Processo nº 350/2019 Data: 30.05.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “peculato”.
“Peculato de uso”.
Erro notório.
Pena.
SUMÁRIO
1. Provado não estando que o arguido tinha apenas intenção de “fazer uso” dos computadores, mas antes, que agiu com intenção de os “fazer seus”, adequadamente qualificada foi a sua conduta como a prática de 1 crime de “peculato” do art. 340° do C.P.M..
2. A necessidade de salvaguardar a confiança dos cidadãos numa administração pública que sirva com neutralidade, objectividade e eficácia os interesses gerais, (públicos e comuns), reclama uma sanção penal que dê um sinal claro de “intransigência” perante os crimes relacionados com “abusos de funções públicas” como a “corrupção”, o “abuso de poder” e todas as outras formas de exercício ilegal de funções públicas.
Decididamente, não pode ser um “crime de baixo risco e fácil/alto rendimento”, havendo antes que ser um “crime de alto risco e firme punição.
O relator,
José Maria Dias Azedo
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Processo nº 350/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “peculato”, p. e p. pelo art. 340°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, na condição de, no prazo de 3 meses, pagar à R.A.E.M. a quantia de MOP$30.000,00; (cfr., fls. 1290 a 1296-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova”, pugnando pela sua condenação como autor de 1 crime de “peculato de uso”, p. e p. pelo art. 341° do C.P.M., pedindo também a redução da pena; (cfr., fls. 1311 a 1315).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 1319 a 1321-v).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.1311 a 1315 dos autos, o recorrente assacou o erro notório na apreciação de prova, o erro da subsunção da conduta dele e ainda a excessiva severidade da pena aplicada pelo Tribunal a quo no Acórdão em escrutínio (cfr. fls.1290 a 1296 dos autos).
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.1319 a 1322v.), no sentido do não provimento do presente recurso.
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Bem, o recorrente arrogou, em primeiro lugar, que as provas constantes dos autos não permitiam ao Tribunal a quo chegar à conclusão de ele ter a intenção subjectiva de apropriar ilegitimamente os três computadores, portanto se verifica um erro notório na apreciação de prova, e que a sua conduta devia ser subsumida no crime de peculato de uso p.p. pelo preceito no n.º1 do art.341º do Código Penal de Macau e, deste modo, lhe devia ser aplicada a pena de multa, em vez da pena de prisão.
Repare-se que em relação ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.º2 do art.400º do CPP, é consolidada no actual ordenamento jurídico de Macau a seguinte jurisprudência (cfr. a título exemplificativo, arestos do Venerando TUI nos Processos n.º17/2000, n.º16/2003, n.º46/2008, n.º22/2009, n.º52/2010, n.º29/2013 e n.º4/2014): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
De outro lado, não se pode olvidar que o recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador. Pois, «sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.» (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º470/2010)
À luz destas orientações jurisprudenciais, afigura-se-nos que não há in casu o invocado erro notório na apreciação de prova. Com efeito, a apreciação e valoração das provas produzidas pelo tribunal a quo são criteriosas, não infringem as legis artis ou as regras sobre o valor da prova vinculada, nem regras da experiência comum, os factos provados entre si e com os não provados não se mostram incompatíveis, e as conclusões tiradas dos respectivos factos provados apresentam congruentes com estes.
Sopesando o 8) facto provado à luz da experiência comum, inclinamos a colher que a correspondente intenção não se limitava ao ilícito uso dos referidos três computadores, mas consistia na ilegítima apropriação dos mesmos. O que implica que, no nosso prisma, são exactos tanto o 13) facto provado como a subsunção operada pelo Tribunal a quo, e não se descortina o arrogado erro da subsunção.
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Ora, alerta a reputada doutrina (Manuel Leal-Henrique: Anotação e Comentário ao Código Penal de Macau, Volume VI, CFJJ 2018, p.433): Na opinião praticamente unânime da Doutrina, subscrita, de resto, pela Jurisprudência, a criminalização do peculato visa salvaguardar dois interesses ou bens jurídicos concretamente definidos: por um lado, a probidade e integridade do exercício funcional por banda dos trabalhadores da administração pública e, por outro (ainda que acessoriamente), o património alheio (público ou particular) cuja guarda ou administração lhes esteja confiada.
Em esteira, podemos extrair que a pena concretamente aplicada a um infractor do crime de peculato deve ser adequada não só à prevenção especial, mas também e sobretudo à protecção dos duplos bens jurídicos subjacente, não podendo frustrar a confiança depositada pelo público em geral na Administração e nos seus trabalhadores.
Nesta linha de consideração, e atendendo à gravidade da ilicitude, à intensidade do dolo, à completa ausência do sincero arrependimento e às demais circunstâncias, parece-nos que a pena de dois anos e seis meses de prisão com a suspensão da execução no período de dois anos não fere da assacada severidade excessiva, mas equilibrada, pelo que o Acórdão recorrido não infringe as disposições nos arts.40º e 65º do Código Penal.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 1330 a 1331-v).
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Cumpre a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 1292 a 1293-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “peculato”, p. e p. pelo art. 340°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, na condição de, no prazo de 3 meses, pagar à R.A.E.M. a quantia de MOP$30.000,00.
Considera que o mesmo padece de “erro notório na apreciação da prova”, pugnando pela sua condenação como autor de 1 crime de “peculato de uso”, p. e p. pelo art. 341° do C.P.M., pedindo também a redução da pena.
Vejamos, começando, como se mostra lógico, pelo assacado “erro”.
