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Processo n.º 565/2019
(Autos de suspensão de eficácia)

Relator: Fong Man Chong
Data : 27/Junho/2019


Assuntos:

- Suspensão de eficácia do acto administrativo
- Ponderação de interesse privado e interesse púbico

SUMÁRIO:
I - A suspensão da eficácia da decisão administrativa depende da verificação dos requisitos do nº1 artigo 121º do CPAC:
- A previsibilidade de que a execução provoque prejuízo de difícil reparação para o Requerente ou para os interesses que ele defenda ou venha a defender no recurso;
- Não acarretar a suspensão grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto;
- Não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do recurso.

II – A decisão de não autorização da fixação de residência em Macau, que põe termo a uma situação de autorização de permanência que vinha perdurando por mais de um ano e com expectativa de se prolongar até ao final dos quatro anos de duração do curso universitário do Requerente e também da respectiva bolsa de estudo concedida pela Fundação Macau para os mesmos quatro anos, interfere directa e imediatamente com a frequência escolar do Requerente, impedindo-o de concluir o ano lectivo e de transitar para o próximo, o que importa uma alteração negativa na sua esfera jurídica.

III - O abandono imediato da RAEM, em decorrência do acto suspendendo, vai coarctar ao Recorrente a possibilidade de concluir o ano lectivo em curso, que perderá, tal como vai impossibilitar-lhe a continuidade da frequência do curso. A perda do ano e a inviabilidade de prosseguir, ao menos no imediato, a sua formação universitária, acarretam um prejuízo, que, na sua vertente não patrimonial, é totalmente impossível de reverter e nem sequer é passível de adequada avaliação pecuniária.

IV –Verificando-se os pressupostos exigidos pelo artigo 121º/1 do CPAC, é de decretar a suspensão da eficácia do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 02/05/2019, que indeferiu o pedido de renovação da autorização especial da permanência em Macau para fins de estudo, em tempo formulado pelo Requerente.


O Relator,

______________________
Fong Man Chong

Processo n.º 565/2019
(Autos de suspensão da eficácia)

