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Processo n.º 1059/2017
(Autos de recurso contencioso)

Relator: Fong Man Chong
Data: 30/Maio/2019

Assuntos:

- Autorização da fixação de residência em Macau e os requisitos legalmente exigidos
- Poder discricionário e controlo jurisdicional


SUMÁRIO:

I – Perante o pedido de renovação da autorização de fixação de residência em Macau, formulado pelo Recorrente e após diligências pertinentes, verifica-se que faleceu o ex-cônjuge (mulher) do Requerente e este residia apenas 64 dias em Macau, no total, no período de 2015 a 2017, destes factos se retira legitimamente a conclusão de que deixou de se verificar a base inicial da concessão da autorização de fixação da residência em Macau, previstas nas alíneas 3) e 5) do artigo 9º da Lei nº 4/2003, de 17 de Março, o que constitui a razão bastante da decisão negatória da pretensão do Requerente.

II - A verificação dos pressupostos referidas nas alíneas 1), 2) 4) e 6) do nº 2 do artigo 9º não constituem base suficiente, nem produz efeito automático, para invalidar a decisão negativa da pretensão, pois, os factores mencionados no normativo não têm natureza de exclusão entre si, sobre eles cabe ao órgão administrativo competente ajuizar-se e proferir a última palavra nos precisos limites do poder legalmente atribuído. Por outro lado, o pedido inicial do Recorrente também não foi formulado com base nos pressupostos das alíneas 1), 2), 4) e 6) do preceito legal citado. Ainda que foram verificados os pressupostos referidos nestas alíneas, agora, ao órgão competente cabe ponderar e decidir numa melhor forma de acautelar os interesses em causa.

III – Conforme o disposto nas alíneas do artigo citado, a concessão e renovação da autorização da fixação de residência em Macau depende do exercício do poder discricionário (delegável) pelo Chefe do Executivo. A inverificação de requisitos legalmente exigidos são fundamentos bastantes para indeferir o pedido.

IV – Ensina a doutrina que a discricionariedade é uma forma particular de Administração se relacionar com o Direito, com o princípio da juridicidade, que se traduz numa consciente abertura pelo legislador de uma lacuna intralegal (não no sentido de falta de regulamentação jurídica), mas no sentido de que o agente administrativo pode, pela utilização da norma, encontrar a melhor solução para o caso. Quando o legislador, no artigo 9º da Lei nº 4/2003, utiliza a fórmula de “pode conceder autorização…”(interpretada a contrario, significa que “pode não conceder ”) está a atribuir ao Chefe do Executivo o poder discricionário.

V - Se o acto administrativo recorrido, assente na inverificação dos pressupostos com base nos quais foi anteriormente concedida a respectiva autorização da fixação de residência, com o que se pretende ainda prosseguir o interesse público que prevalece sobre os interesses pessoais do interessado, deve ele ser mantido, salvo nos casos muito excepcionais, ou seja, só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício desse poder constitui uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável, mas não é o caso dos autos, o que constitui razão bastante para manter o despacho recorrido.




O Relator,

________________
Fong Man Chong







Processo n.º 1059/2017
(Autos de recurso contencioso)

