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Processo nº 652/2016(*) Data: 13.06.2019
(Autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa, fiscal e aduaneira)

Assuntos : Recurso jurisdicional.
Infracção administrativa.
“Trabalho ilegal”.
“Matéria de facto”.
Autonomia do processo administrativo (em relação ao processo crime).



SUMÁRIO

1. Ao recorrente não basta “negar os factos dados como provados”, cabendo-lhe alegar e demonstrar – “provar” – que se incorreu em “erro” e que aqueles – os factos dados como provados – deviam ser outros.

Assim, limitando-se o recorrente a alegar – em abstracto – que os factos foram “mal julgados”, e se de uma análise à decisão recorrida e aos autos se constatar que a “decisão da matéria de facto”, para além de clara e lógica, encontra-se “sustentada” por abundantes elementos probatórios, visto está que nenhum motivo existe para se alterar a decisão recorrida.

2. O “processo administrativo”, respeitante a uma “infracção de natureza administrava” – por (eventual) trabalho em circunstâncias não autorizadas; (cfr., Lei n.° 21/2009) – em nada depende do que eventualmente (vier a) suceder no “processo crime” que tem como matéria (eventual) crime do “empregador”, (do trabalhador infractor no processo administrativo).

Sendo processos “autónomos”, sujeitos a diferente regulamentação legal e da competência e instruídos por entidades distintas, manifesto se apresenta que a eventual solução num adoptada, não afecta, (ou “influencia”), o outro; (nada impedindo que a entidade competente – D.S.A.L. – perante a matéria de facto apurada e provada no seu processo, decida pela condenação do recorrente em multa por “trabalho ilegal”).

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 652/2016(*)
(Autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa, fiscal e aduaneira)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (A), com os sinais dos autos, interpôs recurso contencioso para o Tribunal Administrativo, (T.A.), pedindo anulação do acto administrativo – datado de 27.06.2014 – praticado pelo Exmo. Director substituto da DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS PARA OS ASSUNTOS LABORAIS (D.S.A.L.), que – em sede de recurso hierárquico – confirmou a decisão que deu como verificada a prática pelo recorrente da infracção ao art. 32°, n.° 5, al. 1), da Lei n.° 21/2009 e que lhe aplicou a multa de MOP$5.000,00; (cfr., fls. 2 a 47 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, após contestação da entidade recorrida e realização da audiência de julgamento proferiu a Mma Juiz do T.A. sentença julgando improcedente o recurso; (cfr., fls. 135 a 139-v).

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Novamente inconformado, do assim decidido traz o recorrente o presente recurso jurisdicional, pugnando pela revogação da sentença recorrida e consequente anulação do acto administrativo da D.S.A.L.; (cfr., fls. 142 a 155-v).

