Processo n.º 65/2019
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
Data da conferência: 10 de Julho de 2019
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Assuntos: - Suspensão de eficácia de actos administrativos
- Prejuízo de difícil reparação
SUMÁRIO
1. Os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4.
2. Cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, não sendo bastante a mera utilização de expressões vagas e genéricas.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, requereu junto ao Tribunal de Segunda Instância e ao abrigo do disposto nos art.ºs 120.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo Contencioso a suspensão de eficácia do despacho proferido pelo Senhor Secretário para a Segurança, de 1 de Fevereiro de 2019, que lhe tinha indeferido a renovação da autorização de residência em Macau.
Por Acórdão proferido em 25 de Abril de 2019, o Tribunal de Segunda Instância decidiu julgar improcedente o pedido da providência de suspensão de eficácia.
Inconformado com a decisão, vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Nunca o recorrente afirmou que não estava com uma “vida familiar normal” e que, pois, com a concessão da suspensão de eficácia, poderia então “voltar a ter” uma vida familiar normal.
2. Nem, igualmente, alegou o recorrente que “chegou a separar-se” da sua esposa.
3. O requerente disse que vive em comunhão plena de vida com a sua esposa – e disse-o tanto no requerimento inicial da suspensão de eficácia como na petição do recurso contencioso.
4. É inteiramente descabida e destituída de qualquer mínima base ou fundamento a invocação feita no acórdão recorrido (que o recorrente teria invocado que estaria “com a expectativa de voltar a ter uma vida familiar normal com a sua esposa, uma vez que chegou a separar-se dela conforme os dados provados nos autos”).
5. O recorrente alegou concreta e especificadamente que o regresso ao seu país resultante da sua saída de Macau seria fonte de prejuízos ao nível patrimonial, financeiro e laboral, assim cumprindo o seu ónus de alegação de factos concretos corporizadores de prejuízos de difícil reparabilidade em caso de saída de Macau e regresso ao seu país natal.
6. Sem prejuízo de no requerimento inicial da suspensão de eficácia, bem como na petição de recurso contencioso, o recorrente sempre ter dito e reiterado inequivocamente que tem vivido e vive em comunhão plena de vida com a sua esposa, a verdade é que tal questão não encontra a sua sede de apreciação e aferição nos presentes autos cautelares mas, diversamente, a sua sede de cognição é no âmbito do já intentado recurso contencioso de anulação.
7. Logo, a sua invocação em sede cautelar no acórdão recorrido como fundamento para afastar o juízo quanto à verificação de prejuízos de difícil reparação afigura-se manifestamente esdrúxula e deslocada e, pois, ilegal pois que cabe conhecer de tal questão em sede dos autos principais.
8. Por conseguinte, o segmento decisório em que se valorou como baixo ou insuficiente o grau de intensidade e de objectividade dos prejuízos invocados pelo recorrente, com base e tendo por fundamento um ponto cujo conhecimento apenas caberá em sede de recurso contencioso, é manifestamente ilegal.
9. Mostra-se manifestamente ininteligível para o recorrente os segmentos: “uma aferição daquilo que se interrompe, se suspende, se deixa de prosseguir para quantificar e aquilatar da possibilidade de reparação” e “Nem sequer se pode afastar a ideia de impossibilidade de compatibilização com as alegadas actividades, sabendo-se que a não residência ou uma vinda esporádica a Macau não deixa de ser possível, seja por via de uma direcção à distância, seja por uma assistência pontual, tudo dependendo daquilo que concretamente se está aqui a desenvolver.”.
10. Não fosse o facto de a notificação do acórdão lhe estar a si dirigido e aos seus advogados, acreditaria o recorrente que este segmento não se destinaria a si nem respeitaria à sua pessoa e situação pois nada do que ali se diz lhe respeito!
11. O recorrente não invocou quaisquer actividades e, logo, é vazio de sentido aferir-se ou concluir-se quanto a uma eventual compatibilização das mesmas face ao que quer que fosse.
