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Processo nº 702/2018
Data do Acórdão: 27JUN2019


Assuntos:

Divórcio litigioso
Impugnação da matéria de facto
Confissão extrajudicial
Junção tardia de documentos
Arguição de nulidade
Princípio do inquisitório


SUMÁRIO

1. A narração feita constar do relatório social pelo técnico do IASM daquilo que foi dito pelo interessado quando entrevistado no âmbito do procedimento com vista à elaboração do relatório social não pode ser considerada confissão extrajudicial com força probatória contra o próprio interessado, sendo admissível quanto muito como um simples meio de prova, livremente valorado pelo Tribunal.

2. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Pretendendo impugnar por via de recurso com êxito a matéria de facto dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção ou a do Tribunal de que se recorre, é preciso que o recorrente identifique o erro manifesto que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

3. Da decisão cabe recurso ordinário para o Tribunal superior e da nulidade cabe arguição perante o Tribunal a quo, autor do acto ou da omissão, provocando neste último caso um despacho judicial, já susceptível de ser impugnado por recurso.

4. Se a recorrente considera que não foi observado o disposto no artº 548º/1 do CPC por não ter sido ordenada a audição de uma determinada pessoa, não oferecida como testemunha, que tem conhecimento de factos importantes para a decisão da causa, deverá arguir essa omissão no decurso da audiência de discussão e julgamento, sob pena de se considerar sanada – artºs 147º/1 e 151º/1 do CPC.


O relator



Lai Kin Hong












Processo nº 702/2018


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção especial de divórcio litigioso, registada sob o nº FM1-17-0063-CDL, do Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:

