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Processo nº 605/2019 Data: 27.06.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”.
Erro notório.
Reenvio.

SUMÁRIO
  Incorre o Tribunal no vício de “erro notório na apreciação da prova” se, na sua “valoração”, desrespeitar as regras sobre o valor da prova tarifada, regras de experiência comum e legis artis.
  Trata-se de um “vício de raciocínio na apreciação dos provas” que se evidência aos olhos do homem médio e que consiste basicamente em dar como provado o que não podia acontecer, (ou o inverso).

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 605/2019
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, (3°) arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “tráfico de menor quantidade”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1, al. 1) da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 574 a 589-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformados com o assim decidido, o Ministério Público e o arguido recorreram.

O Ministério Público, imputando à decisão recorrida o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”; (cfr., fls. 607 a 615-v).

O arguido, considerando que a mesma decisão padecia de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a sua absolvição; (cfr., fls. 638 a 643).

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Adequadamente processados os autos, vieram os mesmos a este T.S.I., onde, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“1. Do recurso do Ministério Público
Na Motivação de fls.607 a 615v dos autos, o magistrado do M.ºP.º assacou a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada prevista na alínea a) do n.º2 do art.400º do CPP ao Acórdão em crise na parte de condenar o 3º arguido de nome A na pena de dois anos e seis meses de prisão efectiva por ter praticado, em co-autoria material e forma consumada, um crime de produção e tráfico de menor gravidade p.p. pela disposição na alínea 1) do n.º1 do art.11º da Lei n.º17/2009.
Repare-se que com base nos três factos não provados (cfr. fls.580 verso dos autos), o Tribunal a quo concluiu que o 3º arguido A não participara nas compras e vendas de estupefacientes praticadas pelos outros dois arguidos no período de 09 a 13 de Março de 2018 (vide. factos provados especificados nos artigos (4) a (13), dados aqui por reproduzidos na sua totalidade).
Pois, o Tribunal a quo angulou a condenação atinente ao 3º arguido A em dois factos dados por provados: rezando o (2) que “2017年9月至2018年2月期間未查明日期,嫌犯B與嫌犯A合作進行販毒活動,嫌犯B會按照嫌犯A的指示到指定的地點提取及出售毒品(毒品份量未能查明),之後分享利益。” e o (20) imputou o dolo directo aos três arguidos.
Proclama a jurisprudência autorizada (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TUI no processo n.º12/2014): «Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.»
Isto é, «Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.» (Acórdão do TUI no Processo n.º9/2015)
Em esteira, inclinamos a concluir que se verifica o vício invocado pelo M.ºP.º, em virtude de que o (2) facto provado, só por si, evidencia iniludivelmente que o Tribunal a quo não apurou tanto a quantidade como qualquer data concreta, e por outra banda, acompanhamos a douta observação do ilustre colega que apontou reiteradamente que “在本案中,原審判決對第三嫌犯的定罪明顯缺乏扣押到了具體毒品這一事實的支持。”
E na nossa óptica, o (2) facto provado é algo contrário com a dita condenação respeitante ao 3º arguido A, na medida em que tal facto provado aponta inequivocamente para a co-autoria entre o 3º arguido e o 2º arguido, mas o crime de produção e tráfico de menor gravidade foi imposta apenas ao 3º arguido, não ao 2º arguido.
Tudo isto leva-nos a entender que merece providência o recurso interposto pelo magistrado do Ministério Público
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2. Do recurso do 3º arguido
Por seu turno, o 3º arguido A solicitou, na Motivação de fls.638 a 643 dos autos, a revogação do Acórdão em questão e a substituição pelo veredicto que lhe concederia a completa absolvição, assacando o erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do n.º2 do art.400º do CPP.
Bem, sufragamos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.649 a 656 verso), no sentido de não se descortinar o invocado erro e de o 3º arguido dever ser completamente absolvido por existir o vício consignado na alínea a) do n.º2 do art.400º do CPP.
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do recurso do M.ºP.º e improcedência do 3º arguido”; (cfr., fls. 682 a 683).

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Nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 577-v a 580-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vêm o Ministério Público e o (3°) arguido A recorrer do Acórdão do T.J.B. que, a final do julgamento, absolveu o arguido, ora recorrido e recorrente, da imputada prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes” do art. 8° da Lei n.° 17/2009, condenando-o pela prática de 1 crime de “tráfico de menor gravidade”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1, al. 1) da mesma Lei n.° 17/2009, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

Na opinião do Ministério Público, padece o Acórdão recorrido de “insuficiência”, dado que o Tribunal qualificou a conduta do arguido como a prática de 1 crime de “tráfico de menor gravidade” sem que apurada estivesse a “quantidade de estupefaciente” (pelo mesmo “traficada”).

