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Proc. nº 1132/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 13 de Junho de 2019
Descritores:
- Liquidação em execução de sentença

SUMÁRIO:

Estando provados os elementos fundamentais da relação laboral, bem como o incumprimento por parte da empregadora relativamente a alguns direitos do trabalhador, a eventual falta de prova dos dados quantitativos apenas permitirá fazer uso do dever judicial de condenação no que for liquidado em execução de sentença, nos termos do art. 564º, nº2, do CPC, e não absolver o réu do pedido com esse fundamento.





Proc. nº 1132/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, casado, de nacionalidade nepalesa, residente habitual no Reino Unido, em…, titular do Passaporte do Nepal nº …, emitido pela autoridade competente do Nepal, instaurou no TJB (Proc. nº LB1-16-0072-LAC) contra:
1) B, SARL, (adiante, B), com sede na ..., Macau,
e
2) C, S.A., (adiante, C), com sede na ..., Macau,
ACÇÃO DE PROCESSO COMUM DO TRABALHO, pedindo a condenação das rés no pagamento de créditos laborais correspondentes ao período pelo qual durou a respectiva relação laboral.
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Na oportunidade, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, tendo condenado a 1ª e 2ª rés a pagar ao autor, respectivamente, as quantias de MOP 109.075,00 e MOP 18.572,50.
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Em recurso dessa sentença, foi proferido acórdão deste TSI, de 18/01/2008, que, entre o mais, concedeu parcial provimento ao recurso e anulou parcialmente o julgamento de forma a apurar os dias de trabalho efectivamente prestado e a poder fixar-se a compensação relativa aos subsídios de alimentação, aos dias de trabalho em dias de descanso semanal, descanso compensatório, trabalho extraordinário e por turnos.
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Alterada Base Instrutória, com a introdução de novos dois quesitos, foi o pleito submetido a novo julgamento e, a sem tempo, proferida nova sentença, a qual, além de homologar a desistência do pedido relativamente às compensações pelo trabalho extraordinário, julgou a acção improcedente por não provada.
*
É contra esta nova sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional pelo autor, em cujas alegações vêm formuladas as seguintes conclusões:
“1. Versa o presente recurso sobre a Decisão proferida pelo Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base nos termos da qual foi julgada totalmente improcedente, por não provado, os pedidos formulados pelo Autor, ora Recorrente, contra a Ré e relativos ao subsídio de alimentação, trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, descanso semanal, descanso compensatório, trabalho extraordinário e por turnos, em sede de “repetição de julgamento” tal qual ordenado por este Venerando Tribunal de Recurso (Proc. n.º 873/2017, junto de fls..);
2. Salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a Decisão Recorrida enferma de um conjunto de erros de facto (traduzido, desde logo, numa notória insuficiência de matéria de facto com vista à “repetição do julgamento” tal qual ordenado pelo Tribunal de Segunda Instância), bem como de um notório erro de julgamento traduzido numa manifesta contradição entre a matéria de facto constante da Decisão Recorrida e a matéria de facto anteriormente provada, o que em muito compromete a sua validade e justeza, razão pela qual deve a mesma ser julgada nula e substituída por outra que dê integral cumprimento à “repetição do julgamento” nos termos que haviam sido “anteriormente” ordenados pelo Tribunal de Recurso e, bem assim, que atenda aos pedidos reclamados pelo Autor na sua Petição Inicial;
Mais detalhadamente,
3. Importa começar por recordar que a Decisão de que ora se recorre surge na sequência do Recurso apresentado pelas Recorridas e, tendo a mesma obtido ganho de causa, foi, em sequência, lavrado por este Venerando Tribunal de Recurso o Ac. n.º 873/2017, nos termos do qual se deixou sublinhado, para o que mais importa, o seguinte: “Perante esta insuficiência, perante esta incompreensão sobre a forma como se atingiu aquele facto com que se jogou no cálculo efectuado, (...) o que implica a anulação da decisão proferida na parte relativa à concretização de quais e quantos os dias considerados no cálculo efectuado pelo Mmº Juiz, tendo em conta a necessidade de saber os dias concretos de trabalho e ausência para se poderem determinar as diferentes compensações”;

4. Daqui resulta que se impunha ao Tribunal a quo - em sede de “repetição do julgamento” - aditar à douta Base Instrutória, o(s) quesito(s) necessário(s) e referentes, nomeadamente: à concretização dos dias de trabalho efectivo, mas também aditar à Base Instrutória os quesitos com vista a concretizar os períodos em que o Autor terá faltado (e que não foi quesitado);
