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Processo nº 831/2018
Data do Acórdão: 30MAIO2019


Assuntos:

Embargos de executado
Poder inquisitório do Tribunal
Âmbito do recurso em processo civil
Impugnação da matéria de facto
Princípio da livre apreciação de prova
Princípio da imediação


SUMÁRIO

1. Por mais inquisitório que seja o poder do juiz num processo civil, predominantemente regido pelo princípio do dispositivo, não basta à parte alegar ou simplesmente fazer referência a um facto mas sem indicar o efeito jurídico pretendido com a alegação do facto, para a partir dai ficar inerte, esperando passivamente que o juiz faça tudo o resto, nomeadamente extrair ex oficio exaustivamente todos os efeitos jurídicos possíveis de qualquer um dos factos, quer os alegados ou simplesmente referidos nos articulados, quer os que tem conhecimento por virtude do exercício ou que resultem de instrução e discussão, e caso o Tribunal não proceda assim, acusá-lo de omissão de pronúncia ou violação do disposto no artº 434º/2 do CPC;

2. O recurso ordinário no processo civil é o meio para obter reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre;

3. O recurso ordinário no processo civil existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Assim é preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre; e

4. Dado o posicionamento privilegiado dos juízes de primeira instância por força do princípio da imediação, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação da matéria de facto com vista à sua eventual alteração só se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

5. Portanto, para que se possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique o erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 831/2018


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I
Por apenso à execução ordinária nº CV2-16-0150-CEO que lhe move A, veio B deduzir os embargos de executado, dizendo que lhe pagou a dívida e portanto lhe nada deve.

A final veio a ser proferida a seguinte sentença julgando improcedentes os embargos:

