Proc. nº 901/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 27 de Junho de 2019
Descritores:
- Ineptidão
- Nulidade de sentença
SUMÁRIO:
I - A contradição relevante para o efeito da ineptidão da petição inicial, nos termos do art. 139º, nº2, al. b), do CPC, tem apenas que ver com a substância intrínseca do pedido e da causa de pedir, com a impossibilidade de o pedido casar com a causa de pedir, o que supõe uma insuperável oposição entre pretensão e fundamento.
II - Não se verifica a nulidade de sentença, em qualquer dos fundamentos previstos nas alíneas b), d) e e), do nº1 do art. 571º do CPC, se a decisão de procedência, no respectivo relatório, identifica erradamente o objecto do pedido formulado na petição da acção de reivindicação, mas na sua parte dispositiva faz a identificação correcta da fracção imobiliária cuja reivindicação era peticionada e cuja entrega é judicialmente determinada.
Proc. nº 901/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
1º Autor: A, do sexo masculino, casado, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM n.º ... emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação no dia 3 de Abril de 2009;
2º Autor: B, do sexo masculino, casado, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM n.º … emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação no dia 6 de Janeiro de 2009;
3º Autor: C, do sexo masculino, casado, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM n.º … emitido Direcção dos Serviços de Identificação pela no dia 3 de Abril de 2009;
4ª Autora: D, do sexo feminino, viúva, de nacionalidade chinesa, titular do Passaporte da P.R.C. n.º ... emitido no dia 13 de Maio de 2009;
5º Autor: E, do sexo masculino, solteiro, maior, de nacionalidade chinesa, titular do Passaporte da P.R.C. n.º … emitido no dia 6 de Novembro de 2014; e
6ª Autora: F, do sexo feminino, solteira, maior, de nacionalidade chinesa, titular do Passaporte da P.R.C. n.º … emitido no dia 3 de Agosto de 2009;
Todos residentes na …, -----
Instauraram no TJB (Proc. nº CV1-16-0014-CAO) contra: -----
Interessados desconhecidos -----
Acção de reivindicação sob a forma de processo ordinário, -----
Pedindo sejam declarados como legítimos proprietários da fracção identificada, bem como a condenação dos RR desconhecidos/incertos a reconhecerem o direito de proprietário sobre o imóvel e pagarem MOP$ 10.000,00 por mês como indemnização pela sua ocupação.
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Na oportunidade, foi proferida sentença que julgou a acção provada e procedente.
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Os Réus G e H, inconformados, recorrem jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegação formularam as seguintes conclusões:
“I. Nos termos do art.º 571.º n.º 1 al. e) do Código de Processo Civil, o acórdão fica nulo uma vez que o TJB condenou em objecto diverso do pedido.
1) A fls. 2 do acórdão indicou (cfr. fls. 137V dos autos) que a fracção que os recorridos pediram confirmação, restituição e indemnização é a fracção autónoma “B3” (sob a descrição n.º ...), mas segundo a fls. 11 do acórdão (cfr. fls. 142 dos autos), a fracção que o tribunal condenou a confirmação, a restituição e a indemnização é a fracção autónoma “H2” (sob a descrição n.º ...).
2) Evidentemente, no acórdão a fracção autónoma que os recorridos pediram a confirmação, a restituição e a indemnização na petição inicial é completamente diversa da fracção autónoma que o TJB confirmou e condenou a restituir e indemnizar, incluindo a rua, o número de polícia, o andar, a moradia, o número de descrição da fracção autónoma.
3) Nos termos do art.º 571.º n.º 1 al. e) do Código de Processo Civil, O acórdão fica nulo uma vez que o TJB condenou em objecto diverso do pedido.
II. O acórdão fica nulo uma vez que não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão nos termos do art.º 571.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil
4) A fls. 2 do acórdão indicou (cfr. fls. 137V dos autos) que a fracção que os recorridos pediram a confirmação, a restituição e a indemnização é a fracção autónoma “B3” (sob a descrição n.º ...), mas o acórdão não especificou as razões pelas quais o acórdão condenou em objecto diverso do pedido dos recorridos (cfr. fls. 11 do acórdão e fls. 142 dos autos).