5. Lamentavelmente, porém, não foi este o caminho seguido pelo Tribunal a quo aquando da selecção da matéria de facto com vista à “repetição do julgamento”, porquanto o mesmo se limitou apenas e tão-só a aditar à douta Base Instrutória dois singelos quesitos, nos termos que resultam do Despacho de fls. 322, o que se revela manifestamente insuficiente com vista à ordem de “repetição do julgamento”, tal qual decidido pelo Tribunal de Recurso;
Da reclamação à selecção da matéria de facto (art. 430º, n.º 3 do CPC): da sua manifesta insuficiência:
6. Notificado do aditamento do referido quesito à douta Base Instrutória, o Autor apresentou uma Reclamação, tendo a mesma sido integralmente indeferida pelo Tribunal a quo - nos termos que resultam do Despacho de fls. 334;
7. Salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer que, contrariamente ao que terá sido concluído pelo Tribunal a quo, a “repetição do julgamento” ordenada pelo Tribunal de Recurso impunha não só que fosse aditado à douta Base Instrutória o(s) quesito(s) necessário(s) à “concretização” dos “dias de trabalho efectivamente prestados” mas, igualmente, que fosse aditado o(s) quesito(s) com vista à “concretização” dos “dias de falta” e/ou “dias de ausência” do Autor ao longo da relação de trabalho com a Ré, porquanto se trata de matéria essencial com vista ao apuramento de determinadas” rúbricas” , como é o caso da compensação pelos dias de feriados obrigatórios, o que manifestamente não foi levado a cabo pelo Tribunal a quo;
8. O mesmo é dizer que mais do que a determinação de “quantos” dias de trabalho terá o Autor prestado, impunha-se ao Tribunal a quo a determinação de “quais” os dias em que o trabalho foi efectivamente prestado, contrariamente ao que terá sido a interpretação seguida pelo Tribunal de Primeira Instância;
9. Ora, os dois únicos quesitos aditados à Base Instrutória são, na sua formulação, meramente “quantitativos” e, em caso algum se mostram idóneos a obter a “concretização” dos (quais) dias de trabalho prestado e dos (quais) dias de falta e de dispensa ao trabalho, conforme expressamente ordenado pelo Tribunal de Segunda Instância;
Acresce que,
10. Contrariamente ao que resulta do Despacho de fls. 334, em caso algum se aceita que o aditamento de apenas dois novos quesitos fosse” abrangente o suficiente” para, entre outro, concretizar quais e quantos os dias considerados no cálculo efectuado na sentença final objecto do referido recurso, atendendo às diferentes rúbricas em presença e, bem assim, para especificar em que dias concretos o Autor foi dispensado do trabalho e terá gozado férias;
11. De onde, ao proceder ao aditamento de apenas dois novos quesitos à douta Base Instrutória - com vista tão-só ao “apuramento dos concretos dias de trabalho efectivamente prestado”, mas sem que nada tivesse sido aditado ao nível da concretização dos “dias de falta” e/ou “dias de ausência” - o Despacho de fls. 322 encontra-se manifestamente inquinado por uma insuficiência (leia-se, deficiência) ao nível da selecção da matéria de facto necessária à apreciação das várias questões a que o Tribunal a quo foi chamado a pronunciar-se e para as quais não ofereceu a respectiva e competente resposta;
12. Em conformidade, deve o Despacho de fls. 322 - que ordena o aditamento de dois únicos quesitos à Base Instrutória - ser julgado nulo e de nenhum efeito e, nos termos do art. 430.º do CPC, ser o mesmo substituído por outro que, v.g., defira o pedido de aditamento à douta Base Instrutória dos quesitos 22.º a 27.º nos termos anteriormente formulados pelo Autor, devendo ser ordenada a devolução dos autos ao Tribunal de Primeira Instância com vista à “repetição do julgamento” para que sobre os referidos quesitos se possa produzir a respectiva prova;
Sem prescindir,
13. Para a eventualidade de o douto Tribunal de Recurso concluir pela suficiência da matéria de facto constante da douta Base Instrutória com vista à “repetição do julgamento” conforme ordenado, está o ora Recorrente em crer que a matéria fáctica constante da Decisão Recorrida terá sido, com o devido respeito, incorrectamente julgada pelo Tribunal a quo e, bem assim, que a mesma enferma de uma manifesta falta de fundamentação traduzida numa clara contradição com a matéria de facto anteriormente julgada, razão pela qual se verifica um claro e manifesto erro de julgamento o que desde já e para os efeitos se invoca e requer;