I – 敘述部份:
  A (A),女,已婚,中國籍,持有…號之澳門永久性居民身份證,居於澳門…;
  針對
  B (B),男,已婚,中國籍,持有…號澳門永久性居民身份證,居於澳門…;
  提起本訴訟離婚程序
  原告以第2至7頁之起訴狀所載之理據,要求本院判處原告及被告離婚,並宣告被告為過錯方; 倘不成立時,則以雙方分居滿兩年之事實為由頒令二人離婚,宣告被告為過錯方及離婚之財產效力追溯至2016年6月23日。
*
  被告獲傳喚後並沒提出答辯。
*
  本院依法由合議庭主席以獨任形式對本訴訟進行公開審理。
*
  在事宜、等級及地域方面,本法院對此案有管轄權。
  不存在不可補正之無效。
  訴訟雙方具有當事人能力及訴訟能力,且具有正當性。
  不存在其他待解決的延訴抗辯、無效或不當事情。
***
II – 事實:
  經查明,本院認定如下事實:
- A A e o B celebraram e registaram o seu casamento em Macau, no dia 25 de Novembro de 2010, no regime da comunhão de adquiridos, na conservatória do Registo Civil.
- No dia 26 de Junho de 2012, a A e o B celebraram convenção pós-nupcial na Conservatória do Registo Civil, alterando o regime matrimonial de bens de “comunhão de adquiridos” para o de “separação de bens”.
- Da união do casal resultou uma filha, o C (C), nascida em 1 de Junho de 2012.
- A Autora deixou de viver com o Réu e passou a viver em casa da mãe D com a filha C em Junho de 2016.
***
III – 法律理據:
  原告以被告違反《民法典》第1533條規定的尊重及合作義務為由,提出離婚請求,並以事實分居為由作補充請求。
  原告稱被告甚少留在家中,工餘時寧偕友外出亦不願在家陪伴原告及女兒,即使在原告流產期間亦然; 倘被告賦閒在家則只管玩電子遊戲,對原告及女兒不太理會,被告對女兒的學習亦不在意,照顧女兒的責任全由原告肩負; 漸漸地,雙方的關係日趨緊張,每當吵架時,被告便會以粗言穢言辱罵原告,在女兒面前亦毫不忌諱; 此外,被告外宿或外遊時從不知會原告,對此種種,原告感到完全不被尊重; 其後,於2015年底,二人約定共赴香港但最終被告卻撇下原告自行出發,基此種種,原告於2016年6月帶同女兒搬離家庭居所遷往其母家中居住,並決定與被告離婚,自此雙方再沒有共同生活。
*
  根據《民法典》第1533條之規定 “夫妻雙方互負尊重、忠誠、同居、合作及扶持之義務。”
  此外,同一法典第1635條1款規定 “夫妻任一方均得因他方在有過錯下違反夫妻義務,且該違反之嚴重性或重複性導致不可能繼續共同生活,而聲請離婚 。”
  而《民法典》第1637條a)項亦規定 “事實分居連續兩年亦為訴訟離婚之理由。”
*
  尊重義務之違反
  夫妻間之尊重義務建基於人之尊嚴,任何人均不得觸犯他人之人身及精神權利。對於夫婦雙方來說,他們應尊重對方之人身及精神、其他家庭及個人權利。
  在本個案中,原告指被告違反夫妻間的尊重義務; 庭審後,其指控全部不成立。
  因此,本院不能認定被告有違反尊重義務。
*
  合作義務之違反
  根據《民法典》第1535條之規定 “合作義務係指夫妻雙方須互相支援及幫助,並就雙方所建立之家庭共同承擔生活上之固有責任。”
  原告指被告常愛外出消遣,只管個人玩樂,對原告及女兒不大理會,將養育及管教女兒的責任全抛給原告,因此被告違反了合作義務,惟庭審後原告的主張亦未獲證實。
  因此,原告對被告的指控不成立。
*
  共同生活之可能性及過錯
  根據《民法典》第1635條之制度,僅在有過錯的情況下違反義務且達到一定嚴重程度以致雙方未能共同生活才能單方要求解除婚姻關係。
  由於原告提出之指控不成立,本院無需進一步分析雙方是否能繼續共同生活及過錯方屬誰。
*
  事實分居
  原告亦請求倘以被告違反夫妻義務為離婚理由不成立時,則補充以事實分居為由判處雙方離婚,並宣告被告為唯一過錯方。
  在上文分析中,原告的主請求全部不成立,因此,有必要繼續探討原告提出的補充請求是否成立。
*
  《民法典》第1637條a)項之規定,夫妻間事實分居超過二年構成訴訟離婚之理由。
  根據《民法典》第1638條之規定 “一、為着上條a項之效力,夫妻雙方不共同生活,且雙方或一方具有不再共同生活之意圖時,視為事實分居; 二、在以事實分居為理由而提起之離婚之訴中,夫妻一方或雙方有過錯者,法官應按照第一千六百四十二條之規定作出宣告。”
  分析《民法典》第1637條a)項及1638條,可見其一方面要求雙方沒有共同生活最少二年,另一方面要求雙方或一方配偶無意與對方重拾夫妻生活為期最少二年。
  根據中級法院於2009年12月10日卷宗編號74/2008判決,《民法典》第1637條a)項要求訴辯雙方事實分居須連續滿二年,同一法典第1638條1款亦規定為著上條a)項之效力,雙方或一方不再具有共同生活之意圖亦須滿二年。
  考慮到法律的規定,本院認為上述客觀及主觀因素均需要符合為期滿二年的要求。
  事實上,如雙方的狀況並未達至法律視為不可挽回的地步,原告是不具理據單方提出離婚; 因此僅在夫婦確實中止共同生活滿二年且主觀上不欲與對方再次共同生活滿二年,其中一方才可要求解除雙方的婚姻關係。
  同時,本院亦需按《民事訴訟法典》第566條1款之規定,以辯論終結日為準則來評定上述二個要件的期限是否已屆滿。
  按已證事實,僅證實原告與被告的婚姻關係、婚姻財產制和育有一女,及原告於2016年6月與女兒離開家庭居所遷往其母家中居住,原告主張的其他指控則全未獲證實。
  僅憑上述事實本院無法認定雙方是否正處於分居狀況,更不能認定二人已分居滿兩年及原告不再有與被告共同生活的意願,故分居的客觀及主觀條件均不符合有關法律規定。
  因此本個案情節不符合《民法典》事實分居滿二年之要件。
  原告以事實分居為由提出之離婚請求亦不成立。
*
IV – 裁 決:
據上論結,本法庭裁定訴訟理由不成立,駁回原告A之離婚請求,開釋被告B。
  訴訟費用由原告承擔。
  依法作出通知及登錄本判決。