Por sua vez, considera o arguido que a decisão recorrida padece de “erro notório na apreciação da prova”, alegando que nada se provou – ou se devia provar – em relação à sua “intervenção no crime dos autos”, considerando assim que devia ser absolvido.

Vejamos.

A acusação pública imputava aos 3 arguidos dos presentes autos, C, B e A, sendo este último o ora recorrido e recorrente, a prática, em co-autoria, de 1 crime de “tráfico de estupefacientes” do art. 8° da Lei n.° 17/2009.

E com o Acórdão ora recorrido, ficaram os (1° e 2°) arguidos C e B condenados como acusados vinham, sendo que, como se viu, ficou o (3°) arguido A, condenado pela prática de 1 crime de “tráfico de menor gravidade”.

Da análise que nos foi possível efectuar aos presentes autos, e ponderando no teor do Acórdão recorrido, em especial, na “decisão da matéria de facto” e sua “fundamentação”, (cfr., fls. 580-v a 584-v), cremos que o aí decidido não se pode manter, passando-se a expor dos motivos deste nosso entendimento.

Pois bem, como repetidamente temos entendido, (e abreviando), incorre o Tribunal no vício de “erro notório na apreciação da prova” se, na sua “valoração”, desrespeitar as regras sobre o valor da prova tarifada, regras de experiência comum e legis artis; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 24.01.2019, Proc. n.° 905/2018, de 21.02.2019, Proc. n.° 34/2019 e de 06.06.2019, Proc. n.° 476/2019).

No fundo, e como se diz no recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.06.2019, Proc. n.° 1/19, trata-se de um “vício de raciocínio na apreciação dos provas” que se evidência aos olhos do homem médio e que consiste basicamente em dar como provado o que não podia acontecer, (ou o inverso).

Dito isto, e esclarecido o sentido e alcance do vício de “erro notório”, continuemos.

Como se deixou relatado, na acusação pública imputava-se aos 2° e 3° arguidos dos autos, a prática em co-autoria do crime de “tráfico de estupefacientes”, assentando (essencialmente) tal juízo, no facto de entre estes arguidos haver um “acordo” no sentido de este último disponibilizar dinheiro para a aquisição de estupefaciente para posterior venda a fim de ganharem dinheiro, o que acabou por se concretizar.

E “provado” estando tal “acordo”, (cfr., facto 2°), que entre eles combinaram a “forma” de se contactarem (em “canal próprio” para não serem descobertos), (cfr., facto 3°), que em data posterior ao “acordo” o 2° arguido deslocou-se a Hong Kong, onde, pagando HKD$48.000,00, comprou cerca de 48 gramas de Cocaína que trouxe a Macau, (cfr., factos 4°, 5° e 6°), que este 2° arguido entregou cerca de 12 gramas desta ao 1° arguido para este a vender, vindo este 1° arguido a ser surpreendido pela Polícia Judiciária com parte do estupefaciente consigo e com outra porção em casa, (cfr., factos 7° a 13°), provado estando que entre o 1° e 2 arguidos, e que entre o 2° e 3° arguidos, houve “contactos vários” nos termos combinados, (cfr., factos 14° e 15°), e provado estando também que, em data anterior à detenção dos arguidos, o 3° arguido entregou efectivamente dinheiro ao 2° arguido para a aquisição estupefaciente, (cfr., facto 19°), motivos não vislumbramos para que o Tribunal a quo tenha dado como “não provado” que o dinheiro utilizado para a aquisição da Cocaína apreendida nos autos não tenha sido “adiantado pelo 3° arguido”, e que a aquisição das cerca de 48 gramas de Cocaína pelo 2° arguido não tenha sido a execução do plano entre estes arguidos traçado; (cfr., “factos não provados”).

De facto, se provado está que acordado foi que o 3° arguido iria “financiar o negócio”, e que (poucos) dias depois, este mesmo arguido entregou dinheiro ao 2° arguido para adquirir estupefaciente e que este adquiriu, efectivamente, estupefaciente, e que entregou parte deste ao 1° arguido para o vender, (e se dos registos dos contactos até resulta que o 2° arguido estava em dívida para com o 3° arguido que reclamava o seu pagamento), cremos que se apresenta contrário às “regras de experiência a decisão de se dar como “não provados” os atrás referidos factos, o que constitui o aludido vício de “erro notório na apreciação da prova”, tornando imperativo o reenvio dos autos para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M. quanto à referida matéria, claro se apresentando também que, com o dito reenvio, prejudicado fica o conhecimento das “questões” colocadas nos recursos do Ministério Público e do 3° arguido.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam ordenar o reenvio dos autos nos exactos termos consignados.

Sem tributação.

Honorários ao Exmo. Defensor do 3° arguido A no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 27 de Junho de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
(Vencida por entender que o Tribunal a quo bem analisou as provas apreciadas e era de manter o já decidido no acórdão recorrido)
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