12. Logo, idêntica e conexamente se mostra destituído de qualquer significação e relevância colocar-se em equação se o recorrente poderia ou não porventura efectuar uma direcção à distância (seja lá isso o que isso for) ou uma assistência pontual (seja lá isso o que isso for!!), tudo tendo por critério “aquilo que se está aqui a desenvolver” (seja lá “aquilo” o que “aquilo” for).
13. Por conseguinte, este segmento mostra-se juridicamente imprestável, por descabido e inatendível, para efeitos de ser ter por aquilatada – em sentido negativo – a possibilidade de reparação.
14. Perpassa pela decisão recorrida uma desvalorização do que sejam, moral e valorativamente, para efeitos da “difícil reparabilidade de danos”, os gravames sofridos por quem – antes de uma decisão judicial final tirada em via principal – tem de, desde logo, abandonar um território onde vive há já 12 anos, juntamente com a sua família – isto é, a sua esposa.
15. Na decisão a quo, não foi acarinhado ou sequer equacionado o entendimento de que nem todos os danos reportam a realidades corpóreas, tangíveis ou meramente transponíveis no vil “deus-metal”.
16. O Direito reconhece, constata e obviamente acolhe outras realidades que sendo do plano do simbólico e da representação, são em si bens jurídicos e, concretamente, bens especialmente valiosos para cada um dos respectivos titulares.
17. O espaço físico territorial em que alguém, por mais de 12 anos, se radique e em que habite com animus de lar, para mais quando no mesmo coincida um binómio espaço – tempo irrepetível e irreproduzível, releva do que seja a construção existencial e identitária de determinado indivíduo, incorporando elementos e ideações únicas e não repetíveis e, assim sendo, irrecuperáveis, se atingidas – cfr. a inviolabilidade da dignidade humana a que alude o art.º 30.º da Lei Básica e tutela da personalidade moral a que se refere o art.º 67.º, n.º 2, do Código Civil.
18. Nenhuma atribuição pecuniária futura poderia mínima ou remotamente repristinar tudo quanto vale para o recorrente a sua permanência – até, ao menos, decisão principal transitada em julgado –, juntamente com a sua esposa, no território onde se situa a sua casa-de-morada-de-família e, no fim de contas, a sua vida nos transactos 12 anos.
19. Nem quaisquer milhares de patacas teriam tal virtualidade – tal dor não tem preço pois atinge não apenas nem sobretudo o que o requerente tem mas o que o requerente é.
20. Antes de existir uma definição jurisdicional transitada em julgado quanto ao estatuto jurídico da renovação da autorização de residência do recorrente em Macau, autorizar que se proceda à imediata efectivação do abandono do território configura um prejuízo de muito difícil – senão impossível – reparabilidade.
21. Ao não ter adoptado a ora propugnada interpretação e aplicação das normas jurídicas constantes da al. a) do n.º 1 do art.º 124.º do C.P.A.C., bem como do art.º 30.º da Lei Básica e do art.º 67.º, n.º 2, do Código Civil o Tribunal a quo procedeu à violação das mesmas normas jurídicas, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 598.º do C.P.C., aplicável ex vi do art.º 149.º do C.P.A.C.
22. A recorrente requer, assim, a revogação do douto acórdão do T.S.I. de 25 ABR 2019 e, por conseguinte, a procedência da pedida suspensão de eficácia dos efeitos do Despacho proferido pelo Exm.º Secretário para a Segurança, de 1 FEV 2019, até ao momento da decisão final com trânsito em julgado a proferir nos autos de recurso contencioso já intentados.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo não merecer provimento o recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.