14. Em concreto, a Decisão recorrida enferma de um manifesto vício de falta de fundamentação traduzido, desde logo, no facto de o Tribunal a quo não ter determinado - como lhe competia e havia sido ordenado pelo Tribunal de Recurso - quantos foram os dias de ausência e, bem assim, quantos foram os dias de (altas justificadas, porquanto tal concretização se mostra (va) essencial para o apuramento das várias quantias reclamadas pelo Autor na sua Petição Inicial;
Acresce que,
15. Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento a resposta aos quesitos 20 e 21 aditados à douta Base Instrutória (como “não provado”) e a sua concreta fundamentação teriam necessariamente de ser diferentes, visto conduzirem a um resultado decisório completamente díspar daquele em que assentou toda a “linha de pensamento” seguido pelo douto Tribunal de Recurso;

16. Ou melhor, a resposta oferecida pelo Tribunal a quo aos dois únicos quesitos aditados à douta Base Instrutória (como “não provado”) mostra-se em total contradição com a matéria de facto anteriormente provada (e, de resto, já confirmada pelo douto Tribunal de Recurso) o que, por si só, se revela totalmente incompreensível e desrazoável e, nesta medida, incapaz de produzir qualquer tipo de efeitos;
Por último,
17. Sem perder de vista o Princípio da imediação e da livre apreciação da prova conferido ao julgador, está o ora Recorrente em crer que não deixa de se revelar” estranha” a forma como o Tribunal de Primeira Instância apreciou e julgou a prova testemunhal e documental prestada em sede de audiência de discussão e julgamento;
18. Salvo o devido respeito, sabido que os presentes autos se destinavam, v.g., a determinar o número de dias de trabalho a que o Autor terá faltado - e que não havia sido quesitado anteriormente - (Cfr. Ac. 873/2017, pág. 430 proferido nos presentes autos) - não se compreende, nem se aceita, porque razão terá o Tribunal a quo “desvalorizado” e mesmo “descredibilizado” o depoimento da testemunha na parte em que do mesmo se permite concluir que: “(…) cada guarda de segurança teve 24 dias de férias anuais por ano perante a B e 24 dias de férias anuais por ano e 1 dia de descanso depois de cada 7 dias de trabalho sucessivos perante a C e de que, matematicamente, cada uma teve que trabalhar 314 dias por ano (365dias - 24 dias) junto da B e 296 dias (365 dias - 24 dias - (365/8) dias) por ano junto da SIM”;
19. É que, salvo melhor opinião, conhecidos os referidos números de ausências resulta lógico que o número de dias de trabalho efectivamente prestado pelo Autor, ora Recorrente, deveria ser calculado em função do número total dos dias anuais, subtraindo o número de dias de férias anuais gozadas e das ausências e/ou dispensas, contrariamente ao que terá sido levado a cabo pelo Tribunal a quo...;
20. A isto acresce que, resultando dos registos de saída e entrada da fronteira de Macau dos autos os períodos em que o Autor gozou férias anuais ou dispensas e ausentou de Macau, o Tribunal a quo tinha na sua posse todos os elementos necessários para determinar o número de dias de trabalho efectivo e, bem assim, o número de dias de falta dados pelo Autor ao longo da relação de trabalho com as Rés - tal qual havia sido ordenado pelo Tribunal de Recurso - o que manifestamente não o fez;
21. De onde, em vez de concluir por urna “prova negativa”, os Registos de entrada e saída por fronteira do Autor devem antes ser valorados enquanto “prova positiva” e, neste sentido, serem aptos a demonstrar os concretos períodos de férias, de dispensas e de ausências do Autor ao longo da relação de trabalho que dos mesmos (Registos) se extrai, o que desde já e aqui se requer que seja levado a cabo pelo douto Tribunal de Recurso, em sede de reapreciação de prova, nos termos do disposto no art. 629.º do CPC;

22. Em alternativa, devem os autos ser devolvidos ao Tribunal de Primeira Instância, a fim de serem concretizados os períodos de ausência do ora Recorrente, constantes dos Registos de entrada e saída por fronteira por Macau, em sede de reapreciação de prova, o que desde já e para os legais efeitos se requer.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve o Despacho de fls. 322 ser julgado nulo e de nenhum efeito e, em consequência, serem os presentes autos reenviados ao Tribunal de Primeira Instância com vista à “repetição do julgamento” mediante o aditamento dos quesitos tal qual requeridos pelo Autor em sede de Reclamação à Base Instrutória; assim se não entendendo, deve a resposta aos quesitos 20 e 21 aditados à douta Base Instrutória ser julgada nula e de nenhum efeito e/ou revista em sede de reapreciação de prova, e, em qualquer dos casos, ser a Decisão recorrida julgada nula e de nenhum efeito, devendo ser substituída por outra que atenda aos pedidos tal qual formulados pelo Recorrente, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!”