Data : 30 de Maio de 2019

Recorrente : A

Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança

* * *
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I - RELATÓRIO
A, Recorrente, de nacionalidade tailandesa, devidamente identificado nos autos, não se conformando com o despacho do Secretário para a Segurança, datado de 11/07/2017, exarado na informação do Serviço de Migração do CPSP n.º 201428/CESMNOT/2017P (notificado em 17/10/2017), pelo qual indeferiu o pedido da renovação da autorização de residência do Recorrente, veio, em 16/11/2017 interpor o recurso contencioso para este TSI nos termos dos art.ºs 20.º, 21.º, 25.º e ss do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC) e do art.º 36.º n.º 8 al. 2 da Lei n.º 9/1999 (Lei de Bases da Organização Judiciária da RAEM), com os fundamentos de fls. 2 a 7, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 本司法上訴所針對的標的為被訴實體於2017年7月11日所作出的批示,該批示決定不批准司法上訴人居留許可續期的申請(見文件一);
可撤銷---違反適度原則
2. 第5/2003號行政法規第22條第2款規定居留許可的續期,取決於是否符合原則性法律及本行政法規所定的前提及要件,該原則性法律即第4/2003號法律第9條第2款之規定;
3. 第4/2003號法律第9條第2款規範了一系列可供考慮的因素,然而,該等因素僅屬舉例列舉,其中任一項不符合並不必然導致居留許可或其續期之不批准,而是應由被訴實體行使自由裁量權,經綜合考慮第4/2003號法律第9條第2款規定列舉之因素及其他可供考慮之因素,並以維護公共利益為大前提而作出決定,類似見解可參考貴院第577/2015號裁判第16至17頁;
4. 而自由裁量權之行使必須遵守《行政程序法典》第5條第2款規定的適度原則;
5. 首先,司法上訴人並非有意不符合第4/2003號法律第9條第2款第3項及第5項所規定的情況;
6. 司法上訴人的配偶B於2015年7月6日在本澳去世,被訴實體以有關情況與原獲批予居留許可的前提(在澳與配偶團聚)不再符合,故本次居留續期應不獲批准;
7. 然而,必須指出,司法上訴人並非有意造成其在澳不能與配偶團聚,因其配偶去世對司法上訴人來說是處於被動的,此不同於獲批居留許可後與配偶離婚而造成不符合夫妻團聚為前提的情況;
8. 此外,被訴實體指根據出入境紀錄顯示,在過去兩年(2015年5月至2016年5月及2016年5月至2017年5月)期間,司法上訴人居澳僅37天及僅27天,顯示出司法上訴人沒有在澳生活;
9. 然而,正如司法上訴人在書面聽證中所作的解釋,其因為被公司委派到泰國招攬客源方引致長時間不在澳門(見行政卷宗第216及217頁);
10. 司法上訴人是XX有限公司的員工,職位為營運部經理,XX有限公司為一有限公司,所營事業為推介娛樂場幸運博彩或其他方式的博彩,在澳門商業登記局的登記編號為2xxx4 SO (見文件二,在此視為完全轉錄);
11. 基於XX有限公司的業務需要進一步發展,加上司法上訴人為泰國籍人士且為營運部經理,公司便自2015年5月起委派司法上訴人到泰國招攬客源(見文件三、文件四及行政卷宗第216頁);
12. 必需指出,此並非司法上訴人的個人選擇而到泰國招攬客源,而是公司的政策決定,司法上訴人在此並無一個選擇的空間;
13. 根據一般經驗,作為一個打工者,司法上訴人只能接受公司委派的工作及服從僱主對工作的指示,加上文件二及文件三的公司證明已可證實司法上訴人確實被委派到泰國招攬客源方引致居澳時間不足,可見司法上訴人的解釋是真實且充分的;
14. 由此可見,此同樣屬司法上訴人被動情況下方造成其居澳時間不足,理由在於並不是司法上訴人主動離澳工作;
15. 再者,司法上訴人在XX有限公司擔任營運部經理一職,在本澳具正當職業且有穩定收入,符合第4/2003號法律第9條第2款第2項及第4項之規定;
16. 事實上,司法上訴人的父母早已雙亡,需供養弟弟和仍在讀書的妹妹,司法上訴人是家中唯一的經濟支柱,倘若不批准是次居留許可,意味著司法上訴人需返回泰國生活,泰國的經濟水平不及本澳,司法上訴人泰國未必能找到工作供養家人,此無疑是影響了司法上訴人一家的生計;
17. 司法上訴人於2012年5月8日首次獲批居留許可,至今已有5年,已完全適應在本澳生活及工作,司法上訴人居澳主要原因是與其配偶夫妻團聚,澳門充滿著司法上訴人與其配偶的回憶,自其配偶去世後,澳門成為司法上訴人回憶及掛念妻子的地方;
18. 此外,從近年的新聞可見,泰國的政局並不穩定,經常發生組織向政府武裝示威及政府武力鎮壓等事件,不如澳門般社會和諧及穩定,司法上訴人返回泰國居住的話具有一定危險性;
19. 可見,批准司法上訴人居留許可續期亦符合第4/2003號法律第9條第2款第6項之規定;
20. 另一方面,從行政卷宗第226頁可見,司法上訴人在澳並無任何犯罪紀錄,符合第4/2003號法律第9條第2款第1項之規定,批准司法上訴人居留許可續期絕不會侵害本澳的公共利益;
21. 此外,眾所週知,澳門博彩業作為澳門經濟的支柱產業,在澳門經濟結構中佔有極其重要的地位,司法上訴人所任職的XX有限公司的所營事業為推介娛樂場幸運博彩或其他方式的博彩,司法上訴人到泰國招攬客源的行為明顯促進本澳博彩業及旅遊業的發展,並未侵害本澳的公共利益,符合本澳整體經濟發展的走向;
22. 與之相反,倘若不批准司法上訴人的居留許可續期,意味著司法上訴人需返回泰國工作及生活,此不單令司法上訴人失去在本澳穩定的工作收入,導致司法上訴人未能供養其弟弟仍在讀書的妹妹,更令司法上訴人離開其與配偶共同生活過地方,此明顯侵犯了司法上訴人的私人利益;
23. 因此,司法上訴人所受損害的利益比被訴實體追求的利益大,在考慮適度原則及行政行為應最少地侵害私人權利之前提下,被訴實體實無理由作出不批准司法上訴人居留許可續期之決定;
24. 基於以上所述,被訴行為違反第4/2003號法律第9條第2款之規定及《行政程序法典》第5條規定之適度原則,根據《行政程序法典》第124條之規定,該行為為可撤銷。

