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Processo nº 542/2018
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 13 de Junho de 2019

ASSUNTO:
- Falta de audiência prévia
- Efeito suspensivo do recurso hierárquico necessário
- Interdição de entrada
- Princípios da adequação e da proporcionalidade

SUMÁRIO:
- Não se verifica a falta de audiência prévia para o procedimento administrativo de 2º grau, se a Administração não decidiu com elementos novos, visto que o interessado já tinha toda a oportunidade de se pronunciar o que tiver por conveniente nesse procedimento quanto à decisão do procedimento administrativo de 1º grau.
- Nos termos do nº 1 do artº 157º do CPA, o recurso hierárquico necessário suspende a eficácia do acto recorrido, salvo nos casos em que a lei disponha em contrário ou quando o autor do acto considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público.
- A violação da imposição supra referida não implica a invalidade do acto ora recorrido, antes simplesmente a execução ilegal do acto do procedimento administrativo do 1º grau.
- Para efeitos da interdição de entrada, a lei não exige a condenação efectiva da prática de crime que é susceptível de causar perigo efectivo para RAEM, antes simplesmente fortes indícios.
- A valoração de existir ou não fortes indícios da prática de crime e em caso afirmativo tal prática de crime constitui ou não perigo efectivo para RAEM cabe no âmbito do exercício do poder discricionário da Administração, só é sindicável judicialmente nos casos de erro manifesto/grosseiro, ou da total desrazoabilidade.
- A ideia central de princípio da proporcionalidade e da adequação projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa.
- Atendendo à necessidade da protecção da actividade económica principal e nuclear da RAEM, não é manifestamente desproporcional nem desadequada a interdição de entrada de 5 anos duma pessoa fortemente indiciada pela prática de crime de usura para jogo.
O Relator,
Ho Wai Neng





Processo nº 542/2018
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 13 de Junho de 2019
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Secretário para a Segurança, de 26/03/2018, que lhe aplicou a medida de interdição de entrada na RAEM por um período de 5 anos, concluíndo que:
A. O presente recurso contencioso administrativo tem por objecto acto contenciosa e imediatamente recorrível, que é interposto no prazo legal, junto do tribunal competente e por quem tem legitimidade;
B. O acto recorrido é o despacho do Exmo. Secretário para a Segurança de 26 de Março de 2018, que decidiu confirmar o despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública de 2 de Fevereiro de 2018, que aplicou à Recorrente a medida de interdição de entrada na RAEM pelo período de 5 anos;
C. O acto ora recorrido mantém-se operativo na ordem jurídica, uma vez que não foi anulado ou revogado pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança;
D. Não sobrevinha nenhuma das circunstâncias previstas na lei que permitisse ao CPSP emitir uma decisão de expulsão da Recorrente sem a sua audição, tanto mais que se perspectivava uma decisão desfavorável;
E. Nem é susceptível de se enquadrar uma hipótese de inexistência ou dispensa de audiência da interessada, a ora Recorrente, previstas nos art.ºs 96.º e 97.º do CPA, uma vez que, a Recorrente foi notificada para o efeito de ser ouvida nos termos do art.º 93.º do CPA;
F. O Exm.º Secretário para a Segurança não se pronunciou sobre as razões pelas quais foi excepcionada a audiência prévia da Recorrente antes da decisão de interdição de entrada, tendo confirmado o acto administrativo praticado pelo Comandante do CPSP, que executou a decisão sem antes proceder ao trâmite legalmente exigido e previsto no art.º 93.º do CPA, e não justificando expressamente as razões de a mesma ter sido excepcionada nos termos dos art.ºs 96.º e 97.º do CPA;
G. Ao abrigo do disposto nos art.ºs 145.º, n.º 2, al. c), 153.º e 157.º do CPA, ao recurso hierárquico interposto deveria ter sido logo atribuído efeito suspensivo;
H. Desde a data apresentação (27 de Fevereiro de 2018) até à data da notificação do presente acto recorrido, a Recorrente, e a sua mandatária nunca recebeu qualquer resposta sobre requerimento da suspensão de eficácia.
