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Proc. nº 938/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 30 de Maio de 2019
Descritores:
- Prova
- Livre convicção
- Divórcio litigioso
- Dever de cooperação conjugal
- Dever de respeito

SUMÁRIO:

I - A livre convicção do julgador da 1ª instância é soberana e só em caso de erro, que facilmente seja detectável, pode o tribunal do recurso censurar o modo como a apreciação dos factos foi feita. Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova.

II - Tem sido entendido que o dever de cooperação conjugal se manifesta na entreajuda dos cônjuges nos problemas quotidianos da sociedade familiar, na educação dos filhos, na defesa da saúde e nas necessidades de ordem material, excluídas aquelas que possam ser incluídas no dever de assistência a que se refere o art. 1536º.

III - Se o marido agrediu a mulher, se sai reiteradamente (várias vezes durante a semana) para espaços de diversão nocturna, deixando aquela em casa com a filha de ambos, ainda criança, se fica embriagado nesses estabelecimentos até ao ponto de ser necessário a mulher ir buscá-lo, isso é, objectivamente e a todas as luzes, desconsiderar a cônjuge mulher, é deixá-la fragilizada na sua consideração social (i.é., na imagem que dela podem fazer os outros), é relegar o sentimento desta para segundo plano, é transformar o ambiente familiar, que deveria ser de tranquilidade, paz e amor, num cenário dramático, de sofrimento e dor. É, enfim, violar o dever de respeito.


Proc. nº 938/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo feminino, casada, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM n.º 5XXXXXX(2), residente em Macau, …………………., ----
Instaurou no TJB (Proc. nº FM1-17-0006-CDL) ----
Acção especial de divórcio litigioso contra: ----
B, do sexo masculino, casado, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM n.º 7XXXXXX(7), residente em Macau, …………………..
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Por sentença de 21/05/2018 foi decretado o divórcio entre as partes e dissolvido o casamento entre elas, com culpa exclusiva atribuída ao réu.
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O réu, inconformado, recorre jurisdicionalmente da sentença, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Salvo o devido respeito, o Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, entendendo que o Tribunal a quo cometeu erro na apreciação das provas, nomeadamente as provas produzidas por meio de depoimentos prestados na audiência de julgamento.
A) Erro na apreciação de facto, cometido pelo Tribunal a quo
I- Não devem ser dados como provadas as alíneas E) e F) dos factos assentes;
2. Não devem ser dados como provadas as alíneas e) e f) dos factos assentes na sentença recorrida, constantes de fls. 244v. dos autos.
3. Então, a decisão não deve fundamentar-se na parte da fundamentação da sentença recorrida descrita entre as últimas duas linhas de fls. 245 e a 2ª linha de fls. 245v. dos autos, já que:
4. Conforme os depoimentos fornecidos pela testemunha in loco, C, na madrugada de 16 de Agosto de 2016, a testemunha viu que o Recorrente e a Recorrida entravam em disputa no quarto de Cubic, a situação era grave, eles não paravam de discutir e até chegavam à entrada, e o Recorrente estava ao pé da entrada do elevador e pretendia abandonar o local em causa.
5. Só que a Recorrida andava sempre a puxar o Recorrente, não o deixando abandonar o local em causa, e, por cima, rasgava a roupa do Recorrente e lesionava o pescoço deste com arranhadura; por ser rasgada a roupa do Recorrente, a testemunha despia-se e entregava a sua roupa ao Recorrente.
6. Em conjugação com a grande quantidade de fotografias, como anexos da contestação, constata-se que nessas fotografias se mostram que as unhas da Recorrida eram compridas e rígidas (unhas cristalizadas e espessadas); podemos imaginar como é que a Recorrida rasgava a roupa do Recorrente e lesionava o pescoço do mesmo com arranhadura, tal evento terrível; porém, o Recorrente não reagia, apenas ficava de pé num sítio e não ligava a Recorrida.
7. Posteriormente, a testemunha, C, conduzia o automóvel branco de marca BMW da Sr.ª X e levava o Recorrente e a Recorrida para a residência da família dos mesmos; a testemunha disse que o Recorrente sentava no lugar que está ao lado do assento de motorista, enquanto a Recorrida estava por trás da testemunha, ou seja, no lugar que se situa na parte traseira do assento de motorista; daí se vislumbra que o Recorrente e a Recorrida sentavam em duas pontas diagonais.
8. À luz das disposições legais de Macau, é obrigatório o uso de cinto de segurança pelos passageiros sentados no banco que está ao lado do assento de motorista, a par disso, BMW é uma marca de automóveis europeus, cuja parte interior é espaçosa, o banco da frente fica a certa distância do banco de trás, além disso, o Recorrente e a Recorrida estavam sentados nos lugares que se situam em duas pontas de uma grande linha diagonal.
9. Das simples experiências se constata que caso o Recorrente virasse subitamente para a Recorrida que estava sentada no banco de trás, e lhe desse um soco, evidentemente, o Recorrente teria de usar a mão esquerda e atingir o lado direito do rosto da Recorrida, mas isso é impossível.
10. Após o uso de cinto de segurança, limita-se evidentemente o espaço de movimento do Recorrente, ademais, segundo a distância entre os lugares onde sentavam o Recorrente e a Recorrida, o uso da mão esquerda para agredir o lado direito do rosto, a reacção da defesa natural que um Homem médio tem quando for atacado (recua) e as regras da experiência comum, conforme a situação da dada altura, é impossível que a Recorrida (sic) agredisse o lado direito do rosto da Recorrida com soco e causasse lesões à mesma.
11. Conforme os depoimentos da testemunha C, na altura, ele estava a conduzir (i.e., com a cara virada para o pavimento da sua frente), por isso, era difícil ver se o soco do Recorrente tinha atingido ou não a Recorrida, ou em que parte do corpo tinha sido atingida.
12. Tendo-se analisado sinteticamente os depoimentos da testemunha in loco, C, e da testemunha, D, que ouviu o sucedido do caso transmitido pela Recorrida, em conjugação com a situação geral do caso ocorrido naquela noite, infere-se razoavelmente que, após o Recorrente ter agido, a Recorrida mentiu que tinha sido agredida e lesionada pelo Recorrente com soco.
13. Dos depoimentos da testemunha, D (mãe da Recorrida), arrolada pela Autora se verifica que, na madrugada de 16 de Agosto de 2016, a Recorrida conduzia o carro até Cubic com o intuito de levar o Recorrente para casa; já no auto-silo de Cubic a Recorrida via o Recorrente e entrou em disputa com o mesmo, “trocando pontapés”. Pode interpretar-se que o Recorrente e a Recorrida apareceram em Cubic quase ao mesmo tempo e se encontraram no auto-silo.
14. De acordo com os depoimentos da testemunha, D, no carro, o Recorrente deu dois socos à Recorrida que “ficou estonteada” e “ficou com visão obscura”; em seguida, por volta das 03h00, a testemunha viu que a Recorrida apareceu na casa da testemunha, situada no Edf. Long Yuen.
15. Pelos depoimentos da testemunha in loco, C, verifica-se que tais depoimentos são compatíveis com a situação relatada na contestação, isto é, depois da discussão entre o Recorrente e a Recorrida ocorrida no quarto de Cubic, a Recorrida rasgou a roupa do Recorrente e, posteriormente, a testemunha, C, conduziu o carro e levou-os para a casa deles, situada em La Baie Du Noble.
16. A verdade não é tal como mencionado pela mãe da Recorrida, ora testemunha D: No auto-silo de Cubic, eles “trocaram pontapés”, e o Recorrente atirou a garrafa de vinho contra a Recorrida.
17. O pior é que os depoimentos da mãe da Autora, como testemunha, são incompatíveis com a situação relatada na petição inicial.
18. Os depoimentos da testemunha, C, mostram claramente que, na altura, por volta das 04h00 a 05h00, a Recorrida deslocou-se a Cubic para levar o Recorrente para casa; enquanto os depoimentos da testemunha, D, mostram que, às 03h00, ela levantou-se e viu que a Recorrida estava na sua casa (Edf. Long Yuen).
19. O mais importante é que, desde princípio, a testemunha, C, só disse que, no carro, o Recorrente apenas deu um soco, sendo diferente daquilo que os depoimentos de D indicam: no auto-silo de Cubic, o Recorrente entrou em disputa com a Recorrida, “trocando pontapés”, bem como atirou a garrafa de vinho contra a Recorrida; no carro, deu dois socos à Recorrida, fazendo que esta “ficou estonteada” e “ficou com visão obscura”; e, posteriormente, indicam ainda que a Recorrida apenas tinha “lesões ligeiras”, não precisando de se submeter a qualquer tratamento.
