Processo n.º 66/2019. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Segurança.
Assunto: Autorização de residência. Reagrupamento familiar. Falta de coabitação dos cônjuges.
Data da Sessão: 3 de Julho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
A falta de coabitação dos cônjuges sem uma razão plausível, quando ambos vivem em Macau, é motivo para o indeferimento da renovação da autorização de residência quando o fundamento desta autorização foi o reagrupamento familiar.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
A interpôs recurso contencioso do despacho de 6 de Setembro de 2017, do Secretário para a Segurança, que indeferiu pedido de renovação da autorização de residência com fundamento em reagrupamento familiar, com fundamento em o recorrente não coabitar com o cônjuge, embora vivam ambos em Macau.
Por acórdão de 21 de Fevereiro de 2019, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- O recorrente tem vida em comum com o seu cônjuge, embora não coabitem, visto assim terem decidido para não perturbar a filha do cônjuge, por não lhe ter sido comunicado o novo casamento da mãe;
- A exigência de coabitação viola o princípio da proporcionalidade.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 22 de Abril de 2016, o Secretário para a Segurança concedeu a autorização ao recorrente quanto ao seu pedido de residência em Macau, para que ele pudesse reunir-se com a sua mulher.
2. No dia 23 de Março de 2017, o recorrente apresentou à Polícia de Segurança Pública o pedido da renovação da autorização de residência.
3. Após investigação, foi verificado que o recorrente e a sua mulher não coabitaram no domicílio declarado e que a mulher, normalmente, coabitou noutro domicílio com a filha dela e a família da irmã mais velha dela.
4. Pelo Serviço de Migração foi prestada a seguinte Informação (Nº 2 XXXXXX/XXXXXXX/2017P
Assunto: Informação Suplementar do Pedido de Renovação da Autorização de Residência
N.º: XXXXXX/XXXXXXX/2017P
Data: 24/07/2017
1. Em 23 de Março de 2017, o senhor A pediu a renovação da autorização de residência, formulámos a informação n.º XXXXXX/XXXXXXX/2017P; o nosso Serviço propôs indeferir o pedido referido.
C.P.S.P.
SERVIÇO DE MIGRAÇÃO
Fotocópia extraída do processo
2. No dia 3 de Julho de 2017, segundo a conclusão da averiguação de visitas domiciliárias, há fortes índices de o requerente não ter coabitado de forma conjugal com o cônjuge, por isso, aparentemente, esta situação não está em conformidade com os elementos para a finalidade da autorização de residência (reagrupamento conjugal), mostram que o requerente não coabita com o cônjuge em Macau, nestes termos, segundo as normas do artigo 93º e do artigo 94º do Código do Procedimento Administrativo, nós notificamos oficialmente ao requerente o parecer lavrado pelo departamento, na forma de “audiência escrita”; o requerente pode manifestar a sua posição por escrito no prazo de 10 dias a contar do dia seguinte ao da recepção da presente notificação, vide a informação n.º XXXXXX/XXXXXXX/2017P. (P. 114).
3. No dia 7 de Julho de 2017, o requerente entregou o seguinte documento ao departamento, por via do cônjuge:
- A declaração do cônjuge do requerente, com frases de “…… Por ter recebido a notificação da autoridade, a autoridade duvidou que a relação conjugal entre esta pessoa B e o cônjuge A é falsa, como declarantes, o casal ora vai declarar e cumprir as responsabilidades legais, para garantir a autenticidade da declaração. As partes conheceram-se no ano de 2013, e depois, tornaram-se namorados e mudaram para a actual casa de morada desde o ano de 2014 até agora. Dentro do prazo, as partes viveram como namorados, o proprietário da fracção e os vizinhos podem verificar o facto acima referido. No ano de 2015, as partes casaram-se, após o casamento, as partes também viveram na casa de morada supracitada e não mudaram. A vida conjugal posterior ao casamento é normal, as partes efectuaram a comparticipação dos encargos da família e juntaram-se com os seus amigos, sem modificações. Como esta pessoa, B, tem uma filha do anterior casamento, a filha sofreu, de algum nível, os impactos e traumas psicológicos gerados pelo anterior casamento frustrado, por isso, a filha está psicologicamente frágil, falta-se sempre a segurança e a confiança. Ao mesmo tempo, quando casei com o requerente, naquela altura, a filha estava na tenra idade e no período rebelde, e preparou-se para o ensino secundário complementar, a fim de não afectar severamente o estado psicológico da filha, depois de conferenciar com o requerente, nós decidimo-nos a não avisar o casamento à filha, deixamo-nos para notificar à filha a noticia de casamento após a conclusão do ensino secundário complementar da