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Processo n.º 358/2019 Data do acórdão: 2019-6-6
Assuntos:
– crime de auxílio
– crime de acolhimento
– art.o 14.o da Lei n.o 6/2004
– art.o 15.o da Lei n.o 6/2004
– número de crimes
S U M Á R I O
Da leitura dos art.os 2.º, 14.º e 15.o da Lei n.º 6/2004, não resulta que na valoração de interesses feita pelo Legislador na criação dos tipos legais de crime de auxílio (à imigração clandestina) e de acolhimento (de imigrantes clandestinos), seja indiferente o número de imigrantes clandestinos auxiliados e acolhidos, respectivamente, pelo agente do crime. Pelo contrário, é de entender que, em prol do fim inegável de combate contra a imigração clandestina, são tantos crimes de auxílio e de acolhimento quantos os imigrantes clandestinos auxiliados e acolhidos, respectivamente, pelo agente.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 358/2019
(Autos de recurso penal)
(Da reclamação para conferência da decisão sumária do recurso)
Recorrentes/reclamantes:
1.o arguido A (A)
2.o arguido B (B)
3.o arguido C (C)
4.o arguido D (D)




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 4202 a 4222v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-18-0340-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB):
– o 1.o arguido A ficou condenado como co-autor material de quatro crimes consumados de auxílio (qualificado), p. e p. sobretudo pelo art.o 14.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004, em cinco anos e seis meses de prisão por cada, e como co-autor material de um crime consumado de auxílio (simples), p. e p. pelo n.o 1 deste artigo incriminador, em três anos de prisão, e, finalmente, em cúmulo jurídico, na pena única de sete anos e seis meses de prisão;
– o 2.o arguido B ficou condenado como co-autor material de dois crimes consumados de auxílio (qualificado), p. e p. sobretudo pelo art.o 14.o, n.o 2, da mesma Lei, em cinco anos e seis meses de prisão por cada, e como co-autor material de dez crimes consumados de acolhimento (simples), p. e p. pelo art.o 15.o, n.o 1, da mesma Lei, em nove meses de prisão por cada, e, finalmente, em cúmulo jurídico, na pena única de oito anos de prisão;
– o 3.o arguido C ficou condenado como co-autor material de dois crimes consumados de auxílio (qualificado), p. e p. sobretudo pelo art.o 14.o, n.o 2, da mesma Lei, em cinco anos e seis meses de prisão por cada, e como co-autor material de dez crimes consumados de acolhimento (simples), p. e p. pelo art.o 15.o, n.o 1, da mesma Lei, em nove meses de prisão por cada, e, finalmente, em cúmulo jurídico, na pena única de oito anos de prisão;
– o 4.o arguido D ficou condenado como co-autor material de um crime consumado de auxílio (qualificado), p. e p. sobretudo pelo art.o 14.o, n.o 2, da mesma Lei, em cinco anos e seis meses de prisão, e como co-autor material de cinco crimes consumados de auxílio (simples), p. e p. pelo n.o 1 deste artigo, em três anos de prisão por cada, e, finalmente, em cúmulo jurídico, na pena única de sete anos e seis meses de prisão.