20. Objectivamente, a testemunha, C, é a única testemunha in loco que presenciou o processo inteiro do evento;
21. Conforme os depoimentos da testemunha, C, a Recorrida entrou em disputa com o Recorrente no quarto de Cubic, bem como rasgou a roupa do Recorrente e feriu o pescoço do mesmo com arranhadura. C conduziu e levou o Recorrente e a Recorrida para La Baie Du Noble; ao chegar a casa, a Recorrida arrumou e levou as suas coisas e foi-se embora; por seu turno, o Recorrente também não pretendeu ficar no seu domicílio e, enfim, deslocou-se à casa da testemunha, C, e pernoitou lá.
22. Podemos imaginar que caso, no carro, o Recorrente lesionasse a Recorrida com soco e causasse “visão obscura” à Recorrida, a testemunha, E (sic), ao chegar ao domicílio do Recorrente e da Recorrida, situado em “La Baie Du Noble”, deveria ter visto o rosto vermelho e inchado da Recorrida; porém, essa testemunha disse que não tinha visto a lesão da Recorrida. Isso foi confirmado pelo MM.º presidente do colectivo do Tribunal a quo.
23. Pelo contrário, os factos invocados pela Recorrida, como Autora, nos artigos 12º a 14º da petição inicial são altamente divergentes dos depoimentos da testemunha in loco, C, sendo, manifesta e plenamente, incompatíveis com a realidade, mas são compatíveis com a situação mencionada pelo Recorrente na contestação.
24. Na verdade, a Recorrida arrumou e levou as suas coisas e abandonou o seu domicílio, sito em La Baie Du Noble, e não foi expulsa pelo Recorrente da residência da família, como referido pela Recorrida no facto descrito no artigo 14º da petição inicial.
25. Ademais, no processo não existe qualquer prova que demonstre que o Recorrente deu soco e atingiu a Recorrida, tampouco lesionou a Recorrida.
26. Se não entender assim, conforme o conteúdo das mensagens telefónicas entre a Recorrida e a mãe do Recorrente que foram apresentadas pela Recorrida em fls. 175 a 184 dos autos, constata-se que, após a ocorrência do alegado evento de agressão com soco (16 de Agosto de 2016), a Recorrida assinalou claramente na mensagem de 20 de Outubro de 2016 que: “…já não me importo com o barulho e a violência feitos por ele contra mim após ser embriagado, mas a filha está a viver connosco…”; conforme o sentido literal da referida expressão, verifica-se que a Recorrida revelou claramente que, ao remeter mensagem à mãe do Recorrente, ela já tinha perdoado o Recorrente, mesmo que o Recorrente tivesse praticado violência contra ela após ser embriagado (mas não quer dizer que concordamos que o Recorrente praticou violência contra a Recorrida);
27. Do sentido literal do conteúdo da mensagem em apreço se conclui que a Recorrida, ao responder à mãe do Recorrente, disse que ela não coabitava com o Recorrente porque, desde 2012, ela pedia e insistia em remodelar a casa, mas até agora o Recorrente ainda não realizou as obras de remodelação nem forneceu um abrigo à Recorrida e à filha.
28. Deste modo, pelos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência e pelo conteúdo das mensagens fornecido pela Recorrida, averigua-se que, desde 2012, o Recorrente não remodelou a sua residência, entendeu a Recorrida que ela própria e sua filha não tinham abrigo, a filha tinha de morar com a mãe do Recorrente e os demais familiares, bem como em casa se mantinha sempre um ambiente intranquilo, sendo essa a situação que a Recorrida não pretendia, pelo que ela não coabitou com o Recorrente; portanto, em 16 de Agosto de 2016, o Recorrente fez um gesto de dar soco à Recorrida não é a razão que levou a Recorrida a abandonar a sua residência da família.
29. Assim sendo, não devem ser dados como provadas as alíneas e) e f) dos factos assentes na sentença recorrida, constantes de fls. 244v. dos autos; então, a decisão não deve fundamentar-se na seguinte parte da fundamentação da sentença recorrida, constante de fls. 245 dos autos: “Da prova produzida resultou demonstrado que o Réu agrediu a Autora com o punho (soco)…”.
II- Não devem ser dados como provadas as alíneas d) e g) dos factos assentes;
30. Não devem ser dados como provadas as alíneas d) e g) dos factos assentes na sentença recorrida, constantes de fls. 244v. dos autos.
31. Então, a decisão não deve fundamentar-se na parte da fundamentação da sentença recorrida descrita entre 3ª e 6ª linhas de fls. 245v., e entre as últimas três linhas de fls. 245 e 4ª linha de fls. 246 dos autos, já que:
32. Conforme os depoimentos das testemunhas C, F e G, o Recorrente responsabiliza-se essencialmente pelo trabalho externo e de socialização no Fomento Predial Kam Seng criado pela sua mãe; ele socializa com os promotores imobiliários (mormente os promotores do Interior da China que vieram a Macau), o pessoal do sector imobiliário, os amigos, os intermediários imobiliários, os clientes que são filhos dos ricos, entre outros, e, geralmente, esses últimos costumam ir a Cubic para tomarem bebidas alcoólicas e se divertirem.
33. A testemunha, C, salientou na audiência perante o Tribunal a quo: actualmente, os negócios imobiliários são feitos da seguinte forma: às vezes, temos de socializar no Interior da China e isso é necessário para poder obter mais negócio, sendo uma prática comercial normal no sector imobiliário actual.
34. Ademais, conforme os depoimentos das testemunhas C, F e G, muitas vezes, a Recorrida também se deslocava a Cubic juntamente com o Recorrente, para socializar, tomar bebidas alcoólicas e se divertir.
35. É incompreensível e dificilmente aceitável o teor das linhas 1 a 4 do motivo da sentença recorrida, constantes de fls. 246 dos autos: “…quando não consentido pelo outro cônjuge, não se pode considerar que seja o comportamento normal do homem médio, se tal for usado de forma reiterada como acontece no caso dos autos.”.
36. À luz dos depoimentos das testemunhas e grande quantidade de fotografias constantes da contestação, na verdade, desde sempre, o Recorrente não ocultou a natureza do seu trabalho perante a Recorrida, isto é, ele precisava de ir a estabelecimentos de entretenimento e tomar bebidas alcoólicas com os clientes, bem como necessitava de pedir bebidas alcoólicas para os clientes…. a fim de manter relação amigável com os promotores e clientes.
37. A par disso, de acordo com os depoimentos da testemunha, G, muitas vezes, o Recorrente pedia bebidas alcoólicas em Cubic por pretender criar bom ambiente para os clientes (patrões) e torna-los mais prestigiosos, favorecendo a negociação.
38. De acordo com os depoimentos da testemunha, E (sic), a Recorrida também tomava bebidas alcoólicas e se divertia com o Recorrente; além disso, conforme os depoimentos da testemunha, F, a sua nora (Recorrida) ia frequentemente com o Recorrente a Cubic para tomar bebidas alcoólicas e se divertir.
39. De acordo com os depoimentos da testemunha, F, como patroa do Fomento Predial Kam Seng, o Recorrente era acompanhado e ajudado por motorista, trabalhadores e amigos a tomar bebidas alcoólicas quando tivesse de assistir a actividade de socialização, não se verificando, portanto, o facto de a Recorrida precisar de buscar o Recorrente na noite tardia.
40. A testemunha, F, acrescentou nos seus depoimentos que ela, como patroa, tinha pleno conhecimento das despesas com a socialização e com as bebidas alcoólicas despendidas pelo Recorrente por motivo de trabalho, a par disso, após a conferição das contas, ela reembolsou as aludidas despesas ao Recorrente consoante o pedido formulado pelo mesmo à sociedade.
41. Aliás, conforme as fotografias como anexos da contestação, em 24 e 28 de Junho, 9 e 28 de Julho de 2016, entre outras datas, o Recorrente tinha celebrado, de forma antecipada, atempada e compensatória, o aniversário da Recorrida em vários estabelecimentos nocturnos de Macau, Taiwan e Hong Kong; as fotografias mostram que havia muitos empregados que levavam champagnes com velas postas em cima, bem como seguravam placas luminosas onde foram escritos I LOVE DEBBIE e Happy Birthday, My lovely wife;
42. Das fotografias se constata que o Recorrente, ao celebrar o aniversário da Recorrida, costumava pedir certa quantidade de bebidas alcoólicas para a Recorrida e, por seu turno, a Recorrida aceitava e sentia contente com essa atitude;
43. Além do mais, conforme o documento como anexo 6 da contestação, por e-mail, o Recorrente sempre sabia que a Recorrida utilizava, em qualquer momento, a função “Find My iPhone” do telemóvel para procurar o sítio em que o Recorrente permanecia; a par disso, a testemunha D também indicou nos depoimentos que, realmente, a sua filha (ora Recorrida) tinha procurado o paradeiro do Recorrente através do sistema de localização GPS.
44. Conforme os depoimentos da testemunha, F, graça ao bom relacionamento interpessoal e à boa capacidade de socialização do Recorrente, desde 2012, o Fomento Predial Kam Seng começou a cooperar com os promotores imobiliários de Hengqin e com Shun Tak Holdings, bem como ao qual foram directamente distribuídos os apartamentos novos; daí se constata que, desde 2012, a Recorrida começou a saber e conhecer a natureza do trabalho do Recorrente.
