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Processo nº 380/2019 Data: 30.05.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “furto”.
Declarações do arguido em Inquérito.
Regime aplicável.
Absolvição.



SUMÁRIO

  O formalismo do art. 325° do C.P.P.M. apenas é exigido para as declarações pelo arguido prestadas “em audiência de julgamento” e não para quaisquer outras, prestadas em fases anteriores, nomeadamente, em sede de Inquérito.

O relator,
José Maria Dias Azedo
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Processo nº 380/2019
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. de 13.02.2019 decidiu-se absolver A, arguido com os sinais dos autos, da imputada prática como autor material de 1 crime de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. e) e n.° 2, al. a) e art. 196°, al. b) do C.P.M.; (cfr., fls. 136 a 139-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido, recorreu o Ministério Público, assacando à decisão o vício de “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 151 a 163).

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Respondendo, diz o arguido que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 170 a 171).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer considerando também que a decisão recorrida padecia do imputado “erro notório”, pedindo o reenvio dos autos para novo julgamento; (cfr., fls. 237 a 238-v).

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Adequadamente processados os autos e nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 137 a 138, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o Ministério Público recorrer do Acórdão pelo Colectivo do T.J.B. proferido que absolveu o arguido da prática como autor material de 1 crime de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. e) e n.° 2, al. a) e art. 196°, al. b) do C.P.M., que lhe era imputado.

E, como se referiu, entende que se terá incorrido no vício de “erro notório na apreciação da prova”.

Cremos que tem o Exmo. Recorrente razão.

Vejamos, (muito não se mostrando necessário consignar para o demonstrar).

A questão está relacionada com a decisão do Tribunal a quo em não valorar as declarações pelo arguido prestadas em sede de inquérito e lidas em audiência de julgamento, no âmbito das quais confessou a prática do crime pelo qual estava acusado, (mas que, como se viu, acabou absolvido).

Entendeu o Tribunal a quo que não devia valorar tais declarações dado que na diligência em que aquelas foram prestadas não foi o arguido (préviamente) inquirido se o fazia “de livre vontade e fora de qualquer coacção …”, como determina o art. 325° do C.P.P.M..

Porém, cremos haver equívoco.

Na verdade, há que atentar que o formalismo do referido art. 325° do C.P.P.M. apenas é exigido para as declarações pelo arguido prestadas “em audiência de julgamento” e não para quaisquer outras prestadas em fases anteriores, nomeadamente, em sede de Inquérito.

Como – bem – se observa no douto Parecer do Exmo. Representante do Ministério Público, (valendo a pena aqui recordar):

“São coisas diversas e de diferente relevância a confissão que o arguido pode fazer perante o juiz de instrução, aliás prevista no artigo 128.°, n.° 5, do Código de Processo Penal, e aquela que se proponha efectuar em audiência de julgamento, nos moldes previstos no artigo 325.° do Código de Processo Penal.
Pois bem, só relativamente a esta última é que o juiz que preside tem que instar o arguido, sob pena de nulidade, a esclarecer se confessa de livre vontade e fora de qualquer coacção, bem como se o faz integralmente e sem reservas. O que bem se compreende, atentos os efeitos substanciais e processuais que uma tal confissão vai desencadear, conforme previsto no n.° 2 do referido artigo 325.°.
Já quanto à confissão que o arguido possa fazer perante o juiz de instrução, não passará ela de mais um possível elemento de prova a valorar pelo juiz do julgamento, segundo o princípio da livre apreciação, caso o arguido não entenda remeter-se ao silêncio.
Como se vê, são incomensuravelmente diferentes os efeitos das duas confissões. Daí a especificidade formal de que o legislador entendeu rodear a confissão em audiência.
Relativamente à confissão no Inquérito e à sua normal validade em termos probatórios, nem o artigo 128.° do Código de Processo Penal, nem, que saibamos, qualquer outra norma processual, obrigam a observar exigência formal igual ou aparentada à do artigo 325.° do Código de Processo Penal”.

Nesta conformidade, visto estando que adequada não foi a decisão do Tribunal a quo de “excluir” da sua apreciação as declarações pelo arguido prestadas em sede de Inquérito, imperativo é considerar que tal decisão não deixou de afectar a apreciação que fez da “prova produzida”, o que, por sua vez, não deixou de influenciar a convicção que formou e, assim, a decisão que proferiu em sede de “matéria de facto”, e que, a final, levou à (consequente) absolvição do arguido.

Dest’arte, e não deixando de configurar o assim sucedido um “erro notório na apreciação da prova”, e atento o estatuído no art. 418° do C.P.P.M., impõe-se o reenvio dos autos para novo julgamento sobre toda a matéria.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam decretar o reenvio dos autos para novo julgamento.

Custas pelo arguido com a taxa de justiça de 5 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 30 de Maio de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 380/2019 Pág. 8

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