* * *
Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar nos seguintes termos:
1) 根據第5/2003號行政法規第22條第2款,居留許可的續期,取決於是否符合原則性法律及本行政法規所定的前提及要件。
2) 上訴人於2012年5月8日獲批准定居澳門,以便與其持澳門永久性居民身份證的妻子B團聚。
3) 自上訴人的妻子B於2015年7月6日逝世,上訴人已不再符合原獲批准居留許可的前提。
4) 此外,上訴人在申請居留許可續期前的兩年期間,大部分時間沒有在澳門居住。
5) 根據上訴人的出入境記錄,上訴人於2015年5月至2016年5月期間僅在澳門居留37天;於2016年5月至2017年5月期間僅在澳門居留27天。
6) 根據第5/2003號行政法規第22條,結合第4/2003號法律第9條第2款,上訴人沒有在澳門特別行政區通常居住,不符合維持居留許可的條件,故其居留許可不應獲得續期。
7) 在起訴狀及有關行政程序的書面聽證中,上訴人解釋是因為被公司委派到泰國工作,以致長時間不在澳門居留。
8) 然而,上訴人有自由選擇工作的權利,亦有權選擇是否接受公司的委派。
9) 治安警察局曾向上訴人作出通知,倘若其居留日數不足將導致居留許可續期不被批准。
10) 上訴人在清楚知悉有關情況下,仍選擇大部份時間離開澳門,故其提出的解釋不應獲接納。
11) 上訴人聲稱其具備第4/2003號法律第9條第2款(1)項、(2)項、(4)項及(6)項所列舉的因素,故行政當局應批准其居留許可續期。
12) 根據第4/2003號法律第9條第2款,在批給居留許可時,尤其應考慮該款所列舉的因素。
13) 然而,這並不意味當上訴人符合其中某些因素時,行政當局必須給予居留許可或續期。
14) 值得一提的是,上訴人聲稱泰國的政局不穩定,經常發生組織向政府武裝示威及武力鎮壓等事件,倘其返回泰國居住具有一定的危險性。
15) 在行政程序中,上訴人並沒有提出上述依據。
16) 而且,這僅僅是上訴人的想法,並無任何實質的事實支持。
17) 根據上訴人所述,上訴人在過去兩年的大部份時間均身處泰國。
18) 因此,不認同需基於人道理由而批准上訴人的居留許可續期。