45. Conforme os anexos 11 e 12 da petição inicial e grande quantidade de fotografias constantes da contestação, tal como segundo os depoimentos prestados na audiência de julgamento, as partes concluem unanimemente que a Recorrida é apenas uma adjunta-técnica especialista da Direcção dos Serviços de Finanças, portanto, mesmo que tenha 6 ou 10 vezes o seu vencimento, ela não consegue obter essa vida tão luxuosa e um LAMBORGUINI como seu meio de transporte.
46. Pelo exposto, a Recorrida controlava plenamente o paradeiro do Recorrente, aceitava a vida luxuosa e grande quantidade de artigos de marcas notoriamente conhecidas oferecidos pelo Recorrente, acompanhava frequentemente o Recorrente a tomar bebidas alcoólicas e divertir-se em estabelecimentos nocturnos, tinha conhecimento dos negócios familiares do Recorrente e sabia que este tinha de comparecer a estabelecimentos nocturnos por motivo do trabalho, então, como é que se pode concluir que ela não concorda com a conduta do Recorrente?
47. Nesta conformidade, segundo a forma de convivência matrimonial entre o Recorrente e a Recorrida, o modo de trabalho, o modo de vida de prossecução de luxo e de alto consumo excessivo, verifica-se que o critério de vida do Recorrente e da Recorrida é dificilmente comparável com o da família comum ou do homem médio, por conseguinte, este caso não pode ser avaliado por critério geral.
48. Assim, é difícil chegar à conclusão das linhas 1 a 4 do motivo da sentença recorrida, constantes de fls. 246 dos autos: “…quando não consentido pelo outro cônjuge, não se pode considerar que seja o comportamento normal do homem médio, se tal for usado de forma reiterada como acontece no caso dos autos.”.
49. Pelas informações constantes dos autos, constata-se que a Recorrida, como adjunta-técnica especialista da DSF, tem horário de trabalho fixo; se, frequentemente ou até diariamente, das 4 às 5 horas de madrugada, a Recorrida precisar de sair da sua residência, sita em La Baie Du Noble, para buscar o Réu na Taipa, então, no dia seguinte, como é que ela consegue chegar, pontualmente, às 9 horas, ao local de trabalho? Por cima, ela tem de se vestir e fazer maquiagem logo na manhã cedo?
50. Assim, conforme os depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência, em conjugação com as regras da experiência comum, não devem ser dados como provadas as alíneas d) e g) dos factos assentes na sentença recorrida, pelo que a sentença recorrida não se deve fundamentar nos respectivos factos.
III- Não deve ser dado como provada a alínea h) dos factos assentes;
51. Não deve ser dado como provada a alínea h) dos factos assentes na sentença recorrida, constante de fls. 244v. dos autos.
52. Conforme a última linha de fls. 246 até a 4ª linha de fls. 246v., a sentença recorrida deu como provado: …mas sim de um comportamento boémio reiterado sem que nada compense no que respeita ao envolvimento com a vida familiar, uma vez que no caso dos autos a educação da filha, é também ela, deixada ao encargo do outro cônjuge.
53. Todavia, segundo os depoimentos da testemunha, C, a Recorrida também tomava bebidas alcoólicas e se divertia com o Recorrente; além disso, conforme os depoimentos da testemunha, F, a sua nora (Recorrida) ia frequentemente com o Recorrente a Cubic para tomar bebidas alcoólicas e se divertir.
54. Aliás, conforme as fotografias como anexos da contestação, em 24 e 28 de Junho, 9 e 28 de Julho de 2016, entre outras datas, o Recorrente tinha celebrado, de forma antecipada, atempada e compensatória, o aniversário da Recorrida em vários estabelecimentos nocturnos de Macau, Taiwan e Hong Kong; as fotografias mostram que havia muitos empregados que levavam champagnes com velas postas em cima, bem como seguravam placas luminosas onde foram escritos I LOVE DEBBIE e Happy Birthday, My lovely wife;
55. Das fotografias se constata que o Recorrente, ao celebrar o aniversário da Recorrida, costumava pedir certa quantidade de bebidas alcoólicas para a Recorrida e, por seu turno, a Recorrida aceitava e sentia contente com essa atitude;
56. Segundo os depoimentos da testemunha, H (sic), a Recorrida também foi frequentemente com o Recorrente a socializar com os promotores do Interior da China, clientes e pessoal do sector imobiliário.
57. À luz das provas documentais constantes dos autos (mormente a fotografia apresentada pelo Recorrente no anexo 5 da contestação) e dos depoimentos das testemunhas, a Recorrida também costumava convidar os seus amigos ou ir com o Recorrente a estabelecimentos nocturnos nos seus tempos livres, pelo que as actividades de injecção de álcool, de diversão e de abertura de bebidas alcoólicas para efeito de celebração são realmente parte do modo de vida do Recorrente e da Recorrida.
58. Segundo grande quantidade de fotografias como anexos da contestação e o automóvel branco de marca LAMBORGUINI de modelo LP-610-4 como anexo 12 da petição inicial, bem como se tendo efectuado comparação das notas de abono apresentadas pela Recorrida na petição inicial, constata-se que caso a Recorrida só dependesse do seu vencimento de valor tão reduzido, e não tivesse o grande suporte financeiro do Recorrente e da mãe deste, ela não podia ter uma vida tão luxuosa.
59. De acordo com os depoimentos da testemunha F, o Recorrente amava muito a Recorrida na constância do casamento, e, desde que a Recorrida gostasse, o Recorrente oferecia-lhe malas e roupas de marcas notoriamente conhecidas e anéis de diamante de vários quilates (ct) que custavam centenas de milhares de patacas. A par disso, os encargos e as despesas familiares foram integralmente sustentadas pela testemunha, incluindo as despesas feitas pela sua neta, uma vez que o Recorrente trabalha para ela.
60. Conforme grande quantidade de fotografias como anexos da contestação, a Recorrida tinha pouco mais de dez malas de marca Hermès e das demais marcas internacionalmente conhecidas, usava artigos de marcas internacionalmente conhecidas, bem como conduzia LAMBORGUINI como meio de transporte.
61. Porém, de acordo com os depoimentos da testemunha D (mãe da Recorrida), as coisas acima expostas foram todas compradas pela Recorrida com o seu dinheiro; entretanto, conforme a nota de abono como documento 11 da petição inicial e o artigo 37º dos factos invocados na petição inicial, a Recorrida era adjunta-técnica especialista da DSF, auferia mensalmente um vencimento líquido de MOP40.000,00. Então, como é que a Recorrida conseguia sustentar um consumo tão luxuoso com o rendimento dela? Assim sendo, a testemunha é manifestamente ilógica e isso também foi referido pelo douto Tribunal a quo na audiência.
62. Na verdade, o Recorrente satisfazia quase tudo o que a Recorrida pedia, sempre desempenhava o trabalho com dedicação e mantinha sempre a vida luxuosa da Recorrida;
63. Segundo as fotografias como anexos 1 a 5 da contestação, o Recorrente fazia companhia à Recorrida e à sua filha nos feriados, e nos dias de aniversário das mesmas; nos seus tempos livres, ele acompanhava-as a viajar, passear e comprar brinquedos em supermercado, a par disso, usava roupa de modelo igual ao da roupa da sua filha, bem como tratava a filha como princesinha.
64. Na altura, a sua filha tinha apenas 4 anos de idade e andava no 2º ano da educação de infância (K2), por isso, não havia problema de trabalho escolar e o mais importante era deixar a criança a crescer com alegria e felicidade.
65. Ademais, nos autos não há nenhum fundamento que demonstre que o Recorrente, por ter saído da casa para tomar bebidas alcoólicas, ignorava a Recorrida e sua filha ou atribuía integralmente à Recorrida a responsabilidade de cuidar e de educar a filha.
66. Pelo contrário, segundo grande quantidade de fotografias como anexos da contestação e os depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência, o Recorrente tem estimado bastante o tempo de convivência com a Recorrida e a filha, e, frequentemente, eles três gozam juntos das felicidades da vida familiar; por conseguinte, é difícil concluir que o Recorrente não participou nas actividades familiares e atribuiu tal responsabilidade à Recorrida, como foi mencionado na sentença recorrida.
67. Assim sendo, não deve ser dado como provado o facto descrito na sentença recorrida, constante das linhas 3 a 6 de fls. 244v. dos autos: “…mas sim de um comportamento boémio reiterado sem que nada compense no que respeita ao envolvimento com a vida familiar, uma vez que no caso dos autos a educação da filha, é também ela, deixada ao encargo do outro cônjuge”.