*
O recorrido respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões:

“I. Vem o recurso a que ora se responde interposto da douta decisão proferida a final pelo Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base da RAEM e pela qual a acção foi julgada improcedente, por não provada, e em consequência absolvidas as Rés, B e C e aqui Recorridas, do pedido.
II. As teses do Recorrente carecem de qualquer fundamento, devendo o recurso a que ora se responde improceder.
III. O Despacho de fls. 322 não padece de qualquer nulidade, como também não poderia o Autor vir impugná-lo em sede de recurso.
IV. O recurso contra este Despacho de fls. 322 - Despacho que selecciona a matéria de facto - não encontra acolhimento legal.

V. O Recorrente não impugnou o Despacho que decide a reclamação de fls. 334.
VI. O Recorrente insurge-se apenas contra o Despacho de fls. 322, ou seja, do Despacho que selecciona a matéria de facto, decisão que não é recorrível.
VII. O Recurso a que ora se responde não poderá senão improceder nesta parte.
VIII. Andou bem o Tribunal a quo na selecção da matéria levada a julgamento.
IX. A factualidade que o Recorrente pretendia ver incluída na Base Instrutória não contribui para a aludida “concretização” dos dias de trabalho e ausência.
X. A matéria cuja inclusão no questionário foi requerida não resulta nenhuma outra concretização dos dias em que o mesmo foi dispensado de trabalhar ou gozar férias.
XI. O Recorrente não alegou concretamente quais foram os dias em que trabalhou e quais foram os dias em que foi dispensado de trabalhar, tendo antes optado por, de forma vaga e imprecisa, alegar que trabalhou todos os dias do ano menos uma média de 30 dias, pelo que não pode agora conceber uma concretização que não resulta dos autos.
XII. O Tribunal a quo nos quesitos 20º e 21º leva em conta a média dos 30 dias que o Autor terá sido dispensado de trabalhar para as Recorridas, pelo que não é necessário aditar os sete novos factos ao questionário.
XIII. O Recorrente ao alegar que “terá prestado” 2126 dias de trabalho para a 1ª Recorrida e 195 dias de trabalho para a 2ª Recorrida - e não que “prestou” esses dias de trabalho - e que “terá sido” dispensado - e não que “foi” dispensado - bem denuncia que não tem noção de quantos e quais os dias em que trabalhou, pelo que não pode querer uma concretização de dias que nunca alegou.
XIV. Os quesitos levados a julgamento reflectem cabalmente o que foi alegado pelo Recorrente, tendo o douto Tribunal a quo cumprido na íntegra o que havia sido ordenado por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância.
XV. Procurou o Meritíssimo Juiz a quo apurar os concretos dias de trabalho efectivamente prestados pelo Autor, sem que isso, no entanto, não tenha sido possível em virtude da falta de prova.
XVI. O Recorrente não poderá apontar qualquer vício à selecção da matéria de facto feita pelo Tribunal a quo, a qual foi efectuada em rigoroso cumprimento do que foi superiormente decidido.
XVII. A decisão ora proferida encontra-se devidamente fundamentada.

XVIII. Foi levada à discussão da causa o número de dias de trabalho que terão efectivamente sido prestados pelo Autor, estando os dias de “ausência” e/ou “faltas justificadas” reflectidos nos quesitos 20º e 21º.