Inconformados, vieram os quatro arguidos recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, na motivação una deles apresentada a fls. 4292 a 4304v dos presentes autos correspondentes, o seguinte:
– no tangente à decisão condenatória do 1.o arguido, o acórdão recorrido padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), isto porque ao contrário do entendido pelo Tribunal recorrido, este arguido não chegou a receber qualquer vantagem como recompensa do acto de auxiliar outrem para entrar clandestinamente em Macau, daí que os seus quatro crimes de auxílio qualificado deveriam ser convolados para quatro crimes de auxílio simples, com a achega de que as cinco condutas de auxílio deste arguido deveriam ser punidas em sede da figura de crime continuado, sendo certo que fosse como fosse as penas achadas no aresto recorrido para este arguido seriam demasiado severas;
– no respeitante à decisão condenatória do 2.o arguido, o acórdão recorrido padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, isto porque diversamente do entendido pelo Tribunal recorrido, não se poderia dar por provado que este arguido tenha participado nos actos de auxílio de outrem para entrar clandestinamente em Macau, daí que este arguido deveria ser absolvido da prática dos dois crimes de auxílio qualificado, e mesmo que assim não se entendesse, sempre estes dois crimes qualificados deveriam ser convolados para dois crimes simples de auxílio, por falta da prova do recebimento, por ele, de qualquer vantagem pela recompensa dos actos de auxílio em causa, com a achega de que os seus dez crimes de acolhimento deveriam ser punidos a título de crime continuado, ou ser punidos como um só crime de acolhimento (por ter sido motivado por uma única resolução criminosa);
– no concernente à decisão condenatória do 3.o arguido, dever-se-ia entender haver desistência na prática dos dois crimes de auxílio por que este vinha condenado, pelo que, à luz do 23.o do Código Penal (CP), estes dois crimes deixariam de ser puníveis, e, outrossim, desconhecendo este arguido a entrega de dinheiro pelos imigrantes ilegais e não concordando ele com a existência de divisão de tarefas nem de conjugação de esforços na conduta de auxílio de imigrantes ilegais, o acórdão recorrido padece também do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nesta parte, e mesmo que se entendesse haver crimes de auxílio, estes delitos deveriam ser convolados para crimes de auxílio simples, por falta de prova do recebimento pelo mesmo arguido da recompensa, e, por fim, os seus dez crimes de acolhimento deveriam ser punidos a título de crime continuado;
– relativamente à decisão condenatória do 4.o arguido, os seus seis crimes de auxílio deveriam integrar um só crime continuado, ou passar a ser punidos como um só crime de auxílio (por haver uma única resolução criminosa), e fosse como fosse não deixaria de existir excesso na medida da pena deste arguido.
Ao recurso dos quatro arguidos, respondeu o Ministério Público (a fls. 4308 a 4315v dos autos), no sentido de improcedência.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 4330 a 4332v), opinando pelo não provimento do recurso dos quatro arguidos.
Por decisão sumária do ora relator, exarada em 14 de Maio de 2019 (a fls. 4334 a 4337v), ficou rejeitado o recurso dos quatro arguidos, por manifestamente improcedente.
Vieram agora os quatro arguidos recorrentes reclamar dessa decisão para conferência, através do correspondente pedido uno (apresentado a fls. 4361 a 4367), nele reiterando sobretudo o entendimento já veiculado na motivação una do recurso então apresentada.
A Digna Procuradora-Adjunta opinou (a fl. 4369 a 4369v) pela manutenção da decisão de rejeição do recurso dos quatro arguidos.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
A decisão sumária (de fls. 4334 a 4337v) ora sob reclamação tem o seguinte teor essencial:
– <<[…]
2. Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontrou proferido a fls. 4202 a 4222v, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica, probatória e jurídica) se dá por aqui inteiramente reproduzido.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
Observa-se que são similares os argumentos individuais de recurso concretamente tecidos pelos quatro arguidos.
Os 1.o, 2.o e 3.o arguidos assacam à decisão condenatória recorrida a existência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Entretanto, os argmentos concretamente alegados por estes arguidos prendem-se com a questão de enquadramento jurídico dos factos provados, e não propriamente com o alcance deste vício previsto na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Pois bem, no caso (como o caso dos autos) de co-autoria (art.o 25.o do CP), a consumação de crime não depende da prática pessoal, por cada um dos co-autores, de todos os actos integradores do tipo legal em consideração, pelo que cai por terra todo o argumento de não recebimento, de modo pessoal, da recompensa patrimonial.
Nota-se que foi suscitada a falta de prova do recebimento da recompensa. Contudo, após vista a fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha violado de modo patente quaisquer normas jurídicas sobre o valor da prova, ou quaisquer regras da experiência da vida humana, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto, pelo que é de decidir da presente lide recursória conforme o acervo dos factos já dados por provados no aresto recorrido, de maneira que tem que improceder também todo o argumento relativo à alegada falta de participação na conduta de auxiliar outrem para entrar clandestinamente em Macau, à alegada falta da prova da recompensa, à alegada falta de divisão de tarefas ou de conjugação de esforços na prática de factos de auxílio de imigrantes, etc.