5) Nos termos do art.º 571.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil, O acórdão fica nulo uma vez que não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
III. Nos termos do art.º 571.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil, o acórdão fica nulo uma vez que o juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar
6) Os recorrentes alegaram ao TJB o aspecto jurídico sobre os factos assentes em 20 de Março de 2018 nos termos do art.º 560.º do Código de Processo Civil.
7) Os recorrentes alegaram que a fracção autónoma que os recorridos pediram a confirmação, a restituição e a indemnização na petição inicial é completamente diversa da fracção autónoma que o TJB confirmou e condenou a restituir e indemnizar, incluindo a rua, o número de polícia, o andar, a moradia, o número de descrição da fracção autónoma, por isso, deve indeferir-se todos os pedidos dos recorridos por ser manifestamente improcedente a respectiva petição.
8) Todavia, os MM.os Juízes do TJB, depois de terem conhecimento das alegações supracitadas, não se pronunciaram sobre a questão que devia apreciar no acórdão.
9) Além disso, a situação supracitada traduz-se manifestamente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, sendo petição inepta nos termos do art.º 139.º n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil, quando esta situação for insanável e fizer ser manifestamente improcedente a petição, deve indeferir-se todos os pedidos dos recorridos.
10) Nos termos do art.º 148.º, conjugado com o art.º 152.º n.º 2 do Código de Processo Civil, o tribunal pode conhecer oficiosamente da nulidade prevista no art.º 139.º até à sentença final.
11) Todavia, o TJB, depois de ter conhecimento da situação supracitada, não conheceu oficiosamente da referida questão que devia apreciar.
12) Nos termos do art.º 571.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil, o acórdão fica nulo uma vez que o juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
IV. Devido à contradição entre o pedido e a causa de pedir, a respectiva petição é manifestamente improcedente, por conseguinte, deve indeferir-se todos os pedidos dos recorridos
13) A fracção autónoma que o recorrido pediu a confirmação, restituição e indemnização na petição inicial é completamente diversa da fracção autónoma que o TJB confirmou e condenou a restituir e indemnizar, incluindo a rua, o número de polícia, o andar, a moradia, o número de descrição da fracção autónoma.
14) Por isso, a respectiva petição é manifestamente improcedente, por conseguinte, deve indeferir-se todos os pedidos dos recorridos.
Solicita-se ao TSI que considere os fundamentos supracitados e tome decisão justa sobre os seguintes pedidos;
1) Solicita-se que condene nulo o acórdão do TJB; ou
2) Que indefira todos os pedidos dos recorridos”
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Os autores responderam ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“1. Os recorrentes interpuseram o presente recurso do acórdão proferido pelo Tribunal a quo, com os seguintes fundamentos principais: 1) O acórdão é nulo uma vez que o Tribunal a quo condenou em objecto diverso do pedido; 2) O acórdão é nulo uma vez que o Tribunal a quo não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; 3) O acórdão é nulo uma vez que o juiz a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; e 4) Devido à contradição entre o pedido e a causa de pedir, a respectiva petição é manifestamente improcedente, por conseguinte, deve indeferir-se todos os pedidos dos recorridos.
2. Segundo as motivações do recurso dos recorrentes, a fundamentação circunscreve-se ao seguinte teor, a saber: a) Na petição inicial dos recorridos, a propriedade na causa de pedir é diversa da propriedade na parte de pedidos; e b) O Tribunal a quo não conheceu da questão invocada pelos recorridos nas alegações de direito (a questão implica que todos os pedidos que estão em contradição com a causa de pedir devem ser indeferidos).
