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Processo nº 862/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 30 de Maio de 2019
Recorrente: A (Requerente/Reclamante)
Recorridas: B (Requerida)
C (Exequente)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

A (Requerente/Reclamante) vem, nos termos e para efeitos do disposto na al. a) do artº 572º do CPC, requerer o esclarecimento do Acórdão de 21 de Fevereiro de 2019, com os fundamentos seguintes:
“...
1.º
   Nos termos do artigo 572.º, alínea a) do CPC, qualquer das partes está habilitada a requerer o esclarecimento de qualquer obscuridade ou ambiguidade resultante da uma decisão judicial.
2.º
   Entende o ora Requerente que, salvo o devido respeito que é muito, o Acórdão padece do vício de ambiguidade/obscuridade, pelo que lhe é lícito recorrer ao expediente consagrado naquele dispositivo legai, nos termos que se seguem.
3.º
   Com efeito, conforme resulta da parte dispositiva, o douto Acórdão confirmou o despacho recorrido que determinou a extinção da instância dos autos de separação de bens por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 229.º do CPC.
4.º
   Muito resumidamente, segundo a leitura que o Requerente fez do douto Acórdão de 21.02.2019, a confirmação da decisão proferida em 1.ª instância assenta no facto de, segundo o TSI, não ser lícito ou legítimo atender aos pedidos por aquele formulados, pois tal significaria permitir a actuação de venire contra factum proprium.
5.º
   Escalpelizando, segundo este Venerando Tribunal essa actuação de venire contra factum proprium consistiria no facto de em primeira mão o Requerente ter lançado mão do incidente a que alude o artigo 709.º n.º 1 do CPC, assumindo que os bens em apreço faziam parte da comunhão conjugal, para depois vir declarar que os mesmos são afinal seus bens próprios sem que, no entanto, tivesse feito uso dos meios processuais idóneos a obter essa declaração de titularidade exclusiva (os embargos de terceiro e a oposição à penhora).
6.º
   É isso o que parece resultar da afirmação contida no seguinte parágrafo da decisão em apreço: "Se aceitasse os últimos pedidos formulados pelo ore Recorrente, significaria permitir a actuação de venire contra factum proprium, bem como aceitar a fuga do controlo dos prazos legalmente previstos para os embargos de terceiro e oposição à penhora, já que no momento em que pede a suspensão da instância do processo de separação de bens e a concessão de prazo para instaurar acção autónoma para que seja reconhecida a propriedade exclusive dos bens, tanto o prazo para dedução de embargos de terceiro como o para oposição à penhora, já se encontram caducados".
7.º
   Dito de outro modo, segundo o Acórdão em apreço, a declaração Requerente, proferida já depois de deduzido o incidente de separação de bens que, afinal, os bens são próprios e não comuns não poderia, nunca, dar azo à suspensão da instância nos termos do artigo 970.º do CPC pois tal configuraria uma actuação processual ilegítima.
8.º
   Ora, se assim é afigura-se ao Requerente que a conclusão a retirar seria a de que não sendo a suspensão da instância do processo de separação legalmente admissível, a mesma deveria prosseguir os seus termos até final.
9.º
   É esse o corolário que, na óptica do Requerente, deveria resultar do facto de se considerar ilegítima (por abusiva) qualquer mudança de posição que aquele tenha expressado durante o curso do incidente de separação quanto à propriedade dos bens objecto do mesmo (se comuns, se próprios), por a mesma ser processualmente inadequada,
10.º
   e consubstanciar um resultado que a lei não prevê, mormente quando o requerente da separação não tenha usado atempadamente dos meios processuais próprios para ver reconhecida a sua propriedade exclusiva sobre os bens objecto de penhora.
11.º
   É esta ambiguidade ou obscuridade (traduzidas numa aparente contradição entre os fundamentos e a decisão) que o Requerente pretende ver aclarada,
12.º
   pois, como se disse, ao não ser possível a suspensão da instância do incidente de inventário (pelo facto de não se poder atribuir efeitos jurídicos à declaração superveniente do Requerente sob pena de abuso do direito traduzido num venire contra factum proprium e de este não se ter servido, em tempo, dos meios processualmente idóneos para o reconhecimento da propriedade exclusiva dos bens) deveria ser ordenada a sua prossecução e nunca a extinção da lide com base na respectiva inutilidade superveniente, uma vez que o incidente mantém todo o seu propósito: o de separar um património que permanece comum.
   Termos em que se requer a V. Exas. se dignem esclarecer a decisão constante do douto Acórdão no sentido de que, por força da fundamentação nele contida, resulta que o incidente de separação de bens deverá prosseguir os seus termos até final...”.
*
Devidamente notificada, a Exequente, C, pronunciou-se nos termos constantes a fls. 152 a 153 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência da aclaração.
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Cumpre agora decidir.
Resulta de forma clara do pedido de esclarecimento que o ora Reclamante percebeu perfeitamente o sentido da decisão, tanto os fundamentos de facto como de direito, só que não os concordou.
Na sua óptica, este Tribunal não devia confirmar a decisão da declaração da extinção da instância do incidente da separação de bens, mas sim determinar a sua prossecução até final.
Ora, o instituto de aclaração previsto na al. a) do artº 572º do CPC visa esclarecer a obscuridade ou ambiguidade existente na sentença/acórdão, e nunca consiste num novo meio impugnatório da decisão judicial proferida.
Ou seja, as partes não podem, em nome de esclarecimento, vêm expor a sua discordância, com vista à alteração do sentido da decisão, que é o caso.
No mesmo sentido e a título do estudo do Direito Comparado, temos os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, anotados no Código de Processo Civil Anotado, de Abílio Neto, 21ª Edição, cfr. artº 669º, notas nºs 13 e 18, pág. 974 e 975.
Por outro lado, dispõe o nº 2 do artº 709º do CPC que “Qualquer dos cônjuges pode requerer, dentro de 15 dias, a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir nos bens penhorados” (o negrito e o sublinhado são nossos).
Ora, com a confirmação da decisão da declaração da extinção da instância do incidente de separação de bens, significa que tal incidente deixou de existir, a execução vai prosseguir no bem penhorado.
Nesta conformidade e sem necessidade de mais delongas, acordam em indeferir o pedido.
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Custas do incidente pelo Reclamante.
Notifique e D.N.
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Macau, aos 30 de Maio de 2019.
Ho Wai Neng
José Candido de Pinho
Tong Hio Fong
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862/2018