Não se conformando com o decidido, veio a Autora recorrer da mesma concluindo e pedindo que:
I. Da impugnação da matéria de facto - deviam os factos dos artigos. 7.º, 13.º 14.º da Petição Inicial terem sido julgados provados por ter sido feita a sua demonstração (confissão extrajudicial no relatório social), bem como por força das passagens supra assinaladas do depoimento da testemunha E.
II. Do direito aplicável à matéria de facto alterada - O Recorrido só divertia se fora, e não acompanha a Recorrente e a filha menor deles no tempo livre, por consequência a Recorrente assumia sozinha a responsável de tomar conta da filha menor.
III. Com tal com portamento o Recorrido violou não só os seus deveres com pai, mas também o seu dever de cooperação para com a mulher, a Recorrente.
IV. De acordo com o artigo 1635.º do Código Civil, qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum.
V. Foi, Portanto, o Recorrido quem violou culposa, reiterada e gravemente o seu dever conjugal, o de cooperação, comprometendo irremediavelmente a possibilidade da vida em comum.
Caso assim não se entenda, deverá anular-se a sentença ora recorrida.
VI. Da ampliação da matéria de facto - No dia 9 de Março de 2018, a Recorrente, recebeu a acusação do Ministério Público contra o Recorrido por um crime de uso de arma proibida, p.e p. pelo artigo 262.º/1 do Código Penal conjugado com o artigo 1.º/l/f) e 6.º /b) do Decreto-Lei n.º 77/99/M.
VII. Segundo os despachos de fls. 202, a audiência do julgamento do presente processo foi realizada no dia 15 de Janeiro de 2017, às 14:50. e a conclusão no dia 22 de janeiro de 2018, às 16:08.
VIII. Tal acusação será admitida nos termos dos artigos 450.º e 451.º do Código de Processo Civil.
IX. A acusação pública contra o Recorrido por crime de uso de arma proibida, indicia ele violou a personalidade física e moral da Recorrente, bem com o dever de respeito para com ela, sendo tal documento superveniente suficiente para destruir o fundamento da decisão, a provarem-se os factos nele imputados ao Arguido pelo Ministério Público.
X. Ora, segundo o artigo 629.º/4 do CPC, o TSI pode anular. mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando (por qualquer motivo atendível) se considere indispensável a ampliação desta.
XI. Deve, pois, ser anulada a sentença recorrida, mandando-se ampliar a matéria de facto, nela se passando a incluir os factos imputados ao Recorrido na Acusação Pública, por os mesmos, a provarem-se, revelarem grave violação de dever de respeito para com a Autora e, por conseguinte, determinarem a procedência da presente acção de divórcio por culpa exclusiva do Réu.
XII. Da violação do princípio fundamental da descoberta da verdade - Quando a 2.a Testemunha E informou o Tribunal a quo que era a mulher dele, F (F), quem conhecia os factos mais importantes (os problemas entre a Recorrente e o Recorrido na vida comum) para a decisão da causa, passou a impender sobre o Tribunal a quo o poder-dever de promover a sua inquirição por ela não se encontrar arrolada por nenhuma das partes.
XIII. Não o fez.
XIV. Tal omissão influiu no exame e decisão da causa (artigo 147.º/1 do CPC), dado que a acção foi julgada improcedente por falta de prova.
XV. Deve, pois, ser revogada a sentença recorrida por violação do disposto no artigo 548.º/1 do CPC aplicável por força do disposto no artigo 6.º, n.º 3 do CPC.
NESTES TERMOS, e nos mais de Direito aplicáveis que V. Ex.as doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a, aliás, douta decisão proferida no Tribunal a quo substituindo-a por outra que considere procedentes os pedidos formulados pela Recorrente.
Ou, caso assim não se entenda, deverão baixar os autos, a fim de se proceder à repetição do julgamento ampliado no Tribunal onde a decisão foi proferida, devendo ser mandada ouvir a F (F), residente em Macau, Taipa. no …, não oferecida como testemunha, por haver razões para presumir que ela tem conhecimento de factos importantes para a decisão da causa.
Assim, mais uma vez, farão V. Ex.as a costumada
JUSTIÇA!