I – Relatório:
  B, divorciada, de nacionalidade chinesa, titular de BIRM N.º 1xxxxxx(0), residente em Macau na …;
  veio deduzir os presentes
  Embargos
  à execução contra si intentada por
  A, viúva, de nacionalidade chinesa, titular de BIRM n.º 7xxxxxx(4), residente em Macau na …;
  com os fundamentos apresentados constantes do requerimento de embargos de fls. 13 a 22.
  Concluiu pedindo que fossem julgados procedentes os presentes embargos e fosse declarada extinta a execução.
  ***
  A Embargada contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 49 a 58 dos autos.
  Concluiu pedindo que fossem julgados improcedentes os embargos deduzidos pelo Embargante.
***
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
***
Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
***
II – Factos:
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- A executada emitiu e assinou o documento dado à execução como título executivo que consta de fls. 8 dos autos de execução apensos e cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea A) dos factos assentes).
- De tal documento consta, entre o mais, que a Exequente emprestou à Executada a quantia de HKD$600.000,00 (seiscentos mil dólares de Hong Kong), sem cobrança de juros; que a Executada recebeu da Exequente tal quantia no dia 15 de Abril de 2015 e que a Executada prometeu que iria reembolsar integralmente à Exequente a mencionada quantia até ao dia 15 de Abril de 2016 (alínea B) dos factos assentes).
- Em Abril de 2015, a executada pediu dinheiro empresado à exequente e recebeu desta quantia não superior a HKD$600.000,00 (seiscentos mil dólares de Hong Kong), comprometendo-se a restituir-lhe HKD$600.000,00 até 15 de Abril de 2016 (alínea C) dos factos assentes).
*
  Da Base Instrutória:
- A quantia que a Exequente emprestou à Executada foi de HK$600.000,00 (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
***
III – Fundamentos:
  Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
  Para fundamentar a sua pretensão, reconhece a Embargada que assinou o documento junto como título executivo mas que a quantia emprestada pela Embargada era apenas de HKD$90.000,00 e HKD$440.000,00, respectivamente, e que, desde 15 de Abril de 2016, a Embargante começou a pagar à Embargada oito prestações mensais de HK$80.000,00, no total de HKD640.000,00 e, que em 5 de Fevereiro de 2016, mais pagou a quantia de HKD300.000,00, não tendo a Embargada entregue qualquer recibo à Embargante nem o título executivo, nem lhe devolveu o documento junto como título executivo. Pelo que, o empréstimo encontra-se extinta pelo pagamento.
  Contestando, a Embargada refuta o alegado pela Embargante sustentando que emprestou à Embargante a quantia de HK$600.000,00 e que a embargante assinou o documento junto como título executivo para comprovar o empréstimo.
*
  Flui do acima exposto que está apenas em causa um fundamento para fazer extinguir a execução: o pagamento da dívida exequenda o qual, segundo a Embargante, é apenas no valor de HK$530.000,00.
  Na fase de saneamento do processo, deu-se por assente que do título executivo da execução, assinado pela Embargada, constava que a Embargada concedera à Embargante um empréstimo no valor de HK$600.000,00, o qual fora entregue por aquela a esta em 15 de Abril de 2015 tendo esta prometido restituir àquela até 15 de Abril de 2016. Mais estava assente que em Abril de 2015, a Embargante pedira dinheiro emprestado à Embargada e recebera desta uma quantia não superior a HK$600.000,00 comprometendo-se a restituir à Embargada a quantia de HK$600.000,00 até 15 de Abril de 2016.
   Os demais factos invocados pela Embargante para fundamentar os presentes embargos bem como o alegado pela Embargada de que a quantia emprestada pela Embargante era de HK$600.000,00 foram reproduzidos na base instrutória.
   Feito o julgamento da matéria de facto, resultou provado que a quantia emprestada pela Embargante era de HK$600.000,00.
*
  Portanto, a Embargante tentou em vão demonstrar que pagara o empréstimo que era, tão-só, no valor de HK$530.000,00.
  Assim, tendo em conta a matéria assente, a Embargante pediu à Embargada um empréstimo no valor de HK$600.000,00, recebeu a respectiva quantia e obrigou-se a pagar a mesma quantia à Embargada até ao dia 15 de Abril de 2016, como exactamente consta do título executivo junta a fls 8 aos autos de execução.
  Por nada demonstrar o pagamento alegado, devem-se julgar improcedentes os presentes embargos.
  Nem se diga que também nada indica que a quantia ainda não se encontra paga porque a Embargada não logrou demonstrá-lo.
  É que, por pagamento se tratar de um facto extintivo do direito invocado pela Embargada, cabe à Embargada o ónus da prova não carecendo a Embargante demonstrar a falta de pagamento, além da existência da dívida – artigo 335º, nº 2, do CC. E perante a falta de qualquer dado acerca do pagamento ou não pagamento da dívida exequenda, a decisão deve ir no sentido desfavorável à parte que tem o ónus da prova sobre o pagamento, ou seja, desfavorável à Embargante.
*
  Litigância de má fé
  No requerimento de embargos, a Embargante alega que a Embargada litigou de má fé porque, sabendo que toda a dívida tinha já sido pago, ainda assim, pediu o pagamento da mesma através da execução de que os presentes embargos são apenso, ocultando factos relevantes para a decisão da causa.
  Também a Embargada acusa a Embargante de ter litigado de má fé porque, sabendo que nada fora pago, ainda assim, deduziu os presentes embargos faltando deliberadamente à verdade.
  Nos termos do artigo 385º, nºs 1 e 2, do CPC, “1. Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa. 2. Diz-se litigante de má fé que, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos o omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
  Feito o julgamento da matéria de facto, não se demonstrou nem o pagamento alegado pela Embargante nem o não pagamento alegado pela Embargada.
  Assim, nada permite concluir que as partes alteraram a verdade ou omitiram factos relevantes para a decisão dos presentes da causa.
***
IV – Decisão (裁 決):
  Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedentes os embargos deduzidos pela Embargante, B.
  Custas pela Embargante.
  Registe e notifique.
***
  據上論結,本法庭裁定異議人B提出之異議理由不成立。
  訴訟費由異議人承擔。
  依法作出通知及登錄本判決。
  
Não se conformando com essa sentença, vem agora a embargnte B recorrer dela para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:

