Proc. nº 1081/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 06 de Junho de 2019
Descritores:
- Custas de parte
- Procuradoria
- Honorários de mandatário
SUMÁRIO:
Os honorários de mandatário, salvo quando possível o seu reembolso em pedido autónomo, bem como nas situações da condenação por litigância de má fé (art. 386º, nº2, al. a), do CPC) e ainda nos casos em que é possível a sentença condenar o autor nos honorários do advogado do réu (art. 565º, nº2, do CPC), não têm lugar para consideração especial na conta a título de custas de parte. Eles só podem ser relevados a título de procuradoria, de acordo com o disposto no art. 26º do RCT, que é arbitrada em função do valor e complexidade da causa, mas sempre entre um quarto e metade da taxa de justiça devida (art. 27º, do RCT).
Proc. nº 1081/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
No apenso B do processo de execução nº CV1-13-0074-CEO do Tribunal Judicial de Base, o A reclamou um crédito.
Na sequência da decisão judicial de reclamação de créditos, o A foi ao processo apresentar a nota discriminativa e justificativa das despesas, nos termos do art. 22º do RCT.
Elaborada a conta (nº 0773) desse apenso, dela reclamou o A, na sequência do que o Juiz do processo proferiu despacho de indeferimento.
É contra este despacho que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1) O douto despacho recorrido incidiu sobre a conta constante de fls. 397 a 399 (i.e. conta n.º 0775), em vez da conta n.º 0773 de fls. 36 do Apenso CV1-13-0074-CEO-B, objecto da reclamação e que o Recorrente pretendia a sua reforma.
2) Ou seja, o Tribunal a quo não conheceu do facto controvertido exposto pelo Recorrente.
3) Incorre, assim, o despacho recorrido no vício de nulidade por violação ao disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º, ex vi do n.º 3 do artigo 569.º, ambos do CPC, e, consequentemente, deve ser o mesmo declarado nulo.
4) Caso assim não se entenda, o que não concede, mas equaciona por mera cautela de patrocínio, sempre se diga que o Tribunal a quo violou os dispostos na alínea g) do n.º 1 do artigo 21.º e no n.º 1 do artigo 22.º, ambos do RCT.
Senão vejamos,
5) No contrato celebrado entre o ora Recorrente e o executado foi também acordado que a hipoteca garantia todas as despesas, judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado, até ao limite de MOP160.000,00.
6) Como os honorários de advogado só se podem determinar depois de concluídas a verificação e graduação dos créditos, devendo na sua fixação atender-se ao tempo gasto, dificuldade do assunto, à importância do serviço prestado às posses dos interessados, aos resultados obtidos e à praxe do foro e estilo da comarca (cfr. artigo 37.º, n.º 1 dos Estatutos da Associação dos Advogados de Macau e artigo 2.º do Regulamento de Laudos), o Recorrente reclamou esse valor alegando o seu limite máximo.
7) Proferida a douta sentença exarada a fls. 28 do Apenso B que julgou o crédito do Recorrente ser graduado com preferência em relação ao dos exequentes, o Recorrente apresentou, no dia 10 de Abril de 2015, nos termos do n.º 3 do artigo 22.º do RCT, a nota discriminativa e justificativa das despesas que efectuou com o processo (CV1-13-0074-CEO-B), incluindo os honorários de advogado, no valor de MOP50.000,00.
8) Como foi decidido no douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância, proferido no processo n.º 77/2002, de 23 de Maio de 2002, o seguinte: “Não podem ser incluídos na indemnização, os honorários de advogados já que, - e sob pena de uma situação de “ne bis in idem” as despesas de patrocínio são sempre suportadas pela parte, podendo - em situações de lide temerária - virem a ser custeadas pela parte contraria, sem prejuízo, contudo, de um reembolso parcial e simbólico logrado em regra de custas. Isto é assim em todas as lides, e, em consequência também, nas que têm por escopo exercitar a responsabilidade civil extracontratual, salvo se o contrário tiver sido acordado.” (sublinhado nosso)
9) Como acima já referido, no respectivo contrato de mútuo com hipoteca foi acordado que a hipoteca garantia todas as despesas, judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado, que o Recorrente tenha de fazer para assegurar ou obter o reembolso do seu crédito, o que se subsume nas situações excepcionais referidas, sendo, portanto, os honorários de advogado uma das componentes das custas de parte.