Data : 27 de Junho de 2019

Requerente : A

Entidade Requerida : Secretário para a Segurança

* * *
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I - RELATÓRIO
A, Requerente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 02/05/2019, veio em 27/05/2019 junto deste TSI pedir a suspensão da eficácia do referido despacho que lhe indeferiu o pedido de renovação de autorização especial de permanência para fins de estudo, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 18, tendo formulado as seguintes conclusões:
I - DOS FACTOS
1. No dia 21 de Maio de 2019, o ora Requerente foi notificado do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, datado do dia 2 de Maio de 2019, que indeferiu o pedido de renovação de autorização especial de permanência para fins de estudo, por via do artigo 8.º / 1, da lei n.º 4/2003 (Doc. 1)
2. A decisão proferida pelo Exmo. Secretário para a Segurança revela o seguinte:
“ 1) Na sequência do despacho da autoridade judiciária a fls. 40 e 41 de que o CPSP tomou conhecimento em Novembro de 2018, resulta suficientemente comprovado nos autos que, por volta das 23 horas de 2007.10.11, no local conhecido como “Fisherman's Wharf”, em Macau, o cidadão A foi autor de agressões violentas contra uma outra pessoa, do sexo feminino, por motivo fútil, e sem que se tenha apurado posteriormente qualquer circunstancia que pudesse excluir a ilicitude dessa conduta.
2) Tal conduta é criminalmente punível, independentemente do concreto tipo penal que hipoteticamente possa preencher, sendo objectivamente indiciador de que o referido cidadão potencia, em si, perigo para a ordem e segurança públicas. Essa situação, que já há muito, aliás, deveria ter justificado a revogação do respectivo título de permanência na RAEM, é incompatível com a continuação do requerente na Região.
3) Assim, tudo ponderado, e ao abrigo do poder que me assiste, por via do artigo 8.º / 1, da Lei n.º 4/2003, decido indeferir o pedido de renovação de autorização especial de permanência para fins de estudo.”
Sucede que,
3. O Requerente, natural da Guiné Bissau, é estudante Universitário em Macau, na Universidade de São José, estando prestes a concluir, com aproveitamento e excelentes notas, o primeiro ano da licenciatura em gestão empresarial (Business Administration), após ter efectuado e terminado, no ano lectivo 2017/2018, também com excelentes notas, um curso pré-universitário na referida instituição de ensino superior (Docs. 2 e 3).
4. O Requerente, jovem, na flor da idade, veio para a RAEM apenas com um único intuito, o de estudar e concluir o curso superior a que se propôs, a licenciatura em gestão empresarial.
5. Acontece, contudo, que o Requerente, apenas três dias após ter chegado a uma Região completamente desconhecida e no meio de uma cultura completamente diferente daquele onde sempre esteve inserido, e no dia de aniversário, no dia em que perfez 18 anos e atingiu a maioridade, se viu envolvido num problema ocorrido na “Doca dos Pescadores”.
6. Um problema que originou uma acusação contra o mesmo por um crime de roubo, previsto e punível nos termos do artigo 204.º, n.º 1 do Código Penal.
7. O referido julgamento ainda prossegue, sendo que após duas sessões de audiência, uma terceira está agendada para o dia 19 de Junho de 2019 (Protesta juntar certidão do TJB com as actas das sessões de julgamento realizadas e do agendamento da próxima sessão).
8. Isto é, o Requerente está a ser julgado, e sem querermos transportar para esta sede toda a discussão jurídica que tem ocorrido e ocorre no âmbito dos autos CR4-18-0111-PCC (Doc. 4), que correm termos pelo 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, não podemos deixar de alegar que nada está provado.
9. Como tomamos também a liberdade em alegar, porque assim resulta da acusação, inserida no processo administrativo a fls. 40 e 41 e na qual se baseia a fundamentação do despacho proferido pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, que os factos descritos na acusação são, em grande parte, a versão dos acontecimentos relatados pela ofendida que, com o devido respeito, apresenta uma credibilidade duvidosa.
10. Na verdade, dos autos desse processo-crime constam duas senhoras ofendidas, há a identificação e fotografias de duas senhoras, sendo que afirmam que, alegadamente, “foram alvo de um caso de “roubo”, perpetrado por dois indivíduos, um do sexo masculino, outro do sexo feminino com identidades e nacionalidades desconhecidas”.
11. Mas na verdade, uma apresentou queixa alegando que foi o aqui Requerente a pessoa que a agrediu, a outra diz que foi uma outra mulher, um terceiro, que a agrediu, não a identificando até ao dia de hoje nestes autos.
12. Tanto mais que essa senhora nem sequer é ofendida nos autos CR4-18-0111-PCC.
13. Mas aqui, como na sala de audiência, a dúvida permanece, ou seja, não terão sido as duas senhoras agredidas por um terceiro e, aproveitando-se de algum circunstancialismo, uma das senhoras veio alegar que foi o aqui Requerente que a agrediu?
14. A audiência de julgamento tem sido e será o local para se apresentar e produzir toda a prova, o que tem acontecido, e, nesse sentido, estando ainda o julgamento a decorrer não se pode sequer afirmar, sob pena de ideologicamente violarmos o princípio da presunção da inocência, que o Requerente é um condenado, ou está condenado pelos factos que vêm descritos na acusação (Doc. 4).
15. Apesar de ser credível a versão dos factos apresentada pelo aqui Requerente, isto é, que jamais agrediu quem quer que fosse, apenas produziu um abanão no ombro, num toque que não é susceptível de preencher o conceito de violência plasmado no artigo 204.º, n.º 1 do Código Penal, tendo a referida ofendida atirado para o chão, e de forma propositada, dois telemóveis, sendo que um dos aparelhos era do aqui Requerente, o outro da ofendida.
16. Mas esta questão está precisamente a ser discutida num juízo criminal, pelo que não se compreende, nem tão pouco se percebe, como é que o Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, apenas com base numa acusação, que nem sequer está provada, pode fundamentar no despacho que assinou dando como assente que “o cidadão A foi autor de agressões violentas contra uma outra pessoa, do sexo feminino, por motivo fútil, e sem que se tenha apurado posteriormente qualquer circunstancia que pudesse excluir a ilicitude dessa conduta”.
17. Com o devido e mais elevado respeito, não se entende como pode ser proferida uma fundamentação destas, num despacho exarado por um dos mais altos titulares e responsável de um cargo público na Região, sendo que nada está absolutamente provado, e essa prova é feita apenas num único local, nos tribunais da Região.
18. Fundamentando ainda que foi “por motivo fútil”.
19. Tudo acrescido pelo facto de ser fundamentado, ainda, com a expressão “sem que se tenha apurado posteriormente qualquer circunstancia que pudesse excluir a ilicitude dessa conduta”.
20. Ora, para isso acontecer sempre seria necessária uma verdadeira investigação por parte da autoridade administrativa para que se pudesse afirmar, de forma peremptória e sem qualquer margem de dúvida, se existia, ou não, causas de exclusão da ilicitude, ao invés de ser reproduzida uma ideia, em acto administrativo assinado pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, um facto em si, de todo conclusivo, sem qualquer suporte factual e/ou de direito.
21. Com o devido respeito, e é muito, em especial por quem tem a responsabilidade, quase máxima, em zelar pela segurança de todos os residentes da Região, esta alegação e fundamentação não se compadece com o titular do cargo que tem formação jurídica, tendo sido magistrado do Ministério Público.
22. Vejamos, o acto administrativo de indeferimento revela de forma peremptória que “Na sequência do despacho da autoridade judiciária a fls. 40 e 41 de que o CPSP tomou conhecimento”, sendo que essas folhas por referência são, nada mais, nada menos, do que a acusação deduzida pelo Ministério Público.
23. Ora, alegar, como se alega, fundamentar em sede de despacho de indeferimento, tendo por base apenas a acusação, que nem sequer está provada, e acredita-se que não o venha a ser, é ser o próprio Exmo. Secretário para a Segurança a julgar, de facto e de direito, que o aqui Requerente cometeu um crime, porque no seu entender, para que isso aconteça, basta apenas que o Ministério Público deduza uma acusação.
24. E nem se pode dizer que em causa não está (ferido) o princípio da presunção da inocência, porquanto, apesar de ser um princípio orientador do direito penal, encerra a mesma orientação sempre que se está perante um processo sancionatório administrativo, como é o processo em questão.
25. E não se alegue que apesar de estarmos num procedimento administrativo a decisão não consubstanciar uma punição, mas apenas um acto desfavorável ao Requerente.