B) A sentença recorrida padece do vício de violação da lei e do erro de julgamento
I- Violação de disposição legal
68. Nos termos do disposto no Código Civil, há dois fundamentos do requerimento do divórcio litigioso:
1. A violação culposa dos deveres conjugais por um dos cônjuges;
2. A deterioração factual do casamento.
69. A Recorrida requereu o divórcio com fundamento na violação do dever conjugal por parte do Recorrente.
70. Ao abrigo do disposto no art.º 1635º do Código Civil: “1. Qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum. 2. Na apreciação da gravidade dos factos invocados, deve o tribunal tomar em conta, nomeadamente, a culpa que possa ser imputada ao requerente e o grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges.”
71. Conforme a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo: “Provado apenas que na madrugada de 16 de Agosto de 2016 a Autora foi buscar o Réu ao Cubic tendo-se os dois envolvido numa discussão vindo o Réu a bater na Autora com o punho,”
72. Todavia, conforme os depoimentos da testemunha C, na madrugada de 16 de Agosto de 2016, a testemunha C conduzia e levava o Recorrente e a Recorrida para La Baie Du Noble, e, na altura, ele estava a conduzir (i.e., com a cara virada para o pavimento da sua frente), por isso, era difícil ver se o soco do Recorrente tinha atingido ou não a Recorrida, ou em que parte do corpo tinha sido atingida.
73. Logo no início dos depoimentos, a testemunha D indicou que, no auto-silo de Cubic, o Recorrente entrava em disputa com a Recorrida, “trocando pontapés”; atirava a garrafa de vinho contra a Recorrida; no carro, dava dois socos à Recorrida, fazendo que esta “ficou estonteada” e “ficou com visão obscura”; e, posteriormente, indicou ainda que a Recorrida apenas tinha “lesões ligeiras”, não precisando de se submeter a qualquer tratamento.
74. Conforme os depoimentos da testemunha, C, a Recorrida entrou em disputa com o Recorrente no quarto de Cubic, bem como rasgou a roupa do Recorrente e feriu o pescoço do mesmo com arranhadura. C conduziu e levou o Recorrente e a Recorrida para La Baie Du Noble; ao chegar a casa, a Recorrida arrumou e levou as suas coisas e foi-se embora; por seu turno, o Recorrente também não pretendeu ficar no seu domicílio e, enfim, deslocou-se à casa da testemunha, C, e pernoitou lá.
75. Podemos imaginar que caso, no carro, o Recorrente lesionasse a Recorrida com soco, a testemunha, E (sic), ao chegar ao domicílio do Recorrente e da Recorrida, situado em La Baie Du Noble, deveria ter visto o rosto vermelho e inchado da Recorrida; porém, essa testemunha disse que não tinha conhecimento disso.
76. Daí se vislumbra que, tanto no quarto de Karaoke de Cubic como na sua residência, o Recorrente só optou por abandonar o local em que estava e não pretendendo encarar a Recorrida, quando estivesse irritado, e nunca praticou acto que a ofendesse;
77. Ademais, conforme as mensagens enviadas pela Recorrida à mãe do Recorrente que foram apresentadas pela Recorrida em fls. 175 a 184 dos autos, após a ocorrência do facto, em 20 de Outubro de 2016, a Recorrida revelou manifestamente que ela já tinha perdoado o Recorrente.
78. Nos termos do disposto na alínea b) do art.º 1636º do Código Civil: “Se houver revelado pelo seu comportamento posterior, designadamente por perdão, expresso ou tácito, não considerar o acto praticado como impeditivo da vida em comum.”
79. Contudo, conforme a parte da sentença recorrida constante de fls. 245 dos autos, deu-se como provado o seguinte: “Da prova produzida resultou demonstrado que o Réu agrediu a Autora com o punho (soco), situação que foi o bastante para que a Autora deixasse de viver com o Réu passando a residir na casa da sua mãe juntamente com a filha do casal.”, sendo a decisão de divórcio fundamentada no alegado caso de agressão com soco.
80. Deste modo, a sentença recorrida violou o disposto na alínea b) do art.º 1636º do Código Civil.
81. Conforme os depoimentos da testemunha, F, graça ao bom relacionamento interpessoal e à boa capacidade de socialização do Recorrente, desde 2012, o Fomento Predial Kam Seng começou a cooperar com os promotores imobiliários de Hengqin e com Shun Tak Holdings, bem como ao qual foram directamente distribuídos os apartamentos novos; daí se constata que, desde 2012, a Recorrida começou a saber e conhecer a natureza do trabalho do Recorrente.
82. Conforme os anexos 11 e 12 da petição inicial e grande quantidade de fotografias constantes da contestação, tal como segundo os depoimentos prestados na audiência de julgamento, as partes concluem unanimemente que a Recorrida é apenas uma adjunta-técnica especialista da Direcção dos Serviços de Finanças, portanto, mesmo que tenha 6 ou 10 vezes o seu vencimento, ela não consegue obter essa vida tão luxuosa e um LAMBORGUINI como seu meio de transporte.
83. Ademais, das informações constantes dos autos e dos depoimentos das testemunhas se constata que a Recorrida também gostava de se divertir em estabelecimentos nocturnos, bem como, muitas vezes, ia divertir-se em Cubic juntamente com o Recorrente; e, da grande quantidade de fotografias constantes da contestação se vislumbra que a Recorrida estava contente nesses estabelecimentos.
84. Dos depoimentos de várias testemunhas se averigua que o Recorrente, como intermediário imobiliário, visando satisfazer as exigências e as necessidades dos clientes, precisa de socializar frequentemente com os promotores imobiliários, pessoal do mesmo sector ou clientes, a fim de arranjar mais oportunidades para a sua sociedade, a par disso, as respectivas despesas foram sustentadas pela sociedade.
85. Porém, das últimas três linhas de fls. 245v. à 4ª linha de fls. 246 dos autos, a sentença recorrida assinala: “Frequentar estabelecimentos de diversão nocturna de forma reiterada, ingerindo bebidas alcoólicas ao ponto de ficar embriagada, despendendo avultadas quantias a pagar bebidas na casa das centenas de milhares de patacas, quando não consentindo pelo outro cônjuge, não se pode considerar que seja o comportamento normal do homem médio, se tal for usado de forma reiterada como acontece no caso dos autos.”
86. A Recorrida controlava plenamente o paradeiro do Recorrente, aceitava a vida luxuosa e grande quantidade de artigos de marcas notoriamente conhecidas oferecidos pelo Recorrente, acompanhava frequentemente o Recorrente a tomar bebidas alcoólicas e divertir-se em estabelecimentos nocturnos, tinha conhecimento dos negócios familiares do Recorrente e sabia que este tinha de comparecer a estabelecimentos nocturnos por motivo do trabalho, pelo que o Recorrente não compreende como é que se pode concluir que a Recorrida não concorda com a conduta dele?
87. Nesta conformidade, a vida que o Recorrente e a Recorrida tinham na constância do casamento, não pode ser avaliada, de forma nenhuma, pelo critério de família comum, visto que, conforme tanto os anexos da petição inicial como os da contestação, ou de acordo com os depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência, verifica-se que a vida que eles tinham, é dezenas de vezes mais luxuosa do que a do homem médio, por conseguinte, a vida deles não pode ser avaliada por critério geral.
88. Daí se constata que tais actos praticados pelo Recorrente não são compatíveis com o acto previsto no n.º 1 do art.º 1635º do Código Civil: “quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum”.
89. Assim sendo, a tese invocada pela sentença recorrida entre as últimas três linhas de fls. 245v. e a 4ª linha de fls. 246 dos autos – “Frequentar estabelecimentos de diversão nocturna de forma reiterada… se tal for usado de forma reiterada como acontece no caso dos autos.” – não é compatível com o disposto no art.º 1635º do Código Civil, não podendo ser fundamento da decisão de divórcio;
90. A sentença recorrida violou o disposto no art.º 1635º do Código Civil.
II- Erro de julgamento
91. À luz do acórdão proferido pelo TSI no processo n.º 270/2015: “O erro de julgamento consiste no erro na subsunção dos factos apurados a norma jurídica ou no erro na interpretação dos factos apurados como causa da determinada consequência jurídica, cometidos pelo tribunal.”
92. Em fls. 246 dos autos, a sentença recorrida indica: “Regressa a casa ou ter a esposa de o ir buscar de madrugada a estabelecimentos nocturnos por estar embriagado o que acontece várias noites à semana não só pressupõe a violação do deverde cooperação pela simples razão de que se a pessoa passa as noites em estabelecimento nocturnos e regressa a casa embriagado não está naturalmente disponível para assumir as responsabilidades inerentes à vida familiar, como também, já resvala para a violação do dever de respeito devido ao outro cônjuge face à imagem social que tal comportamento traz para o casamento, sendo certo que não se tratam aqui de actos ocasionais e esporádicos – estes perfeitamente enquadráveis naquilo que se pode considerar com um comportamento normal e socialmente adequado -, mas sim de um comportamento boémio reiterado sem que nada compense no que respeita ao envolvimento com a vida familiar, uma vez que no caso dos autos a educação da filha, é também ela, deixada ao encargo do outro cônjuge.” (sic)
93. Nos termos do disposto no art.º 1535º do Código Civil: “O dever de cooperação importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram.”