10) Face ao acima exposto, o Tribunal a quo violou os dispostos na alínea g) do n.º 1 do artigo 21.º e no n.º 1 do artigo 22.º, ambos do Regime das Custas nos Tribunais.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis; deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo, em consequência:
i) declarado nulo o douto despacho recorrido que incorre no vício de nulidade por violação ao disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º ex vi nº 3 do artigo 569º, ambos do CPC, caso assim não se entenda;
ii) revogado o douto despacho recorrido, por violação ao disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 21.º e no n.º 1 do artigo 22.º, ambos do Regime das Custas nos Tribunais,
sendo em qualquer caso, o douto despacho recorrido substituído por outro, que defira a reclamação de fls. 411 a 413.
assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
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Não houve resposta ao recurso.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
1 - No apenso CV1-13-0074-CEO-B foi proferida na 1ª instância a seguinte sentença de graduação de créditos:
“O Banco A apresentou a presente reclamação de créditos, ao abrigo do disposto no artigo 758.º do Código de Processo Civil, por apenso à execução ordinária em que são exequentes X, X, X e X e executado X.
Alega, em síntese, que tem a seu favor uma hipoteca sobre o imóvel penhorado naquela execução, constituída para garantia do pagamento de todas e quaisquer responsabilidades do executado até ao limite, em capital de MOP1.600.000,00, encontrando-se, neste momento, em dívida um crédito de capital no montante de MOP1.538.155,57, acrescido de MOP3.413,44 a título de juros vencidos até 06 de Janeiro de 2015.
O crédito reclamado não foi impugnado e está devidamente documentado.
Assim, nos termos do artigo 761.º n.º 1 do Código de Processo Civil, julgo verificado aquele crédito.
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O reclamante tem a seu favor uma hipoteca sobre o imóvel que foi penhorado, a qual foi registada anteriormente ao registo desta penhora.
Nos termos do artigo 682.º nº 1 do Código Civil, o crédito do reclamante, por força da hipoteca, deve ser pago com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de 'prioridade de registo, sendo que a hipoteca garante também os acessórios do crédito que constem do registo e os juros relativos a três anos (artigo 689.º do Código Civil).
Por outro lado, aquele crédito só será satisfeito pelo produto obtido com a venda do bem sobre que incide a hipoteca.
Por sua vez, as exequentes pelo crédito exequendo têm a seu favor apenas a penhora sobre o mesmo bem, que lhes confere os direitos referidos no artigo 812º do Código Civil.
Assim, conclui-se que o crédito do reclamante deve ser graduado com preferência em relação ao das exequentes.
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Nestes termos graduo os créditos da seguinte forma:
1.º - Banco A - que será satisfeito apenas pelo produto da venda do imóvel penhorado a folhas 56 do apenso de arresto e até ao montante máximo constante do respectivo registo da hipoteca;
2.º - Crédito dos exequentes.
As custas da execução sairão precípuas. Custas pelo reclamado.
Notifique.
Registe.”
2 - O A foi ao processo apresentar posteriormente o seguinte requerimentos:
“BANCO A, S.A., credor reclamante nos autos à margem referenciados, notificado da douta sentença de fls. 28, vem, nos termos e para os efeitos do art. 22.º do Regime das Custas nos Tribunais, apresentar a nota discriminativa e justificativa das despesas efectuadas com o processo, designadamente:
(i) Emolumentos notariais e imposto de selo devidos por:
• Pública-forma da procuração (MOP54,00) junta aos autos com o requerimento inicial da reclamação de créditos; e
• Certidão da escritura (MOP120,00) - cfr. Doc. n.º 1 junto aos autos com o r.i.
