nº RXXXXXX(4)) tinha praticado em Macau o seguinte acto:
A praticou acto de auxílio. No dia 13 de Julho de 2017, o pessoal alfandegário interceptou A e vários indivíduos, que entraram em Macau ilegalmente, na parte central da Estrada da Aldeia em Coloane. Foram inquiridos, um dos imigrantes ilegais alegou ter conhecido A no Interior da China através de um amigo que lha apresentou no Hotel XX (XX賓館) e, em seguida, foi a Zhuhai, acompanhado de A, de um carro privado conduzido por um homem, a fim de apanhar um barco rápido para entrar ilegalmente em Macau.
Uma vez que o referido acto da interessada pôs em perigo a segurança e ordem públicas de Macau, no intuito de assegurar o interesse público da Região e executar as atribuições específicas do CPSP, eu, no uso da competência subdelegada pelo Secretário para a Segurança e nos termos do artº 11º, nº 1, al. 3), e do artº 12º, nº 2, al. 2) da Lei nº 6/2004, determino interditar a entrada na RAEM da pessoa acima indicada por cinco anos (desde 14 de Julho de 2017)2.
De tal decisão pode recorrer hierarquicamente para o Secretário para a Segurança. Notifica-se, ainda, que a não observação da medida aplicada por parte da interessada incorre em violação do artº 21º da Lei nº 6/2004 e será punida com pena de prisão.
Corpo de Polícia de Segurança Pública, aos 28 de Agosto de 2017.
O Comandante do CPSP
XXX
Superintendente-Geral
3 - A interessada recorreu hierarquicamente e o Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho, em 25/10/2018:
“DESPACHO
Recurso hierárquico - Medida de interdição de entrada.
Recorrente: A, portadora do HKID n.º RXXXXXX(4).
Processo n.º 696312017
Considerando o teor do recurso hierárquico apresentado pela recorrente A, portadora do HKID n.º RXXXXXX(4), onde impugna o acto administrativo praticado no processo supra indicado pelo Comandante do CPSP em 28.08.2017, que lhe aplica uma medida de interdição de entrada na RAEM de 5 (cinco) anos,
Considerando o parecer de 23.10.2017 do Comandante do CPSP que conclui existir fundamento para a interdição de entrada da recorrente pelo prazo indicado, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea 3), e artigo 12.º, n.º 2, alínea 2), da Lei n.º 6/2004, e bem assim pela inexistência de qualquer vício que possa levar à anulabilidade do acto ora impugnado,
Determino o seguinte:
O juízo de perigosidade efectivo formulado pela Administração face ao comportamento da recorrente é legítimo e adequado à realização de um fim legal, visa a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses dos residentes.
O facto de ter existido um arquivamento em sede de processo penal (nos termos do n.º 2 do artigo 259.º do CPP e não nos termos do n.º 1 do mesmo artigo), não impede a administração de valorar autonomamente os factos para efeitos de procedimento administrativo, conducente à aplicação das medidas previstas nas Leis n.ºs 4/2003 e 6/2004, por via da total independência face ao procedimento criminal que pudesse vir a ter origem nos mesmos factos.
Afigura-se, pois, que o acto recorrido, praticado pelo Comandante do CPSP em 28.08.2017, no processo n.º 6963/2017, está devidamente fundamentado, inexistindo qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, razão pela qual decido confirmá-lo, negando provimento ao presente recurso hierárquico.
Notifique-se nos termos dos artigos 70.º a 72.º do Código do Procedimento Administrativo.
Gabinete do Secretário para a Segurança, aos 25 de Outubro de 2017.
O Secretário para a Segurança
Wong Sio Chak”
4 - O Inquérito nº 7640/2017 foi arquivado por despacho do Magistrado do MP, por não terem sido encontrados dados suficientes de a recorrente ter praticado o crime de auxílio (fls. 17-19 dos autos; fls. 32 do apenso “traduções”).
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IV – O Direito
1. A recorrente dispunha de autorização para permanecer em Macau até 11 de Maio de 2018.
Com base nos factos constantes do auto de notícia nº 2654/2017 (cfr. fls. 5-6 dos autos e 40-44 do apenso “traduções”), pelo Chefe do Serviço de Migração do CPSP, em 14/07/2017, foi proferido despacho de revogação da autorização de permanência da recorrente em Macau, decretando o seu abandono imediato da RAEM (fls. 2 ds autos e 38 do apenso “traduções”).
Posteriormente, em 28/08/2017, o Comandante do CPSP determinou a interdição de entrada em Macau da recorrente por um período de 5 anos.