2. Factos
O Tribunal de Segunda Instância considera assentes os seguintes factos com interesse para a decisão:
1) Por despacho do Senhor Secretário para a Segurança, datado de 15/06/2012, foi o Requerente autorizado a fixar residência em Macau, sendo o mesmo pedido renovado várias vezes e autorizado, pela última vez, até 14/06/2017;
2) Em 12/05/2017 o Requerente pediu renovação da fixação de residência em Macau;
3) Perante o referido pedido, a PSP procedeu à averiguação da situação do Requerente, nomeadamente para saber se o Requerente tinha efectivamente residência em Macau e vivia com a sua esposa, conforme o teor de fls. 23 a 53 dos autos;
4) Realizadas as diligências pertinentes, foi elaborado o relatório final em que se concluiu que o Requerente não reuniu os requisitos necessários para obter o deferimento do pedido em causa;
5) Perante o relatório e proposta, o Senhor Secretário para a Segurança proferiu o despacho em 1/02/2019, pelo qual inferiu o pedido.
6) Tal despacho foi notificado ao Requerente mediante a seguinte nota comunicativa:
NOTIFICAÇÃO
nº XXXXXX/SRDARPNOT/2019P
Notifique A, portador do passaporte de Nepal n.º XXXXXXXX, de que sobre o requerimento apresentado em 12/05/2017 mencionado no assunto em epígrafe, pedindo para autorizar o seu pedido de renovação de fixação de residência, o Exmº Sr. Secretário para a Segurança depois de compilado o teor do relatório complementar n.º XXXXXX/SRDARPREN/2019P, emitido pelo Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência do nosso Serviço, proferiu no dia 01/02/2019 despacho de “indeferimento”.
Cujo conteúdo principal do relatório que ora transcreve:
1. Em 15/06/2012, o requerente Sr. A obteve autorização da fixação de residência por motivo de união com sua esposa B.
2. Em 12/05/2017, o requerente pediu a renovação da autorização da fixação de residência, dado que havia uma certa diferença de idade entre o requerente e seu cônjuge, assim como nos últimos dois anos não foi registado qualquer saída do casal juntos, pelo que foi levantado suspeitas sobre a relação do casal, devido ao facto, em 06/06/2017 foi enviado o processo ao Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência do nosso Serviço para acompanhar o caso, a fim de confirmar o estado conjugal do requerente, bem como, se os dois ainda tinham vida em comum.
3. Em 27/09/2017 foi concluída a investigação, conforme consta na relatório e notificação n.º XXXX/2017/C.I, demonstram que a residência declarada pelo casal, apenas encontra-se a viver a esposa e sua filha, não foi encontrado qualquer sinal de que o requerente vive e reside em comunhão com sua esposa na mesma residência. Ao mesmo tempo, referiu a sua esposa que a razão da separação foi por suspeitar que o requerente tem amante, devido ao facto entraram em disputa que por sua vez causou o aborto, e desde o segundo semestre de 2015, deixaram de conviver na mesma casa. Dado que demonstram fortes indícios de que o requerente e sua esposa até à presente data (pelo menos há 2 anos) deixaram de ter vida comum e residir juntos, pois esta situação manifestamente não corresponde com o objectivo da autorização de fixação de residência (por união com o cônjuge), pelo que o pedido de renovação de fixação de residência desta vez foi indeferido.
4. Na audição, o representante do requerente apresentou alegações por escrito, bem como foi junta uma declaração da sua esposa, cujo conteúdo principal é, depois da visita familiar e investigação, a relação conjugal recuperou-se, os dois passaram a viver juntos. Dado que tais declarações levantaram suspeitas, por isso, o caso foi remitido ao Comissariado de Investigação e Repatriamento para dar seguimento, a fim de confirmar se a circunstância do requerente corresponde com as alegações. Após investigação, demonstram fortes indícios que o requerente, com vista a obter residência em Macau, na situação de inexistência de vida comum com a sua esposa, ordenou para que B lhe ajudasse a assinar, perante este departamento e o advogado, a declaração de continuação da relação conjugal; quanto à B, ela confessou que inexiste qualquer forma de vida em comum entre o casal, nem recuperação da relação amorosa, tal declaração foi prestada com receio de vingança e contra a sua vontade assinou a respectiva declaração. Esta conduta constitui o crime de falsas declarações sobre a sua identidade previsto no art.º 19.º da Lei n.º 6/2004, cujo crime foi enviado ao MP no dia 17/12/2018 para dar seguimento. (O sublinhado é nosso)
5. Após consideração dos pontos 4-6, 10 e 12 do relatório, e tendo em conta os factores previstos no art.º 9.º, n.º 2 da Lei n.º 4/2003 e art.º 22.º, n.º 2 do RA n.º 5/2003, é da opinião indeferir o presente pedido de renovação de fixação de residência.