94. Como mencionado no acórdão proferido pelo TSI no processo n.º 270/2015, face ao conteúdo do dever de cooperação: “O casamento não é simplesmente uma união de dois indivíduos, mas sim uma união que tem como objectivo constituir uma família com base na plena comunhão de vida, sendo esse o essencial do casamento. Para atingir esse objectivo, os cônjuges são obrigados a prestar, física e moralmente, auxílio mútuo entre si, bem como enfrentar e assumir, comummente, as responsabilidades emergentes da vida da família, independentemente de se encontrarem em situações favoráveis ou em adversidade.”
95. Como ensinam Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira em “Curso de Direito da Família”: “O dever de respeito consiste em que cada um dos cônjuges não deve ofender os bens ou valores pessoais do outro. O dever de respeito também consiste em que os cônjuges não devem praticar actos que prejudiquem a dignidade e a honra do casal e da família. O dever de respeito é tratado como dever residual, isto é, são violações do dever de respeito actos que não constituam violações de qualquer dos outros deveres dos cônjuges.”
96. Segundo as fotografias como anexos 1 a 5 da contestação, o Recorrente fazia companhia à Recorrida e à sua filha nos feriados, e nos dias de aniversário das mesmas; nos seus tempos livres, ele acompanhava-as a viajar, passear e comprar brinquedos em supermercado, a par disso, usava roupa de modelo igual ao da roupa da sua filha, bem como tratava a filha como princesinha.
97. Ademais, nos autos não há nenhum fundamento que demonstre que o Recorrente, por ter saído da casa para tomar bebidas alcoólicas, ignorava a Recorrida e sua filha ou atribuía integralmente à Recorrida a responsabilidade de cuidar e de educar a filha; além do mais, também não se verifica qualquer prova que apure que a Recorrida tomava conta da filha menor.
98. Pelo contrário, segundo grande quantidade de fotografias como anexos da contestação e os depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência, o Recorrente tem estimado bastante o tempo de convivência com a Recorrida e a filha, e, frequentemente, eles três gozam juntos das felicidades da vida familiar; por conseguinte, é difícil concluir que o Recorrente não participou nas actividades familiares e atribuiu tal responsabilidade à Recorrida, como foi mencionado na sentença recorrida.
99. O Tribunal a quo apurou que o Recorrente socializava em estabelecimentos nocturnos; salvo o devido respeito, é difícil verificar os deveres de cooperação e de respeito da Recorrida. (sic)
100. Portanto, verifica-se realmente o erro de julgamento na seguinte parte da sentença recorrida (entre a última linha de fls. 246 e a 4ª linha de fls. 246v dos autos): “…mas sim de um comportamento boémio reiterado sem que nada compense no que respeita ao envolvimento com a vida familiar, uma vez que no caso dos autos a educação da filha, é também ela, deixada ao encargo do outro cônjuge”.
C) Sentença nula
I- A violação do princípio dispositivo e a falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão
101. Como menciona a sentença recorrida em fls. 246 dos autos: “Regressa a casa ou ter a esposa de o ir buscar de madrugada a estabelecimentos nocturnos por estar embriagado o que acontece várias noites à semana não só pressupõe a violação do dever de cooperação pela simples razão de que se a pessoa passa as noites em estabelecimento nocturnos e regressa a case embriagado não está naturalmente disponível para assumir as responsabilidades inerentes à vida familiar, como também, já resvala para a violação do dever de respeito devido ao outro cônjuge face à imagem social que tal comportamento traz para o casamento, sendo certo que não se tratam aqui de actos ocasionais e esporádicos…” (sic)
102. Na petição inicial, a Recorrida apenas invocou os seguintes factos para fundamentar a acusação de violação do dever de cooperação por parte do Recorrente, nomeadamente os artigos 48º a 51º dos fundamentos de facto da petição inicial; a par disso, entendeu a Recorrida que o Recorrente violava o dever de cooperação por este só se preocupar com os encontros ou compromissos com outras mulheres e não fazer companhia à sua filha; e não pelo facto de, frequentemente, o mesmo frequentar estabelecimentos de diversão para tomar bebidas alcoólicas e ficar embriagado.
103. Pelo contrário, como mencionado nos artigos 71º a 82º dos factos invocados na presente petição de recurso, o Recorrente ia, nos seus tempos livres, passear, viajar e comprar materiais domésticos com a filha e a Recorrida, bem como arranjava tempo para acompanhar a Recorrida e a filha nos dias de aniversário delas e nos feriados.
104. Conforme a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo, os artigos 7º a 9º dos factos invocados no despacho saneador foram dados como não provados na audiência de julgamento.
105. Segundo o documento como anexo 6 da contestação, por e-mail, o Recorrente sempre sabia que a Recorrida utilizava, em qualquer momento, a função “Find My iPhone” do telemóvel para procurar o sítio em que o Recorrente permanecia.
106. A par disso, pelas informações constantes dos autos, constata-se que a Recorrida, como adjunta-técnica especialista da DSF, tem horário de trabalho fixo; se, frequentemente ou até diariamente, das 4 às 5 horas de madrugada, a Recorrida precisar de sair da sua residência, sita em La Baie Du Noble, para buscar o Réu na Taipa, então, no dia seguinte, como é que ela consegue chegar, pontualmente, às 9 horas, ao local de trabalho? Por cima, ela tem de se vestir e fazer maquiagem logo na manhã cedo?
107. Mais, pelas informações constantes dos autos e pelos depoimentos das testemunhas, não se verifica qualquer prova que demonstre quem assumia a responsabilidade pela educação e acompanhamento da filha menor, pelo que não se pode chegar a seguinte conclusão referida na sentença recorrida (entre a última linha de fls. 246 e a 4ª linha de fls. 246v dos autos): “mas sim de um comportamento boémio reiterado sem que nada compense no que respeita ao envolvimento com a vida familiar, uma vez que no caso dos autos a educação da filha, é também ela, deixada ao encargo do outro cônjuge.”
108. No entanto, baseando-se no facto de a Recorrida, frequentemente, ter de buscar em estabelecimentos de diversão o Recorrente que estava embriagado, a sentença recorrida inferiu que o Recorrente não participava na vida familiar e passava a responsabilidade pela educação e acompanhamento da filha à Recorrida, desencadeando a violação do dever de respeito entre cônjuges.
109. Nesta conformidade, a sentença recorrida violou o princípio dispositivo previsto no art.º 5º e o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 571º do Código de Processo Civil: “1. É nula a sentença:… b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;…”, devendo a mesma ser considerada nula.
II- Oposição entre os fundamentos e a decisão
110. Entre as últimas 6 linhas e as últimas 2 linhas de fls. 246v. dos autos, a sentença recorrida aponta: “Destarte, face à factualidade apurada impõe-se concluir que o Réu com o comportamento descrito violou os deveres de cooperação e de respeito a que estava obrigada, tornando a convivência entre os cônjuges impossível, o que levou à separação do casal.”
111. Como menciona a sentença recorrida em fls. 246 dos autos: “Regressa a casa ou ter a esposa de o ir buscar de madrugada a estabelecimentos nocturnos por estar embriagado o que acontece várias noites à semana não só pressupõe a violação do dever de cooperação…, já resvala para a violação do dever de respeito devido ao outro cônjuge…”
112. Conforme o sentido literal da sentença recorrida, o Tribunal a quo apurou que a Recorrida (sic) violava os deveres de cooperação e de respeito, com base no seguinte fundamento de facto: “Regressa a casa ou ter a esposa de o ir buscar de madrugada a estabelecimentos nocturnos por estar embriagado o que acontece várias noites à semana”, sendo manifestamente incompatível com as normas da lógica.
113. Nos termos do disposto no art.º 1535º do Código Civil: “O dever de cooperação importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram.”
114. Como mencionado no acórdão proferido pelo TSI no processo n.º 270/2015, face ao conteúdo do dever de cooperação: “O casamento não é simplesmente uma união de dois indivíduos, mas sim uma união que tem como objectivo constituir uma família com base na plena comunhão de vida, sendo esse o essencial do casamento. Para atingir esse objectivo, os cônjuges são obrigados a prestar, física e moralmente, auxílio mútuo entre si, bem como enfrentar e assumir, comummente, as responsabilidades emergentes da vida da família, independentemente de se encontrarem em situações favoráveis ou em adversidade.”
115. Segundo os artigos 45º, 46º, 48º e 49º dos factos invocados na presente petição de recurso, as informações constantes dos autos e os depoimentos das testemunhas, constata-se que, por motivo de trabalho e por precisar de satisfazer as necessidades dos clientes, o Recorrente ia tomar bebidas alcoólicas e socializar com os promotores imobiliários em Cubic; e as testemunhas disseram que só, uma a duas vezes, viam a Recorrida a buscar o Recorrente.