Ao recurso não respondeu o Réu.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Tendo em conta o alegado e concluído na petição do recurso, são as seguintes questões que constituem objecto da nossa apreciação:

1. Da impugnação da matéria de facto;

2. Da junção tardia de documentos; e

3. Da violação do princípio da descoberta da verdade.

Apreciemos.

1. Da impugnação da matéria de facto

Para sustentar o pedido de divórcio, a Autora ora recorrente invocou a violação por parte do Réu do seu dever de cooperação, tendo para o efeito alegado, nomeadamente, que:

Embora a B tenha tempo livre, ele prefere sair com os seus amigos e outras raparigas e não ficar em casa para acompanhar a sua mulher A e a sua filha C – artº 7º da petição inicial;

Por isso A que toma conta da filha C diariamente e é ela quem participa nas actividades escolares da filha – artº 13º da petição inicial; e

O B raramente participou nas actividades da filha – artº 14º da petição inicial.

Produzida a prova testemunhal em audiência e examinados os documentos nos autos, a matéria alegada nesses artºs 7º, 13º e 14º da petição inicial foi julgada não provada.

Vem agora a Autora a impugnar a resposta negativa a esta matéria alegada na petição inicial.

Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.

Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
(Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto)
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
In casu, os meios probatórios que, na óptica da recorrente, impunham a resposta positiva à matéria dos artºs 7º, 13º e 14º da petição inicial são a confissão do Réu documentada no relatório social a fls. 125 dos autos e o depoimento da testemunha E, respectivamente.

No caso dos autos, houve gravação dos depoimentos.

Pela recorrente foram identificadas as provas para ser reapreciadas e indicadas as passagens da gravação do depoimento.

Satisfeitas assim as exigências processuais para a viabilização da reapreciação da matéria de facto com vista à eventual modificação por este Tribunal de Segunda Instância da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, passemos então a apreciar se existem as alegadas incorrecções na apreciação da prova pelo tribunal a quo.

Começamos pelo exame da alegada confissão documentada no relatório social, a respeito da matéria do artº 7º.

Trata-se de parte do teor constante do relatório social que o Exmº Juiz titular do processo ordenou elaborar com vista à decisão sobre a regulação do poder paternal da filha menor das partes e o destino da casa de morada de família.

Lido o relatório, verificamos que a alegada confissão não é mais do que uma narração feita pelo técnico do IASM, autor do relatório social, da ideia que captou da conversa tida com o Réu numa entrevista realizada no âmbito do procedimento administrativo levado a cabo por aquela entidade administrativa.

Não se tratando das declarações do Réu documentadas pelo técnico no auto, mas sim a mera narração por discurso indirecto dos factos que se imputam ao Réu, pessoa diversa de quem narrou, o tal teor não pode ser considerado confissão extrajudicial com força probatória contra o próprio Réu, podendo quanto muito ser admitido como um simples meio de prova, livremente valorado pelo Tribunal.

Consta do relatório social ora junto aos autos a fls. 121 a 133 dos p. autos que:

案父表示與案母的關係自2016年初漸轉惡劣,案父認為由於他在娛樂場工作,人事關係較複雜且他沒有避忌意識,常於下班後與同事外出消遣耍樂,同時案父指案母相信朋友指稱他有外遇,故於2016年初,案父母間因懷疑外遇問題發生嚴重爭執,案父表示他沒有外遇 – vide a fls. 125 dos p. autos.