(ii) Honorários de advogado (MOP50.000,00), garantidos pela hipoteca nos termos da escritura de hipoteca junta com o r.i. como doc. n.º 1 e do art. 689.º do Código Civil - cfr. Doc. n.º 1 que ora se junta.
(iii) Impressões e fotocópias dos requerimentos e documentos juntos aos autos, no valor de MOP97,00, equivalente a 97 páginas (tal como infra se discrimina), à razão de MOP1,00 por página:
• Requerimento inicial da reclamação de créditos junto aos autos em 7-01-2015 (7 páginas impressas) e duplicados legais (28 fotocópias);
• Cópias legais dos documentos juntos aos autos com o r.i. (52 fotocópias);
e
• Requerimento que ora se junta aos autos (2 páginas impressas) e duplicados legais (8 fotocópias).
Respeitosamente,
Espera deferimento”.
3 - Foi então elaborada a conta nº 0773 referente ao apenso em causa, nos termos que seguem:
卷宗編號 CV1-13-0074-CEO-B 要求清償債權案 帳目編號 0773
Proc. Nº. Reclamação de créditos Conta Nº
利益值VALOR :
法院訴訟費用制度第五條 artº 5º do RCT $ 1.541.569,01
對應之司法費 Taxa de Justiça correspondente $ 13.400,00
應繳司法費 : 1/8 - 法院訴訟費用制度第十四條第一款i項第二款
Taxa devida : 1/8 - artº. 14º nºs 1 al. i) e 2 do RCT $ 1.675,00
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終審法院院長辦公室GABINETE DO PRESIDENTE DO T.U.I. :
司法費 Taxa de Justiça $ 1.675,00
負擔 ENCARGOS :
郵政費 : 法院訴訟費用制度第二十一條第一款e項及第二款
Correio : artº 21º nº. 1 al. e) e nº 2 do RCT $ 316,00
聲請人 A銀行股份有限公司 當事人訴訟費用
Custas de parte do requerente, Banco A, S.A. :
預付金載於第23頁 Preparo de fls. 23 $ 1.680,00
第32頁所指之合理費用
Despesas justificadas e discriminadas a fls. 32 $ 192,00
職業代理費 : 法院訴訟費用制度第二十六條及第二十七條
Procuradoria : artºs 26º e 27º do RCT $ 838,00 $ 2.710,00
澳門特別行政區R.A.E.M. :
印 花 稅 Selo de verba $ 170,00
總 數 Soma $ 4.871,00
已存款於第23頁Depositado a fls. 23 $ 1.680,00
欠 金 額 EM DÍVIDA $ 3.191,00
為 : 叁仟壹佰玖拾壹澳門元
São : Três mil, cento e noventa e uma patacas.
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訴訟費用將匯編至主案內。
Custas recopilar nos autos principais
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二○一八年三月十二日於澳門特別行政區
R.A.E.M., aos 12 de março de 2018
首席書記員 O Escrivão Judicial Principal,
______________
4 - Notificado da conta, veio o A reclamar da conta nos seguintes termos:
“BANCO A, S.A., credor reclamante nos autos à margem referenciados, notificado da conta n.º 0773 de fls. 36 do Apenso CV1-13-0074-CEO-B destes autos, vem, nos termos do n.º 1 do artigo 48.º e do artigo 49.º, ambos do Regime das Custas dos Tribunais (o “RCT”), reclamar da mesma, com os fundamentos seguintes:
O Banco apresentou, no dia 10 de Abril de 2015, nos termos do n.º 3 do artigo 22.º do RCT, a nota discriminativa e justificativa das despesas que efectuou com o processo (CV1-13-0074-CEO-B), incluindo, entre outras, as que teve como honorários de advogado, garantidos pela hipoteca.