I. O Recorrido ignorou o pedido da suspensão acima referido, bem como o requerimento subsequente, alertando a falta da resposta, sem que ao mesmo tivesse apresentado qualquer razão a não suspensão da eficácia do acto, designadamente, por causar grave prejuízo ao interesse público.
J. O Recorrido não posuía elementos que lhe permitissem afirmar pela existência de fortes indícios de conduta criminalmente imputável à Recorrente para concluir que esta é pessoa que potencia, em si, perigo para a segurança e ordem públicas.
K. O Recorrido devia ter apontado factos concretos e objectivos que consubstanciassem a sua decisão, para que se pudesse considerar preenchido o conceito indeterminado de perigo efectivo;
L. A Recorrente não tem antecedentes criminais, não se lhe podendo censurar e assacar responsabilidades por actos que não praticou e sobre os quais não foi acusada, julgada e condenada;
M. Não há razão que justifique a aplicação de uma proibição de entrada nos termos que lhe foram aplicados pela Recorrente, a qual se afigura claramente excessiva, desproporcional e não fundamentada, em termos que aliás se lhe afiguram abusivos e visando outros objectivos que não os pugnados pelo legislador;
N. A proibição de entrada aplicada à Recorrente viola de forma clamorosa o princípio da proporcionalidade.
O. O acto recorrido é ilegal por vício de forma por: i) preterição do Princípio de Audiência Prévia (art.º 93.º do CPA); ii) violação de lei; violou o disposto do art.º 157.º, n.º 1 do CPA; iii) falta de Fundamentação e iv) violação do princípio da proporcionalidade consagrado no art.º 5.º do CPA (art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC), o que implica a sua invalidade e a consequente anulação (art.º 124.º do CPA).
P. Devendo, de tal modo, a decisão de interdição de entrada na RAEM ser revogada por decisão judicial deste douto Tribunal.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 86 a 92 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Ministério Público é de parecer da improcedência do recurso, a saber:
“Na petição inicial, a recorrente solicitou a anulação do despacho em escrutínio, invocando a indevida preterição da audiência prévia, a falta da fundamentação, e a violação do disposto no n.º1 do art.157º do CPA bem como do princípio da proporcionalidade.
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Repare-se que a recorrente é alvo dos dois despachos consubstanciados respectivamente em revogar a autorização de permanência que lhe tinha sido concedida (cfr. doc. de fls.2 do P.A.), e em aplicar-lhe a interdição de entrada pelo período de 5 anos contado a partir de 23/10/2017 (doc. de fls.23 do P.A.), sendo este proferido pelo Senhor Comandante do CPSP.
O ofício n.º4162/2017-Pº.229.01 demonstra concludentemente que à recorrente foi concedido o prazo de 30 dias para o exercício do direito de audiência (doc. de fls.13 do P.A.), e ela representada pela ilustre advogada Susana de Sousa So apresentou a Audiência Escrita (doc. de fls.14 a 18 do P.A.).
Tais dois factos, só por si, determinam cabal e necessariamente o incurável o falecimento da arguição da indevida preterição da audiência prévia, na medida em que a recorrente exerceu efectivamente o direito de audiência em relação à decisão da interdição de entrada.
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Convém assinalar que depois da indicação da ilicitude imputada à recorrente, o despacho de revogação da autorização de permanência determinou, com toda a clareza, que “考慮到有關行為對本地區公共安全或公共秩序構成危險,因此,根據第6/2004號法律第11條第1款3項的規定,……,本人決定廢止利害關係人之逗留許可,並著令其立即離開澳門特別行政區。” (sublinha nossa)
Recebendo a notificação desse despacho em 23/09/2017 (doc. de fls.3 do P.A.), a recorrente nunca lançou mão à impugnação graciosa. Por isso, a partir de 24/10/2017 em que se terminou peremptoriamente o prazo de 30 dias (art.155º n.º1 do CPA), tal despacho torna-se consolidado na ordem jurídica e adquiriu a força do caso resolvido.