26. Isto são apenas duas formas distintas para ser dita precisamente a mesma coisa, a essência é a mesma, ou seja, o aqui Requerente está a ser punido administrativamente pelo facto da entidade Administrativa ter o entendimento que o mesmo cometeu um crime, tendo sido apenas deduzida uma acusação.
27. É certo que existem indícios, por tal foi deduzida a acusação, mas qualificar esses indícios como certezas inabaláveis, sem qualquer mediação ou contraditório é, de todo, inaceitável num Estado de Direito.
28. E esta Região é um Estado de Direito!
29. Nem tão pouco se pode, ou deve, alegar que em causa está uma questão securitária e não uma questão criminal.
30. Uma não pode ser necessariamente separada da outra, estão intimamente ligadas, ou caso contrário não faria qualquer sentido a fundamentação e a enunciação dos factos no despacho assinado pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança que se apoia, precisamente, naquilo que considera ser, de forma essencial, os factos subjacentes e inseridos na acusação deduzida pelo Ministério Público, nomeadamente que o Requerente “foi o autor de agressões violentas contra outra pessoa, do sexo feminino”.
31. O acto administrativo tem de apresentar a enunciação dos factos ou actos que lhe deram origem, quando relevantes, e a fundamentação, quando exigível, tal como dispõe o artigo 113.º do CPA.
32. Mas mais um reparo, com a devida vénia, entende o Exmo. Sr. Secretário para a Segurança que “resulta suficientemente comprovado nos autos [...]”
33. No processo administrativo nada pode resultar “suficientemente comprovado”, tão só e apenas porque não foi efectuada qualquer investigação para se saber, do ponto de vista administrativo, se houve, ou não, a ocorrência daqueles factos que estão plasmados na acusação, isto é, se houve, ou não, a prática de uma conduta criminalmente punível.
34. Sempre teria de ter existido uma razoável investigação, pois não se basta apenas apresentar factos, dar os mesmos como (com)provados porque se diz que foi assim e assim foi.
35. Muito menos “suficientemente comprovado” apenas com base numa acusação deduzida, inserida a fls. 40 e 41 do processo administrativo, que não está comprovada ou provada.
36. Por último, o despacho assinado pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, revela que tal conduta é criminalmente punível e “essa situação, que já há muito, aliás, deveria ter justificado a revogação do respectivo título de permanência na RAEM, é incompatível com a continuação do requerente na Região.”
37. Fica-se sem palavras quando se constata esta fundamentação perante tudo o que foi supra alegado, mas mais, como se alegou, de factos que não estão sequer provados, comprovados e que estão apenas alicerçados numa acusação deduzida que não está provada, porquanto o julgamento ainda decorre.
38. Como se alegou, os factos vertidos na acusação são apenas um lado da versão, neste caso, a versão da ofendida mas que servem para a Administração, na pessoa do Exmo. Sr. Secretário para a Segurança dar como comprovados no âmbito do processo administrativo.
II - DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
39. Como resulta dos factos supra expostos, o interessado no processo administrativo em causa, ora Requerente, é o destinatário directo do acto praticado pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança.
40. Resulta ainda que o acto recorrido produz efeitos em relação ao aqui Requerente.
41. Por conseguinte, se o ora Requerente tem legitimidade activa para impugnar contenciosamente o acto em causa praticado pela Entidade Requerida, na medida em que é titular de um interesse pessoal e directo, designadamente por ser lesado do acto em crise nos autos do recurso contencioso de anulação que será interposto neste Tribunal, e a que estes autos serão posteriormente apensos, também tem legitimidade para requerer a suspensão de eficácia do acto recorrido, como resulta do disposto no art. 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, doravante designado por CPAC.
42. O Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, autor do acto recorrido, é a entidade recorrida nos termos do disposto no art. 37º do CPAC.
43. O ora Requerente foi notificado pessoalmente em 21.5.2019 do acto proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança.
44. Pelo que o recurso contencioso de anulação a ser interposto é tempestivo.
III- DOS REQUISITOS E FUNDAMENTOS DO PRESENTE PROCEDIMENTO CAUTELAR
45. O acto administrativo de indeferimento do pedido de renovação de autorização especial de permanência para fins de estudo confere ao Requerente o direito em recorrer contenciosamente da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, sendo interposto o referido recurso contencioso, nos termos do artigo 123.º, nº 1, al c do CPAC.
46. Assim como lhe confere o direito de requerer a suspensão da eficácia de tal acto por apenso aos mesmos autos, o que ora se faz.
47. O recurso contencioso de anulação de actos administrativos não tem efeito suspensivo.
48. E como é consabido, o recurso levará algum tempo a ser julgado, pelo que, in casu, a execução imediata do acto prejudica irremediavelmente o Requerente.
49. O procedimento de suspensão de eficácia requerida nos autos é um procedimento cautelar conservatório, destinado precisamente a acautelar o efeito útil do recurso contencioso, assegurando a permanência da situação existente aquando da ocorrência do litígio a dirimir no recurso contencioso,
50. Tendo como finalidade manter o status quo perante a ameaça de um dano irreversível, de modo a manter inalterada a situação preexistente ao recurso contencioso, acautelando a situação, de facto ou de direito, e evitando alterações prejudiciais.
51. A não produção de efeitos do despacho de indeferimento do pedido de renovação de autorização especial de permanência para fins de estudo.
52. Desta forma evitando que o Requerente tenha de abandonar a Região em 10 dias, já no próximo dia 31 de Maio de 2019, ficando assim impossibilitado em prosseguir os estudos no ensino superior, na Universidade de São José, onde está inscrito e matriculado, até que seja decidido o recurso contencioso de anulação.
53. A não renovação da autorização especial de permanência para fins de estudo obriga, necessariamente, a que o Requerente interrompa os estudos, numa fase crucial da sua vida, enquanto jovem estudante.
54. Dispõe o art. 121º do CPAC que “A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso [...]” sendo concedida caso se verifiquem os requisitos legais, ou seja, que “A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o Requerente [...]”, “A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto” e que “Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.”
55. Salvo o devido respeito por melhor opinião, afigura-se-nos que no caso em apreço todos os requisitos previstos na lei, nomeadamente os ínsitos no artigo art. 121º do CPAC estão preenchidos, como melhor se procurará demonstrar.
III- A) Do periculum in mora - art. 121º, nº 1, al. a) do CPAC
56. No que respeita ao requisito do periculum in mora, o mesmo determina que a providência deva ser concedida se, face à sua não concessão, se vier a verificar uma situação de facto consumado insusceptível de alteração e reparação para os interesses que o Requerente visa assegurar no processo principal.
57. O Requerente é um jovem estudante que está matriculado, inscrito, na Universidade de São José, frequentando a licenciatura em gestão empresarial, prestes a terminar o primeiro ano, sendo que tem mais 3 anos de curso pela frente.
58. O Requerente é bolseiro da Fundação Macau, desde o início do corrente ano lectivo que está prestes a terminar, quando a referida instituição lhe decidiu atribuir uma bolsa de estudo que suporta o pagamento das propinas, o alojamento na Universidade de São José, bem como o valor de MOP$3.600,00 mês (Protestando juntar certidão da Fundação Macau).
59. Considerando que o Requerente está no início de um curso superior, numa fase importantíssima da sua vida em termos de formação pessoal e profissional, tendo vindo para Macau para se formar em gestão, apresentando excelentes notas no curso (Protestando juntar certidão da Universidade de São José), caso o Requerente seja obrigado / forçado a deixar RAEM, já no próximo dia 31 de Maio de 2019, essa situação criará tremendas consequências para o Requerente, bem como, de certa forma, para os familiares do Requerente que residem na Guiné Bissau.
60. A efectivar-se o indeferimento do pedido de renovação de autorização especial para fins de estudo até à decisão final do recurso contencioso de anulação, os custos pessoais, enquanto estudante, sociais e, de certa forma, emocionais são incalculáveis, de impossível contabilização, demasiado elevados.