XIX. O Tribunal a quo ao quesitar se o Autor prestou 2126 dias de trabalho para a Recorrida B e 195 dias de trabalho efectivo para a Recorrida C, teve em consideração “a média de 30 dias por cada ano civil correspondente ao número de dias de dispensa remunerados e/ou não remunerados nos quais o Autor terá sido dispensado da prestação de trabalho.”
XX. O Recorrente não logrou provar esse facto.
XXI. A falta de prova do número de dias de trabalho efectivo conduziu a acção ao seu único destino - a improcedência.
XXII. O Tribunal fundamentou cabalmente a sua convicção e decisão, e a sua fundamentação é suficiente, inequívoca, clara e esclarecedora.
XXIII. A decisão recorrida não está inquinada do vício de falta de fundamentação.
XXIV. A resposta aos quesitos 20º e 21º - não provado - oferecida pelo Tribunal a quo não se encontra em manifesta e notória contradição com a restante matéria constante da douta base instrutória e já anteriormente apreciada e confirmada nos autos.
XXV. Essa contradição - a existir, o que não se concede - deveria ter sido invocada em sede de reclamação ao Despacho que decida a matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 556.º, n.º 5 do CPC ex vi artigo 1.º do CPT, e não em sede de recurso.
XXVI. Em sede de recurso o Recorrente pode impugnar a matéria de facto, mas terá de o fazer nos termos que impõe os artigos 599.º e 629.º do CPC, especificando quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e quais os meios probatórios constantes do processo ou de registo nele realizado que impunham, sobre essa matéria decisão diversa, mais indicando as passagens da gravação em que se funda o erro.
XXVII. Não bastará ao Recorrente invocar que as respostas aos quesitos 20º e 21º devem ser declaradas nulas e de nenhum efeito por contraditória à restante matéria.
XXVIII. Não se vislumbra, nem o Recorrente indica, com que factos as respostas aos quesitos 20º e 21º colidem.
XXIX. O Tribunal de Segunda Instância pode alterar a matéria de facto, desde que, tendo havido gravação dos depoimentos prestados, a mesma tenha sido impugnada nos termos do artigo 599º o CPC, cfr. resulta da alínea a) do referido artigo 629º do CPC.
XXX. O Recorrente não especifica quais os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados pelo douto Tribunal a quo, nem indica qual a resposta que se imporia relativamente aos quesitos da Base Instrutória que alegadamente queria impugnar, nomeadamente os quesitos 20º e 21º.
XXXI. O Recorrente não especifica quais os meios probatórios, constantes dos autos, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
XXXII. Impunha-se ao Recorrente o ónus de indicar as passagens da gravação da prova em que se funda o alegado erro na apreciação da prova.
XXXIII. Outra não poderá ser a decisão do Tribunal ad quem senão a de rejeitar o presente recurso, por violação do disposto no artigo 599.º do CPC.
XXXIV. Não resulta da prova testemunhal produzida em sede de repetição do julgamento nem da prova documental junta aos autos nada que pudesse levar à concretização de quantos e quais os dias o Recorrente trabalhou efectivamente para as Recorridas, pelo que as respostas aos quesitos 20º e 21º nunca poderiam ter sido outras.
XXXV. A resposta aos quesitos 20º e 21º não merece, salvo devido respeito, qualquer censura por banda desse Venerando Tribunal.
XXXVI. Segundo o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artigo 558º, nº 1 do CPC, o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quanto à natureza de qualquer delas, e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido.
XXXVII. É jurisprudência uniforme que o princípio da livre apreciação das provas, ou do julgamento livre, não pode ser subvertido pela garantia do duplo grau de jurisdição, nem pode significar a desvalorização da sentença de 1ª instância, que passaria a ser uma espécie de “ensaio” do verdadeiro julgamento a efectuar pelo Tribunal de Segunda Instância.
XXXVIII. Na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que não podem ser transpostos para a gravação da prova, e factores que não são racionalmente demonstráveis, de tal modo que a função do Tribunal de Segunda Instância deverá circunscrever-se a apurar da razoabilidade da convicção probatória do Tribunal a quo face aos elementos que lhe são apresentados.
XXXIX. A testemunha no primeiro julgamento não foi confrontada com a concretização do número de dias em que o Autor trabalhou, tendo apenas agora essa questão sido suscitada.