Notificado do douto despacho de fls. 386 dos presentes autos, que ordenou remeter os autos à conta, o Banco apresentou, em 1 de Março de 2018, a respectiva nota discriminativa e justificativa das despesas, reproduzindo ainda a nota mencionada no parágrafo anterior.
Analisando a aludida conta n.º 0773, verifica-se que o contador, ao efectuar o cálculo do reembolso ao Banco credor, apenas considerou o montante de MOP192,00, a título de “despesas justificadas e discriminadas a fls. 32”, desconsiderando o valor de MOP50.000,00, relativo aos honorários de advogado garantidos pela hipoteca (cuja escritura se juntou aos autos no requerimento inicial de reclamação de créditos como Doc. n.º 1), tudo como discriminou oportunamente na sua reclamação de créditos de 6 de Janeiro de 2015.
Ora, nos termos do artigo 4.º da escritura de mútuo com hipoteca junta aos autos com o requerimento inicial “Quaisquer despesas, judiciais ou extrajudiciais, incluindo os honorários de advogado e procurador, que o Banco tiver de fazer para assegurar ou obter o reembolso do seu crédito, serão pagos pelos Mutuários, conforme a conta que lhes for apresentada.”.
Por outro lado, a hipoteca assegura, nos termos do artigo 689.º do Código Civil, os acessórios do crédito que constem do registo, entre os quais se incluem os honorários de advogado (cfr. certidão de registo predial junto com o requerimento apresentado pelos exequentes em 14 de Novembro de 2014).
Foi na sequência da acção judicial proposta contra os executados em que o Banco credor reclamou o reembolso do seu crédito, pelo que se entende serem devidos os honorários de advogado nesta sede, tratando-se de despesa suportada pelo credor reclamante e constitui dispêndio com o processo.
Atento o supra exposto, e salvo melhor entendimento, vem requerer a V. Exa. que seja deferida a presente reclamação, ordenando a reforma da aludida conta n.º 0773, no sentido de incluir o montante de MOP50.000,00 (cinquenta mil patacas), a título de honorários de advogado garantidos pela hipoteca.
Respeitosamente,
Espera deferimento”
5 - O juiz do processo proferiu o seguinte despacho:
“A credora BANCO A, S.A. indica que a conta a fls. 36 do apenso B não inclui a procuradoria de MOP 50,000 listada por esta, bem como que no documento que serve como fundamento da reclamação do crédito, escritura de hipoteca e de mútuo, se enumera a procuradoria derivada da reclamação feita pela credora e o montante de MOP 50,000 é exactamente derivado da reclamação do crédito no presente caso, o qual esta tem que assumir. Por isso, entende que a despesa deve ser posta na conta a fls. 36 do apenso B1 em nome das custas de parte.
Indica a secretaria que de acordo com a doutrina, a procuradoria exigida pela credora não é incluída no conceito das custas de parte e, por isso, não se pode pôr a despesa na conta em nome das custas de parte.
O Ministério Público concorda com o relatório da secretaria.
Este juízo também concorda com o relatório da secretaria.
Nos termos do art.º 21.º, n.º 1, al. g) do Regime das Custas nos Tribunais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/99/M, as custas compreendem os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte e de procuradoria.
Dispõe o art.º 22.º, n.º 1 do mesmo Regime que as custas de parte compreendem o que a parte haja despendido com o processo a que se refere a condenação e de que tenha direito a ser compensado.
A doutrina entende geralmente que as custas de parte não compreendem a procuradoria dos advogados.
Como refere o juiz Salvador da Costa do STJ em Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado: “As custas de parte visam o reembolso à parte vencedor do que ela teve de despender com o impulso do processo em juízo, salvo os honorários pagos a mandatários, ainda que previstos em título executivo que os ponha a cargo do devedor.”