116. Como ensinam Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira em “Curso de Direito da Família”: “O dever de respeito consiste em que cada um dos cônjuges não deve ofender os bens ou valores pessoais do outro. O dever de respeito também consiste em que os cônjuges não devem praticar actos que prejudiquem a dignidade e a honra do casal e da família. O dever de respeito é tratado como dever residual, isto é, são violações do dever de respeito actos que não constituam violações de qualquer dos outros deveres dos cônjuges”.
117. Segundo os artigos 69º a 82º dos factos invocados na presente petição de recurso, as informações constantes dos autos e os depoimentos das testemunhas, constata-se que o Recorrente amava muito a Recorrida na constância do casamento, e, desde que a Recorrida gostasse, o Recorrente oferecia-lhe malas e roupas de marcas notoriamente conhecidas e anéis de diamante de vários quilates (ct) que custavam centenas de milhares de patacas, bem como mantinha sempre a vida luxuosa da Recorrida;
118. Conforme grande quantidade de fotografias como anexos 1 a 5 da contestação, a Recorrida tinha pouco mais de dez malas de marca Hermès e das demais marcas internacionalmente conhecidas, usava artigos de marcas internacionalmente conhecidas, bem como conduzia LAMBORGUINI como meio de transporte.
119. A Recorrida era adjunta-técnica especialista da DSF, auferia mensalmente um vencimento líquido de MOP40.000,00. Então, como é que a Recorrida conseguia sustentar os custos dos supracitados materiais destinados ao uso corrente e das instalações com o rendimento dela?
120. Embora o Recorrente tivesse de sair da casa e tomar bebidas alcoólicas nas actividades de socialização, ele estimava bastante o tempo de convivência com a Recorrida e a filha, viajava com elas quando não tivesse trabalho, bem como sempre sustentava financeiramente a Recorrida, por isso, é difícil concluir que o Recorrente não violou (sic) os deveres de cooperação e de respeito, como foi mencionado na sentença recorrida.
121. Nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 571º do Código de Processo Civil: 1. É nula a sentença: …c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão; …”, deve a sentença recorrida ser considerada nula.
Nestes termos e pela douta opinião dos Venerandos Juízes, requer-se:
1. Aos Venerandos Juízes que efectuem a nova apreciação da prova registada por gravação audiovisual; e
2. Em conjugação com todas as provas constantes dos autos, concedam provimento ao presente recurso.”
*
A autora respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. A Recorrida não se conforma com as razões, invocadas pelo Recorrente nas suas alegações, em que se fundamenta a verificação do erro na apreciação de facto, da violação da lei e do erro de julgamento na sentença recorrida, bem como a nulidade da sentença.
2. Entendeu o Recorrente que não deviam ser dados como provadas as alíneas D), E), F), G) e H) dos factos assentes, cujos motivos são:
a. Não devia ser dado como provada a alínea D) dos factos assentes, visto que a Recorrida tinha aceitado que o Recorrente ia frequentemente a Cubic para tomar bebidas alcoólicas; o Recorrente não era alcoolista e costumava pedir aos seus amigos que o ajudassem tomar bebidas alcoólicas; além disso, a Recorrida tinha de chegar ao local de trabalho às 9h00, por isso, não era possível que esta fosse buscar o Réu na madrugada.
b. Não devia ser dado como provada a alínea E) dos factos, já que o Recorrente achou que não era possível que conseguisse agredir a Recorrida que estava sentada no banco traseiro do carro por ter apertado o cinto de segurança, a par disso, verificava-se divergência entre os depoimentos da testemunha C (C) e da testemunha D (D), bem como os depoimentos destas eram incompatíveis com os pormenores descritos na petição inicial, pelo que a agressão sofrida pela Recorrida era um acontecimento inventado pela mesma.
c. Não devia ser dado como provada a alínea F) dos factos, visto que a Recorrida tinha perdoado o Recorrente, bem como a Recorrida abandonou a residência da família não por se zangar e ter medo do Recorrente em consequência da agressão, mas sim, por a residência da família não ser remodelada de forma como ela exigia.
d. Não devia ser dado como provada a alínea G) dos factos, cuja razão é: a Recorrida acompanhava frequentemente o Recorrente a tomar bebidas alcoólicas e divertir-se em estabelecimentos nocturnos, bem como sabia que o Recorrente tinha de comparecer a estabelecimentos nocturnos por motivo dos negócios familiares e do trabalho, e tinha consentido que este participasse nas actividades realizadas em estabelecimentos nocturnos.
e. Não devia ser dado como provada a alínea H) dos factos, cuja razão é: o Recorrente dava uma vida luxuosa à Recorrida, dava à filha menor tudo o que era necessário, e não atribuía integralmente à Recorrida a responsabilidade de cuidar e de educar a filha.
3. O Recorrente invocou os depoimentos das testemunhas, H (H), D (D), C (C) e G (G), para sustentarem as razões acima expostas, bem como considerou que havia divergência entre parte dos depoimentos e os factos assentes, verificando-se, portanto, erro notório na apreciação da prova.
4. No entendimento da Recorrida, as razões em apreço são plenamente diferentes juízo e apreciação da prova feitos pelo Recorrente, por isso, mesmo que estas sejam contrárias à convicção do Tribunal a quo, não se verifica a existência do erro notório na apreciação da prova.
5. De várias jurisprudências se averigua que só há erro na apreciação de facto se o Tribunal a quo cometer erro grosseiro (violação da disposição da prova legal ou violação manifesta das regras da experiência e do senso comum) na apreciação da prova.
6. O erro notório na apreciação de facto consiste no erro grosseiro eventualmente cometido pelo Tribunal a quo na apreciação da prova, nomeadamente a violação da disposição da prova legal ou a violação manifesta das regras da experiência e do senso comum.
7. De antemão, as provas adoptadas pelo Tribunal a quo no presente caso, incluindo provas testemunhais e documentais, não são qualificadas por lei como provas legais vinculativas, ou seja, tais provas não têm força probatória plena no apuramento dos factos controvertidos.
8. Nos termos do disposto no art.º 558º do Código de Processo Civil, o juiz pode apreciar livremente a credibilidade dos depoimentos das testemunhas e a veracidade do conteúdo ou das cláusulas dos respectivos documentos, a fim de ajuizar os factos litigiosos.
9. O Tribunal a quo expôs detalhadamente os fundamentos do apuramento dos factos:
a. O apuramento das alíneas d) e g) dos factos assentes fundamenta-se nos depoimentos das testemunhas, C, D, I, J, F e K. (Da 15ª linha de fls. 231v. à 6ª linha de fls. 232 dos autos; e, das últimas duas linhas de fls. 232 à 3ª linha de fls. 232v. dos autos (sic))
b. O apuramento da alínea e) dos factos assentes fundamenta-se na conjugação dos depoimentos de C, D, L e M, bem como na ponderação feita pelo Tribunal quanto ao facto de, na altura, o Recorrente, ou seja o Réu, estar sentado no banco da frente. (Da 4ª linha de fls. 231v. à 3ª linha de fls. 233 dos autos)
c. O apuramento da alínea f) dos factos assentes fundamenta-se nos depoimentos da testemunha H (sic). (Da 3ª linha à 5ª linha de fls. 233v. dos autos).
d. O apuramento da alínea h) dos factos assentes fundamenta-se nos depoimentos de D, H (sic) e G.
10. Das razões acima expostas se vislumbra que o Tribunal não fez o apuramento dos factos só com base nas declarações dum determinado indivíduo ou numa determinada parte das declarações, mas sim com base na conjugação dos depoimentos de várias testemunhas, incluindo os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Recorrente.
11. Pelas razões e fundamentos em apreço, não se verifica nenhuma violação das regras da experiência e do senso comum.
12. Entendeu o Recorrente que a alínea e) dos factos padecia da violação das regras da experiência e do senso comum, mas a Recorrida considera que não existe essa violação.
13. Embora as leis de Macau prevejam que os passageiros sentados no banco da frente são obrigados a usar cinto de segurança, isso não significa que, evidentemente, o Recorrente tenha usado o cinto de segurança, por cima, mesmo que este tenha usado o cinto de segurança, isso não significa que seja limitada a movimentação dele; conforme as regras da experiência comum, uma pessoa que tenha o seu cinto de segurança apertado, ainda pode ter espaço de movimentação suficiente para tocar o banco traseiro, quando tiver puxado, soltando, o cinto.
14. Ademais, segundo a testemunha C, na altura, o Recorrente estava emocionalmente instável, tinha agido notoriamente ao virar para trás e agredia a Recorrida, e em conjugação com os depoimentos de outras três testemunhas, D, N e M, onde se revelou que a cara da Recorrida se encontrava vermelha e inchada, conclui-se razoavelmente que o Recorrente tinha agredido a Recorrida.