XL. O Tribunal a quo não julgou credível depoimento da testemunha.
XLI. O Tribunal de Segunda Instância não poderá, em face da prova produzida em novo julgamento, procurar uma nova convicção, nem pôr em causa a convicção feita por um julgador em detrimento da convicção de outro, apenas lhe restando apreciar se foi violado qualquer princípio ou regra de direito probatório no caminho que levou à formação da convicção.
XLII. Não existem quaisquer razões que permitam pôr em causa a razoabilidade da convicção do tribunal a quo.
XLIII. A decisão do julgamento da matéria de facto mostra-se, assim, inatacável, inexistindo qualquer fundamento para que a mesma seja alterada nos termos pretendidos pelo Recorrente.
XLIV. O julgador de primeira instância encontra-se muito melhor habilitado a apreciar a prova produzida, maxime a prova testemunhal, pelo que só em situações extremas de irrazoabilidade e desconformidade, perante as regras da experiência comum, poderá o Tribunal ad quem alterar a decisão sobre a matéria de facto, o que não se justifica na decisão impugnada.
XLV. O Recurso a que ora se responde não poderá senão improceder.
Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o Recurso a que ora se responde ser julgado improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provados os seguintes factos:
­ Entre 29 de Março de 1997 e 21 de Julho de 2003, o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
­ O Autor foi recrutado pela Sociedade D – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. - e exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96 (Cfr. doc. 1). (B)
­ Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da 1.ª Ré (B) para a 2.ª Ré (C), com efeitos a partir de 21/07/2003 (Cfr. Doc. 2). (C)
­ Entre 22/07/2003 a 17/04/2004, o Autor esteve ao serviço da 2.ª Ré (C), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (D)
­ Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade nos locais (postos de trabalho) indicados pelas Rés e fixados de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (E)
­ Durante o período que prestou trabalho, as Rés pagaram ao Autor a quantia de HKD$7,500.00, a título de salário de base mensal, (F)
­ Durante todo o período da relação de trabalho com as Rés, o Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos. (G)
­ Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1ª Ré (B) num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia:
Turno A: (das 08h às 16h)
Turno B: (das 16h às 00h)
Turno C: (das 00h às 08h) (H)
­ Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(...) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (1.º)
­ Entre 29/03/1997 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros. (2.º)
­ Entre 22/07/2003 a 17/04/2004, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (3.º)
­ Resulta do ponto 3.3. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, que “(...) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, as Rés) paga aos operários residentes no Território”. (4.º)
­ Entre 29/03/1997 e 21/07/2003, a l.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas. (5.º)
­ Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(...) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (6.º)
­ Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés. (7.º)
­ Entre 29/03/1997 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (8.º)
­ Entre 22/07/2003 a 17/04/2004, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (9.º)
­ Entre 29/03/1997 e 31/12/2002, a 1.ª Ré (B) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (10.º)
­ A 1.ª Ré nunca concedeu ao Autor um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (11.º)
­ A 1.ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (12.º)
­ A 1.ª Ré (B) nunca conferiu ao Autor um qualquer outro dia de descanso-compensatório. (13.º)
­ Entre 29/03/1997 e 21/07/2003 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a 1.ª Ré. (14.º)
­ A 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se, um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (15.º)
­ Entre 22/07/2003 e 17/04/2004 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a 2.ª Ré. (16.º)
­ A 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia adicional (leia-se, qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (17.º)
­ Durante o período em que o Autor prestou trabalho, as Rés procederam a uma dedução no valor de HKD750,00.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (18.º)
­ A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela 1.ª Ré. (18.º-A)
­ As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (19.º)
­ Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores não residentes e guardas de segurança) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo. (19.º-A)
­ Entre o fim da prestação de trabalho no turno C (00h às 08h) e o início da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h), o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período total de 24 horas. (19.º-B)
­ Entre o fim da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h) e o início da prestação de trabalho no turno A (8h às 16h) o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período total de 24 horas. (19.º-C)
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III – O Direito
1- Como se disse no relatório do presente aresto, o que está em causa, presentemente, é a segunda sentença do Proc. nº LB1-16-0072-LAC, proferida na sequência da anulação parcial determinada por este TSI, no acórdão nº 873/2017, de 18/01/2018.
Anulação que foi ditada para que a 1ª instância pudesse ampliar a BI de forma se apurarem quais e quantos os dias de trabalho efectivo em cada ano de duração da relação laboral.