Ou seja, mesmo que no título executivo possuído pelo exequente conste a promessa do executado de pagar os honorários pagos por aquele ao mandatário, o exequente não pode exigir, em nome das custas de parte, o executado a pagar a despesa. A razão fica em que o regime das custas já estabelece um item isolado para os honorários de mandatários - procuradoria. Por isso, não deve pôr as despesas com mesma natureza em outro cargo (custas de parte) e exigir a outra parte a assumir as despesas, o que, porém, não exclui a possibilidade de o exequente exigir, em nome da quantia executada, o executado a pagar as despesas.
No presente caso, como indica a credora, no documento que serve como fundamento da reclamação do crédito, escritura de hipoteca e de mútuo, se enumera a procuradoria derivada da reclamação feita pela credora. Mas como se refere em cima, a credora não pode exigir, em nome das custas de parte, o executado a assumir a quantia e pelo mais pode exigir, em nome do crédito reclamado, o executado a pagar a quantia.
Por isso, não se vê erro quando a secretaria não inclui a procuradoria de MOP 50,000 nas custas de parte.
É de notar, a credora não indica, ao reclamar o crédito, que exige o executado a pagar a procuradoria, mas apenas se refere ao imóvel penhorado e a garantia da procuradoria. Por isso, não se vê qualquer erro quando a conta não inclui a quantia de MOP 50,000.
Nestes termos, julga improcedente o embargo deduzido pela credora BANCO A, S.A., relativamente à conta a fls. 36 do apenso B.
Custas pela credora BANCO A, S.A..
Notifique.”
6 - O juiz do processo, no apenso CV1-13-0074-CEO-C, no despacho em que mandou extrair certidão de peças dos autos para efeito do recurso e em que sustentou a decisão impugnada, escreveu o seguinte:
“Constata-se que o de pacho recorrido contém um lapso relativo à identificação da conta contra a qual a credora reclamante apresentou a reclamação, designadamente, na parte que menciona “卷宗第397頁至第399頁” (3ª e 7ª linha de despacho de fls. 419 e 22.a linha de despacho de fls.419v dos autos principais ). Uma vez o que se pretendeu referir é “附案B卷宗第36頁” tal como constante de reclamação de conta apresentada a fls. 411 dos autos principais e se trata dum lapso por remissão errada das páginas do processo em causa, ao abrigo do artigo 569.°/2 e 570.°/1 e 2 do CPC ex vi artigo 569.°/3 do mesmo Código, determino a rectificação do despacho de fls. 419 e 419v dos autos principais nos seguintes termos, onde se lê “卷宗第397頁至第399頁” deve ler-se”附案B卷宗第36頁”.
Lance cota.”
***
III – O Direito
1 - Da nulidade do despacho
Entende o recorrente A que o despacho em crise se ocupou da sua reclamação referindo-se à conta nº 0775 de fls. 397-399, em vez de conhecer da reclamação da conta nº 0773. E isto configuraria, em sua óptica a nulidade do art. 571º, nº1, al. d), do CPC.
Ora, o texto que nos foi enviado na certidão já se encontra corrigido, na sequência do despacho do juiz acima transcrito no ponto 7 dos “Factos”. Isto quer dizer que o titular dos autos se deu conta do lapso em que incorrera na identificação da conta que estava a ser objecto de reclamação e logo se apressou a corrigi-lo.
E de lapso, efectivamente, se trata. Basta verificar que toda a fundamentação do despacho estava em sintonia com a reclamação apresentada pelo A concernente à desconsideração do valor de MOP$ 50.000,00 pagos a título de honorários ao advogado e que a conta não incluiu nas custas de parte. E esse fundamento era específico da reclamação sobre a conta nº 0773. Portanto, porque o despacho conheceu, efectivamente, da reclamação formulada, não se pode dizer que exista a invocada nulidade do art. 571º, nº1, al. d), do CPC.
*
2 - Do recurso
A questão é esta: os honorários pagos pelo A no âmbito deste processo, no valor de MOP$ 50.000,00, deveriam ter sido levados em conta a título de custas de parte?