15. O Recorrente acrescentou os seguintes fundamentos, considerando que os factos assentes eram incompatíveis com as provas:
1. Conforme o conteúdo das mensagens telefónicas constante de fls. 175 e 184 dos autos, a Recorrida abandonou a residência da família, por a residência da família não ser remodelada de forma como ela exigia;
2. Provou-se que o Recorrente não tomava conta nem educava a sua filha, mas dava uma vida materialmente luxuosa à Recorrida, nomeadamente automóvel de luxo que custava milhões de patacas, dezenas de milhares de malas de marcas notoriamente conhecidas, diamantes, roupas de marcas notoriamente conhecidas ou passagens aéreas de “first class”, bem como oferecia grande quantidade de brinquedos à filha, o que equivalia a que este tinha tomado conta e educado a sua filha.
16. O Recorrente (sic) considerou que o aludido fundamento do ponto 1 era meramente o seu juízo pessoal, por isso, não causava erro notório na apreciação da prova, mesmo que fosse incompatível com o invocado pelo Tribunal a quo.
17. Por cima, o fundamento em apreço é, realmente, uma interpretação fora do contexto e alteração forçosa da verdade dos factos; e basta reexaminar o conteúdo geral das mensagens, averigua-se que, na altura, a Recorrida se queixava à testemunha H (sic) (mãe do Recorrente) que o Recorrente com frequência não regressava a casa na noite, não conseguindo viver juntamente com ele, bem como se queixava que a sua ideia de remodelação da casa não tinha sido admitida, tendo a sensação de que foi recusada a integração na família da Recorrida (sic) e não foi respeitada.
18. O fundamento do ponto 2 é apenas uma tese infundada; como é sabido, para além do sustento material básico, a constituição da saúde mental adequada, a educação ideológica e o acompanhamento por pais são também factores indispensáveis para o crescimento dum menor; o Recorrente disse que tinha acompanhado a filha e a Recorrida a tomar refeições e viajar, mas na sua vida quotidiana só existiam uma a duas actividades familiares por ano, pelo que, de facto, o Recorrente não cumpriu os deveres de tomar conta e de educar a sua filha.
19. Entendeu ainda o Recorrente que a sentença recorrida violava o disposto no art.º 1635º do Código Civil, já que a vida que o Recorrente tinha, era dezenas de vezes mais luxuosa do que a do homem médio, por conseguinte, a vida dele não podia ser avaliada por critério geral, a par disso, a Recorrida concordava que o Recorrente frequentava constantemente em estabelecimentos nocturnos como alcoolista e gastava frequentemente centenas de milhares de patacas com as bebidas alcoólicas, pelo que não se verificava o facto de a Recorrida pretender deixar de aturar e viver juntamente com o Recorrente.
20. Na verdade, neste caso não há nenhum facto provado que demonstre que a Recorrida concordava que o Recorrente frequentava constantemente em estabelecimentos nocturnos como alcoolista e gastava frequentemente centenas de milhares de patacas com as bebidas alcoólicas.
21. Em virtude do comportamento do Recorrente, a Recorrida tinha de buscar frequentemente o Recorrente, na madrugada, em estabelecimento nocturno que o mesmo frequentava, e, depois, tinha de se deslocar ao local de trabalho como de costume e tomar conta da sua filha, conduta essa violou indubitavelmente o dever de cooperação conjugal, bem como criou uma vida extremamente cansativa e frequentemente pressionada para a Recorrida, levando a Recorrida a deixar de aturar o Recorrente.
22. A par disso, a agressão contra a Recorrida praticada pelo Recorrente em 16 de Agosto de 2016 revela uma grave violação do dever de respeito e leva a Recorrida a deixar de aturar e viver juntamente com o Recorrente.
23. Portanto, a sentença recorrida não violou o disposto no art.º 1635º do Código Civil.
24. Ainda entendeu o Recorrente que a sentença recorrida padecia do erro de julgamento, uma vez que era difícil concluir que a Recorrida (sic) violava os deveres de cooperação e de respeito só por sentença apenas ter apurado que o Recorrente necessitava de socializar em estabelecimentos nocturnos.
25. O Recorrente (sic) também não se conforma com a aludida opinião; a sentença recorrida concluiu que o Recorrente violava o dever de cooperação com base nos seguintes factores: conforme as alíneas d) e e) dos factos assentes, o Recorrente participava frequentemente nas actividades realizadas em estabelecimentos nocturnos, além disso, era levado para casa pela Recorrida por ser alcoolista, e não tomava conta nem educava a sua filha. Aqui não vamos repetir esse assunto, por este ter sido detalhadamente esclarecido no teor acima exposto.
26. Mais apontou o Recorrente que a sentença violava o princípio dispositivo, uma vez que este entendeu que a petição inicial considerou que o Recorrente violava o dever de cooperação com fundamento em que este não acompanhava a sua filha por se preocupar com os encontros com outras mulheres, contudo, a sentença recorrida apurou que o Recorrente violava o dever de cooperação com fundamento em que este com frequência frequentava em estabelecimentos de diversão para tomar bebidas alcoólicas e ficava embriagado.
27. Na verdade, na petição inicial foram descritos todos os conteúdos dos factos assentes, nomeadamente os factos 11º, 13º, 14º, 15º, 29º, 48º e 49º, pelo que a sentença não ultrapassou os factos invocados na petição inicial nem violou o princípio dispositivo.
28. Ora, entendeu o Recorrente que se verificava a falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, já que não havia prova que demonstrasse quem assumia a responsabilidade pela educação e acompanhamento da filha menor.
29. Como mencionado no ponto 9 da conclusão, na decisão da matéria de facto, o Tribunal já especificou detalhadamente como é que se apurou que a Recorrida assumia a responsabilidade pela educação e acompanhamento da filha menor (alínea H) dos factos assentes); a par disso, o apuramento dos demais factos assentes foi também detalhadamente fundamentado, por isso, aqui não vamos repetir esse assunto.
30. Ora, o Recorrente apontou que a sentença recorrida enfermava da oposição entre os fundamentos e a decisão, já que este considerou que tinha cumprido o dever de cooperação por ter dado uma vida luxuosa à Recorrida, pelo que a sentença recorrida não devia concluir que o mesmo violasse o seu dever.
31. Face a isso, a Recorrida manifesta a sua discordância, visto que a sentença recorrida concluiu que o Recorrente violava o dever de cooperação com fundamento em que este participava frequentemente nas actividades realizadas em estabelecimentos nocturnos, além disso, era levado para casa pela Recorrida por ser alcoolista, e não tomava conta nem educava a sua filha.
32. As responsabilidades emergentes da vida da família abrangem os trabalhos domésticos e o cuidado dos filhos, pois, o Recorrente não devia equiparar meramente o fornecimento de vida material à sua filha com a prestação de cuidado à mesma, como mencionado no ponto 21 da conclusão, a causa e motivo da violação do dever de cooperação por parte do Recorrente.
33. Pelo exposto, requer-se ao TSI que negue provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, indeferindo todos os pedidos formulados.
Nestes termos, requer-se aos Venerandos Juízes que neguem provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, bem como, com base nisso, mantenham a sentença proferida pelo TJB e condenem o Recorrente a sustentar todas as custas processuais e os honorários do defensor da Recorrida.”
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
a) A Autora e o Réu contraíram matrimónio no dia 2 de Dezembro de 2008 em Macau;
b) A filha da A. e do R. nasceu em 14 de Janeiro de 2012;
c) Durante o ano de 2015 era frequente o Réu ausentar-se de casa à noite e regressar de madrugada;
d) Durante o ano de 2015 o Réu ia ao estabelecimento de entretenimento, “Cubic” do XXX várias noites por semana, para se divertir, ingerindo bebidas alcoólicas e ficando por vezes embriagado tendo a Autora que ir àquele estabelecimento de madrugada para ir buscar o Réu;
e) Na madrugada de 16 de Agosto de 2016 a Autora foi buscar o Réu ao “Cubic” tendo-se os dois envolvido numa discussão vindo o Réu a bater na Autora com o punho;
f) Desde a data referida no item anterior a Autora e a filha passaram a viver na casa da mãe daquela;
g) O Réu frequentava estabelecimentos de diversão nocturnos;
h) O Réu exercia a actividade de mediação no sector imobiliário e a Autora assumia a responsabilidade de tomar conta da filha, do ensino e a vida quotidiana desta;
i) O Réu com os consumos que fazia no “Cubic” oferecendo garrafas de champanhe gastava quantias na ordem da centena de milhares de Hong Kong Dólares.
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III – O Direito
1. Da impugnação da matéria de facto
Cuida o recorrente que a matéria das alíneas d) e), f), g) e h) dos factos provados, incluídos na sentença, não deveria ter sido considerada provada pela forma como o foram.
Em sua opinião, e de acordo com as transcrições que fez de alguns depoimentos testemunhais, o juízo formado pela 1ª instância acerca de tais factos (relativos aos arts. 3º, 4º, 5º, 6º e 10º da Base Instrutória) não tem correspondência com a prova obtida.