3. Os recorridos não concordaram com os fundamentos invocados pelos recorrentes.
4. Primeiro, é de indicar que a razão pela qual surge a diferença entre a propriedade indicada na causa de pedir e a propriedade (erradamente) indicada no pedido é meramente erro de escrita na elaboração da petição inicial e o respectivo erro de escrita já foi rectificado ou sanado.
5. Em toda a acção, desde início até ao termo da instância, os recorridos, os recorrentes, os três juízes do Juízo Colectivo e as duas testemunhas têm discutido em torno da “fracção H2”.
6. Os recorridos são proprietários da fracção autónoma com finalidade habitacional, designada por “H2” do prédio sito em Macau no….
7. Os recorridos, antes da acção, não tinham conhecimento da qualidade dos ocupantes da fracção H2, por isso, têm que intentar acção declarativa de restituição da fracção H2 e de indemnização contra os interessados indeterminados.
8. Nos fundamentos de facto da petição inicial, os recorridos indicaram expressamente que a fracção envolvida é fracção H2 e o seu endereço, e descreveram detalhadamente o processo de aquisição da fracção H2, e juntaram a certidão do registo predial da fracção H2, a certidão de dados matriciais da fracção H2, a certidão do acórdão judicial que condenou que os recorridos D, E e F herdaram a fracção H2, e a carta de reivindicação da propriedade emitida pelos recorridos aos ocupantes da fracção H2;
9. Todavia, os recorridos apenas escreveram erradamente, na parte de pedido, a fracção H2 como outra propriedade, isto é, fracção autónoma com finalidade habitacional, B3, sita no … (adiante designada por “fracção B3”).
10. Em seguida, o Tribunal a quo proferiu despacho de citação para mandar proceder à citação através de funcionários de justiça.
11. Em 25 de Maio de 2016, os dois recorrentes foram citados como ocupantes da fracção H2 e ambos declararam que residiam na fracção H2.
12. Em seguida, os dois recorrentes apresentaram contestação dentro do prazo, na qual eles reconheceram que residiam na fracção H2, não referiram a fracção B3, nem levantaram dúvida sobre a fracção B3 ou deduziram nenhuma excepção ou impugnação contra o erro na parte de pedido da petição inicial.
13. Por despacho saneador proferido pelo MM.º Juiz titular, não há nenhuma nulidade ou questão prévia nos autos, e de acordo com o facto A) nos factos assentes seleccionados, também se mostrou que a presente acção tem por objecto a fracção H2, e em todo o despacho saneador não se mencionou nenhuma fracção B3.
14. Na audiência de discussão e julgamento, quer os três juízes do juízo colectivo, os recorrentes ou os recorridos, quer as duas testemunhas na audiência, todas as alegações e depoimentos desenvolveram-se em tomo da fracção H2, ninguém mencionou a fracção B3 ou levantou dúvida sobre isso.
15. O texto das alegações de direito apresentadas pelos recorridos também mostrou que foi feito em tomo da fracção H2, e na parte de pedido pediu-se que condene os recorrentes na restituição da fracção H2 e na indemnização pelos danos daí resultantes.
16. Por outras palavras, conforme todos os documentos apresentados pelos recorrentes e em todo o processo judicial, todos os documentos e todo o acto processual são desenvolvidos em tomo da fracção H2.
17. Estas situações objectivas reflectem o facto de que os recorridos pretendiam, deste início até ao fim, solicitar a restituição da fracção H2, o que não suscita dúvida. Além disso, o erro nunca levou nenhum interveniente processual a confundir o objecto da acção, designadamente os dois recorrentes.
18. Evidentemente, a vontade declarada pelos recorridos na parte de pedido da petição inicial (fracção B3) não corresponde a verdadeira vontade declarada pretendidas dos mesmos (fracção H2), trata-se de erro de escrita, o que também foi reconhecido pelo Tribunal a quo no acórdão.
19. É de salientar novamente que o respectivo erro de escrita não levou nenhum interveniente processual na confusão do objecto da acção, mas os recorrentes aproveitaram, não de boa fé, este erro de escrita para interpor o presente recurso.