filha. Durante este período, o cônjuge, ou seja, o requerente, manteve um trato no estado de “o bom amigo da mãe” com a filha. Além disso, como eu tive que trabalhar por turno, com a intenção cuidar bem da filha, decidi que a filha e o requerente residiram de forma separada, a filha residiu na fracção dos meus pais, por mim, às vezes, eu residi na fracção dos meus pais, outras vezes, na fracção do requerente. No início, o requerente opôs-se à minha sugestão supramencionada, mas felizmente, o requerente compreendeu as minhas dificuldades e proporcionou os apoios. Assim sendo, causando as dúvidas quanto à relação conjugal entre o requerente e esta pessoa B, eu peço imensa desculpa. Devido ao meu motivo pessoal, o requerente sofre as perturbações, quer no aspecto de residência quer no aspecto de trabalho, eu compunjo-me muito, quanto à compreensão e ao apoio do cônjuge, nomeadamente, o requerente sempre presta particular atenção ao crescimento saudável da filha, eu agradeço muito. Eu declaro aqui que a relação conjugal entre esta pessoa e o requerente não é falsa, desejo que a autoridade dê compreensão……” (vide a declaração) (P. 113)
4. Segundo mostram os registos transfronteiriços, dentro do prazo de 3 meses passados (desde o dia 22 de Abril de 2017 até ao dia 24 de Julho de 2017), o requerente e o cônjuge residiram em Macau de 94 dias. (P. 106-112)
5. Segundo a notificação do Comissariado de Investigação, na averiguação, promoveram a inquirição do requerente, do homem (da nacionalidade nepalês) coabitado com requerente, do cônjuge do requerente e da irmã mais velha do cônjuge do requerente, concluindo os alegados da seguinte forma: A. Devido à relação de trabalho, o requerente e o cônjuge conheceram-se na primeira quinzena do ano de 2013, 1 ano depois, as partes tomaram-se namorados, na segunda quinzena do ano de 2015, o cônjuge do requerente pediu o casamento com o requerente.
B. O cônjuge do requerente tem que cuidar da filha do anterior casamento, por isso, o cônjuge veio a Macau com o salvo-conduto de via única e começou a viver com a irmã mais velha.
C. As partes mantêm a autonomia financeira após o casamento, no momento de o requerente e o cônjuge gozam do mesmo horário e de o cônjuge não tem que cuidar da filha, o cônjuge vai pernoitar na residência do requerente, por 4 a 6 vezes, de casa mês.
D. Após o casamento, o requerente nunca participou em quaisquer festas familiares do cônjuge, outrossim, os agregados familiares do cônjuge não conheceram o casamento entre as partes. Além disso, há muitas fotos e vários registos de chamada telefónica nos telemóveis do requerente e do cônjuge, como as partes não gozam dos colegas de trabalho comum, por isso, o comissariado é incapaz de indagar a relação entre o requerente e o cônjuge. Segundo a análise quanto à exposição no endereço de residência do requerente e no endereço de residência do cônjuge (que conviveu com a irmã mais velha), há fortes índices de o requerente não ter coabitado de forma conjugal com o cônjuge. (vide a notificação n.º XXXX/2017/C.I.) (P. 118-177)
6. Analisando sinteticamente os factos do presente caso, encontraram após a averiguação que, (1): Moram apenas o requerente e outro homem da nacionalidade nepalês no foco declarado do requerente, além disso, há poucos vestuários e artigos de uso diário do cônjuge no quarto, não há nenhuns produtos femininos de uso diário na casa de banho, ainda mais, os sapatos casuais que pertencem ao cônjuge do requerente são cobertos pelas cinzas; (2) O cônjuge do requerente conviveu com a irmã mais velha, há vestuários e artigos que pertencem ao cônjuge do requerente na fracção; (3) O cônjuge do requerente residiu com a irmã mais velha na fracção dos pais desde o ano de 2007 até agora; por outra palavra, o requerente não coabitou de forma conjugal com o cônjuge, a alegação do cônjuge (a fim de não afectar a filha, por isso, o requerente e o cônjuge decidiram não coabitar) é apenas a sua opção. Nestes termos, considerando os factores apontados no artigo 9º, n.º 2 da Lei n.º 4/2003, especialmente o factor apontado na alínea 3), bem como as normas do artigo 22º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, até sugerindo que não autoriza o pedido de renovação da autorização de residência.
7. À apreciação superior.
Elaborador
Assinatura
C XXXXXX
5. No dia 7/08/2017 foi emitida a seguinte proposta pelo Chefe do Serviço de Migração:
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Parecer:
Concorda com o parecer do Chefe do Serviço de Migração
À apreciação do Secretário para a Segurança.
Comandante da C.P.S.P.
16/08/2017
1. Foi autorizada em 22 de Abril de 2016 a fixação de residência do requerente A com fundamento em reagrupamento conjugal.