A conta nº 0773 não os incluiu e o despacho impugnado também não.
Quem tem razão?
As custas compreendem os encargos a que se refere o art. 21º do RCT, nos quais se incluem, entre outras despesas, as custas de parte e a procuradoria.
Quanto às custas de parte, elas compreendem o que a parte haja despendido com o processo e “de que tenha direito a ser compensado”. Basta esta expressão em destaque para logo se concluir que haverá outras de que não tem direito a ser compensado. Portanto, nem tudo o que a parte vencedora despendeu entrará em regra de custas de parte2.
Os honorários ao advogado entrarão na rubrica “custas de parte”?
Crê-se que não. Sobre o assunto, o TSI teve, aliás, oportunidade de dizer já o seguinte:
“1. O artº 25º/1, in fine, do Decreto-Lei nº 27/94/M constitui uma norma especial em relação ao regime geral consagrado nos artºs 21º/1-g), 22º/1 e 3, e 26º do «Regime das Custas nos Tribunais», aprovado pelo Decreto-Lei nº 63/99/M, à luz do qual, a parte vencedora tem direito a receber da parte vencida uma quantia a título de procuradoria que entra em regra de custas e ficar compensada das despesas realizadas por causa do processo, nomeadamente as custas adiantadas.
2. Assim, em vez de ficar passivamente compensado a título da procuradoria nos termos prescritos nos artºs 21º/1-g), 22º/1 e 3, e 26º do «Regime das Custas nos Tribunais» (RCT) e reclamar, em sede da contagem do processo, o dispêndio que não seja as custas adiantadas, o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo (FGAM), na acção instaurada para exercitar os direitos do lesado em que ficou sub-rogado, pode formular o pedido autónomo para o ressarcimento das despesas consistentes nos honorários que pagou aos seus advogados, assim como das outras despesas que não sejam as custas adiantadas, sem prejuízo do controlo oficioso pelo Tribunal quanto aos quantitativos à luz do critério da razoabilidade.
3. Se o FGAM tiver optado por via de pedido autónomo nos termos autorizados pelo artº 25º/1, in fine, do Decreto-Lei nº 27/94/M para o ressarcimento das despesas realizadas a título de honorários de advogados e de outro dispêndio que não seja as custas adiantadas, já não poderá beneficiar do reembolso a título de procuradoria nos termos prescritos no artº 21º/1-g) do RCT, nem poderá pedir de novo o reembolso das mesmas despesas por via prevista no artº 22º do RCT, sob pena de violação do princípio ne bis in idem.
4. Não dispondo no momento da instauração da acção de todos os elementos necessários à concretização e quantificação dos créditos reclamados, o Autor pode peticionar na petição inicial simplesmente as despesas que venha a realizar no decurso desta acção, quer no de uma eventual acção executiva contra os Réus, desde que tais despesas sejam determináveis, nos termos permitidos no artº 392º do Código Civil.”
E ainda:
“Face ao disposto no artº 21º/1-f) do «Regime das Custas nos Tribunais», aprovado pelo Decreto-Lei nº 63/99/M (RCT), as custas compreendem os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte e de procuradoria.
Por sua vez, o artº 26º/1 do RCT reza que a parte vencedora, na proporção em que o seja, tem direito a receber do vencido, desistente ou confitente, em cada instância, salvo nos incidentes, uma quantia a título de procuradoria que entra em regra de custas.
O critério de fixação da procuradoria está estabelecido no artº 27º do RCT, o qual dispõe:
1. A procuradoria é arbitrada pelo tribunal, em função do valor e complexidade da causa, entre um quarto e metade da taxa de justiça devida.
2. Quando o tribunal a não arbitre, é igual a metade da taxa de justiça devida.
Da interpretação global e conjugada destas várias normas, resulta que, em regra, a nossa lei não reconhece à parte vencedora o direito ao ressarcimento total das despesas com os honorários de advogados, sem prejuízo, contudo, do direito de receber da parte vencida uma quantia a título de procuradoria que entra em regar de custas (artº 26º do RCT).