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O Digno. Magistrado do MP oferece o douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso (fls. 40):
Na petição inicial, o ora recorrente solicitou a anulação do despacho recorrido que consiste em indeferir o pedido de renovação da autorização da residência anteriormente concedida a ele, arrogando a violação do n.º2 do art.9° da Lei n.º4/2003 e do princípio da proporcionalidade.
*
No vertente caso, é assente que o único pressuposto da autorização da residência concedida ao ora recorrente se traduz em permitir-lhe conviver conjugalmente com a sua ex-mulher (夫妻團聚), e a sua ex-mulher que tinha sido residente permanente da RAEM faleceu em 06/07/2015, e que essa relação matrimonial não deu luz a filho.
O que aconselha a entender que em boa verdade, o falecimento da ex-mulher determina, só por si e suficientemente, o desaparecimento do sobredito pressuposto da anterior concessão da autorização da residência e, deste modo, provoca directamente a caducidade da autorização da residência (art.24°, alínea 1) do Regulamento Administração n.º 5/2003)
No actual ordenamento jurídico de Macau, encontra-se firmemente consolidada a jurisprudência, no sentido de que só se verifica a violação do princípio da proporcionalidade quando o exercício do poder discricionário enfermar do erro grosseiro ou da total desrazoabilidade, e tal erro e desrazoabilidade constituem ainda pressuposto da sindicação judicial dos actos administrativos discricionários (a título meramente exemplificativo, Acórdãos do TUI nos Processos n.º38/2012 e n.º123/2014, do TSI nos n.º766/2011, n.º570/2012 e n.º356/2013).
No caso sub judice, vale realçar que o indeferimento da pretendida renovação da autorização de residência incorporado no despacho em escrutínio, só por si, não acarreta a perda do emprego ou actual cargo ao recorrente, ele poderá, na qualidade de trabalhador-não-residente, ficar na manutenção da sua actual relação jurídica-laboral.
Sendo assim, e atendendo aos argumentos descritos pelo recorrente nos arts.19° a 52° da petição inicial, inclinamos a colher que não se divisa in casu o erro manifesto, a total desrazoabilidade ou a injustiça intolerável, portanto é descabida a arguição da violação deste princípio.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.

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    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III - FACTOS
São os seguintes factos considerados assentes com interesse para a decisão do litígio, conforme os elementos juntos no processo administrativo respectivo:
- 利害關係人A先生於2012年5月8日獲批居留許可之目的是在澳與配偶團聚。
- 利害關係人於2017年5月11日提起居留許可續期申請。
- 利害關係人配偶B於2015年7月6日離世;
- 根據出入境紀錄顯示,在過去兩年(2015年5月至2016年5月及2016年5月至2017年5月)期間,利害關係人居澳僅37天及僅27天
- 按利害關係人在聽證程序中陳述的主要內容,其配偶離世後被公司派往泰國工作。
- 司法上訴人是XX有限公司的員工,職位為營運部經理,XX有限公司為一有限公司,所營事業為推介娛樂場幸運博彩或其他方式的博彩,在澳門商業登記局的登記編號為2xxx4 SO (見文件二,在此視為完全轉錄);
- 基於XX有限公司的業務需要進一步發展,加上司法上訴人為泰國籍人士且 為營運部經理,公司便自2015年5月起委派司法上訴人到泰國招攬客源(見文件三、文件四及行政卷宗第216頁);