一、 本案請求執行的債務是一筆涉及賭博信貸而產生的債務,有關賭博借貸不構成法定債務,且屬違法。
二、 透過本案唯一證人在庭上所作的證言,應足已證明被上訴人於本案中請求執行的債務是屬於一筆賭博借貸,此外,亦足以證明上訴人向被上訴人借取款項後便隨即用來賭博,而被上訴人還會在上訴人所要求借取的金額中先扣除部份作為利息。
三、 透過以上證據,我們還可以得知被上訴人以“扣底數”的方式向上訴人收取合共30萬元的利息,從中可合理反映出其據以執行的整筆60萬元金額也是屬於為提供上訴人賭博而作出的借貸,而不僅限於上述證人所指在賭博內借出的10萬元籌碼。
四、 根據《民事訴訟法典》第5條第2款及第568條之規定,倘卷宗內存有充分跡象顯示被上訴人所請求執行的債務是源自於不法賭博借貸行為,而其仍將之視作合法債務透過司法途徑向上訴人作出追討,則被上訴裁判應盡可能防止被上訴人實現其欲達致的上述不正當目的。
五、 根據第5/2004號法律《娛樂場博彩或投注信貸法律制度》第2條、第3條結合第4條之反義解釋,僅透過該法律獲賦予資格的實體方可向他人作出博彩或投注信貸,否則有關信貸不產生法定債務。
六、 根據第8/96/M號法律第13條第1款及第2款之規定,如私人在賭場內向他人作出為博彩而提供的借貸行為,除使有關信貸不產生法定債務外,還涉及觸犯刑事不法行為。
七、 根據《民法典》第1171條第l款及第396條之規定,被上訴人所請求執行的債務是屬於為賭博而作出的借貸,有關債務不構成法定債之淵源,而僅屬於自然之債,被上訴人無權透過司法途徑要求上訴人履行。
八、 此外,有關賭博借貸行為亦違反了第5/2004號法律《娛樂場博彩或投注信貸法律制度》以及第8/96/M號法律的相關規定,構成違反法律和公共秩序以及侵犯善良風俗的行為,因此按照《民法典》第273及第287條之規定應屬無效。
九、 即使不認為如此,上訴人與被上訴人都是在明知有關借貸是為賭博而作出的情況下作出行為,因此亦構成《民法典》第274條所指的無效法律行為。
十、 由於該法律行為屬自然債務以及因無效而不產生其效力,因此被上訴人不得以該行為為據要求上訴人履行返還欠款之義務並以上訴人簽署的文件作為執行依提起執行之訴。
十一、除應有尊重外,上訴人認為原審法院透過載於卷宗的訴辯書狀內容以及在庭審中獲得的證據,應根據《民法典》第279條以及《民事訴訟法典》第415條之規定,主動查明及審理有關雙方當事人之間的借貸行為不產生法定債務以及屬無效的永久抗辯問題,從而依職權作出相應的宣告。
十二、綜上理由,上訴人認為被上訴裁判因存在對有關借貸行為不產生法定債務以及屬無效的問題之遺漏審理,因此沾有《民事訴訟法典》第571條第1款d)項規定的無效瑕疵。
十三、上訴人請求尊敬的中級法院各位法官 閣下裁定本上訴理由成立,基於有關借貸行為不產生法定債務以及屬無效,宣告原審判決書因沾有《民事訴訟法典》第571條第1款d)項規定的遺漏審理瑕疵而無效,繼而駁回被上訴人針對上訴人提起的執行之訴的所有請求,以及命令將卷宗歸檔。
十四、倘上述理由不獲接納,則上訴人還依據《民事訴訟法典》第599條之規定,針對原審法院在事實事宜方面的裁判提出爭執。
十五、原審法院在對事實事宜所作之裁判中作出了完全對上訴人不利之裁定,尤其是將對被上訴人有利的調查基礎內容第1點裁定為獲證事實,而將其餘所有對上訴人有利的調查基礎內容第2至第6點裁定為不獲證實。
十六、關於調查基礎內容第1及第2點疑問,證人C在庭審中清楚指出被上訴人實際借予上訴人的金額僅為54萬元,而不是本案執行名義上所載的金額60萬元。