Lidos, porém, os depoimentos transcritos pelo recorrente com toda a atenção, deles nada resulta que ponha em causa a convicção do tribunal “a quo”, nem acerca da lesão por murro ou soco do recorrente à recorrida, nem das idas da recorrida à discoteca para trazer o marido para casa, por vezes já embriagado, nem da discussão que ali teve lugar, nem da frequência pelo recorrente de estabelecimentos de diversão nocturna. Tudo isso está suficientemente provado e não conseguiu o recorrente, junto do TSI, abalar o sentido da prova alcançada pelo tribunal “a quo”.
Tudo aquilo para que o recorrente nos chama a atenção, na tentativa de nos instalar a dúvida acerca dos factos, não passa de uma maneira pessoal e interessada de olhar para a situação. Essa, contudo, é a opinião subjectiva de uma defesa compreensível, mas que não é suficientemente forte para destruir o juízo acerca dos factos.
Tal como este TSI já chegou a dizer, “I - Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. II - A decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu. III - Se o tribunal dispuser de elementos bastantes a concluir pela razão do autor e réu não conseguir, na impugnação, colocar a dúvida no espírito do julgador sobre se os factos invocados pelo autor são verdadeiros, o julgador não pode responder à matéria quesitada contra o autor nos termos do art. 437º, do CC. Isso foi o que a 1ª instância fez, e não encontramos motivos para a censurar.” (Ac. do TSI, de 13/09/2018, Proc. nº 1126/2017).
Ou “Segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”. - A reapreciação da matéria de facto por parte deste TSI tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação” (Ac. do TSI, de 31/01/2019, Proc. nº 847/2018).
Ou ainda “A livre convicção do julgador da 1ª instância é soberana e só em caso de erro, que facilmente seja detectável, pode o tribunal do recurso censurar o modo como a apreciação dos factos foi feita. Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova.” (Ac. do TSI, de 17/01/2019, Proc. nº 60/2018).
Na verdade, “A partir do momento em que o julgador respeita o espaço de liberdade que é próprio da sua livre convicção e não ultrapassa os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho, no tocante à matéria de facto, só nos casos e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser feita.” (Ac. do TSI, de 20/10/2016, Proc. nº 872/2015)
E finalmente, “A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Portanto, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao trabalho do julgador, no tocante à matéria de facto, só nos casos e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser feita” (Ac. do TSI, de 18/07/2013, Proc. nº 50/2013).
Tudo para dizer que não vemos razão para alterar a factualidade respeitante àqueles artigos da base instrutória.
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2. Da bondade jurídica da sentença: Da violação dos deveres conjugais
2.1 - Advoga o recorrente que no caso foi feita má aplicação do art. 1535º do CC, por não se ter atentado no disposto no artigo subsequente (art. 1636º) que exclui do direito de requerer e obter o divórcio aquele cônjuge que, pela sua atitude, tiver instigado a praticar o facto invocado como fundamento do pedido ou tiver criado condições propícias à sua verificação (al. a), ou houver revelado pelo seu comportamento posterior, designadamente por perdão, expresso ou tácito, não considerar o acto praticado como impeditivo da vida em comum (al. b)).
Reiterando a invocação da necessidade de frequentar estabelecimentos nocturnos para “socializar” com clientes seus, e afirmando que a própria recorrida o acompanhava algumas vezes e aceitava a vida faustosa e de luxo que o recorrente lhe proporcionava, defende que estes são sinais dos quais resulta não estarmos perante um enquadramento subsumível ao art. 1635º, nº1, do CC.
Ora bem. Em primeiro lugar, tais factos não estão provados; não vale a pena discutir sobre eles. Em segundo lugar, mesmo que estivessem, eles não tornariam menos desculpável o comportamento do recorrente em relação ao que se provou, quer quanto à agressão apurada, quer quanto à frequência, durante várias noites por semana e até de madrugada, de estabelecimentos nocturnos, dos quais saía por vezes já embriagado, tendo a recorrida que o ir buscar para levar para casa.
Esta factualidade foi ponderada pela sentença e este tribunal nada tem a acrescentar-lhe, razão pela qual para ela remete, nos termos do art. 631º, nº5, do CPC.
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2.2 - Prosseguiu o recorrente, considerando que a factualidade não preenche a violação do dever de cooperação inscrito no art. 1535º do CC.
Em contrário, a sentença considerou que o comportamento do ora recorrente traduz a violação dos deveres de cooperação e de respeito aludidos no art. 1533º e 1535º do CC.
Quanto ao dever de cooperação, tem sido entendido que ele se manifesta na entreajuda dos cônjuges nos problemas quotidianos da sociedade familiar, na educação dos filhos, na defesa da saúde e nas necessidades de ordem material, excluídas aquelas que possam ser incluídas no dever de assistência a que se refere o art. 1536º (sobre o tema, ver Ac. do TSI, de 18/06/2015, Proc. nº 270/2015; no direito comparado, v.g., Ac. do STJ, de 17/12/1985, in BMJ nº 352, pág. 370). Ora, a matéria provada não nos dá conta da violação do dever por parte do recorrente. A sentença sobre o assunto disse que este dever se devia considerar violado “pela simples razão de que se a pessoa passa as noites em estabelecimento nocturnos e regressa a casa embriagado não está naturalmente disponível para assumir as responsabilidades inerentes à vida familiar”.
Não aceitamos esta fundamentação, com o devido respeito, desde logo por ser conclusiva e ser fruto de uma opinião subjectiva e sem o necessário suporte factual correspondente. O facto de passar noites (não necessariamente todas) nos estabelecimentos nocturnos não faz dele automaticamente um homem irresponsável (nem nos negócios, nem na família), nem o torne inevitavelmente numa pessoa que não contribua para o agregado nas necessidades que dão corpo à cooperação familiar. Para o efeito, deveriam ter sido quesitado os arts. 48º a 50º da Petição inicial, pois é aí que a autora desenha a violação fáctica do dever. Veremos se esta omissão terá alguma consequência.
Neste ponto, portanto, não acompanhamos a sentença.
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3. Da nulidade da sentença
3.1 - Neste passo, o recorrente defende que a sentença é nula por violação do princípio do dispositivo e por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, nos termos dos arts. 5º e 571º, nº1, al. b), do CPC.
Porém, não tem razão.
Quanto à primeira questão, está em causa a matéria dos arts. 48º a 50º da petição inicial, a qual, como já se disse, não foram levados à Base Instrutória.
Ora, a não inclusão destes factos na B.I. não significa que tivesse sido violado o princípio do dispositivo.
E significarão falta de especificação dos fundamentos de facto a que alude a al. b), do nº1, do art. 571º, do CPC?
Também não. O tribunal não especificou melhor fundamentação de facto quanto à violação do dever de cooperação porque não podia. Não podia, porque aquela supra indicada factualidade não foi quesitada.
Dizer que os factos provados não podiam levar o autor da sentença a concluir pela violação desse dever não representa a nulidade da sentença. No máximo, seria causa de erro de julgamento ou má decisão.
Improcede, pois, este argumento.
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3.2 - Da oposição entre fundamentos e decisão
No que respeita à violação do dever de cooperação, insiste o recorrente que a matéria de facto está em contradição com a decisão e respectiva fundamentação, o que representaria a nulidade a que respeita o nº1, al. c), do art. 571º do CPC.
Não há oposição entre decisão e fundamentos. Como já se alvitrou, isso quando muito pode significar que a sentença utilizou um fundamento errado, porque não tinha suporte fáctico em que se louvar para a sua utilização. Nós mesmos já concluímos que a conclusão alcançada pela 1ª instância acerca do preenchimento factual da violação do dever de cooperação não está correcta e não pode sufragar-se.
De qualquer maneira, o recorrente não faz o mesmo exercício alegatório em relação ao dever de respeito, que a sentença igualmente julgou violado.
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4. Epílogo
Para terminar, somos a assinalar que a sentença não podia concluir que os elementos de facto recolhidos na prova eram reveladores da violação do dever de cooperação.
Ainda assim, o dever de respeito foi tido também por violado pela sentença impugnada, e quanto essa reflexão nada temos a objectar, pois concordamos que os factos provados traduzem a falta de respeito que os cônjuges devem reciprocamente observar na relação conjugal. Agredir um deles, sair reiteradamente (várias vezes durante a semana) para espaços de diversão nocturna, deixando a mulher em casa com a filha de ambos ainda criança, ficar embriagado nesses estabelecimentos até ao ponto de ser necessário a mulher/recorrida ir buscá-lo é, objectivamente e a todas as luzes, desconsiderar a cônjuge mulher, é deixá-la fragilizada na sua consideração social (i.é., na imagem que dela podem fazer os outros), é relegar o sentimento dela para segundo plano, é transformar o ambiente familiar, que deveria ser de tranquilidade, paz e amor, num cenário dramático, de sofrimento e dor. É, enfim, violar o dever de respeito. Isto podemos nós inferir sem grande receio, por ser por demais evidente e objectivamente comum e notório.
Equivale isto a dizer, em suma, que o recurso não pode proceder.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, conformando a sentença que decretou o divórcio entre recorrente e recorrida.
Custas pelo recorrente.
T.S.I., 30 de Maio de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong


Proc. nº 938/2018 1