- Instruído o respectivo processo, o Recorrente foi comunicado em 04/08/2017 do despacho do Senhor Secretário para a Segurança que tem o seguinte teor:
通知書 編號:201428/CESMNOT/2017P
茲通知A [持泰國護照第AAxxxxxx2號],關於 台端在2017年5月11日遞交申請書,要求批准居留許可續期一事,保安司 司長根據載於本局出入境事務廳第300066/CESMREN/2017P號報告書之意見,於2017年7月11日作出“不予批准”批示。
現將上述報告書意見內容轉述如下:
“1. 利害關係人A先生於2012年5月8日獲批居留許可之目的是在澳與配偶團聚。
2. 利害關係人於2017年5月11日提起居留許可續期申請。因利害關係人配偶B已於2015年7月6日離世;及根據出入境紀錄顯示,在過 去兩年(2015年5月至2016年5月及2016年5月至2017年5月)期間,利害關係人居澳僅37天及僅27天,顯示出利害關係人沒有在澳生活。有關情況與原獲批予居留許可的前提(在澳與配偶團聚)不再符合,故本次居留續期應不獲批准。
3. 按利害關係人在聽證程序中陳述的主要內容,其配偶離世後被公司派往泰國工作。
4. 鑑於利害關係人於聽證階段所陳述理由並不充份,故此,經考慮第4/2003號法律第9條第2款第3項及第5項,以及第5/2003號行政法規第22條第2款之 規定,建議不批准是次的居留許可續期申請。”
上述行政行為可按照【行政訴訟法典】第廿五條之規定,向中級法院提起司法上訴。

                       外國人事務警司處處長
                         2017年8月4日
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Quid Juris perante este quadro fáctico e jurídico?
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    IV - FUNDAMENTOS
A resolução do presente recurso passa pela análise e resolução das seguintes questões suscitadas pelo Recorrente :
1) - Vício da violação de lei, aqui na vertente da violação do artigo 9º/2-3) e 5) da Lei nº 4/2003, de 17 de Março (entendendo que não foi intencional que o Recorrente não satisfizesse tais exigências);
2) - Vício da violação do princípio da proporcionalidade no exercício do poder discricionário (artigo 5º do CPA).
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Comecemos pela 1ª questão: vício da violação de lei, aqui na vertente da violação do artigo 9º/2-3) e 5) da Lei nº 4/2003, de 17 de Março

Na abordagem da alegada violação do artigo 9º da Lei nº 4/2003, o Recorrente entende que a Administração só atendeu a 2 dos vários elementos a considerar na ponderação da decisão relativa à autorização de residência e sua renovação – concretamente os previstos nas alíneas 3) e 5) do n.º 2 do artigo 9.º da citada lei, exigência que o Requerente não satisfaz – quando se lhe impunha que atendesse a todos esses elementos, saindo assim violado o referido artigo 9.º, que aliás não prevê o indeferimento pela mera inverificação de qualquer daqueles elementos.
Será admissível este argumento?
Cremos que não.
O artigo 9º (Autorização ) da Lei nº 4/2003, de 17 de Março, estipula:
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.

2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.

3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.


A decisão sobre a autorização de residência e sua renovação, devendo levar em conta um conjunto de factores que a lei manda ponderar, não tem que traduzir necessariamente o sentido da maioria desses factores, como parece advogar o Recorrente.
No entender do Recorrente, ele está a reunir os requisitos enunciados nas alíneas 1), 2), 4) e 6) do artigo 9º da referida Lei – vidé os factos alegados sob os nos 37º a 46º do requerimento inicial.
Ora, importa realçar que, numa matéria tão importante, em que pontuam valores de diversas ordens, nos termos da previsão do artigo 9º, tais como da ordem de segurança, de ordem pública, da política da população, da capacidade de albergar pessoas vindas de fora, capacidade de suporte do sistema social, oportunidade de empregos…,etc, para além da ordem dos interesses particulares, em que o poder discricionário assume uma componente decisória essencial, impõe-se à entidade competente uma ponderação de interesses em presença uma composição justa dos mesmos.
Melhor dito, em matéria da ponderação dos factores determinantes da concessão da autorização da fixação de residência em Macau, podemos sistematizar, da seguinte forma, demonstrando que tal reflexão tem por objecto razões de várias ordens:
1) Da ordem pública: são os factores previsto na alínea 1) do nº 2 do artigo 9º da citada Lei;
2) Da ordem humanística: são os previstos na alínea 6) do nº 2 do artigo 9º da citada Lei;
3) Da ordem subjectivo-pessoal: são os previstos nas alíneas 2) a 5) do nº 2 do artigo 9º da citada Lei;
4) Da ordem de outra natureza: ex. económica, social, cultural …etc.
Porque a norma em análise tem um carácter exemplificativo, não se afasta a possibilidade de a entidade competente conceder a respectiva autorização por outros motivos.
Nestes termos, uma outra ideia igualmente relevante, merecedora de destacar, tem a ver com a natureza do poder de autorizar ou desautorizar, que o legislador atribui ao Chefe do Executivo, que é um poder discricionário.