De acordo com o preceituado na alínea 1) do n.º1 do art.4º da Lei n.º4/2003, este caso resolvido produziu também o efeito ipso jure e imperativo de recusa de entrada. O que conduz a que desde o surgimento do caso resolvido, a recorrente se encontrasse com recusa de entrada.
Na medida em que o recurso hierárquico do despacho da aplicação da interdição de entrada não pode abalar a recusa de entrada derivada do despacho de revogação da autorização de permanência, parece-nos que não faz sentido algum que a recorrente venha assacar, ao despacho atacado nestes autos, a violação do preceito no n.º1 do art.157º do CPA.
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Inculca a jurisprudência mais autorizada (Acórdão do STA de 10/03/1999, no Processo n.º44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
Ora, o despacho do Senhor Comandante do CPSP referiu expressamente que “按司法警察局的調查結果顯示,利害關係人A(……)曾在澳門作出如下行為,具體如下”, e logo a seguir, indicou com precisão os factos ilícitos imputados à recorrente bem como as disposições legais para abonar a aplicação da interdição de entrada por período de cinco anos.
Por sua vez, o despacho em causa mencionou o fundamento da revogação da autorização de permanência, e que “Por outro lado, é claro que a lei – concretamente, a línea 2) do n.º2 do artigo 12.º da Lei n.º6/2004 – permite a aplicação da medida de interdição de entrada aos não residentes que tenham visto a sua autorização de permanência ser revogada ao abrigo da alínea 3) do n.º1 do artigo 11.º da mesma Lei n.º6/2004.”
Bem, a Audiência Escrita e o Recurso Hierárquico Necessário tornam concludente que a recorrente tomou conhecimento do despacho de revogação da autorização de permanência e do despacho do Senhor Co-mandante do CPSP acima aludidos foram enviados à recorrente.
O que lhe cauciona compreender plenamente o significado exacto das palavras “Tal conduta” surgida no despacho recorrido que indica explicitamente a base legal da aplicação da interdição de entrada. Assim e de acordo com a inspirativa jurisprudência atrás citada, colhemos que o acto recorrido não enferma da assacada falta de fundamentação.
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Sem necessidade de indicação específica dos arestos judiciais, o que é incontroverso é que a jurisprudência consolidada dos Venerandos TUI e TSI vem ensinando sempre que o n.º2 do art.4º da Lei n.º4/2003 e o n.º2 do art.12º da Lei n.º6/2004 conferem verdadeiro poder discricionário à Administração, cujo exercício é judicialmente insindicável, salvo se padeçam de erro manifesto ou total desrazoabilidade.
De outra banda, convém assinalar que o Venerando TUI assevera incansavelmente que “Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado aa recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração; e o papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.” (vide. Acórdãos nos Processos n.º13/2012 e n.º112/2014)
Avaliando os fortes indícios da ilicitude imputada à recorrente em conformidade com as prudentes orientações jurisprudenciais estabelecidas pelos Venerandos TUI e TSI, não podemos deixar de colher que não se verifica a invocada violação do princípio da proporcionalidade.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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III – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos e no respectivo P.A., é assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. Em 23/10/2017, a Recorrente foi notificada do ofício n.º 4162/2017-P.º 229.01.
2. Em 03/11/2017, a Recorrente apresentou audiência escrita através da sua mandatária Drª Susana de Souza So.
3. Por despacho de 02/02/2018, o Comandante da PSP aplicou à Recorrente a medida de interdição de entrada pelo período de 5 anos.
4. Em 27/02/2018, a Recorrente recorreu hierarquicamente junto do Sr. Secretário para a Segurança contra a supra medida de interdição de entrada.
5. Em 26/03/2018, o Sr. Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho:
“…
Avaliando o processo instrutor anexo ao presente recurso hierárquico, verifico, face ao teor dos ofícios da Polícia Judiciária, a fls. 5 e 20, que está suficientemente comprovada a existência de fortes indícios de conduta criminalmente relevante imputável à ora Recorrente.
Tal conduta aponta, objectivamente, no sentido de que a cidadã A é pessoa que potencia, em si, perigo para a segurança e ordem públicas, razão pela qual, aliás, em 2017.09.22, foi revogada a respectiva autorização de permanência, ao abrigo da alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004 (não constando, aliás, que tal decisão tenha sido impugnada).