20. Nos termos do art.º 244.º do Código Civil de Macau e segundo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no Processo n.º 493/09.0TCFUN.L1-1, os recorridos têm direito à rectificação deste erro de escrita.
21. De facto, os recorridos já fizeram a respectiva rectificação e indicaram que a propriedade que eles pediram a restituição é a fracção H2 através das alegações de direito dos mesmos.
22. Além disso, dado que a lei não dispõe que tal situação importa a nulidade, tal como se referiu acima, o respectivo erro de escrita não afecta o julgamento nem a decisão do Tribunal a quo sobre a causa, portanto, o mero erro de escrita não produz efeitos de nulidade nos termos do art.º 147.º do Código de Processo Civil.
23. E os recorrentes intervieram na acção na qualidade de ocupantes da fracção H2 desde início do processo. Manifestamente os recorrentes entenderam completamente que o objecto da acção invocado pelos recorridos é a fracção H2, e todos os intervenientes processuais não têm a confusão sobre isso.
24. Por outras palavras, não há nenhuma contradição entre o teor da petição inicial e o teor do pedido, nem há incompatibilidade no acórdão.
25. Assim, nos termos do art.º 228.º do Código Civil, os recorrentes sabiam bem que a verdadeira vontade dos recorridos é restituir a fracção H2 e não a fracção B3.
26. Os recorridos entendem que a esta situação é aplicável, por analogia, o disposto no art.º 139.º n.º 3 do Código de Processo Civil, quando os recorrentes, ora réus, podem interpretar convenientemente a petição inicial, o vício desta petição inicial (mero erro de escrita) deve ser considerado como sanado.
27. Portanto, o Tribunal a quo não condenou em objecto diverso do pedido no acórdão, pelo que o acórdão não viola o disposto nos art.ºs 564.º n.º 1 e 571.º n.º 1 al. e) do Código de Processo Civil, não sendo nulo.
28. Por outro lado, os recorrentes indicam que o Tribunal a quo não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nem se pronunciou sobre questões que devia apreciar. Os recorridos, aliás, não concordaram com isso.
29. Consultado o teor do acórdão recorrida, não é difícil se verificar que o Tribunal a quo, ao fazer decisão, já especificou todos os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
30. No acórdão, o Tribunal a quo, quando indicou os fundamentos de facto (constantes da nota 1 a fls. 138 dos autos), entendeu que a parte de pedido na petição inicial dos recorridos enfermou do erro de escrita, por isso o Tribunal a quo deixou de considerar esta parte de pedido.
31. Além disso, a nível jurídico, o Tribunal a quo explicou que os direitos dos recorridos são direitos derivados da concessão por arrendamento, são direitos reais, assim, o titular dos direitos reais pode intentar acção de restituição da propriedade.
32. Portanto, a realidade é diversa do invocado pelos recorrentes, não se verifica que o Tribunal a quo não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
33. Assim, o acórdão recorrida não viola o disposto no art.º 571.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil e consequentemente, não é nulo.
34. Por outro lado, o Tribunal a quo já considerou os fundamentos constantes das alegações de direito apresentadas pelos recorrentes em 20 de Março de 2018, e condenou que o erro na parte de pedido é erro de escrita (constante de nota 1 a fls. 138 dos autos).
35. Portanto, o Tribunal a quo já se pronunciou sobre a questão invocada pelos recorrentes.
36. Ao contrário, os recorrentes, nas suas alegações do recurso, não apresentaram nenhuma oposição ou reclamação contra a referida posição do Tribunal a quo (que julgou que o erro é erro de escrita).
37. Assim, o acórdão recorrida não padece do vício previsto no art.º 571.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil, por consequência, não é nulo.
38. Nos termos dos art.ºs 139.º e 150.º do Código de Processo Civil, a nulidade com base na ineptidão da petição inicial só pode ser arguida pelos recorrentes até à contestação.