Neste domínio, ou seja, em matéria da concessão ou não concessão de autorização de residência, não é redundante realçar as seguintes ideias:
a) – Ninguém pode afirmar que tem direito à fixação de residência na RAEM, salvo as pessoas que reúnem os pressupostos fixados no artigo 24º da Lei Básica da RAEM;
b) – O poder de decisão sobre esta matéria é normalmente entregue à Administração, concedendo-se-lhe uma grande margem de manobra, tendo em conta a variedade de situações e flexibilidade de posições em algumas situações particulares. É a Administração Pública, que melhor do que ninguém está numa posição privilegiada de tomar decisões nesta matéria tendo em conta as circunstâncias concretas rodeadas de caso a decidir, uma tarefa concretizadora entregue pelo legislador à entidade administrativa mediante concessão de tal poder discricionário.
c) – No caso de Macau, concretamente no do artigo 9º da Lei nº 4/2003, de 17 de Março, o legislador atribui, propositadamente ao Chefe do Executivo o poder discricionário de decisão nesta matéria, pois, o legislador proclama mediante a forma de “pode conceder” ( norma interpretada a contário significa “pode não conceder”):
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.

2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.

3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.

Em matéria da concessão pelo legislador de discricionariedade, ensina a doutrina:
“(…) Depois do que se disse, parece-nos legítimo sustentar que a discricionariedade pode ser atribuída por diversas vias:
a) Os poderes discricionários do administrador são eventualmente resultado duma remissão para conceitos-tipo, sem se curar de saber se a indeterminação reside na hipótese ou na estatuição.
b) A discricionariedade surgirá ainda porque se impôs ao agente o dever de utilizar padrões de valoração de qualidade de pessoas ou coisas dos quais tem o monopólio legal. É o que se passa com o funcionamento de júris de exame, que se apoia na suposição de que os seus membros usufruem dos conhecimentos técnicos suficientes – que poderiam ser também encontrados em outros órgãos equivalentes – mas, além disso, duma capacidade incontrolável de apreciação da importância relativa dos conhecimentos ou da habilidade demonstrada para o desempenho duma tarefa específica, da atribuição duma habilitação genérica ou de concessão dum status. Quer dizer: não se trata apenas de decidir se está certo ou errado, bem ou mal feito, mas se os resultados positivos são bastantes para preencher um estalão incontrolável ou alcançar um dos seus sucessivos degraus. Identicamente acontece com a classificação de coisas do ponto de vista artístico, histórico, paisagístico ou ecológico.
A estes casos deve somar-se o conjunto das situações caracterizadas por uma avaliação de circunstâncias futuras (“decisões de prognose”).
É isto que, sem o querer, a corrente do controlo total acabar por ter de aceitar quando se afasta duma revisão judicial nos casos de prerrogativa de avaliação.
c) E, naturalmente, por fim, a discricionariedade surge ainda nas situações em que o legislador directamente concede ao agente uma “faculdade de acção”, isto é, em que remete para duas ou mais soluções à escolha.