E o Secretário para a Segurança, por despacho de 25/10/2017, em sede de recurso hierárquico, que considerou improcedente, manteve a referida interdição.
Este acto fundamenta-se no alegado facto de a recorrente ter cometido um crime de auxílio de entrada na RAEM, p. e p. pelo art. 14º da Lei nº 6/2004.
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2. A recorrente argui contra esta decisão a existência de dois vícios: um de violação de lei, por falta de base factual para sustentar a medida (parece ter querido invocar o erro sobre os pressupostos de facto); outro de violação do princípio da proporcionalidade e igualdade.
Conheçamo-los.
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2.1 – Do erro sobre os pressupostos de facto
No que se refere ao vício de violação de lei, e visto que o único normativo invocado foi o art. 21º, nº1, al. d), do CPAC, cremos que não quis a recorrente invocar a violação de normas legais, nomeadamente alguma que tivesse a ver com a Lei nº 6/2004 (Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão). Diferentemente, o que se crê é que a recorrente tenha querido invocar, mesmo sem assim expressamente o designar, erro nos pressupostos de facto, em virtude de, alegadamente, o procedimento administrativo não dispor de “base factual” (sic) para sustentar a medida.
Vejamos.
Os arts. 11º, nº1, al. 3) e 12º, nº2, al. 2), da Lei nº 6/2004, tendo em vista as medidas de revogação da autorização de permanência na RAEM e a interdição de entrada, pressupõem que a pessoa afectada com tais medidas “Constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM.”.
Ora, no caso, a medida de interdição decorreu, expressamente, do facto de haver indícios de a recorrente ter praticado um crime de auxílio, previsto no art. 14º da referida Lei.
Contudo, os dados constantes do procedimento administrativo, por si só, não são reveladores de que a recorrente estivesse envolvida na entrada em Macau dos imigrantes ilegais referidos no auto de notícia. E é sabido que, face à natureza do acto administrativo em causa, que faz parte da chamada administração agressiva e sancionatória, quem tem o ónus da prova dos factos integradores do ilícito é a própria entidade administrativa, tal como este TSI tem afirmado.
Assim, “Se a decisão administrativa não é propulsionada pelo particular e, pelo contrário, é tomada por iniciativa pública, seja para punir (direito sancionatório/disciplinar), seja para agredir (administração agressiva e ablativa), então a prova dos pressupostos no âmbito do procedimento pertence ao órgão administrativo.” (Ac. do TSI, de 25/10/2012, Proc. nº 23/2012).
Da mesma maneira, “O vício de erro sobre os pressupostos de facto, como tem sido abundantemente referido, deve ser alegado e provado por quem o invoca, a não ser nos casos de administração ablativa, impositiva e agressiva, hipóteses em que sobre a Administração recai o ónus de prova dos factos em que se baseia para agir contra o particular” (Ac. do TSI, de 18/04/2013, Proc. nº 647/2012).
Por outro lado, o próprio inquérito instaurado pelo Ministério Público com vista ao apuramento do envolvimento da recorrente na prática do aludido ilícito criminal viria a ser arquivado por falta de indícios suficientes.
Sobre este tema, tem este tribunal aderido a uma corrente jurisprudencial, que se pode sintetizar desta maneira:
- A extinção do procedimento penal por desistência de queixa não forma caso julgado sobre a inocência do arguido, não impedindo, pois, a Administração de retirar dos elementos constantes do respectivo processo penal as consequências jurídicas para efeitos de avaliação da perigosidade do arguido a fim de tomar medidas necessárias à defesa da segurança pública da RAEM (Ac. do TSI, de 14/07/2016, Proc. nº 288/2015).
- Se um arguido vem a ser absolvido no processo-crime por aplicação do princípio “in dubio pro reo”, essa absolvição não afasta automaticamente o juízo indiciário formulado pela entidade administrativa acerca dos indícios do ilícito, para efeitos da aplicação de uma medida de polícia, como é a de revogação de autorização de permanência ou a de interdição de entrada na RAEM (Ac. do TSI, de 22/11/2018, Proc. nº 452/2017);
- Se o arguido vem a ser absolvido no processo crime, não por causa da aplicação do princípio “in dúbio pro reo”, mas porque se prove que não cometeu o ilícito, isto é, porque se apure a inocência do arguido, então deixa de poder sustentar-se a decisão administrativa que apenas se tenha baseado em simples “indícios” do cometimento do ilícito (Ac. do TSI, de 27/04/2017, Proc. nº 993/2015).