A alegada confissão pelo Réu é consubstanciada na parte ora por nós sublinhada.

Para a recorrente, esta parte por nós assinalada de per si impõe a resposta positiva à matéria do artº 7º, onde foi alegado que Embora a B tenha tempo livre, ele prefere sair com os seus amigos e outras raparigas e não ficar em casa para acompanhar a sua mulher A e a sua filha C.

Ora, independentemente do valor probatório desta prova, cremos que o teor da tal narração não tem a virtualidade de impor uma resposta positiva à matéria perguntada no artº 7º da petição inicial.

Na verdade, quer pela forma como foi redigida a narração no relatório social quer pelo contexto em que foi inserida, o que pretendia reconhecer o Réu, quando entrevistado pelo pessoal do IASM, é o seu modo de vida pós-laboral.

Ao passo que a Autora pretende provar, com a matéria alegada, factos materiais para sustentar o juízo da violação do dever de cooperação que imputou ao Réu, pois esta matéria versa sobre a atitude, objectivamente censurável, por parte do Réu de preferir divertir-se e fazer prevalecer passar o seu tempo livre com os seus amigos e outras raparigas e ignorar a importância da vida familiar com o seu cônjuge e a sua filha.

Para nós, se um indivíduo que costuma andar com os seus amigos para se divertir depois de trabalho, não quer dizer necessariamente que este homem se não dedica à família, nomeadamente no que respeita ao cumprimento do seu dever de cooperação para com o seu consorte.

Duas atitudes não são mutuamente excludentes, antes compatíveis entre si.

Improcede assim a impugnação da resposta negativa dada à matéria do artº 7º da petição inicial.

Em relação à matéria dos artºs 13º e 14º, a recorrente entende que o depoimento prestado pela testemunha E é suficiente para comprovar a matéria, uma vez que esta testemunha revelou na audiência que dava aulas de bicicleta de equilíbrio aos fins de semana e que convidava sempre a C para participar nessas aulas, mas que ele apenas encontrava a Recorrente que sempre acompanhava a filha C para participar nas aulas da bicicleta de equilíbrio, e que nunca encontrou o Recorrido a acompanhar a filha.

Portanto deveria ter sido provada a seguinte matéria que consiste em:

Por isso A que toma conta da filha C diariamente e é ela quem participa nas actividades escolares da filha; e

O B raramente participou nas actividades da filha.

Como se sabe, na matéria da valoração da prova testemunhal, vigora o princípio da livre apreciação da prova, à luz do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade daquela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento.

Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.

Segundo o ensinamento de Amâncio Ferreria, ob. cit. pp. 69 e s.s., a admissibilidade dos meios de impugnação, incluindo o recurso ordinário, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes.

O recurso ordinário visa atacar a decisão judicial por ser errada ou injusta.

A decisão é errada ou por padecer de error in procedendo, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento, ou de error in iudicando, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e à aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado.

A decisão é injusta quando resulta duma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos.

Ou seja, o recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada.

Na esteira dessa doutrina sobre a função do recurso ordinário no processo civil, para impugnar com êxito a matéria dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira que lidam directamente com as provas produzidas na sua frente.

Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e revaloração das provas com vista à sua eventual alteração da matéria de facto só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

Portanto, para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica.

Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.

In casu, nada disso foi alegado.

Não tendo sido apontado o erro manifesto na apreciação da prova, este Tribunal de recurso não pode sindicar a decisão de facto de primeira instância.

Improcede in totum a impugnação da matéria de facto.

2. Da junção tardia de documentos

Em sede de recurso, a recorrente juntou a fotocópia autenticada de uma acusação deduzida pelo Ministério Público contra o ora Réu, a quem imputou a prática de um crime de uso de arma proibida.