Por outro lado, é claro que a lei - concretamente, a alínea 2) do n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 6/2004 - permite a aplicação da medida de interdição de entrada aos não residentes que tenham visto a sua autorização de permanência ser revogada ao abrigo da alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da mesma Lei n.º 6/2004.
Nestas circunstâncias, afigura-se ser válido o despacho do Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública de 2018.02.02, que, depois de cumpridas as formalidades legais, aplicou à Recorrente a medida de interdição de entrada na RAEM, pelo período de 5 anos, com fundamento nos factos e nas disposições legais supra referidas.
Na sua petição de recurso hierárquico, a Recorrente invoca, no essencial, que ainda não foi condenada pela prática de qualquer crime, pelo que deve aplicar-se o princípio da presunção de inocência. No entanto, este argumento improcede, por estarmos no domínio de um procedimento administrativo, de carácter securitário (não sancionatório), onde não relevam considerações sobre a efectiva punição criminal dos factos subjacentes, nem está em causa a apreciação da responsabilidade penal da Recorrente. Aliás, como já foi sublinhado pela melhor Jurisprudência, "Com a previsão, como pressuposto da interdição de entrada, de existência de "fortes indícios" da prática do crime, não se pode falar na aplicação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, já que a exigência legal, tão só, de fortes indícios se opõe logicamente à ideia de comprovação de prática do facto ilícito." (Acórdão do TUI, no Processo n.º 28/2014).
Quanto à alegada impossibilidade de reunião com o seu defensor legal, entendo que o exercício dos direitos que assistem à Recorrente, no domínio do processo penal, devem ser invocados perante as autoridades judiciais. Pela sua parte, as autoridades policiais acatarão as indicações que lhe foram dadas pelas autoridades do processo penal quanto à entrada da Recorrente na RAEM para o estrito exercício dos seus direitos no referido processo.
Deste modo, tudo ponderado, concluo que não são apresentadas razões que aconselhem a opção de revogar o acto administrativo impugnado, pelo que decido confirmá-lo, negando provimento ao recurso hierárquico…”.
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IV – Fundamentação
Para a Recorrente, o acto recorrido padece dos seguintes vícios:
- falta de audiência prévia;
- violação de lei por não ter dado efeito suspensivo ao recurso hierárquico necessário interposto por si;
- falta de fundamentação;
- violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação.
Vamos analisar se lhe assiste razão.
1. Falta de audiência prévia:
Como é sabido, a audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
E destina-se a evitar, face ao administrado, o efeito surpresa e, no mesmo passo, garantir o contraditório, de modo a que não sejam diminuídos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados.
No caso em apreço, o acto recorrido foi proferido no procedimento administrativo de 2º grau com base nos elementos já colhidos no procedimento administrativo, sem qualquer novo elemento que é estranho à Recorrente, daí que nunca se pode dizer que há violação do direito da audiência prévia do interessado, visto que a Recorrente já tem toda a oportunidade de se pronunciar sobre a sua interdição de entrada na petição do recurso hierárquico necessário.
No mesmo sentido, veja-se o Ac. deste TSI de 17/11/2016, proferido no Proc. nº 666/2015.
Em relação à decisão do procedimento administrativo de 1º grau, isto é, a decisão de interdição de entrada do Comandante da PSP, este não constitui objecto do presente recurso contencioso.
Aliás, com a prolação do acto ora recorrido, o mesmo já perdeu a sua autonomia.
De qualquer forma, salientamos que a Recorrente foi ouvida antes da tomada da decisão de interdição de entrada, visto que apresentou audiência escrita através da sua mandatária em 03/11/2017 e a decisão de interdição de entrada foi proferida em 02/02/2018.
Improcede, assim, este argumento do recurso.
2. Violação de lei por não ter dado efeito suspensivo ao recurso hierárquico necessário interposto por si:
Nos termos do nº 1 do artº 157º do CPA, o recurso hierárquico necessário suspende a eficácia do acto recorrido, salvo nos casos em que a lei disponha em contrário ou quando o autor do acto considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público.
