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Processo n.º 997/2018 Data do acórdão: 2019-5-30 (Autos de recurso penal)
  Assuntos:
– fixação da quantia indemnizatória de danos morais
– critério equitativo
– art.o 489.o do Código Civil
S U M Á R I O
  A quantia indemnizatória de danos morais do lesado é fixada equitativamente em face da matéria de facto provada nos autos e à luz do disposto no art.° 489.° do Código Civil, não havendo, assim, nenhuma fórmula sacramental para a matéria em causa, por cada caso ser um caso.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 997/2018
(Autos de recurso penal)
  Recorrente (demandada civil): A








ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o acórdão proferido a fls. 547 a 556 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-17-0354-PCC (com enxerto cível de indemnização emergente de acidente de viação) do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), na parte decisória referente ao valor de MOP250.000,00 atribuído a título de indemnização pela taxa de 7% de invalidez física da ofendida demandante e ao valor de MOP400.000,00 atribuído a título de danos morais da mesma, veio a seguradora do veículo automóvel então conduzido pelo arguido chamada A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando e peticonando o seguinte, na sua essência (cfr. a motivação apresentada a fls. 565 a 581 dos presentes autos correspondentes):
– a indemnização requerida a título de incapacidade permanente parcial (IPP) refere-se aos benefícios monetários que a ofendida, por causa do acidente dos autos, deixou de receber;
– ora, através dos factos provados e dos documentos juntos aos autos, verifica-se que esta incapacidade de 7% em nada afectou a capacidade de trabalho da ofendida demandante;
– daí que a ofendida não tem direito a ser compensada monetariamente em sede da alegada IPP;
– até porque os danos morais consubstanciados nas dores e incómodos sofridos por ela em virtude de ter passado a sofrer da dita IPP foram indemnizados já através do montante que lhe foi atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais;
– outrossim, não se vislumbra qual ou quais os critérios de que o Tribunal recorrido lançou mão para chegar ao valor de MOP400.000,00, como quantia indemnizatória dos danos morais sofridos pela ofendida;
– sendo certo que no acórdão recorrido, não se fez a aplicação, ao caso concreto, dos princípios e regras gerais previstos na lei para a indemnização por danos morais;
– seja como for, tal quantia de MOP400.000,00 é exagerada, pelo que a mesma não poderia ser superior a MOP200.000,00, à luz do art.o 489.o do Código Civil (CC).
Subidos os autos, declarou (a fl. 622) a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, que não tinha legitimidade para emitir parecer, por estar em causa matéria meramente civil.
Feito o exame preliminar e corridos depois os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o seguinte:
– o acórdão ora recorrido encontra-se proferido a fls. 547 a 556, cuja fundamentação fáctica e jurídica se dá por aqui integralmente reproduzida;
– segundo a fundamentação jurídica desse aresto, o Tribunal recorrido entendeu fixar em MOP250.000,00 a quantia indemnizatória da taxa de 7% de invalidez física da ofendida demandante;
– na petição inicial de enxerto cível de indemnização (cfr. em concreto os pontos 17 a 24 da petição cível de fls. 236 e seguintes), a ofendida reclamou uma quantia não inferior a MOP350.000,00 para reparação da sua invalidez física sofrida na sequência do acidente de viação;
– conforme a matéria de facto provada em primeira instância, a ofendida sofreu 7% da IPP na sequência do acidente de viação dos autos.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesse enquadramento, apreciando:
O recorrente começou por defender que a IPP de 7% da ofendida demandante não deveria ser compensada pecuniariamente, por falta de prova de que essa IPP afecte a capacidade de trabalho da ofendida, por um lado, e, por outro lado, fosse como fosse, as dores e incómodos sofridos por esta ofendida por causa da dita IPP já seriam objecto de indemnização através do montante atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Há, porém, um pormenor, quiçá desconsiderado pela seguradora recorrente: a ofendida reclamou indemnização pela sua taxa de invalidez física, com base na IPP determinada por perícia.
Portanto, é descabida a tese de falta de prova de que a IPP afecte a capacidade de trabalho da ofendida.
E mesmo que assim não se entendesse, esta tese da seguradora seria contra toda a realidade presumível judicialmente sob a égide do art.o 342.o do CC com base nas regras da experiência da vida humana, pois a IPP de uma pessoa afecta naturalmente a sua capacidade de ganho no trabalho (neste sentido, cfr. o entendimento já veiculado por este TSI no acórdão de 12 de Fevereiro de 2015 do Processo n.o 740/2014, no tocante à determinação, equitativa, da quantia pecuniária para compensação da perda permanente parcial da capacidade de ganho).
Assim, atenta a matéria de facto provada, segundo a qual a ofendida sofreu 7% de IPP, mostra-se legal e justa a decisão, ora recorrida, de atribuição de uma quantia pecuniária autónoma para compensação da taxa de invalidez física da ofendida, enquanto as dores físicas e incómodos devem ser indemnizados dentro do âmbito de danos morais sofridos.
No demais, quanto ao valor atribuído no aresto recorrido para a compensação dos danos morais da ofendida.
Perante todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância, não se vislumbra que haja qualquer injustiça notória na fixação da quantia compensatória dos danos morais da ofendida em MOP400.000,00, em sede do art.o 489.o, n.o 1 e n.o 3, primeira parte, do CC, sendo de frisar que não há nenhuma fórmula sacramental para a matéria em causa, por cada caso ser um caso, cuja solução depende naturalmente dos ingredientes em concreto apurados, razões por que não pode a seguradora levantar a questão de falta de indicação concreta, por parte do Tribunal recorrido, de critérios concretos na fixação equitativa da quantia indemnizatória.
Nota-se que como este TSI acaba por manter todo o julgado cível da Primeira Instância, os juros legais da quantia indemnizatória total por que vinha condenada a seguradora recorrente no acórdão recorrido já começaram a contar-se a partir da data do acórdão recorrido (isto por obediência ao douto Acórdão Uniformizador da Jurisprudência do Venerando Tribunal de Última Instância, de 2 de Março de 2011, do Processo n.o 69/2010).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pela seguradora recorrente.
Macau, 30 de Maio de 2019.
______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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