Processo nº 518/2019 Data: 27.06.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Suspensão da execução da pena.
SUMÁRIO
1. O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade.
2. Não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta.
3 Perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, (como é o caso), revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência, (adequada se mostrando pois uma mais intensa reafirmação social da validade das normas jurídicas violadas).
4 A suspensão da execução da pena de prisão apenas deve ser decretada quando haja fundamentos para que o tribunal se convença que o crime cometido se não adequa à personalidade do agente e foi um simples acidente de percurso, esporádico. E – assim – que a ameaça da pena será suficiente para evitar o cometimento de novos ilícitos típicos
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 518/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, arguido com os sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor e em concurso real da prática de 1 crime de “furto”, na forma tentada, p. e p. pelo art. 197°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 4 meses de prisão, 1 de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão, e 1 outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da mesma Lei n.° 17/2009, também na pena de 2 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 meses de prisão; (cfr., fls. 276 a 285-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, veio o arguido recorrer, considerando que o crime de “consumo ilícito de estupefacientes” está numa relação de “concurso aparente” com o de “detenção de utensilagem”, pugnando assim pela sua absolvição quanto a este crime (de “detenção de utensilagem”), e pedindo a “suspensão da execução da pena aplicada”; (cfr., fls. 328 a 331).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 347 a 349).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 413 a 414-v).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 278 a 280, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).
Do direito
3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor, e em concurso real, da prática de 1 crime de “furto”, na forma tentada, p. e p. pelo art. 197°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 4 meses de prisão, 1 de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão, e 1 outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da mesma Lei n.° 17/2009, também na pena de 2 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 meses de prisão.
Pugna pela sua absolvição quanto ao crime de “detenção de utensilagem” por entender que o mesmo está numa “relação de concurso aparente” com o de “consumo de estupefacientes”, pedindo também a “suspensão da execução da pena”.
–– Vejamos, começando-se pelo dito crime de “detenção de utensilagem”.
Constando dos autos despacho, transitado em julgado, (cfr., fls. 338 a 338-v), a declarar prescrito o procedimento criminal pelos crimes de “detenção de estupefaciente para consumo” e de “detenção de utensilagem”, prejudicada se apresenta a questão colocada.
–– Quanto à “suspensão da execução da pena”.
Nos termos do art. 48° do C.P.M.:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Sobre a matéria já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.04.2018, Proc. n.° 228/2018, de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018 e a Decisão Sumária de 24.04.2019, Proc. n.° 364/2019).
E, como temos também entendido, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 18.01.2018, Proc. n.° 1/2018, de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018 e de 28.02.2019, Proc. n.° 61/2019).
Perante o que se deixou consignado, ponderando na factualidade dada como provada e que agora releva, e em causa estando tão só a pena que ao arguido foi aplicada pelo crime de “furto”, cremos que inviável é uma decisão favorável à sua pretensão.
De facto, o arguido ora recorrente não é primário, tendo um algo “notável” C.R.C., (cfr., fls. 223 a 256), tendo já sofrido várias condenações em penas de prisão suspensa na sua execução, tendo já cumprido pena de prisão em virtude da revogação da suspensão da execução das penas de prisão aplicadas, evidentes sendo assim as fortes necessidades de prevenção especial (e geral) e que afastam, in totum, a possibilidade de dar por verificados os pressupostos do art. 48° do C.P.M. para efeitos da pretendida suspensão da execução da pena.
Na verdade, com o (novo) crime destes autos, revela o arguido uma total ausência de vontade de aproveitar as várias oportunidades que lhe foram dadas e de se corrigir, levando uma vida em conformidade com as normas de convivência social, tornando, desta forma, evidentes as fortes razões de prevenção criminal que comprometem, de todo, a pretendida suspensão da execução da pena.
Como igualmente temos vindo a considerar, devem-se “evitar penas de prisão de curta duração”.
Porém, não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.03.2018, Proc. n.° 119/2018, e a Decisão Sumária de 01.03.2019, Proc. n.° 65/2019 e de 23.05.2019, Proc. n.° 325/2019).
Como também considerava Jescheck: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal”– Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 05.05.2015, Proc. n.° 242/13, e, mais recentemente, da Rel. de Coimbra de 27.09.2017, Proc. n.° 147/15, onde se consignou que “Na formulação deste juízo [de prognose] o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando existam dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada”, in “www.dgsi.pt”).
Com efeito, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, (como é o caso), revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência, (adequada se mostrando pois uma mais intensa reafirmação social da validade das normas jurídicas violadas); (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 13.04.2015, Proc. n.° 1/12 e da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15, podendo-se também ver o recente Ac. da Rel. de Coimbra de 22.05.2019, Proc. n.° 55/17, onde se considerou que “A suspensão da execução da pena de prisão apenas deve ser decretada quando haja fundamentos para que o tribunal se convença que o crime cometido se não adequa à personalidade do agente e foi um simples acidente de percurso, esporádico. E – assim – que a ameaça da pena será suficiente para evitar o cometimento de novos ilícitos típicos”).
Dest’arte, impõe-se a decisão que segue.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, não se conhece do recurso quanto ao crime de “utensilagem”, negando provimento ao recurso no que toca ao pedido de suspensão da execução da pena aplicada pelo crime de “furto”.
Pagará o arguido a taxa de justiça de 3 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 27 de Junho de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 518/2019 Pág. 12
Proc. 518/2019 Pág. 13