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Admitido o recurso, e em sede de vista, emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Nas alegações do presente recurso jurisdicional (cfr. fls.148 a 155 verso dos autos), o recorrente assacou, em primeiro lugar, o erro de direito à douta sentença em escrutínio (vide. fls.135 a 139 verso dos autos), alegando reiteradamente não ter sido provado o emprego, sobretudo «7.然而,被訴實體自2014年對有關事件做出調查及科處罰款至今,仍未有提出任何的實質證據證明上訴人是以僱員的身份受僱於本澳門任一實體 (不論是自然人還是法人。)»
Impõe-se, desde já, realçar que nos termos da alínea 1) do n.°5 do art.32° da Lei n.°21/2009, é punido com multa de $5 000,00 a $10 000,00 patacas, sem prejuízo de outras medidas que ao caso couberem, o não residente que preste trabalho na RAEM sem que esteja autorizado a aqui permanecer na qualidade de trabalhador.
Ora, desta disposição resulta, de forma peremptória e sem margem para dúvida, que a infracção administrativa aí tipificada não depende de qualquer relação jurídica de emprego – seja legal ou ilegal, nem sequer da constatada existência do crime de emprego ilegal, basta a prestação de trabalho na RAEM por um indivíduo-não-residente, que não esteja autorizado a aqui permanecer na qualidade de trabalhador.
Na nossa óptica, continua a ser plenamente válida e aplicável no actual enquadramento legal a douta jurisprudência que proclamava (Acórdão do Venerando TUI no Processo n.°28/2005): O âmbito da aplicação do Regulamente Administrativo n.° 17/2004 não se limita a relações de trabalho em sentido restrito, abrange ainda uma série de situações previstas no seu art.2.°, nomeadamente o exercício de actividade por conta de outrem, na condição de sem remuneração, e a actividade em proveito próprio.
Nesta linha de vista, estamos convictos de que é manifestamente descabida a 19ª conclusão das sobreditas alegações, nas quais arrogou o recorrente «19. 由於被訴實體在作出處罰決定時,錯誤地認定了出現非法工作的情況,使有關的決定沾有了事實前提之瑕疵,而被上訴之裁判也錯誤認定了被訴之決定並無出現任何明顯錯誤或違反審慎心證之原則。根據澳門《行政程序法典》第124條,有關的決定屬可撤銷。»
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Subsidiariamente, o recorrente invocou ainda o vício de violação de lei, argumentando que a sua situação é integrável na previsão da 1) do n.°1 do art.4° do Regulamento Administrativo n.°17/2004, segundo a qual não são abrangidas pelo disposto na alínea 1) do art.2.° deste regulamento as situações em que o hão residente preste uma actividade: quando tenha sido celebrado um acordo entre empresas sediadas fora da RAEM e pessoas singulares ou colectivas aqui sediadas para realização de obras ou serviços determinados e ocasionais, nomeadamente, quando haja necessidade de utilização de trabalhadores não residentes para prestação de serviços de direcção, técnicos, de controlo de qualidade ou de fiscalização.
Para se despontar a realidade, impende-se-nos destacar que existem nesse douto TSI dois recursos jurisdicionais n.°651/2016 e n.° 652/2016 cujos recorrentes, de nome respectivamente B (B) e A (A), foram encontrados, na mesma altura e no mesmo local, a prestar trabalho à sociedade «X (澳門) 有限公司».
Na douta sentença ora posta em crise, a MMa Juiz a quo constatou proficientemente que «同日,治安警察局警員聽取司法上訴人及X澳門有限公司之助理經理X與兩名職員X及X之聲明,且針對上述事實制作編號: 01/A/2014-P°225.48實況筆錄 (見附卷第3頁至第26頁,有關內容在此視為完全轉錄)。» Na douta sentença impugnada no Processo n.°651/2016, a MMa Juiz a quo mencionou: «同日,治安警察局警員聽取司法上訴人及X澳門有限公司之助理經理X與兩名職員X及X之聲明,且針對上述事實制作編號: 01/A/2014-P°225.48實況筆錄 (見附卷第3頁至第26頁,有關內容在此視為完全轉錄)。» (negritos nossos)
Ora, o Auto de Notícia acima referida narra, com precisão, que na mesma altura e no mesmo local, os dois residentes da RAEHK estavam a prestar trabalho à mesma sociedade atrás aludida (doc. de fls.3 a 5 do P.A.). Mais concretamente, é que o ora recorrente estava a processar documentação por computador (正進行處理電腦文書之工作), e o indivíduo de nome B (B) estava a atendar as chamadas (正進行接聽電話之工作).
Na nossa óptica, nem se diga que se trate duma situação por acaso ou meramente incidental. Com efeito, as duas testemunhas asseveraram, sem hesitação, que a prestação de trabalho pelos 2 residentes da RAEHK não era ocasional, mas «de vez em quanto» (不定時地).
E de acordo com a descrição no dito Auto de Notícia n.°01/A/2014-Pº225.48, os trabalhos que os 2 indivíduo de nome B (B) e A (A) estavam a fazer – atendimento de chamadas e processamento de documentação por computador – não podem ser enquadrados ou integrados na categoria de «serviços .de direcção, técnicos, de controlo de qualidade ou de fiscalização» prescritos na alínea 1) do n.°1 do art.4° do Regulamento Administrativo n.°17/2004.
A todas estas luzes, e ressalvado elevado respeito pela opinião diferente, não podemos deixar de entender que o segundo argumento do recorrente é igualmente insubsistente, e é impecável a douta sentença em causa que julgou não verificada a ofensa do segmento legal atrás referido pelo despacho contenciosamente impugnado.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional”; (cfr., fls. 168 a 169-v).

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Adequadamente processados que se nos apresentam os autos, e nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Pela Mma Juiz do T.A. foram dados como “provados” os factos como tal elencados a fls. 135-v a 137 da sentença ora recorrida, (e aqui tidos como integralmente reproduzidos).

Do direito

3. Como se deixou relatado, vem A recorrer da sentença prolatada pela Mma Juiz do T.A. que lhe negou provimento ao recurso contencioso que (aí) apresentou.

E da análise aos presentes autos, em especial, ao teor da sentença recorrida, e da reflexão sobre o que pelo recorrente vem (agora) alegado, cremos que se terá de negar provimento ao presente recurso.

Vejamos, (muito não se mostrando necessário consignar para o demonstrar).