39. Tendo consultado os elementos dos autos, os recorrentes indicaram que o pedido esteve em contradição com a causa de pedir e enferma de ineptidão da petição inicial, assim, pediram que rejeite todos os pedidos dos recorridos. Além disso, os recorrentes suscitaram a respectiva questão pela primeira vez.
40. Portanto, a arguição dos recorrentes nas alegações de direito não é oportuna.
41. Além disso, os recorridos entendem que o respectivo vício não importa a contradição entre o pedido e a causa de pedir, por conseguinte, não implica a ineptidão devido à contradição entre o pedido e a causa de pedir.
42. Quais são as circunstâncias em que importam a contradição entre o pedido e a causa de pedir? O MM.º Juiz Dr. Viriato Manuel Pinheiro de Lima tem a seguinte opinião muito perspicaz, “a contradição a que se refere a norma é a formal, isto é, de carácter lógico, excluída a contradição de substância, que entra já na categoria de inviabilidade”. (vide VIRIATO MANUEL PINHEIRO DE LIMA, Manuel de Direito Processual Civil, 2ª edição, traduzido por Ip Son Sang e Lou Ieng Há, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2009, p. 94).
43. In casu, os recorridos gozam de direitos reais sobre a fracção envolvida (fracção H2), mas os recorrentes ocuparam efectivamente esta fracção sem nenhum fundamento legal, pelo que os recorridos têm direito a pedir a restituição desta fracção.
44. Ademais, tal como referiram os recorridos acima, o respectivo erro (escreve-se erradamente como fracção B3) é meramente erro de escrita (segundo os documentos apresentados pelos recorrentes e dado que todos os intervenientes processuais entenderam correctamente o objecto da acção, podemos concluir que se trata de mero erro de escrita).
45. Por outras palavras, a inconsistência supracitada não é uma contradição formal ou contradição da natureza da lógica, mas apenas uma imprecisão na elaboração da petição inicial, o respectivo vício apenas importa a deficiência da petição inicial.
46. Tal como refere o MM.º Juiz Dr. Viriato Manuel Pinheiro de Lima, na mesma obra supracitada, a fls. 149 e 150, que: “para uma petição inicial deficiente, mesmo que o juiz não profira despacho de aperfeiçoamento, tal petição inicial não importa nenhuma nulidade.”
47. Portanto, o respectivo vício hão importa a nulidade devido à ineptidão da petição inicial, nem a nulidade devido à deficiência da petição inicial.
48. Portanto, este vício não se traduz na questão conhecida oficiosamente pelo Tribunal. Nos termos do art.º 148.º do Código de Processo Civil,das nulidades só pode o Tribunal conhecer oficiosamente sobre reclamação dos interessados. Tal como se referiu acima, a questão suscitada pelos recorrentes não é oportuna, pelo que mesmo que os recorrentes invocassem a questão, o Tribunal não tem obrigação de conhecê-la. Mesmo assim, o Tribunal ainda respondeu à respectiva questão (constante de nota 1 a fls. 13 8 dos autos)
49. É de referir que em todo o processo, o Tribunal a quo não proferiu nenhum despacho de indeferimento nem despacho de aperfeiçoamento, caso o Tribunal entenda que o respectivo erro é grave e importa a absolvição do pedido, para tal erro tão evidente, o Juiz tem mais de uma oportunidade em todo o processo para convidar os recorrentes a sanar o vício ou indeferir o pedido dos recorridos.
50. Os recorridos entendem que dado que o respectivo erro é manifesto e é meramente erro de escrita, e nada obsta a todos os intervenientes processuais a perceberem o objecto da acção, designadamente, os dois recorrentes não enfermaram de erro no entendimento da finalidade da acção dos recorridos, nem impede o Tribunal a quo de conhecer da respectiva questão e proferir decisão, o respectivo vício não precisa de ser sanado pelos recorridos, nem precisa de ser indeferido uma vez que não se obsta ao conhecimento.”
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
“a) A fracção autónoma “H2”, para habitação, com uma área de 102.63m2, situada em Macau, …, o número da descrição está registada a fls. … do Livro … da Conservatória do Registo Predial, nº ... encontra-se inscrita a favor dos ora Autores, pelas Ap. nº 143 de 14.11.2011, inscrição nº ... e Ap. nº 73 de 25.06.2015, inscrição nº ..., em conformidade com o teor da certidão do registo predial junta a fls. 11 a 19 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
b) O valor da matriz predial da fracção autónoma é de MOP564.460,00;
c) Os RR. ocupam a fracção aludida em a);
d) A fracção aludida em a) localiza-se numa zona movimentada ao lado de uma escola e de um parque;
e) E tem acesso fácil a meios de transporte públicos;
f) Os Autores receberiam uma renda não inferior a MOP10.000,00, por mês, em caso de arrendamento da fracção.”
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III – O Direito
1 - As questões a decidir
Por três vezes os recorrentes imputam à sentença outras tantas nulidades, por esta ordem:
- Uma, por ter condenado em objecto diverso do pedido (art. 571º, nº1, al. e), do CPC);
- Outra, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificavam a decisão (art. 571º, nº1, al. b), do CPC);
- Outra ainda, por o juiz não se ter pronunciado sobre questões que devia apreciar (art. 571º, nº1, al. d), do CPC).
Apreciemo-las
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2 - Da condenação em objecto diverso do pedido (art. 571º, nº1, al. e), do CPC).
Entendem os recorrentes que a sentença condenou em objecto diverso do pedido.
E isto porque, em sua opinião, a sentença identificou a fls. 2-3 o objecto reivindicado como sendo a fracção autónoma B3, destinada a habitação, sita no …, descrita na Conservatória do Registo Predial sob a descrição nº ..., a fls. …, do Livro …, mas, a final, reconheceu aos AA o direito de propriedade sobre fracção autónoma H2, para habitação, com uma área de 102.63 m2, situada em Macau, …, o número da descrição está registada a fls. … do Livro … da Conservatória do Registo Predial, nº ... encontra-se inscrita a favor dos ora Autores, pelas Ap. nº 143 de 14.11.2011, inscrição nº ... e Ap. nº 73 de 25.06.2015, inscrição nº ..., em conformidade com o teor da certidão do registo predial junta a fls. 11 a 19 dos autos.
Ora bem. Há, efectivamente, uma contradição que escapou ao juiz. Todavia, o mesmo lapso/erro de escrita o tinham já cometido os próprios AA, pois no art. 4º da petição inicial identificaram a fracção como sendo a “H2”, mas formularam o pedido de reconhecimento do direito sobre a fracção “B3”. E foi nessa mesma petição que no próprio pedido aludiam à alegada posse dos seis réus, sendo certo que nos autos em apreço os demandados eram desconhecidos. O que revela que houve também por parte dos AA alguma desatenção.
Entretanto, todo o processo foi conduzido no sentido de se apurar a situação da fracção “H2”. Assim foi introduzida na alínea A) dos “Factos Assentes” e foi sobre essa mesma fracção que se produziu a respectiva prova.
Os próprios recorrentes sabem que foi a essa fracção que a pretensão dos AA se dirigia, por ser aquela que alegadamente eles indevidamente ocupavam.
Por conseguinte, o que verdadeiramente importa salientar é a circunstância de o desenrolar do processo ter acabado por desaguar na correcta identificação, o que levou a que a decisão final ter reconhecido aos AA o direito de propriedade sobre a coisa certa e bem identificada, que era precisamente a referida fracção “H2”.
Julgamos, pois, que a correspondência entre o objecto da verdadeira pretensão e o da decisão judicial supre a referida desconformidade.
Improcede, portanto, este fundamento do recurso.
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3 - Da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificavam a decisão (art. 571º, nº1, al. b), do CPC);
Para os recorrentes, aquela mesma contradição aludida no ponto anterior traduz uma nulidade, decorrente da não especificação dos fundamentos de facto e de direito justificativas da decisão.
Contudo, sem razão.
Com efeito aquele erro de escrita só contaminaria a sentença por esta via agora invocada, se para o verdadeiro objecto da instância, isto é, se para a coisa verdadeiramente reivindicada não tivesse ela especificado os factos e o direito aplicável. Mas isso não sucedeu, já que toda a fundamentação fáctica, como jurídica foi ali vertida com a maior das clarezas. E essa fundamentação ateve-se, repetimos, à coisa certa que precisamente estava a ser reivindicada.
Também aqui, pois, a decisão do recurso só pode ser de improcedência.
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4 - Da omissão de pronúncia sobre questões invocadas (art. 571º, nº1, al. d), do CPC).
Ainda uma vez mais com base na mesma contradição, entendem os recorrentes que o tribunal “a quo” não se pronunciou, como devia, sobre essa circunstância de o pedido ter sido formulado com referência à fracção “B3”.
Já dissemos tudo o que havia a dizer. O processo encarregou-se de levar a discussão dos autos para a verdadeira coisa que estava a ser objecto da reivindicação. O que a sentença cometeu foi um lapso manifesto, sem qualquer influência no resultado final, visto que identificou devidamente a fracção sobre a qual a acção de reivindicação triunfava e fê-lo consignar na parte dispositiva do julgado. Os RR, perante o lapso contido no relatório da sentença, podiam muito bem tê-lo dado a conhecer ao juiz do processo, em requerimento com vista à sua rectificação, nos termos do art. 570º do CPC. Não o fizeram e, em vez disso, preferiram suscitar essa questão no recurso, desdobrando-a em três nulidades de sentença.
Sem êxito, porém, como se acaba de constatar.
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5 - Por fim, os recorrentes invocam a ineptidão da petição, por contradição entre pedido e causa de pedir, o que representaria a nulidade insanável prevista no art. 139º, nºs 1 e 2, al. b), do CPC, por um lado, ou conduziria à manifesta improcedência da acção, por outro.
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5.1 - Quanto ao primeiro aspecto, impõe que se diga que a nulidade resultante da ineptidão deve ser arguida pelos RR na contestação (art. 150º, nº1, do CPC) e apenas podia ser conhecida no despacho saneador, se antes o juiz as não tivesse apreciado (art. 152º, do CPC). Ora, nem os contestantes a arguiram na sua contestação, nem no despacho saneador o juiz a conheceu oficiosamente.
De qualquer maneira, não cremos que se esteja perante a nulidade a que respeita a alínea b), do nº2, do art. 139º citado. Com efeito, o que se passou não foi uma contradição essencial entre pedido e causa de pedir, mas sim um erro de identificação do objecto da causa de pedir que não coincide com o objecto identificado no pedido. A contradição relevante para o efeito daquela alínea tem apenas que ver com a substância intrínseca do pedido e da causa de pedir, com a impossibilidade de o pedido casar com a causa de pedir, com a injustificação do pedido perante a causa de pedir, isto é, supõe-se uma insuperável oposição entre pretensão e fundamento.
Ora, no caso em apreço, a causa de pedir está em conexão perfeita com o pedido e vice-versa. O que se detecta é simplesmente um erro de escrita no pedido na identificação da fracção objecto do pedido, mas que, como se disse atrás, acabou por ser eliminado no saneador, onde a identificação do imóvel foi feita de acordo com a causa de pedir e, portanto, com o objecto que efectivamente estava em causa nos autos.
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5.2 - Quanto ao segundo aspecto, acham os recorrentes que a referida contradição deveria levar a julgar manifestamente o pedido.
Cumpre dizer que se de nulidade processual se tratasse, com base na ineptidão, ela redundaria em excepção dilatória, com a consequente absolvição dos RR da instância (art. 230º, nº1, al. b), do CPC) e não a absolvição dos RR do pedido.
De qualquer maneira, e pelo que já se disse, não podemos concluir pela invocada nulidade.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes.
T.S.I., 27 de Junho de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
901/2018 18