Trata-se duma imposição legal em que a Administração tem de obedecer.
No entanto, a violação da imposição supra referida não implica a invalidade do acto ora recorrido, antes simplesmente a execução ilegal do acto do procedimento administrativo do 1º grau, ou seja, execução ilegal da decisão de interdição de entrada determinada pelo Comandante da PSP.
Ora, o acto impugnado no recurso hierárquico necessário difere-se do acto que decide a impugnação administrativa necessária.
Assim, sem necessidade de demais delongas, não é de acolher este fundamento do recurso.
3. Falta de fundamentação:
Em nome do vício da falta de fundamentação, a Recorrente pretende dizer que a Entidade Recorrida errou nos pressupostos de facto e de valoração, visto que ela nunca foi condenada pela prática de qualquer crime, pelo que não se pode concluir que a sua estadia na RAEM constitui perigo efectivo.
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Contudo, não se deve confundir fundamentação com fundamentos, a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
A questão de saber se os fundamentos do acto recorrido estão correctos ou não, já é uma questão de fundo.
Nos termos do nº 6 do artº 74º do CPAC, a errada qualificação dos fundamentos do recurso não impede o conhecimento do mesmo.
Será que a Entidade Recorrido errou nos pressupostos de facto e de valoração?
A resposta para nós, é negativa.
Em primeiro lugar, para efeitos da interdição de entrada, a lei não exige a condenação efectiva da prática de crime que é susceptível de causar perigo efectivo para RAEM, antes simplesmente fortes indícios.
Entende-se por “fortes indícios” “os sinais de ocorrência de um determinado facto, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que o facto foi praticado pelo arguido. Esta possibilidade razoável é uma possibilidade mais positiva que negativa, ou seja, a partir das provas recolhidas se forma a convicção de que é mais provável que o arguido tenha praticado o facto do que não o tenha praticado. Aqui não se exige uma certeza ou verdade como no julgamento criminal” (Ac. do TUI de 19/11/2014, Proc. nº 28/2014).
A valoração de existir ou não fortes indícios da prática de crime e em caso afirmativo tal prática de crime constitui ou não perigo efectivo para RAEM cabe no âmbito do exercício do poder discricionário da Administração, só é sindicável judicialmente nos casos de erro manifesto/grosseiro, ou da total desrazoabilidade.
No caso sub justice, consta dos autos que a própria Recorrente admitiu ter emprestado dinheiro para amigo jogar, negando no entanto que tinha retirado qualquer proveito para o efeito.
Só que após a investigação policial, descobriu-se que a Recorrente ficou com as comissões da troca de fichas.
Por outro lado, a ofendida disse à polícia que foi lhe retirada a quantia de HKD254.000,00 a título de juros de empréstimo.
Perante estes elementos, não achamos que a conclusão obtida no acto recorrido no sentido da existência de fortes indícios da prática de crime de usura para jogo pela Recorrente existe algum erro, muito menos grosseiro.
Em relação à conclusão da existência do perigo efectivo, tendo em conta a natureza do crime e a exploração de jogo e azar constituir actividade económica principal e nuclear da RAEM, não se nos afigura que se trate duma valoração errada.
4. Violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação:
Nos termos do nº 2 do artº 5º do CPC, “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
É este o chamado princípio da proporcionalidade e da adequação.
A ideia central deste princípio projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa.1
Este princípio só se opera no âmbito da actividade administrativa discricionária, que é o caso.
E o exercício do poder discricionário da Administração, como já referimos anteriormente, só é sindicável judicialmente nos casos de erro manifesto/grosseiro, ou da total desrazoabilidade, que não é o caso.
Pois, atendendo à necessidade da protecção da actividade económica principal e nuclear da RAEM, entendemos que a interdição de entrada de 5 anos não é manifestamente desproporcional nem desadequada.
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Tudo visto, resta decidir.
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V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
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Custas pela Recorrente, com 8UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 13 de Junho de 2019.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Mai Man Ieng
1 Cfr. David Duarte, Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para Uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa Como Parâmetro Decisório, Almedina, Coimbra, 1996,, 319 a 325.
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