61. O Requerente ficará afastado da Universidade onde está matriculado e já inscrito para o próximo ano lectivo, será forçado a abandonar os estudos, antes de terminar o primeiro ano lectivo do curso, terá de procurar uma outra universidade, nesta altura do ano o que se torna extremamente difícil, considerando que a grande maioria das universidades já apresenta as inscrições realizadas e que terá de ver reconhecidas as disciplinas obtidas com aproveitamento para que, no pior dos cenários, não tenha recomeçar, mais uma vez, o primeiro ano lectivo de um curso superior de gestão, desperdiçando um ano lectivo de árduo estudo e levado a cabo, ao que tudo indica, com aproveitamento.
62. O Requerente veio para a Região com o único intuito de estudar e concluir uma licenciatura.
63. Além, obviamente, de perder a bolsa que lhe foi atribuída pela Fundação Macau, sendo que o Requerente, como se alegou supra, é bolseiro, e se deixa de frequentar a Universidade de São Jose perderá a bolsa de estudo que lhe foi atribuída.
64. Esta situação, a efectivar-se, tem enormes e incalculáveis prejuízos para o Requerente, contabilizados monetariamente pela perda da bolsa de estudo, mas, por outro lado, em termos de formação profissional e pessoal.
65. O desperdício de um ano lectivo, a dificuldade em encontrar uma outra Universidade num curto espaço de tempo, uma universidade que venha a aceitar o Requerente, sendo que, obviamente, terá de ser no exterior da RAEM, o prejuízo em perder a bolsa de estudo que comporta as modalidades de pagamento de propinas, o alojamento e um subsídio mensal de MOP$3.600,00 por mês.
66. Sendo certo que a decisão a proferir por esse Venerando Tribunal sobre o recurso contencioso da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança nunca será tomada em tempo útil de forma a evitar perdas elevadíssimas para o Requerente.
67. Por esse motivo, mostra-se imperioso suspender a decisão de indeferimento do pedido de renovação de autorização especial de permanência para fins de estudo na Região para que o Tribunal possa julgar a presente matéria, ficando o eventual pedido de renovação de autorização especial a aguardar a prolação da decisão final.
68. Caso não se suspenda a decisão de indeferimento do pedido de renovação de autorização especial de permanência para fins de estudo do Requerente, estaremos perante um prejuízo de reparação impossível.
69. Acresce que a decisão de indeferimento do pedido de renovação de autorização especial de permanência para fins de estudo do Requerente encontra-se inquinada do vício de violação de Lei, por violação dos Princípio da Proporcionalidade, Adequação e da Justiça (artigos 5.º e 7.º do CPA e artigo 21.º n.º 1 alínea d) do CPAC) bem como do vício de forma, por ter sido preterida a audição de testemunhas em sede de audiência escrita, questões a serem abordadas em sede de recurso contencioso, entre outras.
70. Os vícios supra indicados geram a anulabilidade do acto praticado pelo Exmo. Senhor Secretario para Segurança, como resulta do artigo 124º do CPA.
71. E, é essa decisão de indeferimento do pedido de renovação de autorização especial de permanência para fins de estudo do Requerente que nos reconduz ao prejuízo de impossível reparação que a mesma provoca.
72. A verdade é que ao vir a recorrer contenciosamente da decisão do Exmo. Secretário para a Segurança, o ora Requerente não vislumbra um resultado que não seja a revogação do acto da entidade recorrida.
73. O Requerente tem um fundado e natural receio que caso o presente acto não seja suspenso o mesmo lhe cause prejuízos irreparáveis a vários níveis, como se alegou supra, ocorrendo uma situação de facto consumado que talvez não seja possível de ser reparada num futuro próximo.
74. Caso venha a ser proferida sentença favorável ao Requerente, o mesmo poderá permanecer na Região, aqui prosseguir os estudos ao nível do ensino superior, concluindo, como se prevê, o curso de gestão na Universidade de São José.
75. A sentença a proferir aqui nestes autos poderá minimizar os danos na esfera do requerente, pelo menos até existir uma decisão final em sede de recurso contencioso, permitindo ao Requerente que até essa data se mantenha na universidade de São José e possa, o que não se concede mas apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, de uma outra forma, mais calma e sem ser com um prazo de 10 dias, acertar a sua vida enquanto estudante do ensino universitário.
76. Pelo exposto, se por mera hipótese não for decretada a providência requerida, o que não se concede, quando vier a ser decidida no recurso contencioso de anulação a questão de fundo, tal decisão poderá não vir a ter qualquer utilidade.
77. Também por essa razão, impõe-se a suspensão de eficácia do acto de decisão de indeferimento do pedido de renovação de autorização especial de permanência para fins de estudo.
III - B) A suspensão não determina grave lesão do interesse público concretamente seguido pelo acto - art. 121º, nº 1, al. b) do CPAC
78. A adopção da providência requerida será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam do seu provimento se mostrem superiores àqueles que poderiam resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.
79. Ora, para além da possibilidade de constituição de facto consumado, requisito comum para as providências cautelares conservatórias, também não se vislumbra in casu qualquer interesse público relevante que se possa sobrepor ao interesse do Requerente.
80. Na verdade, a suspensão da eficácia do acto administrativo praticado pelo Exmo. Senhor Secretario para a Segurança em causa nos presentes autos, jamais poderá determinar a grave lesão do interesse público.
81. Ao invés, os danos na esfera jurídica do Requerente que resultam da recusa da providência requerida são evidentes.
82. Mesmo que se entenda nessas circunstâncias que resultaria alguma lesão do interesse público, a verdade é que, seria absolutamente desproporcionado o prejuízo irreparável do Requerente, quando confrontado com uma eventual lesão do interesse público, que jamais poderia ser entendida como grave, e cuja avaliação sempre haveria de ser feita por recurso ao disposto no art. 121º, nº 4 do CPA,
83. Na certeza de que o prejuízo causado ao Requerente com a não suspensão da eficácia do acto será sempre manifestamente e desproporcionalmente superior àquele que possa resultar para o interesse público.
84. Assim sendo, ponderados os interesses em questão, nomeadamente o facto de o Requerente estar a frequentar o ensino universitário na Região, prestes a concluir o primeiro ano do Curso de Gestão, é legítimo concluir que a suspensão de eficácia do acto não causará qualquer lesão do interesse público, mostrando-se desse modo preenchido o requisito ora em análise.
III- C) Do Fumus Boni luris - art. 121º, nº 1, al. c) do CPAC
85. Nas providências cautelares a exigência do fummus boni iuris quanto às condições de interposição do recurso contencioso de anulação ou pressupostos processuais dispensa a convicção da probabilidade do acolhimento do mesmo, bastando um juízo negativo de que “não seja manifesta” a falta de requisitos de natureza processual impeditivos do conhecimento do mérito.
86. O recurso contencioso de anulação será intentado e será legalmente fundamentado, uma vez que o acto em causa é evidentemente ilegal, padecendo de vários vícios de violação de lei e vícios de forma.
87. Por conseguinte, ainda que não se entenda que a procedência do recurso contencioso de anulação é evidente, o que não se concede, não se pode entender igualmente ser manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular nessa demanda.
88. Deste modo, mesmo que não estejamos perante uma situação de máxima intensidade do fumus boni iuris, é de considerar que não é manifesta a falta de fundamento do recurso contencioso de anulação a correr os seus termos.
89. Por outro lado, se está preenchido o requisito da alínea a) do nº 1 do art. 121º do CPAC, de igual modo (à contrario) está preenchido o requisito da alínea b) do nº 1 do art. 121º do CPAC, já que não podem estar ambos preenchidos pela positiva.
90. E atendendo aos vícios de que padece o acto administrativo, pode afirmar-se que é provável que a pretensão formulada pelo Requerente em sede de recurso contencioso de anulação venha a ser julgada procedente.
91. Termos em que estão assim preenchidos os requisitos para a suspensão da eficácia do acto recorrido, previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 121º do CPA, e bem assim mostram-se verificados todos os pressupostos para a suspensão da decisão de indeferimento do pedido de renovação de autorização especial de permanência para fins de estudo do Requerente na Região até decisão final do recurso contencioso de anulação.