十七、關於調查基礎內容第3及第4點疑問,上述證人清楚指出在被上訴人的電話騷擾下,上訴人在債務到期日前已分8期以每期現金港幣80,000元的方式向被上訴人支付合共港幣640,000元作為償還貸款之用,其中有5期是由該名證人陪同下還款,而另外3期是上訴人自行找被上訴人還款。
十八、為印證其證言之真確性,上述證人還在庭上立即附呈了一份由司法警察局發出的檢舉記錄之證明,以證明其提及曾被被上訴人以電話騷擾的陳述內容。
十九、關於調查基礎內容第5點疑問,上述證人清楚指出除陪同上訴人四至五次前往找被上訴人分期還8萬元外,在上訴人變賣車位後,亦曾一次駕車接載上訴人找被上訴人還款30萬元,而該30萬元金額正是上訴人變賣車位之所得。
二十、除上述證人的證言外,上訴人在訴辯書狀階段亦已將有關變賣車位以向被上訴人還款港幣300,000元的證明文件附呈卷宗,其中包括買賣車位授權書、承諾車位買賣合約以及於2016年2月5日提取港幣300,000元現金的銀行存摺記錄。
二十一、關於調查基礎內容第6點疑問,上述證人清楚指出上訴人在作出30萬元的還款後,曾向被上訴人提出開發收據的要求,但被上訴人拒絕發出。
二十二、除應有尊重外,上訴人認為根據卷宗資料,結合上述由上訴人提供而且是本案唯一證人的證言,足以供 法庭認定如下事實情節:被上訴人向上訴人借出為賭博用的貸款金額,因此按照賭業慣例先扣起部份作為利息,即上訴人要求借款60萬元而只實際獲得借款54萬元,其後在債務尚未到期前便受到被上訴人不斷以電話作出的騷擾,甚至是恐嚇,使其不得不提前以每月8萬元現金的方式分期作出還款,在8次分期還款後,被上訴人仍然沒有停止其對上訴人及其朋友的騷擾,因此被上訴人在無計可施下只有變賣車位,將部份所得30萬元一次性向被上訴人作出支付,最終被上訴人不但拒絕向上訴人發出收據和退還本案執行名義,相反還持該執行名義針對上訴人提起本案之執行程序,索取不合理的款項。
二十三、以上事實情節已透過上訴人提交的異議書狀詳細向原審法院作出陳述,且提供相關的書證以及人證加以證明。相反,被上訴人由於出現某些錯誤而無法在庭上提供任何證人對其陳述之事實版本加以證明。
二十四、在欠缺相反證據的情況下,原審法院對於上訴人所主張的事實情節作出了完全相反的認定,即將調查基礎內容第1點視為獲證,而調查基礎內容第2至第6點均裁定為不獲證實之事實。
二十五、根據《民法典》第335條之規定,上訴人認為其已履行應負的舉證責任,就其主張之權利及相關事實提供適當和充足的證據;相反,被上訴人就其所陳述的,屬阻礙、變更或消滅上訴人權利之事實欠缺提供相應的證明措施,因此其不應成為在對事實事宜之裁判上佔有利之一方。
二十六、綜上理由,上訴人認為應更正原審法院就調查基礎內容第1點至第6點所作的答覆內容,將調查基礎內容第1點視為不獲證實,而將調查基礎內容第2至第6點視為獲得證實,並根據經更正後的所有已證事實適用法律作出公正之裁判。
綜上所述,請求尊敬的中級法院各位法官 閣下裁定本上訴理由成立,作出判決如下:
一、基於被上訴人向上訴人作出的借貸行為不產生法定債務以及屬無效,宣告原審判決書因沾有
《民事訴訟法典》第571條第1款d)項規定的遺漏審理瑕疵而無效,繼而駁回被上訴人針對上訴人提起的執行之訴的所有請求,以及宣告本異議所針對的執行程序消滅。
二、倘不認同上述,則請求裁定對事實事宜方面裁判提出之爭執理由成立,命令更正原審法院就調查基礎內容第1點至第6點所作的答覆內容,將調查基礎內容第1點視為不獲證實,而將調查基礎內容第2至第6點視為獲得證實,並根據經更正後的所有已證事實適用法律作出公正之裁判,最終駁回被上訴人針對上訴人提起的執行之訴的所有請求,以及宣告本異議所針對的執行程序消滅。