Para justificar a junção tardia deste documento, alegou que só obteve o documento em 09MAR2018, bem posterior à audiência de julgamento da presente acção de divórcio já encerrada em 22JAN2018.

Pretende com a junção desse documento ampliar a matéria de facto e modificar a matéria de facto assente nos termos do disposto no artº 629º/1 do CPC.

Antes de mais, salta à vista a ineptidão desses pedidos, formulados com base na junção de um documento novo em sede de recurso.

Pois a recorrente não explicou nem nós percebemos em que termos tal documento tem a virtualidade de fazer ampliar e alterar a matéria de facto.

De qualquer maneira, tal pretensão da recorrente é manifestamente improcedente.

Ora, pela lógica das coisas, os factos invocados como causa de pedir são necessariamente os ocorridos antes da data em que foi instaurada a acção.

A petição inicial deu entrada na Secretaria do Tribunal a quo em 12SET2016.

A acusação do Ministério Público versa sobre os factos indiciariamente ocorridos em 10OUT2016.

Qualquer seja a intenção por parte da recorrente com junção dessa acusação em sede do presente recurso, que sinceramente não sabemos, os factos imputados pelo Ministério Público ao ora Réu não podem ser tidos em conta na presente acção de divórcio por não estarmos em qualquer das situações previstas nos artºs 216º e 217º do CPC em que é admissível a alteração da causa de pedir.

Quanto à pretendida modificação da matéria de facto assente, não percebemos como é que pode ser valorada e quê força probatória tem uma acusação versando sobre factos indiciariamente ocorridos em 10OUT2016 para influir na afirmação e/ou infirmação da matéria fáctica alegada na presente acção que se reporta a factos ocorridos antes dessa data!

Por isso, não podendo ser atendido este documento junto aos autos em sede de recurso, é de o não admitir, e consequentemente desentranhar e restituir à recorrente.

3. Da violação do princípio da descoberta da verdade.

Entende a recorrente que devia ter sido oficiosamente ordenada a inquirição da esposa da testemunha E, por da inquirição dessa testemunha ter resultado que a sua esposa, F, conhecia bem os problemas entre a recorrente e o recorrido.

Portanto, para a recorrente, não tendo sido ordenada ex oficio a inquirição de F, a sentença recorrida violou o princípio fundamental da descoberta consagrado nos artºs 6º/3 e 548º/1 do CPC.

Encontra-se consagrado o princípio do inquisitório no artº 6º/3 do CPC, que dispõe que incumbe ao juiz realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.

Por sua vez, reza o artº 548º/1 do CPC que quando, no decurso da acção, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor.

Para a recorrente, não obstante não arrolada como testemunha, a F deveria ter sido inquirida por iniciativa oficiosa, pois o Juiz tem o poder-dever de o fazer.

Ora, concordamos que a expressão deve o juiz ordenar é de entender que se trata de um poder-dever, e não o mero poder discricionário do juiz.

Todavia, nada foi decidido pela Exmª Juiz a quo sobre a audição ou não de F.

Assim, mesmo que a audição de F se reputasse indispensável à descoberta da verdade material e se interessasse à boa decisão da causa, o certo é que não houve uma tomada de posição por parte de juiz consistente na recusa da inquirição.

Portanto, quanto muito, estamos perante uma omissão conducente à nulidade processual que, todavia, nunca poderá constituir objecto de impugnação por via de recurso ordinário.

A tal omissão, mesmo integradora da pretensa nulidade processual, não é mais de um vício formal, que consiste num simples non facere, ou seja, na inobservância, por omissão, de uma disposição da lei processual.

Como se sabe, a nulidade processual consiste sempre num vício de carácter formal, traduzido num dos três tipos: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; e c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas. – cf. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2º Edição, revista e actualizada, pág. 387.

Sendo embora diferentes na forma de infringir a lei, estes três tipos de nulidade processual compartilham uma característica comum.