* * *

    Citada, a Entidade Requerida não contestou.
*
O Digno. Magistrado do MP oferece o seu douto parecer (fls. 58 a 60):
A, suficientemente identificado nos autos, requer a suspensão da eficácia do acto de 2 de Maio de 2019, do Exm. ° Secretário para a Segurança, que lhe denegou a renovação da sua autorização especial de permanência para fins de estudo.
Alega, em essência, que o acto lhe vai ocasionar prejuízos de difícil reparação, derivados de não poder continuar os estudos, perdendo desde logo o ano lectivo em curso bem como a bolsa de estudo que lhe foi concedida para o curso pela Fundação Macau, acrescentando que a suspensão não vai determinar grave lesão do interesse público prosseguido pelo acto e que não há indícios de ilegalidade do recurso.
A autoridade requerida não contestou.
Vejamos.
A suspensão de eficácia dos actos administrativos de conteúdo positivo ou que, sendo de conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão a esta se circunscreva, está, em regra, dependente da verificação cumulativa dos três requisitos, um positivo e dois negativos, enunciados nas alíneas a) a c) do artigo 121.°, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso, a saber:
- a previsibilidade de que a execução provoque prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que ele defenda ou venha a defender no recurso;
- não acarretar a suspensão grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto;
- não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do recurso.
A primeira questão que se coloca é, pois, a de saber se estamos ou não perante acto de conteúdo positivo, ou com vertente positiva, o que passa por indagar se o acto é ou não susceptível de provocar alteração na esfera jurídica do requerente.
Apesar de se afigurar estar em causa um acto de conteúdo negativo, trata-se de decisão que põe termo a uma situação de autorização de permanência que vinha perdurando por mais de um ano e com expectativa de se prolongar até ao final dos quatro anos de duração do curso universitário do requerente e também da respectiva bolsa de estudo concedida pela Fundação Macau para os mesmos quatro anos. A não renovação da autorização de permanência interfere directa e imediatamente com a frequência escolar do requerente, impedindo-o de concluir o ano lectivo e de transitar para o próximo, o que importa uma alteração negativa na sua esfera jurídica.
Estamos, assim, perante um acto com vertente positiva, cuja eficácia é susceptível de suspensão.
Porque assim, vejamos se estão preenchidos aqueles três requisitos, de cuja observância depende a peticionada suspensão.
Como se disse e é sabido, os requisitos necessários à suspensão são de verificação cumulativa, pelo que bastará a falta de um deles para conduzir ao insucesso da providência.
Não é patente que o processo aponte para a existência de fortes indícios de ilegalidade do recurso (artigo 121.°, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Administrativo Contencioso). Ao falar de fortes indícios de ilegalidade do recurso, a lei pretende aludir a uma situação de inviabilidade manifesta, notória e evidente do recurso contencioso - neste sentido, cf., v.g., o acórdão de 30 de Maio de 2002, do TSI, processo n.º 92/2002 -, o que nos remete para a sindicância de pressupostos essencialmente formais, tais como a legitimidade, a tempestividade e a recorribilidade.
Não se vislumbra, como dissemos, que haja indícios fortes dessa ilegalidade, pelo que temos, assim, preenchido o requisito da alínea c) do falado artigo 121.°.
No que toca ao requisito da alínea b), não divisamos fundamentos ponderosos para considerar que o protelamento da execução, resultante da eventual suspensão da eficácia do acto, possa trazer lesão relevante ao interesse público concretamente prosseguido pelo acto. Com efeito, não está ainda demonstrado que o requerente tenha cometido os factos delituosos que lhe são imputados, sendo que, conforme alegado e não impugnado, a decisão foi tomada apenas com base na acusação. Se essa lesão fosse evidente ou acentuada, por certo que a entidade requerida o teria relevado devidamente, através da contestação da providência, o que não fez.
Tem-se igualmente por preenchido este requisito.
Resta analisar a consistência dos fundamentos invocados na caracterização do prejuízo de difícil reparação previsivelmente resultante da execução do acto, sabido que o ónus da prova deste requisito cabe, por inteiro, ao requerente da suspensão.
Nesta sede, verifica-se que o requerente destaca e demonstra que está matriculado e a frequentar o 1.º ano do curso universitário de Business Administration na Universidade de S. José, em Macau, tal como igualmente enfatiza e demonstra que é bolseiro da Fundação Macau, cuja bolsa lhe porporcionará a possibilidade de concluir em Macau aquele curso universitário que está a frequentar na Universidade de S. José.
Perante estes dados, é óbvio que o abandono imediato da Região Administrativa Especial de Macau, em decorrência do acto suspendendo, vai coarctar-lhe a possibilidade de concluir o ano lectivo em curso, que perderá, tal como vai impossibilitar-lhe a continuidade da frequência do curso e, quiçá, a sua conclusão.
A perda do ano e a inviabilidade de prosseguir, ao menos no imediato, a sua formação universtária, acarretam um prejuízo, que, na sua vertente não patrimonial, é totalmente impossível de reverter e nem sequer é passível de adequada avaliação pecuniária.
Está, salvo melhor juízo, caracterizado e demonstrado o prejuízo de difícil reparação integrante da hipótese prevista no artigo 121.°, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Administrativo Contencioso, pelo que também este requisito se mostra preenchido.
Ante quanto se deixa exposto, têm-se por verificados todos os pressupostos exigidos para a pretendida suspensão de eficácia, pelo que nos pronunciamos no sentido da sua concessão.

