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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013).----------
--- Data: 05/07/2019 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo.-----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 695/2019
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 305 a 308-v que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 310 a 311-v).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação (cfr. fls.305 a 308v dos autos), o recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a sua substituição pela decisão de deferir o pedido da liberdade condicional, assacando a violação do art.56º do Código Penal de Macau (CPM).
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na douta Resposta (vide. fls.310 a 311v dos autos).
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56º do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.º195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º225/2010). Ainda se inculca que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (cfr. Acórdãos do TSI nos Processos n.º225/2010 e n.º404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.º1 do art.56º dotam aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º9/2002)
No caso sub judice, sucede que “誠然,以上種種因素均構成被判刑人假釋的有利條件,然而,……,其於2009年3月因一項「吸毒罪」而被判處罰金,但被判刑人並未因此而對自身的罪行作出深刻反省,反而自2013年後涉及多個與毒品犯罪相關的案件而被判刑及廢止緩刑,直至2018年,被判刑人合共因觸犯5項「吸毒罪」、5項「受麻醉藥品及精神科物質影響下駕駛罪」、一項「袒護他人罪」及一項「虛假證言罪」,經六罪十二罪競合後,須服刑3年9個月。由此可見,雖然被判刑人屬首次入獄且所犯的罪行不屬非常嚴重,但基於其過往多次觸犯同類罪行,罪過程度甚高,且從未珍惜法庭給予的緩刑機會,判刑對其絲毫未能起到阻嚇的作用;再者,在最後一次的判刑中,被判刑人聯同他人為了向執法機關作出虛假陳述,意圖使他人逃避罪責,其行為的故意程度甚高,且綜合其過往的刑事紀錄,顯示被判刑人流露出漠視法律的特質,自控能力相當抵。”
O que nos leva a entender que é acertada a conclusão do MMº Juiz a quo quanto à prevenção especial, no sentido de “綜上所述,考慮到其以往的生活狀況、犯罪情節及動機,以及過往觸犯毒品犯罪的次數頻密,本法庭認為尚需再予以觀察,方能確信倘釋放被判刑人,其能抵禦毒品的誘惑並遠離不良份子,踏實地向正當的人生目標前進,並以對社會負責任的方式生活及不再犯罪。因此,本案現階段暫未符合《刑法典》第56條第1款a) 項的要件。法庭認為被判刑人自少年時誤交損友而迷失方向,應好好利用獄中的職訓機會裝備自己,以積極的態度改變以往的價值觀及徹底戒除毒癮,方能以負責任的生活方式重返社會。”
Em relação à prevenção geral, o MMº Juiz a quo apontou prudentemente que “綜合本案情節,雖然單從被判刑人所觸犯的犯罪而言不屬極為嚴重的罪行,但其有多次的刑事紀錄,且觸犯的大多屬同類型的罪行。考慮到社會大眾一般難以接受短期內多次觸犯同類罪行的人士獲得提早釋放,而且被判刑人服刑至今僅兩年多時間,故此,本法庭認為仍未足以消除本案犯罪對社會秩序及安寧所造成的負面影響,倘本法庭現時作出假釋決定,將是對信賴法律、循規守紀的社會成員的另一次傷害,同時亦會動搖法律的威攝力,更甚者,將對潛在的犯罪份子釋出錯誤訊息,使之抱有僥倖心態而以身試法。基於此,本法庭認為本案現階段尚未符合《刑法典》第56條第1款b) 項的要件。”
Assim, não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, mas, na esteia das persuasivas jurisprudências supra citadas, e à luz da regra de experiência de ser difícil abandonar o vício de consumo de droga, aderimos, sem reserva, à cristal preocupação do MMº Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não preencher, por ora, os pressupostos consagrados no n.º1 do art.56º do CPM.
Com efeito, como bem observou o MMº Juiz a quo, existe ainda a séria dúvida de que o recorrente tenha já adquirido a estável capacidade de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem ir cometer crime; e prevê-se razoavelmente que a colocação dele em liberdade nesta altura não é compatível com a paz social.
De qualquer modo, importa ter presente que é generalizadamente consabido que em termos comparativos, as sanções penais da ordem jurídica da RAEM são mais benevolentes. Daí que Macau deve tentar todo o esforço para evitar a desastre de ser destino ou “paraíso” de delinquentes.
Nesta linha de perspectiva, não podemos deixar de entender que não tem cabimento o pedido da recorrente, e não merece censura alguma o douto despacho em escrutínio.
(…)”; (cfr., fls. 318 a 319-v).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– A, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 01.12.2016, para cumprimento de uma pena única de 3 anos e 9 meses de prisão, resultado do cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas em 6 processos, no âmbito dos quais foi condenado pela prática dos crimes de “consumo ilícito de estupefacientes”, “condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes” e “falsidade de testemunho”;
– em 27.05.2019, cumpriu o ora recorrente dois terços de tal pena única, expiando-a em 27.08.2020;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua mãe em Macau, de onde é natural.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Como se deixou adiantado, evidente se nos apresente que o presente recurso não pode proceder.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 01.12.2016, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.04.2019, Proc. n.° 339/2019, de 09.05.2019, Proc. n.° 404/2019 e de 06.06.2019, Proc. n.° 542/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Temos para nós que possível não é uma solução favorável ao recorrente.