Pois bem, no que toca ao “erro notório na apreciação da prova”, temos entendido que o mesmo apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 19.07.2018, Proc. n.° 538/2018, de 25.10.2018, Proc. n.° 803/2018 e de 17.01.2019, Proc. n.° 812/2018).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Como ensina Figueiredo Dias, (in “Lições de Direito Processual Penal”, pág. 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
- a recolha de elementos – dados objectivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal que é livre, mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis- como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 07.06.2018, Proc. n.° 376/2018, de 11.10.2018, Proc. n.° 772/2018 e de 24.01.2019, Proc. n.° 905/2018).
Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).
E como se consignou no Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16, “A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão”.
Aqui chegados, vejamos.
Entende o recorrente que o Tribunal a quo errou ao dar como provado que o arguido agiu com intenção de se “apropriar” dos 3 computadores do serviço que levou para casa, considerando que se devia dar como provado que agiu (tão só) com intenção de “fazer uso” dos ditos computadores.
Ora, como se nos apresenta evidente, não se lhe pode reconhecer razão, pois que analisado o Acórdão recorrido constata-se que o Tribunal a quo decidiu em total respeito das regras sobre o valor da prova tarifada, regras de experiência e legis artis, tendo justificado, de forma clara e adequada o porquê da sua decisão, (cfr., fls. 1293-v a 1294-v), nenhuma razão válida apresentando o ora recorrente (ou existindo) para se não dar o decidido como justo e adequado e que, por isso, nenhuma censura merece.
Note-se também, (certo sendo que vale o que vale), que provado não ficou que o ora recorrente levou os computadores para casa “porque não tinha nenhum em casa”, (sendo, igualmente, de consignar que a decisão apresenta-se-nos adequada e lógica, até porque seja como for, e se fosse apenas para “uso”, necessidade não tinha o recorrente de “desviar”, de uma só vez, três computadores).
Dito isto, e nenhuma censura havendo na “decisão da matéria de facto”, continuemos.
–– Nos termos do art. 340° do C.P.M.:
“1. O funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2. Se os valores ou objectos referidos no número anterior forem de valor diminuto, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
3. Se o funcionário der de empréstimo, empenhar ou, de qualquer forma, onerar valores ou objectos referidos no n.º 1, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
Por sua vez, prescreve o art. 341° do mesmo código:
“1. O funcionário que fizer uso ou permitir que outra pessoa faça uso, para fins alheios àqueles a que se destinem, de veículos ou outras coisas móveis de valor apreciável, públicos ou particulares, que lhe forem entregues, estiverem na sua posse ou lhe forem acessíveis em razão das suas funções é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2. Se o funcionário, sem que especiais razões de interesse público o justifiquem, der a dinheiro público destino para uso público diferente daquele a que está legalmente afectado, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”.
Ora, provado não estando que o ora recorrente tinha apenas intenção de “fazer uso” dos computadores, mas antes, que agiu com intenção de os “fazer seus”, há que dizer que adequadamente qualificada foi a sua conduta como a prática de 1 crime de “peculato” do art. 340° do C.P.M..
–– Nesta conformidade, passemos para a questão da pena aplicada.
Desde logo, e no que a esta matéria diz respeito, importa ponderar no estatuído no art. 40° do C.P.M. onde se prescreve que:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
E, imprescindível é igualmente atentar no art. 65°, (onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”), e em relação ao qual temos repetidamente considerado que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 17.01.2019, Proc. n.° 1077/2018, de 21.02.2019, Proc. n.° 5/2019 e de 11.04.2019, Proc. n.° 289/2019).
Como nota F. Dias, (in “Dto Penal, Parte Geral”, Tomo 1, pág. 84), “em síntese, pode dizer-se que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa”.
Por sua vez, há que consignar também que como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018, de 17.01.2019, Proc. n.° 1138/2018 e de 28.03.2019, Proc. n.° 133/2019).
No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).
E, como se tem igualmente decidido:
“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).
“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).
Dito isto, vejamos.
Ao crime de “peculato” pelo ora recorrente cometido cabe a pena de 1 a 8 anos de prisão; (cfr., art. 340°, n.° 1 do C.P.M.).
Face ao exposto, e pronunciando-nos, em relação à consideração pelo arguido feita no sentido de haver “excesso de pena”, cabe referir que não se nos apresenta que assim tenha sucedido.
Com efeito, verifica-se que o arguido agiu com dolo directo e muito intenso, (muito) elevada sendo também a ilicitude da sua conduta.
Por sua vez, (e embora seja seu legítimo direito), não confessou os factos, inexistente sendo assim qualquer possibilidade de se considerar haver (eventual) arrependimento em relação à sua conduta.
E, nesta conformidade, atentas as molduras penais em questão, e os critérios do art. 40° e 65° do C.P.M., não se mostram de considerar excessiva a pena fixada, sendo, também nesta parte, de se julgar improcedente o recurso do arguido.
Como já tivemos oportunidade de considerar, “A necessidade de salvaguardar a confiança dos cidadãos numa administração pública que sirva com neutralidade, objectividade e eficácia os interesses gerais, (públicos e comuns), reclama uma sanção penal que dê um sinal claro de “intransigência” perante os crimes relacionados com “abusos de funções públicas” como a “corrupção”, o “abuso de poder” e todas as outras formas de exercício ilegal de funções públicas.
Decididamente, não pode ser um “crime de baixo risco e fácil/alto rendimento”, havendo antes que ser um “crime de alto risco e firme punição”; (cfr., v.g., os Acs. de 08.06.2017, Proc. n.° 310/2017, de 28.09.2017, Proc. n.° 638/2017 e de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018).
E, em face do exposto, certo sendo que ao ora recorrente até foi decretada a suspensão da execução da pena aplicada, visto está que o decidido só pode pecar por benevolência.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 30 de Maio de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 350/2019 Pág. 26
Proc. 350/2019 Pág. 25