* * *
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III - FACTOS
São os seguintes factos considerados assentes com interesse para a decisão do pedido, conforme os elementos juntos no processo:
- No dia 21 de Maio de 2019, o ora Requerente foi notificado do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, datado do dia 2 de Maio de 2019, que indeferiu o pedido de renovação de autorização especial de permanência para fins de estudo, por via do artigo 8.º / 1, da lei n.º 4/2003 (Doc. 1);
- Tal despacho tem seguinte teor:

DESPACHO
Assunto: Pedido de renovação de autorização especial de permanência para fins de estudo
Requerente: A
Refª: Inf. 300002/SPDARPEST/2019P e 300003/SPDARPEST/2019P

1. Questão prévia, quanto à diligência de audição de testemunhas:
1) Na sequência do meu despacho a fls. 57, vem o cidadão A informar que as duas testemunhas por si propostas iriam depor sobre os factos referidos nos pontos 13, 14 e 15 da sua resposta em sede de audiência prévia. Os factos tidos em vista são as consequências negativas para a sua pessoa que advirão da cessação da autorização de permanência na RAEM, nomeadamente a impossibilidade de manter a frequência das aulas na Universidade de São José, o que, portanto, colocará em risco todo um ano lectivo.
2) Ora, estes factos não carecem de comprovação, pois são notórios, do senso comum. Eles não têm a ver com os factos referidos no n.º 2 da Notificação para Audiência Escrita (fls. 37), que levam a concluir pela sua perigosidade para a ordem e segurança públicas.
3) Assim, concluo que a requerida audição de testemunhas não consubstanciaria mais uma prova útil e necessária para melhor esclarecimento dos factos relevantes, impondo-se, desde já, decidir.
2. Decisão, quanto à questão da autorização de permanência:
1) Na sequência do despacho da autoridade judiciária a fls. 40 e 41, de que o CPSP tomou conhecimento em Novembro de 2018, resulta suficientemente comprovado nos autos que, por volta das 23 horas de 2017.10.11, no local conhecido como “Fishermans's Wharf”, em Macau, o cidadão A foi autor de agressões violentas contra uma outra pessoa, do sexo feminino, por motivo fútil, e sem que se tenha apurado posteriormente qualquer circunstância que pudesse excluir a ilicitude dessa conduta.
2) Tal conduta é criminalmente punível, independentemente do concreto tipo penal que hipoteticamente possa preencher, sendo objectivamente indiciador de que o referido cidadão potencia, em si, perigo para a ordem e segurança a públicas. Essa situação, que já há muito, aliás, deveria ter justificado a revogação do respectivo título de permanência na RAEM, é incompatível com a continuação do Requerente na Região.
3) Assim, tudo ponderado, e ao abrigo do poder que me assiste, por via do artigo 8.º/ 1, da Lei n.º 4/2003, decido indeferir o pedido de renovação de autorização especial de permanência para fins de estudo.

Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 02 de Maio de 2019.
O Secretário para a Segurança
XXX
*
     - O Requerente, natural da Guiné Bissau, é estudante da Universidade de São José, de Macau, estando prestes a concluir, com aproveitamento e excelentes notas, o primeiro ano da licenciatura em gestão empresarial (Business Administration), após ter efectuado e terminado, no ano lectivo 2017/2018, também com boas notas, um curso pré-universitário na referida instituição de ensino superior (Docs. 2 e 3);
- O Requerente, apenas três dias após ter chegado a Macau e no meio de uma cultura diferente daquele onde sempre esteve inserido, e no dia de aniversário, no dia em que perfez 18 anos e atingiu a maioridade, se viu envolvido num problema ocorrido na “Doca dos Pescadores”.
- Um problema que originou uma acusação contra o mesmo por um crime de roubo, previsto e punível nos termos do artigo 204.º, n.º 1 do Código Penal.
- O referido julgamento ainda prossegue, sendo que após duas sessões de audiência, uma terceira está agendada para o dia 19 de Junho de 2019 (certidão do TJB com as actas das sessões de julgamento realizadas e do agendamento da próxima sessão).
     