Que é a circunstância de o Juiz que a cometeu não ter chegado formular qualquer juízo de valor sobre a legalidade do seu acto, comissivo e omissivo, limitando-se a praticar um acto ou omitir um acto sem que se tenha pronunciar sobre a conformidade ou não do seu acto com a lei.

O que agora foi configurado pela recorrente é justamente o segundo enunciado pelo Professor Antunes Varela, ou seja, uma nulidade processual que se traduz na omissão de um acto prescrito na lei.

Sendo nulidade processual que é, é de aplicar o regime de nulidade processual.

Como se sabe, da decisão cabe recurso ordinário para o Tribunal superior e da nulidade cabe arguição perante o Tribunal a quo, autor do acto ou da omissão.

Nos termos do disposto no artº 150º do CPC, as nulidades previstas nos artºs 140 e 146º podem ser arguidas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas.

O que significa que estas nulidades previstas nos artºs 140 e 146º podem ser arguidas na fase de recurso.

Todavia, não se integrando em qualquer das situações previstas nos artºs 140 e 146º do CPC, a ora alegada omissão, mesmo realmente violadora do artº 548º/1 do CPC, não tem a dignidade de ser apreciada por esta Instância face ao disposto no artº 150º/2 do CPC, a contrario.

Portanto, se a Autora, ora recorrente, considerasse que foi cometida pelo Tribunal a quo uma inobservância de uma norma processual que impunha ao Juiz o poder-dever de investigação oficiosa por não ter ordenado a audição de F, deveria ter arguido a pretensa nulidade, perante o Tribunal a quo, no decurso da audiência de julgamento, em que se considera presente por representada pela sua advogada, nos termos do disposto artºs 147º/1 e 151º/1 do CPC, de modo a provocar primeiro um despacho judicial sobre a pretendida audição de F.

E só com ele se não conformasse, interporia o recurso ordinário.

Não o tendo reagido contra a tal pretensa nulidade processual no decurso da audiência de julgamento, é de considerar sanada a tal pretensa nulidade consistente na omissão de inquirição de F.

Assim, ao reagir só agora por via de recurso ordinário perante este Tribunal de recurso, em vez de o fazer por via de arguição da nulidade perante o Tribunal a quo, o recorrente andou mal por ter optado por um meio não idóneo de impugnação, tendo desta maneira deixado sanada a alegada nulidade.

Em conclusão:

5. A narração feita constar do relatório social pelo técnico do IASM daquilo que foi dito pelo interessado quando entrevistado no âmbito do procedimento com vista à elaboração do relatório social não pode ser considerada confissão extrajudicial com força probatória contra o próprio interessado, sendo admissível quanto muito como um simples meio de prova, livremente valorado pelo Tribunal.

6. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Pretendendo impugnar por via de recurso com êxito a matéria de facto dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção ou a do Tribunal de que se recorre, é preciso que o recorrente identifique o erro manifesto que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

7. Da decisão cabe recurso ordinário para o Tribunal superior e da nulidade cabe arguição perante o Tribunal a quo, autor do acto ou da omissão, provocando neste último caso um despacho judicial, já susceptível de ser impugnado por recurso.

8. Se a recorrente considera que não foi observado o disposto no artº 548º/1 do CPC por não ter sido ordenada a audição de uma determinada pessoa, não oferecida como testemunha, que tem conhecimento de factos importantes para a decisão da causa, deverá arguir essa omissão no decurso da audiência de discussão e julgamento, sob pena de se considerar sanada – artºs 147º/1 e 151º/1 do CPC.



Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:

* Não admitir o documento junto aos autos em sede de recurso, ora constante das fls. 235 e 236 dos autos e consequentemente desentranhá-lo e restituí-lo à recorrente; e

* Julgar improcedente o recurso.

Custas do incidente e do recurso pela recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 27JUN2019

Lai Kin Hong

Fong Man Chong

Ho Wai Neng
Ac. 702/2018-3