--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013).---------------------------
--- Data: 3/6/2019 --------------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng ------------------------------------------------------------------------------------
Processo n.º 1090/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguida): A
Recorrido (assistente): B
DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Inconformada com o despacho judicial que a pronunciou como autora material de um crime tentado de coacção, p. e p. pelo art.o 148.o, n.o 1, do Código Penal (CP), veio a arguida A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, em essência, não existirem indícios da prática, por ela, de um crime tentado de coacção, e, nessa medida, haver insuficiência para a decisão da matéria de facto indiciariamente provada e erro notório na apreciação da prova indiciária e nulidade da prova e dos meios de prova, nos termos do disposto no art.o 400.o, n.os 1 e 2, alíneas a) e c), e n.o 3, do Código de Processo Penal (CPP), rogando, pois, a revogação da decisão da pronúncia penal em causa (cfr., em detalhes, o teor da motivação apresentada a fls. 211 a 234v dos presentes autos).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador (a fls. 249 a 250 dos autos) no sentido de procedência do recurso, enquanto o ofendido assistente pugnou (a fls. 255 a 260) pela manutenção do despacho de pronúncia.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 268 a 269), opinando pelo não provimento do recurso.
Cumpre decidir, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do CPP.
2. Do exame dos autos, sabe-se que o despacho de pronúncia penal ora recorrido se encontrou proferido na acta do debate instrutório lavrada a fls. 194 a 200, cujo teor integral (que inclui, a fls. 195 (a partir do último parágrafo) a 197 (até ao primeiro parágrafo), a fundamentação probatória da matéria de facto julgada judicialmente como suficientemente indiciada) se dá por aqui inteiramente reproduzido.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
A arguido ora recorrente assaca, inclusivamente, à decisão recorrida o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do CPP.
Mas, impertinentemente, porquanto agindo a M.ma Juíza de Instrução a quo, enquanto autora do ora recorrido despacho de pronúncia, como entidade materialmente acusadora, e não julgadora em audiência contraditória de julgamento, não se pode invocar tal vício da alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP para suportar o pedido de revogação do despacho de pronúncia, porque tal vício só surge se se concluir que a indagação do tribunal na audiência contraditória de julgamento sobre a matéria de facto constituinte do tema probando tenha sofrido alguma lacuna ou omissão, de maneira que como é a própria matéria de facto descrita no despacho de pronúncia que delimita agora, a montante, o objecto probando do processo em tudo que seja desfavorável à arguida, não faz realmente sentido processual imputar tal vício da alínea a) à M.ma Juíza de Instrução a quo.
Aliás, os argumentos tecidos na motivação da arguida para sustentar a existência do vício da alínea a) prendem-se com o âmbito próprio do vício de erro notório na apreciação da prova, da alínea c) do mesmo n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Passa-se, pois, a decidir se se verifica este vício da alínea c).
Pois bem, como depois de vistos todos os elementos de prova referidos na fundamentação probatória da mesma decisão judicial, não se vislumbra que a M.ma Juíza de Instrução tenha, aquando da formação da sua convicção, a nível de prova suficientemente indiciária, sobre os factos, violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou quaisquer leges artis, a decisão judicial ora recorrida nem pode padecer do vício de erro notório na apreciação da prova referido na alínea c) do mesmo n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Na verdade, a M.ma Juíza de Instrução já explicou, sem qualquer desrazoabilidade, o processo de formação da sua livre convicção, sendo de frisar o seguinte:
– o trabalho da apreciação da prova é feito através da análise em global e de modo crítico, e conforme a lei, de todos os elementos probatórios carreados aos autos, pelo que a arguida não pode invocar a alegada existência de contradição entre as declarações do filho do ofendido queixoso (i.e., filho do ora já constituído assistente) e da testemunha D para fazer impor o seu ponto de vista pessoal sobre os factos, ao arrepio do art.o 114.o do CPP;
– os elementos dos autos indiciam que o filho do assistente agiu, no caso concreto dos autos, como filho deste, pelo que é descabido levantar a questão da alegada violação dos art.os 5.o e 6.o do Código Deontológico dos Advogados;
– da fundamentação probatória da decisão da pronúncia penal ora recorrida, constante de fls. 195 (a partir do último parágrafo) a 197 (até ao primeiro parágrafo) dos autos, não resulta que a M.ma Juíza de Instrução tenha socorrido, na formação da sua livre convicção sobre os factos a nível da prova suficientemente indiciária, às declarações de C e de D, nem à questão da audição, por esta testemunha, através do sistema de alta-voz de telemóvel, de uma chamada feita para o telemóvel do filho do ofendido, daí que decaiem, independentemente da mais indagação por prejudicada, as questões de alegados métodos proibidos de prova, de nulidade da prova e de violação do art.o 32.o da Lei Básica de Macau e dos art.os 105.o, n.os 1 e 2, 106.o, 109.o, n.o 113.o, n.o 3, 116.o, 122.o e 174.o do CPP, suscitadas na motivação do recurso;
– é legal à M.ma Juíza, sob a égide dos art.os 112.o, 150.o e 274.o, n.o 1, do CPP, considerar o teor, certificado a fls. 155 a 159v dos presentes autos, da sentença condenatória do Processo de Contravenção Laboral n.o LB1-16-0102-LCT do Tribunal Judicial de Base, como uma das provas documentais juntas aos autos de inquérito penal subjacente à presente lide recursória, ainda que a arguida dos presentes autos não seja a arguida nesse processo contravencional;
– outrossim, da ratio legis do disposto no art.o 272.o, n.o 1, e no art.o 273.o, n.o 2, ambos do CPP, se conclui que a arguida não pode esgrimir à M.ma Juíza de Instrução qualquer questão relativa à necessidade de realização de quais as diligências probatórias;
– é de louvar mesmo sobretudo as considerações feitas pela M.ma Juíza de Instrução no primeiro parágrafo de fl. 197, que ilustram bem a razoabilidade da sua livre convicção (a nível da prova suficientemente indiciária) sobre os factos descritos no despacho de pronúncia penal da arguida pela prática, em autoria material, de um crime tentado de coacção, havendo, pois, efectivamente, já indícios suficientes da prática, pela arguida, em autoria material, de um crime tentado de coacção contra o ofendido queixoso ora assistente.
Do exposto, decorre que improcede evidentemente o recurso, sendo de rejeitá-lo, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, devido ao espírito do n.º 2 desse art.º 410.º.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso.
Custas do recurso pela arguida, com quatro UC de taxa de justiça e cinco UC de sanção pecuniária pela rejeição do recurso.
Macau, 3 de Junho de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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