* * *
    IV – FUNDAMENTOS
Vejamos se a pretensão da Requerente merece provimento ou não.
1. O caso
O Requerente é o destinatário do acto atacado, pelo qual foi indeferido pela Entidade Requerida o pedido da renovação da autorização de permanência em Macau para fins de estudo.
O Requerente alega que a execução imediata desta decisão acarreta para ele prejuízo de difícil reparação.
Vejamos se ele tem razão ou não.

2. Dos requisitos da suspensão de eficácia do acto
Para a procedência do pedido, não basta estarmos perante um acto positivo ou negativo com conteúdo positivo, o legislador exige algo mais.
Prevê o artigo 121º do CPAC:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”

Da observação desta norma é fácil verificar-se que não importa nesta sede a análise da questão de fundo, de eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir, por um lado, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos - fumus boni iuris -, por outro, de um juízo de legalidade da interposição do recurso.
Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal de Última Instância de 13 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 2/2009, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido. O objecto do presente procedimento preventivo não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a existência de vícios neste.1
A suspensão da eficácia depende, no essencial, da verificação dos três requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do supra citado artigo 121º do CPAC:
- Previsível prejuízo de difícil reparação para o/a requerente;
- Inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão; e
- Não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
Resulta da doutrina e jurisprudência uniformes que os requisitos previstos no artigo 121º supra citado são de verificação cumulativa - importando, no entanto, atentar na excepção do n.º 2, 3 e 4 desse artigo e do artigo 129º, n.º 1 do CPAC -, pelo que, não se observando qualquer deles, é de improceder a providência requerida.2
Daí que a ponderação da multiplicidade de interesses, públicos e privados, em presença, pode atingir graus de complexidade dificilmente compagináveis com a exigência de celeridade da decisão jurisdicional de suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Sem falar no facto de o interesse público na execução do acto não se dissociar de relevantes interesses particulares e o interesse privado da suspensão tão pouco se desligar de relevantes interesses públicos, sendo desde logo importantes os riscos económicos do lado público e do lado privado, resultantes quer da decisão de suspensão dos efeitos quer da decisão de não suspensão.
É importante reconhecer que a avaliação da juridicidade da decisão impugnada em tribunal reside hoje, muitas vezes, no refazer metódico da ponderação dos diferentes interesses em jogo.
A lei não impõe o conhecimento de tais requisitos por qualquer ordem pré-determinada, mas entende-se por bem que os requisitos da al. c), relativos aos indícios de ilegalidade do recurso, por razões lógicas e de precedência adjectiva, deverão ser conhecidos antes dos demais e ainda, antes de todos, o pressuposto relativamente à legitimidade do requerente, já que a norma fala exactamente em quem tenha legitimidade para deles interpor recurso e, seguidamente, nos requisitos elencados nas diversas alíneas.
Até porque a existência de fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso reporta-se às condições de interposição ou pressupostos processuais e não às condições de natureza substantiva ou procedência do mesmo.3

3. Da não ilegalidade do recurso
    Impõe o preceito acima citado que não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
A instrumentalidade desta medida cautelar implica uma não inviabilidade manifesta do recurso contencioso a interpor.
Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito, exemplos frequentemente apontados :
- Acto irrecorrível;
- Ter já decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável;
- … etc.
O Requerente impugnou o acto contenciosamente e, não obstante não vindo aqui elencados os fundamentos do pedido da impugnação – sendo certo que vai ser ou já foi apresentado o recurso onde se podem observar quais os vícios assacados ao acto (vícios de violação de lei), não se deixa de entender que, pelo menos, estará em causa a defesa da expectativa da anulação do acto que lhe indeferiu a pretensão oportunamente formulada.
Perante este quadro, não é difícil ter integrado o requisito da legalidade do recurso, afigurando-se como evidente o direito, pelo menos, à definição jurídica da situação controvertida, daí decorrendo claramente a legitimidade e o interesse processual do requerente, titular directa do interesse que diz ter sido atingido, não havendo dúvidas, nem elas sendo levantadas, quanto aos outros pressupostos processuais relativos à actuação do requerente.
Não se está, pois, perante uma situação de manifesta ilegalidade do recurso, mostrando-se verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado CPAC.
Este tem sido, aliás, o entendimento deste Tribunal.4


4. Dos prejuízos de difícil reparação para o Requerente
Fixemo-nos, então, no requisito positivo, relativo à existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar para o Requerente ou para os interesses que este venha a defender no recurso - al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
Conforme tem sido entendimento generalizado, compete ao Requerente invocar e demonstrar a probabilidade da ocorrência de prejuízos de difícil reparação causados pelo acto, cuja suspensão de eficácia requer, alegando e demonstrando, ainda que em termos indiciários, os factos a tal atinentes.
Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto.5
Vejamos os prejuízos alegados pelo Requerente.
Neste ponto, o Digno. Magistrado do MP opina:
“Resta analisar a consistência dos fundamentos invocados na caracterização do prejuízo de difícil reparação previsivelmente resultante da execução do acto, sabido que o ónus da prova deste requisito cabe, por inteiro, ao requerente da suspensão.
Nesta sede, verifica-se que o requerente destaca e demonstra que está matriculado e a frequentar o 1.º ano do curso universitário de Business Administration na Universidade de S. José, em Macau, tal como igualmente enfatiza e demonstra que é bolseiro da Fundação Macau, cuja bolsa lhe porporcionará a possibilidade de concluir em Macau aquele curso universitário que está a frequentar na Universidade de S. José.
Perante estes dados, é óbvio que o abandono imediato da Região Administrativa Especial de Macau, em decorrência do acto suspendendo, vai coarctar-lhe a possibilidade de concluir o ano lectivo em curso, que perderá, tal como vai impossibilitar-lhe a continuidade da frequência do curso e, quiçá, a sua conclusão.
A perda do ano e a inviabilidade de prosseguir, ao menos no imediato, a sua formação universitária, acarretam um prejuízo, que, na sua vertente não patrimonial, é totalmente impossível de reverter e nem sequer é passível de adequada avaliação pecuniária.
Está, salvo melhor juízo, caracterizado e demonstrado o prejuízo de difícil reparação integrante da hipótese prevista no artigo 121.°, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Administrativo Contencioso, pelo que também este requisito se mostra preenchido.
Ante quanto se deixa exposto, têm-se por verificados todos os pressupostos exigidos para a pretendida suspensão de eficácia, pelo que nos pronunciamos no sentido da sua concessão.”