Junta em anexo a cópia do despacho juntamente com a notificação para consulta.
O acto administrativo supracitado foi interposto recurso contencioso ao TSI nos termos do art.º 25.º do CPCA.
Divisão de Autorização de permanência
04/03/2019
3. Direito
Imputa o recorrente a violação do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 124.º (deve ser art.º 121.º) do CPAC, bem como no art.º 30.º da Lei Básica da RAEM e no n.º 2 do art.º 67.º do Código Civil.
Não se nos afigura que lhe assista razão.
Desde logo, e tal como afirma o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, não se vislumbra como e em que medida o acórdão recorrido atenta contra as normas contidas no art.º 30.º da Lei Básica e no n.º 2 do art.º 67.º do Código Civil,que prevêem respectivamente a protecção da inviolabilidade da dignidade humana dos residentes de Macau e da ofensa ilícita à personalidade física ou moral.
Limita-se o recorrente a invocar vagamente a violação de tais normas, sem que no entanto tenha feito nenhuma explicitação concreta.
A questão essencial coloca-se em relação à verificação, ou não, do requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, que regula a legitimidade e os requisitos para a suspensão de eficácia dos actos administrativos.
Como se sabe, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4 (o que não é o nosso caso).
O acórdão ora recorrido entende não verificado o requisito referido na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º, pelo que decidiu julgar improcedente a providência de suspensão de eficácia do despacho que indeferiu o pedido da renovação da autorização de fixação de residência em Macau.
E sustenta o recorrente o contrário.
Ora, para que possa ser decretada a suspensão de eficácia do acto administrativo, é exigido na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º que “A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso”.
Analisada a situação ora em apreciação, afigura-se-nos que o acórdão recorrido não merece censura.
O requisito indicado na al. a) refere-se ao prejuízo de difícil reparação, causado pela execução do acto administrativo.
Desde logo, há que ver em que consiste o previsível prejuízo de difícil reparação, exigido na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC.
Ora, tal como entende este Tribunal de Última Instância, o dano susceptível de quantificação pecuniária pode ser considerado, em certas situações, de difícil reparação para o requerente, tais como os casos “em que a avaliação dos danos e a sua reparação, não sendo de todo em todo impossíveis, podiam tornar-se muito difíceis”, os prejuízos “decorrentes de actos que determinem a cessação do exercício da indústria, comércio ou actividades profissionais livres” bem como consistentes “na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares”.1
E “a dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo de prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência (em execução) de uma eventual sentença de anulação.”2
Quanto aos danos não patrimoniais, estes só relevam se atingirem um grau de intensidade ou gravidade que os torne merecedores de tutela jurídica.3
Por outro lado, as jurisprudências têm entendido que cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos, não bastando alegar a existência de prejuízos, não ficando tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente.
Voltamos ao caso concreto.
Alega o recorrente que nenhuma atribuição pecuniária futura poderia mínima ou remotamente repristinar tudo quanto vale para o recorrente a sua permanência – até, ao menos, decisão principal transitada em julgado –, juntamente com a sua esposa, no território onde se situa a sua casa-de-morada-de-família e, no fim de contas, a sua vida nos transactos 12 anos e antes de existir uma definição jurisdicional transitada em julgado quanto ao estatuto jurídico da renovação da autorização de residência do recorrente em Macau, autorizar que se proceda à imediata efectivação do abandono do território configura um prejuízo de muito difícil – senão impossível – reparabilidade.