- Se o Ministério Público determina o arquivamento do inquérito por falta de indícios suficientes para deduzir uma acusação, então à falta de melhores elementos que o procedimento pudesse reunir (mas não reúne), pode concluir-se que a aplicação da medida administrativa assente em simples indícios padece de erro sobre os pressupostos de facto (Ac. do TSI, de 22/09/2016, Proc. nº 770/2015; 12/05/2016, Proc. nº 769/2015).
O caso vertente enquadra-se no último dos grupos de situações. Somos até motivados a acrescentar o seguinte:
À recorrente apenas foi aplicada a medida de interdição de entrada porque a autoridade administrativa competente teve como por pressuposto assente (não apenas apoiado em indícios) a prática do crime de auxílio. E porque considerou que a recorrente cometeu o ilícito (art. 14º cit. dip.) inferiu que a sua presença na RAEM “constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM.” (art. 11º, nº1,al. 3), cit. dip.).
Quer dizer, diferentemente do que sucede em outras situações previstas na lei, em que basta a mera existência de “fortes indícios” justificativos de medida administrativa (v.g., art. 4º, nº2, al. 3), da Lei nº 4/2003), a aplicação da “revogação da autorização de permanência” (art. 11º, nº1, da Lei nº 6/2004) e a consequente “expulsão” (art. 12º, nº1, da Lei nº 6/2004) permitem determinar a “interdição de entrada” (art. 12º, nº2, al. 2), da Lei nº 6/2004) pelo simples facto de a presença do indivíduo “constituir perigo para a segurança ou ordem públicas” (art. 11º, nº1, al. 3), da Lei nº 6/2004).
E porquê esse perigo para a ordem e segurança públicas? A resposta é: “Nomeadamente pela prática de crimes, ou a sua preparação, na RAEM” (art. 11º, nº1, al. 3), da Lei nº 6/2004, com destaque nosso a negro).
Ora, o acto em apreço avançou para a solução de interdição de entrada pelo facto de a recorrente ter incorrido na prática de um crime de auxílio; isto é, deu-o por praticado, por consumado. O que significa que a Administração fez um juízo, nem sequer suportado em indícios, mas sim alicerçado em factos que preencheriam um ilícito, apesar de não ter sido submetido a julgamento, por não haver dados no inquérito que revelassem indiciariamente a sua prática.
Enfim, procede o vício de erro nos pressupostos de facto, já que os factos apurados no procedimento não ilustram o ilícito com base em cuja prática a Administração procedeu à interdição de entrada da recorrente na RAEM.
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2.2 – Da violação dos princípios da proporcionalidade e igualdade
Conhecemos destes vícios somente por precaução, dado que a procedência do vício anterior nos permitiria dar por prejudicado o seu conhecimento. Fazemo-lo, somente, para prevenir que a solução encontrada quanto àquele possa não vir a ser sufragada em sede de eventual recurso jurisdicional.
Depois de citar alguns acórdãos do TSI em matéria similar à dos presentes autos, vem a recorrente advogar que a medida é desproporcional, além de ferir o princípio da igualdade, já que nas situações a que a jurisprudência invocada se refere as medidas ali foram inferiores à de cinco anos de interdição.
Sem perda de tempo, devemos assinalar que nenhum dos princípios se pode dar por violado, visto que nenhuma das situações de facto respeitantes aos arestos por si mencionados é igual à dos presentes autos. E isso, desde logo, serve para afastar a violação do princípio da igualdade (art. 5º, do CPA).
No que respeita ao princípio da proporcionalidade, também não cremos que possamos fazer qualquer censura ao acto. Se os factos fossem certos (e vimos que não são) não teria este TSI motivo para sindicar o acto, já que não avistamos nele, sob esse ponto de vista, nenhum erro grosseiro, manifesto e ostensivo na aplicação dos poderes discricionários. E só perante esse pressuposto pode o TSI proceder à sindicância com êxito invalidante dos vícios que consistem na violação dos princípios gerais de direito administrativo assentes na prática de actos discricionários (Acs. do TUI de 22/03/2018, Proc. nº 83/2016 ou de 12/07/2017, Proc. nº 22/2017; e do TSI, de 14/06/2018, Proc. nº 3/2017; 19/04/2018, Proc. nº 265/2017; 19/01/2017, Proc. nº 137/2016, entre outros).
Improcedem, pois, estes vícios.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, pela procedência do vício de erro nos pressupostos de facto, acordam em julgar procedente o recurso contencioso, anulando o acto impugnado.
Sem custas.
T.S.I., 30 de Maio de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Mai Man Ieng
1 Destaque nosso.
2 Destaque nosso.
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Proc. nº 8/2018 1