2. O requerente pediu a autorização de fixação de residência no dia 23 de Março de 2017. Com base na diferença da idade entre o requerente e o cônjuge e na falta do registo comum de imigração ou emigração dentro do prazo de 1 ano das partes, o Serviço assim duvidou sobre a relação matrimonial das partes, de seguida, sob a instrução superior, o Serviço transferiu o caso ao Comissariado de Investigação para realizar as visitas domiciliárias contra o requerente, a fim de confirmar o estado civil do requerente, e de confirmar o assunto de “Se as partes coabitem de forma conjugar”. Para tanto, no dia 10 de Março de 2017, o Serviço transferiu o caso ao Comissariado de Investigação para a realização das vistas domiciliárias. E depois, no dia 22 de Junho de 2017, o requerente recebeu a notificação emitida pelo Comissariado de Investigação, “... Segundo a exposição no endereço de residência do requerente e no endereço de residência do cônjuge (que conviveu com a irmã mais velha), há fortes índices de o requerente não ter coabitado de forma conjugal com o cônjuge, além disso, na fase actual, não encontramos as irregularidades enfermadas no casamento do requerente e do cônjuge ...” (vide a notificação n.º XXXX/2017/C.I.) (P. 118-177)
3. Segundo o conteúdo principal relatado pelo cônjuge do requerente no processo de audiência, a fim de não afectar a filha, por isso, as partes decidiram não coabitar. (P.113)
4. Com base na insuficiência da alegação do requerente na fase de audiência, nesta situação, após a consideração quanto aos factores do artigo 9º, n.º 2 da Lei n.º 4/2003, especialmente ao factor da alínea 3), bem como o artigo 22º, n.º 2 da Lei Administrativa n.º 5/2003, sugere de “indeferimento” do seu pedido de renovação da autorização de residência”.
5. À apreciação do Comandante.
07/08/2017
Chefe do Serviço de Migração
Assinatura
Intendente D
6. No dia 16/08/2017, o Comandante da PSP emitiu o seguinte parecer:
“Concordo com o parecer do Chefe do Serviço de Migração.
À apreciação do Secretário para a Segurança”.
7. No dia 6/09/2017, o Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho (a.a.):
“Indefiro nos termos e com os fundamentos do parecer constante desta informação”
III – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, atrás mencionadas.
2. Reagrupamento familiar e falta de coabitação
O recorrente requereu autorização de residência em Macau com a finalidade de reagrupamento familiar com o seu cônjuge que é residente de Macau e vive permanentemente em Macau.
Foi autorizado.
Aquando de uma das renovações de residência os Serviços de Migração constataram que o recorrente não coabita com o cônjuge, que vive com a filha de anterior relacionamento, em casa da irmã mais velha e respectiva família e que o recorrente vive noutra casa com um compatriota, ambos em Macau.
Expostos estes factos ao recorrente e perante a inevitabilidade de lhe ser recusada a renovação de residência, veio aquele explicar que não coabita com o cônjuge, embora este passe algumas noites por mês em sua casa, visto assim terem decidido para não perturbar a filha do cônjuge, por não lhe ter sido comunicado o novo casamento da mãe.
O acórdão recorrido não considerou provado este facto que o recorrente dá como explicação para a não coabitação com o cônjuge.
O TUI não pode sindicar este julgamento de facto, face ao disposto no artigo 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, conjugado com o artigo 47.º da Lei de Bases da Organização Judiciária.
Assim, temos como assente que o recorrente requereu autorização de residência em Macau com a finalidade de reagrupamento familiar com o seu cônjuge e que, embora vivam ambos em Macau, não o fazem na mesma casa.
Como é evidente, pode haver vida em comum dos cônjuges sem coabitarem normalmente, designadamente, quando trabalhem ou tenham outra actividade em localidades diferentes.
Já quando ambos os cônjuges vivam em Macau, que é uma cidade pequena, permitindo que se viva em qualquer ponto dela e se trabalhe ou exerça outra actividade em qualquer outro local desta cidade, para haver vida em comum em Macau dos cônjuges, sem coabitação, tem de haver alguma razão plausível.
Mesmo que a razão invocada pelo recorrente apresentasse essas características – relativamente à qual suscitamos uma dúvida metódica – certo é que que o recorrente não fez prova do facto que alegou.
Logo, não merece censura o acto administrativo que negou a renovação de residência do recorrente em Macau, já que a mesma só foi autorizada para se juntar ao cônjuge, pois não têm filhos comuns e, na prática, o recorrente não vive com o cônjuge.
Não se vislumbra como é que um acto destes viola o princípio da proporcionalidade ou outro qualquer ou qualquer norma da Lei de Bases da Política Familiar.
IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 3 UC.
Macau, 3 de Julho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Chan Tsz King
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