São observações pertinentes.
Dos factos alegados, que, em face dos elementos juntos aos autos, consideramos assentes com valor para a decisão do pedido:
- É estudante da Universidade de S. José de Macau;
- É bolseiro, recebendo subsídio da Fundação Macau;
- Tem bom aproveitamento no estudo;
- É um jovem que atingiu a maioridade há pouco tempo.

Dos factos acima alinhados podemos retirar as seguintes conclusões:
- A não renovação da autorização da permanência em Macau obrigará o Requerente a abandonar a Universidade onde está matriculada e inscrito (principalmente para o próximo ano lectivo), ou seja, tem de abandonar IMEDIATAMENTE os estudos, o que lhe causará dificuldade de arranjar agora uma outra universidade para continuar o seu estudo;
- Por outro lado, com tal não renovação o Requerente perderá forçosamente a sua bolsa de estudo em Macau, o que constituirá um outro tipo de prejuízo de difícil reparação para ele.
- A perda do ano lectivo de estudo constitui um prejuízo economicamente irreparável para o Requerente.
Tudo isto são factores que merecem especial atenção e ponderação devida, principalmente estamos perante um jovem que completou há pouco tempo 18 anos de idade.

Nesta óptica, perante os prejuízos de difícil reparação para o Requerente, entendemos que as apontadas razões conduzem à verificação deste requisito.

5. Lesão de interesse público
Sobre a lesão do interesse público já se decidiu neste Tribunal que, ressalvando situações manifestas, patentes ou ostensivas, a grave lesão de interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto. E neste particular aspecto o que se observa é que a entidade requerida nada de fundo invocou.
É de lembrar que se trata de um requisito que se prende com o interesse que, face ao artigo 4º do CPA, todo o acto administrativo deve prosseguir.6
Relativamente a este requisito, importa observar que toda a actividade administrativa se deve pautar pela prossecução do interesse público, donde o legislador exigir aqui que a lesão pela não execução imediata viole de forma grave esse interesse.
Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo. Assim, se um órgão da Administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente. E o interesse público é o interesse colectivo, que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o bem-comum.7
Ora, se se tratar de lesão grave - séria, notória, relevante - a execução não pode ser suspensa.
Perante o acto impositivo concreto há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave o interesse público.
Manifestamente não é o caso.
A expressão "grave lesão do interesse público" constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso.
Ora, não é difícil avaliar a situação de modo a considerar que o interesse público não ficaria prejudicado com uma suspensão do acto em causa, decisão que visa “cortar” a possibilidade de continuar por parte do Requerente de continuar a estudar em Macau. É certo que o valor de manter a ordem pública impõe que seja evitada a presença e permanência em Macau de pessoas potencialmente criadoras do perigo para este valor em vista, considera-se, porém, a idade do Requerente e o fim da sua permanência aqui, julgamos que os factos alegadamente imputados a ele representam (ou podem representar) apenas um incidente da vida dele, o que merece um tratamento diferenciado em relação a outros casos. Nesta óptica, cremos que a permanência do Requerente não causará imediatamente lesão ao interesse público.

Não choca aguardar provisoriamente, o que decorreria da suspensão do acto que indeferiu o pedido de renovação da autorização de permanência em Macau para fins de estudo.
Por outro lado, à Entidade Requerida cabe alegar e provar que a suspensão da eficácia do acto acarretar prejuízo para o interesse público, não tendo esta o feito, uma vez que, citada, a Entidade Requerida não contestou o pedido do Requerente.
Pelo que, sobre este requisito, não seria difícil configurar o preenchimento da alínea b) do n.º 1 do artigo 121º do CPAC.

* * *
Concluindo, em face de todas as considerações acima tecidas, somos a concluir no sentido da verificação cumulativa dos requisitos das alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 121º do CPAC, na esteira do objecto da providência, é de julgar procedente o pedido, decretando a suspensão da eficácia do despacho em causa.
* * *
V – DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os Juízes do TSI acordam em julgar procedente o pedido, decretando a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 02/05/2019, que indeferiu o pedido de renovação da autorização especial da permanência em Macau para fins de estudo, em tempo formulado pelo Requerente.
*
Sem custas.
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Registe e Notifique.
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                    Macau, 27 de Junho de 2019.
                    Fong Man Chong
                    Ho Wai Neng
                    José Cândido de Pinho
                    Mai Man Ieng


1 Ac. TUI 37/2009, de 17/Dez.
2 - Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 176; v.g. Ac. do TSI, de 2/12/2004, proc.299/03
3 - Ac. STA 46219, de 5/772000, www//:http.dgsi.pt
4 - Como resulta do acórdão de 25/1/07, n.º 649/2006/A.
5 - Acs. STA de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236 in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes
6 - Ac. do T.S.I. de 22 de Novembro de 2001 – Pº205/01/A ; ac. do T.S.I. de 18 de Outubro de 2001 - Proc.191/01
7 - Freitas do Amaral, Direito Administrativo”, 1988, II, 36 e 38
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