41. Chegarmos às conclusões anteriores não invalida contudo o trabalho de análise do material jurídico posto à disposição do administrador, que as várias correntes representam. É que compreender o sentido de cada grau de vinculação não satisfaz um desejo bizantino. Convém não esquecer que qualquer discricionariedade que se atribua não equivale à aceitação do arbítrio, não permite uma solução de moeda ao ar. Nem sequer vale como uma remissão para uma responsabilidade moral do agente. Ora, se há encargo jurídico que pesa sobre o agente, ele careceria de sentido caso não se previsse a existência de um controlo. (in Direito Administrativo, Rogério Soares, lições aos alunos do 2º ano da Faculdade de Direito da Universidade católica do Porto, pág. 61 e seguintes).

No caso sub judice, estava em causa a renovação da autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau, só duas hipóteses se colocam: renovar a autorização ou denegá-la. O acto recorrido tomou em linha de conta 2 factores:
- Falecimento do ex-cônjuge (mulher) do Recorrente;
- Pouco tempo que o Recorrente residia em Macau nos anos de 2015 a 2017 (64 dias, no total);
Destas circunstâncias fácticas a Administração Pública retira a conclusão de que o Recorrente não toma Macau como centro de vida e também deixou de ter algum laço familiar com residentes permanentes de Macau, caindo, por isso, por terra os pressupostos com base nos quais lhe foi concedida a autorização de fixação de residência em Macau.
São estes factores que pesam na tomada de decisão em nome da prossecução do interesse em causa.
Seguida esta lógica, que parece certa, e ponderados todos os elementos constantes dos autos, são as seguintes considerações que deixamos aqui:
1) – É de concluir que deixaram de se verificar os pressupostos enunciados nas alíneas 3) e 5) do artigo 9º da referida Lei, ou seja, não estão preenchidos os seus pressupostos de aplicação (de que depende a aplicação dessas mesmas alíneas), como tal não se verifica qualquer erro nos pressupostos de facto, nem de direito, e consequentemente não há violação da lei;
2) – A verificação da alíneas 2), 4) e 6) do nº 2 do artigo 9º não constituem razão bastante, nem produz efeito automático, para invalidar a decisão mencionada no nº 1, pois, os factores mencionados no normativo não têm natureza de exclusão entre eles, sobre eles cabe ao órgão administrativo competente ajuízar e proferir a última palavra nos precisos limites do poder legalmente atribuído. Por outro lado, o pedido inicial do Recorrente também não foi formulado com base nos pressupostos das alíneas 2), 4) e 6) do preceito legal citado. Ainda que foram verificados os pressupostos referidos nestas alíneas, agora, ao órgão competente cabe ponderar e decidir numa melhor forma de acautelar os interesses em causa.


Como não se verifica o alegado atropelo às aludidas normas dos artigos 9º da referida Lei, é de julgar infundado o argumento invocado.
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2ª questão: vício da violação do princípio da proporcionalidade e no exercício do poder discricionário
O princípio da proporcionalidade, que é um corolário do princípio da justiça, obriga a que as decisões administrativas que colidam com direitos e interesses legítimos dos particulares apenas possam afectar as posições destes na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir. E não se pode falar de desrazoabilidade ou de erro notório, no exercício de poderes discricionários, quando a actuação administrativa é adequada à prossecução do interesse público que lhe cabe salvaguardar, desde que o sacrifício do interesse particular encontre justificação na importância do interesse público a salvaguardar.
O princípio de proporcionalidade, entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.
Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).
Advoga o Recorrente que a decisão de que ora recorre atenta contra o princípio administrativo consagrado no artigo 5º/2 (princípio da proporcionalidade) do CPA.
Ora, face aos factos apurados, não se crê que a negação de renovação de residência tenha incorrido em grave, manifesto, ostensivo erro no exercício dos poderes discricionários, já que, só nesse caso, o vício poderia proceder, tal como é jurisprudência firme nos tribunais da RAEM. (v.g., Ac. do TUI, de 22/03/2018, Proc. nº 83/2016; tb. cit. Ac. TSI de 8/03/2018, Proc. nº 252/2017).
No contexto em que o acto recorrido foi proferido na base de deixarem de se verificar os pressupostos respectivos, alicerce da anterior concessão da autorização de fixação de residência em Macau, como tal confere-se primazia ao interesse público em causa, o que não afronta o princípio da proporcionalidade, não padecendo o acto de erro, muito menos ostensivo ou grosseiro, que caucione uma interferência do tribunal relativamente ao sentido do exercício daquele poder discricionário.