聲請調查證據
   最後,上訴人根據《民事訴訟法典》第629條第2款之規定,謹向尊敬的中級法院各位法官 閣下聲請重新審理已載於卷宗內的所有書證,尤其卷宗第36至43頁及第142頁之文件內容,以及本案唯一證人C所提供的證言(詳見附件之庭審錄音記錄),並考慮上訴人之陳述內容,從而按以上請求對原審法院就事實事宜方面裁判作出適當的變更。

O embargado contra-alegou defendendo a improcedência do recurso (fls. 238 a 243v. dos p. autos).

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

A embargante, ora recorrente, coloca-nos, em sede de recurso, a título principal a questão da inexigibilidade judicial da obrigação exequenda, e subsidiariamente impugnou a matéria de facto dada por assente na primeira instância.



Então vejamos.

1. Da inexigibilidade judicial da obrigação exequenda

Foi dado à execução um escrito particular, ora constante das fls. 8 dos autos de execução, donde consta, entre o mais, que a exequente emprestou à executada a quantia de HKD$600.000,00 e que a executada prometeu que iria reembolsar integralmente à exequente a mesma quantia.

Citada, a executada veio deduzir embargos de executado impugnando o quantitativo da dívida exequenda dizendo que em vez de ser HKD$600.000,00, a totalidade da dívida, resultante dos dois empréstimos sucessivos, era apenas HKD$530.000,00 (HKD$90.000,00 + HKD$440.000,00) e alegou que com a entrega à exequente das várias quantias que perfazem o valor total de HKD$940.000,00, a dívida já foi paga e nada lhe deve.

Tendo a matéria exceptiva alegada pela embargante sido julgada in totum não provada, improcedeu a oposição por embargos de executado.

Vem agora a recorrente suscitar várias sub-questões, todas apoiadas na alegada natureza natural da obrigação exequenda.

Diz a recorrente que:

* O Tribunal a quo se deveria socorrer de um facto alegado no requerimento inicial dos embargos que, embora não levado à base instrutória, estava suficientemente indiciado pelo teor do depoimento prestado pela única testemunha inquirida na audiência;

* Se tivesse sido atendido, o tal facto levaria o Tribunal a quo a chegar à conclusão de que, tendo sido resultada de um empréstimo para jogo, a dívida exequenda era fruto de um negócio nulo face ao disposto no artº 273º do CC, por não ter sido celebrado com os requisitos da validade exigidos no «regime jurídico da concessão de crédito para jogo ou para aposta em casino», aprovado pela Lei nº 5/2004, e desse empréstimo, concedido para jogo, só nasceria uma obrigação natural que não é judicialmente exigível, face ao disposto no artºs 396º e 1171º/1 do CC; e

* Assim sendo, a instauração da presente acção executiva pela exequente com vista a obter judicialmente o cumprimento de uma obrigação natural constitui o uso anormal do processo definido no artº 568º do CPC, razão pela qual o Tribunal a quo deveria decidir no sentido de obstar ao objectivo anormal prosseguido pela exequente.

Como vimos supra, nos embargos deduzidos, a executada alegou um facto extintivo da dívida exequenda, ao passo que, em sede de recurso interposto da decisão que os julgou improcedentes, veio suscitar a questão da inexigibilidade judicial da dívida exequenda.

Nos embargos, a executada alegou os factos de ter pagado a dívida exequenda e defendeu, no plano de direito, que a dívida já foi liquidada e portanto nada deve à exequente.

Em sede de recurso, pegando de uma circunstância referenciada no requerimento inicial dos embargos, desenvolve toda uma tese nova dizendo que, tendo sido concedido no Casino Emperor, o empréstimo deve ser considerado concedido para jogo por força da presunção estabelecida no artº 13º/2 da Lei nº 8/96/M, e que, tendo sido nascida de um empréstimo para jogo, a obrigação exequenda é de natureza natural, e por isso judicialmente inexigível.

Confrontando o alegado de facto e de direito no requerimento inicial dos embargos com as razões de facto e de direito invocadas em sede do presente recurso, salta à vista que houve alteração da causa de pedir e do pedido.

Reza o artº 217º/1 do CPC que “na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor.”