E que essa quantia, não correspondente à quantia dos honorários paga pela parte vencedora aos seus advogados, é calculada de acordo com o critério estabelecido no artº 27º do RCT, que manda atender não à quantia que a parte vencedora efectivamente suportou, mas sim ao valor da taxa de justiça devida do processo.
Todavia, esta regra geral da compensação, simbólica ou parcial, dos encargos da parte vencedora resultantes do patrocínio não se afirma sem quaisquer limitações ou excepções.
Pois, existem situações em que a parte vencedora pode ver ressarcidas na totalidade as despesas dos honorários de advogados que suportou.
É o que sucede com a indemnização emergente da litigância de má-fé.
Nos termos do disposto no artº 386º/1 e 2-a) do CPC, a parte contrária pode pedir a condenação do litigante de má fé no pagamento de uma indemnização consistente no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos.
Compreende-se facilmente a justificação do tratamento especial da matéria de procuradoria nesta situação especial.” (Ac. do TSI, de 12/04/2018, Proc. nº 739/2016).
Também a doutrina defende que os honorários de advogado não se incluem no conceito de custas de parte (v.g., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil”, Reimpressão, 1993, pág. 363; Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais, Anotado e Comentado, 4ª ed., pág. 2303.
Do mesmo modo, a jurisprudência portuguesa, ao tempo em que a redacção dos preceitos sobre custas se equivaliam aos de Macau, se pronunciava no sentido de que os honorários do advogado não entram no conceito de custas de parte (Ac. da RL, de 27/05/1982, in BMJ nº 323, pág. 432) e que só em casos excepcionais referidos na lei pode atribuir-se indemnização autónoma à parte vencedora a título de honorários a pagar ao seu mandatário judicial (Ac. do STJ, de 15/06/1993, in BMJ nº 428, pág. 530).
Do que se acaba de transcrever resulta que os honorários de mandatário, salvo quando possível o seu reembolso em pedido autónomo (como no caso previsto no art. 25º, nº1, do DL nº 27/94/M, de acordo com o aresto atrás parcialmente transcrito), nas situações da condenação por litigância de má fé (art. 386º, nº2, al. a), do CPC), bem como nos casos em que é possível a sentença condenar o autor nos honorários do advogado do réu (art. 565º, nº2, do CPC), não têm lugar para consideração especial na conta a título de custas de parte. Eles só podem ser relevados a título de procuradoria, de acordo com o disposto no art. 26º do RCT, que é arbitrada em função do valor e complexidade da causa, mas sempre entre um quarto e metade da taxa de justiça devida (art. 27º, do RCT).
Não é possível, pois, comparar o regime da RAEM nesta matéria com o regime que vigora em Portugal, já que ali, tanto o art. 447º-D do Código de Processo Civil, como o art. 25º, nº2, al. d) do Regulamento das Custas Processuais (DL nº 34/2008), mandam considerar os honorários do mandatário, a par das despesas por este efectuadas, na rubrica de “custas de parte”, excepto quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º do mesmo diploma4.
Portanto, se a conta em causa não incluiu aquele montante a título de custas de parte, e se o despacho em crise sufragou a conta, não vemos motivo para lhe dirigir censura alguma.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
T.S.I., 06 de Junho de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 Altera-se o conteúdo em causa por força do despacho do juiz a fls. 23 do apenso D.
2 Sobre o assunto, ver tb. Ac. do TSI, de 6/09/2012, Proc. nº 400/2012
3 Dizia: “As custas de parte visam o reembolso à parte vencedora do que ela teve que despender com o impulso do processo em juízo, salvo os honorários pagos a mandatários, ainda que previstos em título executivo que os ponha a cargo do devedor”
4 Que manda levar em conta a título de “custas de parte” “50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior”
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1081/2018 13