A sentença objecto do presente recurso, (proferida a final da “audiência de discussão e julgamento”), confirmou – dando como “provada” – toda a “matéria de facto” pela D.S.A.L. considerada para a decisão proferida que deu como verificada a prática, pelo ora recorrente, da infracção ao estatuído no art. 32°, n.° 5, al. 1) da Lei n.° 21/2009, e que, nesta conformidade, lhe aplicou uma multa de MOP$5.000,00.

Em síntese – que se nos afigura adequada – deu o Tribunal a quo como “provado” que no dia 02.01.2014, depois da P.S.P. receber uma denúncia, e que nas diligências efectuadas na sua sequência, foi o ora recorrente surpreendido a “trabalhar”, efectuando processamento de documentos em computador na recepção do estabelecimento comercial identificado nos autos, e que, quando solicitado, não conseguiu apresentar documento válido que lhe permitisse trabalhar em Macau, tendo-se elaborado o competente auto-do-notícia que, posteriormente, encaminhado para a D.S.A.L., deu origem ao Processo Administrativo (agora em apenso aos presentes autos) que culminou com a aplicação ao ora recorrente da dita multa de MOP$5.000,00.

Perante esta factualidade, (e como se viu), decidiu a Mma Juiz do T.A. confirmar acto administrativo então objecto do recurso contencioso pelo ora recorrente interposto.

Diz porém o ora recorrente que adequado não é o (assim) decidido, apresentando, nas suas alegações de recurso, “dois motivos”, (que, aliás, também já foram apresentados em sede do dito recurso contencioso e que já foram objecto de apreciação e decisão pelo T.A.).

O “primeiro”, considerando que existe “erro na decisão da matéria de facto”, limitando-se a afirmar que não estava a “trabalhar” na data e local referidos.

Ora, (como já se deixou relatado), analisados os autos e o teor da sentença recorrida, evidente se apresenta que nenhuma razão se pode reconhecer ao recorrente, pois que a referida “decisão da matéria de facto”, para além de clara e lógica, encontra-se “sustentada” por abundantes elementos probatórios constantes nos autos, nenhuma censura nos merecendo.

Por sua vez, e como é óbvio, ao recorrente não basta “negar os factos dados como provados”, cabendo-lhe alegar e demonstrar – “provar” – que se incorreu em “erro” e que aqueles – os factos dados como provados – deviam ser outros.

E isto, há que dizer que o recorrente não fez, (nem no âmbito do anterior recurso contencioso, e muito menos na presente lide recursória).

Diga-se ainda que “idêntica situação” – de “trabalho ilegal” – ocorreu com o colega do ora recorrente, e que, como bem nota o Ilustre Procurador Adjunto, mereceu idêntica solução no âmbito do que decidido foi por este T.S.I. no Ac. de 29.06.2017, Proc. n.° 651/2016.

O “segundo motivo” do inconformismo do ora recorrente tem a ver com o facto de o “processo-crime” que os “factos” atrás relatados deram lugar não ter prosseguido, considerando assim que o mesmo devia suceder ao procedimento administrativo elaborado na D.S.A.L. e que culminou com a multa que lhe foi aplicada.

Como se mostra (também) evidente, labora o recorrente em equívoco.

Sendo processos “autónomos”, sujeitos a diferente regulamentação legal e da competência e instruídos por entidades distintas, manifesto se apresenta que a eventual solução num adoptada, não afecta, (ou “influencia”), o outro, nada impedindo que a D.S.A.L., perante a matéria de facto apurada e provada, tomasse a decisão de condenação do recorrente na referida multa como efectivamente sucedeu.

Com efeito, e independentemente do demais, não se pode olvidar que estando os processos – aquele, “crime”, e este, “administrativo” – sujeitos a diferentes regimes legais, princípios e pressupostos processuais, evidente é que o que num se vier a decidir não se “comunica” ao outro.

No caso, importa atentar também que no presente processo, em causa está a infracção – “administrativa”, (cfr., Secção II da Lei n.° 21/2009) – pelo ora recorrente cometida enquanto “trabalhador” (não autorizado) e, que, no aludido “processo-crime” averiguava-se da conduta do “empregador” e da sua (eventual) relevância criminal.

E, prescrevendo-se no art. 32°, n.° 5, al. 1) da dita Lei n.° 21/2009 que “É punido com multa de MOP$5 000,00 a MOP$10 000,00 (…) o não residente que preste trabalho na RAEM sem que esteja autorizado a aqui permanecer na qualidade de trabalhador”, (e sendo o que se provou ser no caso do recorrente), vista está a solução para o presente recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 13 de Junho de 2019
José Maria Dias Azedo
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Mai Man Ieng
(*) Processo redistribuído ao ora relator em 11.04.2019.
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