Ao passo que o pedido, uma vez formulado, só pode ser alterado e ampliado na réplica, a menos que haja acordo das partes ou resulte do desenvolvimento ou da consequência do pedido primitivo – artº 217º/2 do CPC.

In casu, não havendo acordo das partes nem se verificou nenhuma dessas situações que permitem a alteração da causa de pedir, a executada não pode vir agora formular um pedido diverso do pedido feito nos embargos e fundado em causa de pedir diferente.

Ademais, nem se pode dizer que já constam do requerimento inicial dos embargos a causa de pedir invocada e implicitamente o pedido formulado agora em sede de recurso com o argumento de que o facto que integra esta causa de pedir já foi alegado no seu artº 8º, onde se lê o seguinte:

A Exequente entregou à Executada, nesse mesmo dia, a quantia deHKD$90.000,00, em dinheiro, no casino do Hotel Emperor, mas na condição da Executada lhe devolver a quantia de HKD$100.000,00, dentro da maior brevidade possível.

É verdade que consta a expressão no casino do Hotel Emperor.

Mas cabe perguntar quê relevância jurídica tem esta expressão, não concretizada com mais pormenores e inserida no contexto de uma defesa fundada no facto extintivo consistente no pagamento integral da dívida exequenda?

Para nós, em termos de sintaxe, esta expressão não é mais do que um complemento circunstancial de lugar, nunca pode ser entendida como alegação de um facto essencial ou instrumental integrante de uma determinada causa de pedir, uma vez que a executada nem sequer identificar o efeito jurídico que pretende obter com a referência a esse facto.

Na verdade, por mais inquisitório que seja o poder do juiz num processo civil, predominantemente regido pelo princípio do dispositivo, não basta à parte alegar ou simplesmente fazer referência a um facto mas sem indicar o efeito jurídico pretendido com a alegação do facto, para a partir dai ficar inerte, esperando passivamente que o juiz faça tudo o resto, nomeadamente extrair ex oficio exaustivamente todos os efeitos jurídicos possíveis de qualquer um dos factos, quer os alegados ou simplesmente referidos nos articulados, quer os que tem conhecimento por virtude do exercício ou que resultem de instrução e discussão, e caso o Tribunal não proceda assim, acusá-lo de omissão de pronúncia ou violação do disposto no artº 434º/2 do CPC.

De outro modo, o poder inquisitório levaria à substituição do patrocínio obrigatório e ao violente atropelo do princípio do dispositivo, ambos pilares fundamentais do nosso sistema processual civil.

No nosso sistema que a doutrina designa sistema de recurso de revisão e reponderação, os recursos são meios para obter reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre – Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 150 e 151.

Tendo presente que em sede de recurso, a executada traz-nos causa de pedir e pedido completamente novos, o que ultrapasse o nosso poder de revisão ou de reponderação, não há outra alterativa que não seja a de rejeitar o recurso nesta parte.

2. Da impugnação da matéria de facto

Na hipótese do inêxito do fundamento principal, pretendendo ainda ver julgado procedente o recurso, a recorrente subsidiariamente tentou questionar a bondade da decisão de facto e a convicção do Tribunal da primeira instância e alterar a matéria de facto dada por assente na primeira instância com vista à revogação da decisão de direito recorrida e em substituição à procedência dos embargos.

Ora, se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente na primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.

Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
No caso dos autos, houve gravação dos depoimentos.

O meio probatório que, na óptica da recorrente, impunha decisão diversa é o depoimento prestado pela única testemunha, por ela arrolada.

E foram reproduzidas todas as passagens da gravação do depoimento.

Satisfeitas assim as exigências processuais para a viabilização da reapreciação da matéria de facto com vista à eventual modificação por este Tribunal de Segunda Instância da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, passemos então a apreciar se existem as alegadas incorrecções na apreciação da prova pelo tribunal a quo.

Para a recorrente, face ao teor do depoimento prestado pela única testemunha na audiência, ora integralmente transcrito, toda a matéria exceptiva quesitada nos pontos 2 a 6 da base instrutória deveria ter sido dada por provada, enquanto a matéria do ponto 1, alegada pela exequente, teria de ser julgada não provada.

Ora, para impugnar com êxito a matéria dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua convicção pessoal.