Ora, tal como se constata nos autos, o recorrente obteve autorização da fixação de residência em 15/06/2012, precisamente por motivo de união com a sua esposa. Só que como há fortes indícios de que o recorrente e sua esposa deixaram de residir, desde o segundo semestre de 2015, na mesma casa, não tendo vida em comum, situação esta que manifestamente não corresponde ao objectivo da autorização de fixação de residência (por união com o cônjuge), foi indeferido o seu pedido de renovação de fixação de residência.
Neste circunstancialismo, parece padecer de qualquer fundamento a invocação feita pelo recorrente quanto ao prejuízo de difícil reparação a causar pela impossibilidade de permanência em Macau juntamente com a sua esposa.
Se já não houve vida em comum de ambos, como se pode admitir a invocação dessa situação para demonstrar o alegado prejuízo de muito difícil reparação?
Defende o recorrente que é manifestamente esdrúxula e deslocada, até ilegal, a consideração sobre a situação de separação de facto do casal no presente sede cautelar como fundamento para afastar o juízo quanto à verificação de prejuízos de difícil reparação, pois que cabe conhecer de tal questão em sede dos autos principais do recurso contencioso.
Ora, não há, a nosso ver, qualquer obstáculo a tal consideração, já que o juízo relativo a prejuízos de difícil reparação deve ser formulado com avaliação das circunstâncias concretas do caso, pertinentes para a apreciação da questão em causa.
É verdade que não cabe discutir no presente procedimento cautelar a veracidade dos factos invocados para fundamentar o acto administrativo, o que não exclui, no entanto, a consideração de tais factos no procedimento cautelar.
Este Tribunal de Última Instância tem entendido que, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia, é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido.4
Por outro lado, e tal como salienta o Magistrado do Ministério Público, não logrou o recorrente caracterizar e demonstrar uma situação de previsível prejuízo de difícil reparação, sendo certo que, estando em causa a não renovação de residência justamente pela falta de coabitação com a mulher e de partilha do lar e de todo um círculo de vivência e interesses que animam a vida em comum do casal, a justificação e a demonstração do prejuízo obriga, neste caso, a uma pormenorizada caracterização e a um especial ónus probatório, que o recorrente não cumpriu.
E o recorrente também não cumpriu o ónus que lhe cabe de alegar e provar os factos concretos susceptíveis de demonstrar o exigido prejuízo de difícil reparação, devendo fazê-lo por forma concreta e especificada.
Afirma o recorrente que ele alegou concreta e especificadamente que o regresso ao seu país resultante da sua saída de Macau seria fonte de prejuízos ao nível patrimonial, financeiro e laboral, assim cumprindo o seu ónus de alegação de factos concretos corporizadores de prejuízos de difícil reparabilidade em caso de saída de Macau e regresso ao seu país natal.
Não merece a nossa concordância, pois se trata de mera alegação, vaga e genérica, desacompanhada de quaisquer provas.
Mesmo sendo provável a perda de emprego e do rendimento que o emprego proporciona, o mesmo não configura necessariamente uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.
É de reparar que o recorrente não apresentou nenhuma prova para demonstrar a sua situação económica, a fim de revelar que, com a execução imediata do acto administrativo, entrará naquela situação muito difícil que até afecta gravemente a satisfação das suas necessidades básicas e elementares, o que nem sequer foi alegado.
Concluindo, deve ser indeferido o pedido de suspensão de eficácia, por não estar verificado o requisito necessário previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPAC.
4. Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 5 UC.
Macau, 10 de Julho de 2019
Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
1 Ac. do TUI, de 25-4-2001, Proc. n.º 6/2001.
2 José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 176.
3 José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 3ª ed., Almedina, Coimbra, p. 176 e 177.
4 Cfr. Ac.s do TUI, de 13 de Maio de 2009 e de 17 de Dezembro de 2009, Proc. n.º 2/2009 e 37/2009.
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