Nesta óptica, só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício desse poder constitui uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável. Se o acto administrativo recorrido, assente na inverificação dos pressupostos com base nos quais foi anteriormente concedida a respectiva autorização da fixação de residência, com o que se pretende ainda prosseguir o interesse público que prevalece sobre os interesses pessoais do interessado, deve o acto ser mantido, salvo nos casos muito excepcionais e que se imponha considerações de outra ordem, mas não é o caso dos autos.

Pelo que, julga-se improcedente o argumento do vício da violação pela Entidade Recorrida do princípio da proporcionalidade.
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Síntese conclusiva:
I – Perante o pedido de renovação da autorização de fixação de residência em Macau, formulado pelo Recorrente e após diligências pertinentes, verifica-se que faleceu o ex-cônjuge (mulher) do Requerente e este residia apenas 64 dias em Macau, no total, no período de 2015 a 2017, destes factos se retira legitimamente a conclusão de que deixou de se verificar a base inicial da concessão da autorização de fixação da residência em Macau, previstas nas alíneas 3) e 5) do artigo 9º da Lei nº 4/2003, de 17 de Março, o que constitui a razão bastante da decisão negatória da pretensão do Requerente.
II - A verificação dos pressupostos referidas nas alíneas 1), 2) 4) e 6) do nº 2 do artigo 9º não constituem base suficiente, nem produz efeito automático, para invalidar a decisão negativa da pretensão, pois, os factores mencionados no normativo não têm natureza de exclusão entre si, sobre eles cabe ao órgão administrativo competente ajuizar-se e proferir a última palavra nos precisos limites do poder legalmente atribuído. Por outro lado, o pedido inicial do Recorrente também não foi formulado com base nos pressupostos das alíneas 1), 2), 4) e 6) do preceito legal citado. Ainda que foram verificados os pressupostos referidos nestas alíneas, agora, ao órgão competente cabe ponderar e decidir numa melhor forma de acautelar os interesses em causa.
III – Conforme o disposto nas alíneas do artigo citado, a concessão e renovação da autorização da fixação de residência em Macau depende do exercício do poder discricionário (delegável) pelo Chefe do Executivo. A inverificação de requisitos legalmente exigidos são fundamentos bastantes para indeferir o pedido.

IV – Ensina a doutrina que a discricionariedade é uma forma particular de Administração se relacionar com o Direito, com o princípio da juridicidade, que se traduz numa consciente abertura pelo legislador de uma lacuna intralegal (não no sentido de falta de regulamentação jurídica), mas no sentido de que o agente administrativo pode, pela utilização da norma, encontrar a melhor solução para o caso. Quando o legislador, no artigo 9º da Lei nº 4/2003, utiliza a fórmula de “pode conceder autorização…”(interpretada a contrario, significa que “pode não conceder ”) está a atribuir ao Chefe do Executivo o poder discricionário.
V - Se o acto administrativo recorrido, assente na inverificação dos pressupostos com base nos quais foi anteriormente concedida a respectiva autorização da fixação de residência, com o que se pretende ainda prosseguir o interesse público que prevalece sobre os interesses pessoais do interessado, deve ele ser mantido, salvo nos casos muito excepcionais, ou seja, só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício desse poder constitui uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável, mas não é o caso dos autos, o que constitui razão bastante para manter o despacho recorrido.
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Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se o despacho recorrido.
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Custas pelo Recorrente, que se fixam em 6 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 30 de Maio de 2019.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Maria Dias Azedo
Mai Man Ieng
    

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2017-1059-A-não-renovação-residência