Ora bem. Com esse propósito, foram aditados os quesitos 20º e 21º onde se perguntava se “Entre 29/03/1997 e 21/07/2003, o Autor prestou 2126 dias do trabalho efectivo junto da 1ª Ré ” e se “Entre 22/07/2003 e 17/04/2004, o Autor prestou 195 do trabalho efectivo junto da 2ª Ré”.
Estes artigos da BI mereceram resposta negativa e, consequentemente, a acção foi julgada improcedente.
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2- O recorrente não aceita a bondade da sentença.
E começa por achar que o tribunal deveria ter alargado a base instrutória de forma a abranger outros factos e não apenas aquele. Em sua opinião, seria preciso perguntar, ainda, quais os dias em que o trabalho foi prestado e aqueles em que foram autorizadas as ausências ao serviço e quais as férias efectivamente gozadas.
Como isso não teria sido efectuado, suscita a nulidade com base na manifesta insuficiência da matéria de facto com vista à repetição do julgamento, tal como fora ordenado.
Tem razão o recorrente, em parte.
Quanto à matéria dos dias de feriado, que o recorrente ora defende dever ter sido quesitada, ela já tinha sido incluída nos arts. 14º e 16º da BI. Portanto em relação a esta factualidade, não haveria necessidade de repetir o julgamento.
Porém, quanto às restantes ausências, impunha-se que fosse também quesitada a respectiva factualidade. É isto o que o TSI tem afirmado nas decisões tomadas em recursos equivalentes (v.g., Processo nº 743/2017 e 998/2018). Por isso, deveria o tribunal “a quo” elaborar os quesitos correspondentes aos dias aludidos na nota 3 da petição inicial.
Quer isto significar que, em nossa opinião, aquela quesitação aditada é insuficiente. A repetição do julgamento não executou devidamente o referido acórdão, não lhe dando satisfação plena.
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3- Faz sentido uma nota final, a ter em conta a seu tempo pela 1ª instância:
Se no final da produção de prova - que terá que ser efectuada após a ampliação que se impõe da Base Instrutória – dúvidas ainda persistirem no plano quantitativo (não se sabendo com precisão quantos foram os dias efectivo trabalho), nem por isso o tribunal “a quo” deverá deixar de julgar procedente a acção, em vez de concluir pela sua improcedência, desde logo condenando no que for possível liquidar e relegando para execução de sentença o que não puder ser liquidado, em face da ausência de elementos específicos e necessários, (art. 564º, nº2, do CPC).
Não poderá simplesmente julgar improcedente a acção. Se assim fizer, estará a sentença a entrar em insanável contradição, pois, por um lado, debate-se com matéria provada (e que não mais pode ser retirada) reveladora de uma relação laboral, bem como de incumprimento da ré na satisfação de créditos laborais do autor (chegando mesmo a condená-la no que concerne ao subsídio de efectividade), e por outro, julga improcedente a acção, como se não houvesse relação laboral ou não existisse incumprimento por parte da ré.
Nesse pressuposto, em suma, em nossa opinião, estando provados os elementos fundamentais da relação e o incumprimento por parte da empregadora relativamente a alguns direitos do trabalhador, a eventual falta de prova dos dados quantitativos apenas permitirá fazer uso do dever judicial de condenação no que for liquidado em execução de sentença, nos termos do citado preceito do CPC (v.g., Ac. do TUI, de 19/10/2018, Proc. nº 60/2018).
Repetimos, para terminar, que a ampliação da BI pode seguir o modelo de formulação que nos é proposto pelo recorrente quanto aos arts. 22º e 25º: (cfr. fls. 6 da alegação do recurso) e não carece da introdução dos restantes quesitos propostos (23º, 24º,26º e 27º), porque a matéria ou não é relevante, ou já está obtida definitivamente e não mais pode ser alterada, como é o caso da respeitante aos dias de feriado obrigatório.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, anula-se a sentença, nos termos do art. 629º, nº4, do CPC, a fim de que se amplie a matéria da Base Instrutória nos termos acima descritos e, posteriormente, se elabore nova sentença conforme for de direito, sem prejuízo das questões já definitivamente decididas no âmbito da 1ª sentença.
Custas pela parte vencida a final.
T.S.I., 13 de Junho de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong




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