Desta feita, decai toda a pretensão de convolação de crimes qualificados para crimes simples com alegação de falta de recebimento pessoal da recompensa patrimonial.
O 3.o arguido invocou a questão de desistência de crime sob a égide do art.o 23.o do CP. Mas, ante a matéria de facto já dada por provada em primeira instância, é manifestamente inviável a tese de desistência de crime, tal como já opinou o Digno Procurador-Adjunto no seu judicioso parecer emitido nos autos.
Todos os quatro arguidos alegaram haver aplicação da figura de crime continuado. Contudo, da matéria de facto descrita como provada no aresto recorrido, não se vê, para os efeitos a relevar do n.o 2 do art.o 29.o do CP, qualquer situação exterior, explicada pela Doutrina penal jurídica (apud EDUADRO CORREIA, in DIREITO CRIMINAL, II, Livaria Almedina, Coimbra, 1992, reimpressão, pág. 208 e seguintes), que diminua consideravelmete o grau de culpa dos quatros arguidos na prática dos crimes em consideração.
Outrossim, o 2.o arguido alegou haver, da sua parte, uma única resolução criminosa nos seus actos de acolhimento, e o 4.o arguido sustentou ter ele uma única resolução criminosa nos seus actos de auxílio.
Entretanto, da leitura dos art.os 2.º, 14.º e 15.o da Lei n.º 6/2004, não resulta que na valoração de interesses feita pelo Legislador na criação dos tipos legais de crime de auxílio (à imigração clandestina) e de acolhimento (de imigrantes clandestinos), seja indiferente o número de imigrantes clandestinos “auxiliados” e “acolhidos”, respectivamente, pelo agente do crime. Pelo contrário, é de entender que, em prol do fim inegável de combate contra a imigração clandestina, são tantos crimes de auxílio e de acolhimento quantos os imigrantes clandestinos “auxiliados” e “acolhidos”, respectivamente, pelo agente.
Por fim, é de aquilatar da questão de alegado excesso na medida da pena, nomeadamente a pedido subsidiário dos 1.o e 4.o arguidos. Perante todas as circunstâncias fácticas já apuradas e como tal descritas no aresto recorrido, e aos padrões dos art.os 40.o, n.o 1, 65.o, n.os 1 e 2, e 71.o, n.os 1 e 2, do CP, não se acha qualquer injustiça notória no juízo de valor do Tribunal recorrido na tomada da decisão a nível da medida da pena, dentro das molduras legais aplicáveis em causa.
Do exposto decorre que naufragam evidentemente todas as pretensões dos quatro arguidos recorrentes, havendo que rejeitar o recurso deles, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, devido ao espírito do n.º 2 desse art.º 410.º.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso dos quatro arguidos.
Pagará cada um dos arguidos as custas dos respectivos recursos, três UC de taxa de justiça individual, três UC de sanção individual pela rejeição dos recursos, e a quantia individual de mil patacas a favor do respectivo Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 14 de Maio de 2019.
[…]>>.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Vieram os quatro arguidos recorrentes reclamar para conferência da decisão sumária tomada pelo relator sobre o mérito do recurso deles.
Pois bem, vistos todos os elementos processuais pertinentes já referidos no ponto 2 do texto da decisão sumária ora sob reclamação, é de improceder a reclamação deles sub judice, porquanto há que manter, nos seus precisos termos, a decisão sumária do recurso deles, por essa decisão do relator estar conforme com tais elementos processuais e o direito aplicável aí aplicado.
Salienta-se que tal como já foi notado no primeiro parágrafo da fundamentação jurídica da decisão sumária do relator: mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001). Por isso, não se pode imputar à fundamentação jurídica da decisão sumária do relator falta de devida análise dos argumentos recursórios.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente a reclamação dos quatro arguidos recorrentes, mantendo a decisão sumária de rejeição do recurso deles.
Para além das custas e montantes referidos no ponto 4 do texto da decisão sumária, pagará ainda cada recorrente as custas da sua reclamação (com duas UC de taxa de justiça individual) e a quantia individual de mil patacas a favor do respectivo Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 6 de Junho de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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