Segundo o ensinamento de Amâncio Ferreria, ob. cit. pp. 69 e s.s., a admissibilidade dos meios de impugnação, incluindo o recurso ordinário, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes.

O recurso ordinário visa atacar a decisão judicial por ser errada ou injusta.

A decisão é errada ou por padecer de error in procedendo, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento, ou de error in iudicando, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e à aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado.

A decisão é injusta quando resulta duma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos.

In casu, está em causa uma decisão da matéria de facto.

O Tribunal a quo motivou na fundamentação do Acórdão do julgamento da matéria de facto, a sua convicção nestes termos:
  A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos e nos autos de execução e no depoimento da testemunha que depôs sobre os quesitos da base instrutória, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permitiu formar uma síntese quanto aos apontados factos.
  Em especial, no que se refere aos factos alegados pela Embargante, consta dos autos os documentos juntos a fls 36 a 41 apresentados pela Embargante para demonstrar que fez o pagamento de HK$300.000,00 referido no quesito 5º da base instrutória.
  Da análise desses documentos vê-se que, em 29 de Janeiro de 2016, a Embargante prometeu vender um parque de estacionamento e nesta data recebeu a quantia de HK$1.000.000,00 e, em 5 de Fevereiro de 2016, a Embargante levantou uma quantia de HK$300.000,00 da sua conta bancária.
  A única testemunha alega que assistiu a entrega de cerca de HK$500.000,00 pela Embargada à Embargante aquando do empréstimo e o pagamento da quantia de HK$300.000,00 pela Embargante à Embargada e chegou a emprestar dinheiro à Embargante para pagar à Embargada. Segundo esta testemunha a quantia de HK$300.000.00 foi obtido com a venda de um parque de estacionamento.
  Aparentemente a prova documental correspondia à prova testemunhal quanto ao pagamento de HK$300.000,00. Porém, bem analisados os movimentos bancários da Embargante constante do documento junto a fls 40 a 41, verifica-se que houve um depósito de HK$1.200.000,00 e não HK$1.000.000,00 no dia 4 de Fevereiro de 2016 a que se segue o levantamento da quantia de HK$300.000,00 acima referido. Do documento não consta de depósito de HK$1.000.000,00 no dia 29 de Janeiro de 2016 nem nos dias seguintes antes do levantamento de HK$300.000,00. Portanto, por aí constata-se que o depoimento da testemunha não coincide totalmente com os movimentos bancários passíveis de ser verificados a partir dos documentos juntos.
  Mesmo que se ignore a questão da proveniência do dinheiro e se centre no levantamento de HK$300.000,00, que coincide com a quantia que a Embargante alega ter pago à Embargada, o certo é que não consta dos autos nenhuma outra prova para corroborar o alegado pagamento excepto as declarações da referida testemunha.
  A propósito disso, o tribunal teve em conta que a Embargante alega ter apenas obtido HK$530.000,00 num empréstimo fixado em HK$600.000,00 e que, antes da entrega da quantia de HK$300.000,00 à Embargada, pagou em 8 prestações uma quantia total de HK$640.000,00, ou seja, HK$110.000,00 a mais do que o valor por si efectivamente recebido.
  Na análise da possibilidade de isso ter acontecido, o tribunal teve em conta a inexistência de qualquer prova documental que demonstre o pagamento das citadas 8 prestações, os telefonemas alegadamente feitos e mensagens telefónicas alegadamente mandadas pela Embargada para pressionar o pagamento à excepção de um documento juntos a fls 142 respeitante a uma queixa-crime feita pela citada testemunha a propósito de alegadas chamadas telefónicas feitas pela Embargada para exigir o pagamento da dívida.
  Quanto a esse documento, por nada mais demonstrar que se refere ao presente caso, pouco valor foi-lhe dado. Em relação aos pagamentos, apesar de não ser de todo em todo de excluir a hipótese de, por amizade ou confiança, a Embargante não ter exigido ou insistido na emissão qualquer documento comprovativo desses pagamentos à Embargada nem exigido ou insistido na devolução do título de executivo depois do pagamento de HK$640.000,00 para uma dívida de apenas HK$530.000,00, a falta de outras provas directas como as respeitantes às chamadas e mensagens telefónicas, não se afigurou ao tribunal verossímil que esses pagamentos tivessem sido feitas. Como os demais documentos juntos pela Embargante para demonstrar as alegadas ameaças e pressões são apenas provas indirectas, perante as citadas insuficientes, é manifesto que estes documentos não superam estas insuficiências.
  Ora, isso que põe em causa a credibilidade da testemunha quanto à entrega de apenas de cerca de HK$500.000,00 aquando do empréstimo e ao pagamento das 8 prestações.
  Apesar de a Embargante ter também junto um documento para demonstrar que a Embargada cobrou juros usurários, o certo é que esse documento por si não demonstra que se refere ao presente caso nem que a Embargada efectivamente os cobrou.
  No que concerne ao pagamento de HK$300.000,00, por força do expendido, também é de negar credibilidade à testemunha com o que resta apenas a prova documento relativo ao levantamento de HK$300.000,00. Porém, nada mais indica que essa quantia levantada foi utilizada no pagamento à Embargada. Aliás, não se crê que a Embargante, depois de ter pago HK$640.000,00 para uma dívida de HK$530.000,00, pudesse ter continuado a não insistir na devolução do título executivo antes da entrega dessa quantia de HK$300.000,00.
  Por força disso, o tribunal não deu como provado os factos alegados pela Embargante.
  Em relação aos factos alegados pela Embargada, em virtude do teor do título executivo cuja veracidade não foi afastada pela prova produzida, o tribunal deu como provado o quesito 1º da base instrutória.
  O mesmo não acontece com o quesito 7º da base instrutória porque, apesar de não estar demonstrado o pagamento alegado pela Embargante, também nada indica que esta nunca pagou à Embargada.