De facto, colhe-se dos autos que o ora recorrente respondeu num total de 10 processos, (cfr., CR1-07-0551-PCS; CR2-12-0404-PCS; CR2-14-0184-PCC; CR2-16-0006-PCS; CR2-16-0194-PCC; CR3-16-0396-PCC; CR1-17-0176-PCS; CR5-16-0003-PCS; CR5-16-0306-PCC; e CR5-17-0123-PCS, a fls. 204 a 236), tendo cometido um total de 13 crimes, estando agora a cumprir a pena única resultado de um cúmulo jurídico efectuado.

E, perante esta “insistência em delinquir”, mesmo após várias condenações em penas de prisão suspensas na sua execução, muito fortes são as necessidades de prevenção criminal especial, que demandam acrescido período de reclusão, por forma a ser possibilitada uma melhor interiorização do desvalor da sua conduta, mostrando-se assim de dar por inverificado o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. a) do C.P.M. quanto ao necessário “juízo de prognose favorável”.

Como já tivemos oportunidade de considerar, a liberdade condicional não é de conceder quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um “juízo positivo” acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre; (neste sentido, cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Évora de 19.02.2019, Proc. n.° 13/16).

Por sua vez, e tendo também em conta os “tipos” e “natureza” dos crimes cometidos, e a parcela da pena que falta cumprir, e igualmente fortes sendo as necessidades de prevenção criminal geral, cremos que se deve dar também por não verificada a al. b) do n.° 1 do art. 56° do C.P.M., pois que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), impondo-se, também por isso, uma reafirmação social mais intensa da validade das normas jurídicas violadas; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106 e o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).

Como no recente Ac. do T.R. de Évora de 05.02.2019, (Proc. n.° 669/16), se considerou, importa ter em conta que “a compatibilidade da libertação condicional com a defesa da ordem e da paz social não se reconduz, restritivamente, à previsível ausência de expressões públicas de inconformismo, mas antes, mais latamente, à compatibilidade da libertação condicional com a defesa da sociedade e a prevenção da prática de crimes”, não sendo de se olvidar também que nos termos do art. 43°, n.° 2 do C.P.M.: “A execução da pena de prisão serve igualmente a defesa da sociedade, prevenindo o cometimento de crimes”.

Assim, em face das expostas considerações, impõe-se decidir em conformidade.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 5 de Julho de 2019
José Maria Dias Azedo
Proc. 695/2019 Pág. 16

Proc. 695/2019 Pág. 9