O recorrente entende que, na sua óptica, a prova testemunhal deve ser valorada a seu favor, ou seja, no sentido da comprovação da matéria exceptiva.

No fundo, a recorrente pretende fazer valer a sua convicção formada com base no depoimento testemunhal em detrimento da convicção do Tribunal a quo.

Todavia, na esteira da doutrina que vimos supra sobre a função do recurso ordinário no processo civil, o recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada.

Assim é preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

Para o efeito, não basta indicar a divergência entre o entendimento do recorrente e o do Tribunal.

Como se sabe, na matéria da valoração das provas, vigora o princípio da livre apreciação da prova, à luz do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para tentar lograr a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade daquela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento.

Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à força probatória das provas e à valoração das provas e que a decisão de facto se não mostre manifestamente contrária à regras da experiência de vida e à logica das coisas, em princípio não é sindicável a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação.

Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira que lidam directamente com as provas produzidas na sua frente.

Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação da matéria de facto com vista à sua eventual alteração só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

Portanto, para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica.

Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.

In casu, nada disso foi alegado.

Portanto, é de naufragar a impugnação da matéria de facto.

Em conclusão:

6. Por mais inquisitório que seja o poder do juiz num processo civil, predominantemente regido pelo princípio do dispositivo, não basta à parte alegar ou simplesmente fazer referência a um facto mas sem indicar o efeito jurídico pretendido com a alegação do facto, para a partir dai ficar inerte, esperando passivamente que o juiz faça tudo o resto, nomeadamente extrair ex oficio exaustivamente todos os efeitos jurídicos possíveis de qualquer um dos factos, quer os alegados ou simplesmente referidos nos articulados, quer os que tem conhecimento por virtude do exercício ou que resultem de instrução e discussão, e caso o Tribunal não proceda assim, acusá-lo de omissão de pronúncia ou violação do disposto no artº 434º/2 do CPC;

7. O recurso ordinário no processo civil é o meio para obter reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre;

8. O recurso ordinário no processo civil existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Assim é preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre; e

9. Dado o posicionamento privilegiado dos juízes de primeira instância por força do princípio da imediação, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação da matéria de facto com vista à sua eventual alteração só se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

10. Portanto, para que se possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique o erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica.


Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo na íntegra a decisão recorrida que julgou improcedentes os embargos deduzidos pelo executado.

Custas do recurso pela recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 30MAIO2019
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng