Processo nº 455/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 04 de Julho de 2019
ASSUNTO:
- Facturas
- Nº 1 do artº 405º do CPC
SUMÁRIO:
- Tendo as facturas enviados à Ré tanto pelo Tribunal a quo no acto de citação como pela Autora na fase anterior da acção e não tendo sido objecto de qualquer impugnação por parte da Ré, os factos delas constantes devem ser considerados como reconhecidos ao abrigo do nº 1 do artº 405º do CPC.
O Relator
Ho Wai Neng
Processo nº 455/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 04 de Julho de 2019
Recorrente: A, S.A.R.L. (Autora)
Recorrida: B Limited (Ré)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 15/12/2016, julgou-se improcedente a acção e, em consequência, absolveu a Ré B Limited, dos pedidos formulados pela Autora A, S.A.R.L..
Dessa decisão vem recorrer a Autora, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo a fls. 161 a 164 dos presentes autos que julgou por improcedente a acção interposta pela Autora, e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos formulados por aquela.
- A Recorrente intentou a presente acção declarativa de condenação contra a Recorrida, peticionando a final a sua condenação no pagamento da quantia total de MOP$2,688,361.53 (dois milhões, seiscentas e oitenta e oito mil, trezentas e sessenta e uma patacas e cinquenta e três avos), e dos juros de mora vincendos, à taxa legal, a partir de 21 de Outubro de 2015 até o integral e efectivo pagamento, das custas, condigna procuradoria e demais encargos.
- A ora Recorrida, foi devidamente citada, porém não contestou e nem constituiu mandatário, pelo que nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 405.º, n.º 1 do C.P.C, tanto na sentença como no despacho de fls. 150 foram considerados reconhecidos os factos alegados pela Autora na sua petição inicial.
- Não obstante assim ser, a Meritíssima Juiz a quo entendeu julgar a presente acção improcedente, por um lado, porque considerou que nada foi alegado acerca da razão de ser das facturas cujo pagamento se reclama nos presentes autos, designadamente se foram emitidas ao abrigo do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes e por força de certos serviços prestados pela Autora à Ré, e
- Por outro lado, entendeu a Meritíssima Juiz a quo não serem relevantes para a decisão final os factos alegados pela ora Recorrente nos artigos 4.º, 5.º, 7.º, 9.º, 11.º, 12.º, 14.º, 15.º, 17.º, 18.º, 20.º, 21.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 29.º, 30.º, 32.º, 33.º, 35.º, 36.º, 38.º, 39.º, 41.º, 42.º, 44.º, 45.º, 47.º, 48.º, 55.º e 61.º da petição inicial, designadamente por se tratarem de factos conclusivos.
- Resulta claro da petição inicial, nomeadamente dos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º a 48.º e 61.º da pi, que as 14 facturas juntas e cujo pagamento é reclamado no âmbito dos presentes autos foram emitidas na sequência do contrato de prestação de serviços de telecomunicações internacionais celebrado entre as partes e que foram emitidas por força de serviços prestados pela ora Recorrente à Recorrida.
- Ademais, das 14 facturas juntas como documentos 3 a 16 da petição inicial faz parte uma tabela detalhada com a descrição dos serviços prestados pela ora Recorrente à Recorrida, designadamente, a data da utilização dos serviços pela Recorrida, a operadora do destino da chamada, o tempo de utilização dos serviços, o volume dos dados e a taxa aplicada.
- Mal andou ainda o douto Tribunal a quo ao não dar relevância aos factos alegados nos artigos 5.º, 7.º, 11.º, 12.º, 14.º, 15.º, 17.º, 18.º, 20.º, 21.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 29.º, 30.º, 32.º, 33.º, 35.º, 36.º, 38.º, 39.º, 41.º, 42.º, 44.º, 45.º, 47.º, 48.º da p.i., por considerar tratarem-se de factos conclusivos.
- Os factos que a Meritíssima Juiz a quo considerou conclusivos são todos aqueles em que a ora Recorrente alega que a factura se vencia numa determinada data e que não foi liquidada pela Ré.
- Salvo devido respeito por melhor opinião, os factos: A factura venceu-se no dia 06 de Junho de 2014 e Não foi liquidada pela Ré, não se tratam de factos conclusivos, pois que dizer-se: A factura venceu-se no dia 06 de Junho ou dizer-se A factura deveria ser paga até ao dia 06 de Junho, é exactamente a mesma coisa...
- A expressão venceu-se, apesar de se tratar de um juízo de direito é uma expressão de uso comum na linguagem corrente e é normalmente utilizada para se referir ao prazo de pagamento de uma dívida/factura.
- Os factos que se prendem com a data de vencimento das facturas em causa nos presentes autos foram alegados numa sequência e num determinado contexto do qual facilmente se apreende que o termo "vencia" não está a ser usado na sua acepção puramente jurídica, mas sim para se referir ao prazo até ao qual deveria ser paga cada uma das facturas.
- Por outro lado, as datas mencionadas em cada um dos artigos da petição inicial onde se alega o prazo de pagamento das várias facturas, constam expressamente de cada uma dessas mesmas facturas precedidas da expressão inglesa "due date".
- Assim, salvo devido respeito por melhor opinião, não podem ter-se por conclusivos tais factos devendo considerar-se antes que os mesmos foram alegados com o sentido que a expressão vencimento tem na linguagem comum, ou seja, prazo limite de pagamento.
- Donde, deveria o douto Tribunal a quo ter considerado relevantes para a decisão final os factos alegados pela ora Recorrente nos artigos 7.º,11.º, 14.º, 17.º, 20.º, 23.º, 26.º, 29.º, 32.º, 35.º, 38.º, 41.º, 44.º e 47.º da petição inicial.
- Também não são conclusivos os factos alegados pela ora Recorrente nos artigos 12.º, 15.º, 18.º, 21.º, 24.º, 27.º, 30.º, 33.º, 36.º, 39.º, 42.º, 45.º e 48.º, onde em todos, referindo-se às facturas que os antecedem, se diz: "E que não foi liquidada pela Ré"
- Em linguagem corrente utiliza-se indiscriminadamente a expressão não liquidou ou não pagou ou, conforme parece ser da preferência do douto Tribunal a quo, não entregou a quantia/montante.
- Não só a expressão não liquidou é de uso corrente para se dizer que alguém não entregou um montante, como o contexto e a sequência em que é utilizada tal expressão claramente indica o sentido em que pretendia ser usada, não encerrando ela mesma qualquer juízo conclusivo ou de direito, mas tão só a alegação de um facto que se prende com o não pagamento de uma factura.
- Também mal andou o douto Tribunal a quo ao entender não serem relevantes por se tratarem de factos conclusivos o alegado pela ora Recorrente nos artigos 12.º, 15.º, 18.º, 21.º, 24.º, 27.º, 30.º, 33.º, 36.º, 39.º, 42.º, 45.º e 48.º da p.i..
- Porém, e mesmo que se entenda que os referidos factos alegados nos artigos 5.º, 7.º, 11.º, 12.º, 14.º, 15.º, 17.º, 18.º, 20.º, 21.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 29.º, 30.º, 32.º, 33.º, 35.º, 36.º, 38.º, 39.º, 41.º, 42.º, 44.º, 45.º, 47.º, 48.º da p.i. se tratam de factos conclusivos, sempre se diga que, tais factos não deixam de ser factos e por isso não devem estar sujeitos ao disposto no referido artigo 549.º, n.º 4 do CPC, onde apenas se culmina como não escritas as respostas dadas sobre questões de direito.
- Ainda que contenham juízos conclusivos, os factos assim alegados pela ora Recorrente, estão antecedidos e precedidos de outros factos que os concretizam, e tratam-se de realidades apreensíveis e compreensíveis por um homem médio, não contendo meras conclusões jurídicas.
- Salvo devido respeito que é muito, o Tribunal a quo interpretou as expressões alegadas pela Recorrente nos sobreditos artigos da petição inicial de modo algo desfasado da realidade e da normalização que alguns conceitos jurídicos têm na realidade.
- Por outro lado, nos presentes autos a Ré, regularmente citada escolheu não contestar a presente acção, assim reconhecendo todos os factos alegados pela ora Recorrente.
- É certo que o reconhecimento dos factos alegados na petição inicial nos termos do artigo 405.º, n.º 1 do CPC, não conduz obrigatória e necessariamente à condenação do Réu no pedido, cabendo ao douto Tribunal julgar a acção de acordo com o direito aplicável, o que significa que os factos reconhecidos por falta de contestação tanto podem determinar a procedência da acção, total ou parcial, como podem conduzir à absolvição do Réu da instância (com base na verificação de excepções dilatórias de que o tribunal tenha conhecimento oficioso) ou do pedido.
- Porém, no âmbito dos presentes autos, a matéria de facto alegada pela Autora e reconhecida pela Ré se reputa clara e suficiente para que o douto Tribunal a quo julgasse a presente acção procedente por provada.
- A Ré reconhece que todas as facturas cujo pagamento é reclamado nos presentes autos lhe foram enviadas pela Recorrente - vide artigos 6.º, 10.º, 13.º, 16.º, 19.º, 22.º, 25.º, 28.º, 31.º, 34.º, 37.º, 40.º, 43.º, 46.º e 49.º da petição inicial,
- Mais reconhece a data em que tais facturas deveriam ter sido pagas - vide artigos 7.º, 11.º, 14.º, 17.º, 20.º, 23.º, 26.º, 29.º, 32.º, 35.º, 28.º, 41.º, 44.º e 47.º da petição inicial,
- E ainda que, não procedeu ao pagamento parcial ou total de tais facturas - vide artigos 9.º, 12.º, 15.º, 18.º, 21.º, 24.º, 27.º, 30.º, 33.º, 36.º, 39.º, 42.º, 45.º e 48.º da petição inicial,
- Tendo ainda reconhecido que entre Fevereiro de 201 e Março de 2015 deixou de pagar à Autora o montante total de USD$311,245.98 (trezentos e onze mil, duzentos quarenta e cinco Dólares Americanos e noventa e oito cêntimos) equivalente a MOP$2,499,377.49 (dois milhões, quatrocentas e noventa e nove mil, trezentas e setenta e sete patacas e quarenta e nove avos), referente aos serviços que nesse período lhe foram prestados pela Recorrente - vide artigos 49.º, 55.º e 61.º da petição inicial,
- Ora, quer se entenda que tais factos reconhecidos pela Recorrida se tratam de factos conclusivos ou não, o certo é que a Recorrente, ao não contestar a presente acção, escolheu confessá-los, reconhecendo de forma inequívoca que tem para com a Autora, ora Recorrente, a dívida que nos presentes autos se reclama, não tendo apresentado qualquer impugnação ou excepção aos factos e pretensões deduzidas pela Recorrente.
- Todos estes factos são, salvo devido respeito por melhor opinião, suficientes e bastantes para que o douto Tribunal a quo lhes aplicasse o direito e concluísse pela procedência da presente acção, o que não aconteceu.
- Dos factos alegados na petição inicial pela Recorrente e reconhecidos pela Ré, não se extraem quaisquer excepções peremptórias de conhecimento oficioso e nem a aplicação do direito a tais factos implica uma decisão de improcedência da acção.
- Porém o douto Tribunal a quo, salvo devido respeito que é muito, substituindo-se à Ré, ora Recorrida, contrapôs à procedência da presente acção argumentos que só às partes estão reservados, violando assim o princípio do dispositivo e o princípio da iniciativa das partes.
- Ademais, para além de reconhecidos pela Ré, todos estes factos resultam sustentados em prova documental que, salvo devido respeito por melhor opinião, foi erradamente valorada pelo douto Tribunal a quo.
- Para sustentar os factos por si alegados nos artigos 5.º a 49.º, a ora Recorrente juntou cada uma das facturas e respectiva tabela de serviços a que as mesmas respeitam - vide documentos 3 a 16 juntos com a petição inicial, as quais, devidamente citada, a Ré não impugnou, aceitando-as nos termos em que foram emitidas e apresentadas, donde,
- Deveria o douto Tribunal a quo extrair as devidas consequências da falta de impugnação de tais documentos por parte da Recorrida, valorando positivamente e considerando tais documentos aptos a fazer prova plena de que os serviços pelos mesmos titulados foram prestados pela Recorrente à Recorrida, que foram cobrados pela Recorrente à Recorrida e que, até à presente data, não foram pagos pela Recorrida à Recorrente.
- Face ao supra exposto, salvo devido respeito por melhor opinião, mal andou o douto Tribunal a quo ao não considerar relevante para a decisão da causa toda a matéria de facto alegada pela Recorrente na petição inicial e confessada pela Ré e por não valorar devidamente a prova documental apresentada pela ora Recorrente, designadamente os documentos 3 a 16 juntos com a petição inicial, violando o disposto nos artigos 405.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, 5.º, 430.º, n.º 1 todos do C.P.C. e nos artigos 368.º, n.º 1 e 370.º do Código Civil.
- Ainda que assim não se entenda, considerando o Douto Tribunal a quo que "nada foi alegado acerca da razão de ser das 13 facturas acima indicadas o que impede que se conclua que os valores das facturas são efectivamente devidos" e que "(…) não há qualquer facto a indicar que as referidas 13 facturas foram emitidas ao abrigo deste contrato e por força de certos serviços prestados pela Autora à Ré." e ainda que "nem se diga que o facto de a Ré ter entregue parte do montante indicado na primeira factura emitida pela Autora supere essa omissão." porque "não se sabe do motivo por que a Ré assim fez.", concluindo portanto o Doutro Tribunal a quo que "por força da falta acima indicada, não se pode afirmar que os valores indicados nas facturas eram devidos com o que os pedidos da Autora não podem deixar de improceder", cumpria ao douto tribunal a quo, ao abrigo do poder - dever plasmado nos artigos 397.º e 427.º do Código de Processo Civil, convidar o ora Autor a aperfeiçoar o seu articulado.
- Tal convite, também com o devido respeito, era imposto ao douto Tribunal a quo atendo o poder de direcção do processo e os princípios do inquisitório e da colaboração, cfr. artigos 6.º e 8.º do CPC.
- Assim, mal andou o douto Tribunal a quo ao julgar improcedente a acção interposta pela Autora, ora Recorrente, com base numa insuficiente alegação de facto, pois deveria o Douto Tribunal a quo, ao abrigo das supra invocadas disposições, e antes de proferir sentença no âmbito do processo em epígrafe, emitir despacho de aperfeiçoamento, convidando a Autora a corrigir a petição, suprindo, desta forma, as insuficiências ou imprecisões que considerava existir na exposição da matéria de facto alegada.
- Donde resulta que o douto Tribunal a quo violou também o disposto nos artigos 397.º e 427.º e 6.º e 8.º, todos do C.P.C.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- A Autora, sociedade constituída em Macau, dedica-se à exploração do serviço público de telecomunicações na Região Administrativa Especial de Macau.
- A Ré é uma sociedade comercial com licença para operar serviços de telecomunicações na Região Administrativa Especial de Hong Kong, e com sede na XXXXXX, Hong Kong.
- No âmbito dessa actividade, Autora e Ré celebraram em 01 de Julho de 2006 um contrato de prestação de serviços através do qual acordaram fornecer uma à outra serviços de telecomunicações internacionais.
- No mês de Fevereiro de 2014, a Autora enviou à Ré a factura n.º FINIASST/2014Mar/00125 no montante de USD$25.466,00.
- A Ré entregou apenas a quantia de USD$23.983,45 à Autora.
- No mês de Março de 2014, a Autora enviou à Ré a factura n.º FINIASST/2014Apr/00096 no montante USD$16.137,59.
- No mês de Abril de 2014, a Autora enviou à Ré a factura n.º FINIASST/2014May/00082 no montante USD$9.580,56.
- No mês de Maio de 2014, a Autora enviou à Ré a factura n.º FINIASST/2014Jun/00057 no montante USD$2.696,05.
- Ainda no mês de Junho de 2014, a Autora enviou à Ré a factura n.º FINIASST/2014Jul/00092 no montante USD$67,56.
- No mês de Julho de 2014, a Autora enviou à Ré a factura n.º FINIASST/2014Aug/00058 no montante USD$550,41.
- No mês de Agosto de 2014, a Autora enviou à Ré a factura n.º FINIASST/2014Sep/00096 no montante USD$3.923,36.
- No mês de Setembro de 2014, a Autora enviou à Ré a factura n.º FINIASST/2014Oct/00096 no montante USD$9.433,37.
- No mês de Outubro de 2014, a Autora enviou à Ré a factura n.º FINIASST/2014Nov/00080 no montante USD$34.378,22.
- No mês de Novembro de 2014, a Autora enviou à Ré a factura n.º FINIASST/2014Dec/00072 no montante USD$16.248,46.
- No mês de Dezembro de 2014, a Autora enviou à Ré a factura n.º FINIASST/2015Jan/00075 no montante USD$107.787,70.
- No mês de Janeiro de 2015, a Autora enviou à Ré a factura n.º FINIASST/2015Feb/00079 no montante USD$106.960,96.
- No mês de Fevereiro de 2015, a Autora enviou à Ré a factura n.º FINIASST/2015Mar/00080 no montante USD$1.936,53.
- No mês de Março de 2015, a Autora enviou à Ré a factura n.º FINIASST/2015Apr/00083 no montante USD$71,66.
- Por várias e repetidas vezes a Autora pediu à Ré para que entregasse essas quantias.
- A Ré assim não fez.
- Assim, a Autora, no dia 08 de Junho de 2015, através do seu mandatário, enviou uma carta registada para as duas moradas conhecidas da Ré reclamando a entrega do montante nela indicada dentro do prazo de 10 dias.
- A Ré recebeu as referidas cartas conforme registos de aviso de recepção.
- A Ré, até à presente data, não fez a entrega do montante indicado na carta.
*
III – Fundamentação
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
“…
Pela presente acção, pretende a Autora que a Ré seja condenada a pagar-lhe parte dos valores constantes de 14 facturas por si emitidas acrescida de juros de mora.
Para fundamentar o seu pedido, alega a Autora entre as partes foi assinado um contrato de prestação de serviços através do qual acordaram fornecer uma à outra serviços de telecomunicações internacionais tendo ambas as partes cumprido o contrato pontualmente até Fevereiro de 2014. Mais alega que emitiu as citadas facturas tendo a Ré apenas pago parte da primeira factura.
Uma vez que a Ré não contestou, os factos alegados pela Autora foram dados como provados.
*
Apesar disso, os pedidos da Autora não podem proceder.
É que, nada foi alegado acerca da razão de ser das 13 facturas acima indicadas o que impede que se conclua que os valores das facturas são efectivamente devidos.
Apesar de a Autora ter alegado que as partes celebraram um contrato de prestação de serviços e cumpriram-no até Fevereiro de 2013, data em que foi emitida a primeira factura, não há qualquer facto a indicar que as referidas 13 facturas foram emitidas ao abrigo deste contrato e por força de certos serviços prestados pela Autora à Ré. De facto, boa parte da matéria alegada pela Autora para sustentar os seus pedidos corresponde a factos conclusivos sem apoio em factos (vide por exemplo os artigos 5º, 7º, 11º, 12º, 14º e 15º da petição inicial).
Nem se diga que o facto de a Ré ter entregue parte do montante indicado na primeira factura emitida pela Autora supere essa omissão. É que, não se sabe do motivo por que a Ré assim fez. Assim, não se pode afirmar que a Ré pagou parte do devido. A isso acresce que relativamente às restantes facturas, por nada ter sido entregue pela Ré, nenhuma conclusão semelhante se pode retirar.
Por força da falta acima indicada, não se pode afirmar que os valores indicados nas facturas eram devidos com o que os pedidos da Autora não podem deixar de improceder.
*
IV – Decisão (裁 決):
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente a acção e, em consequência, absolve a Ré, B Limited, dos pedidos formulados pela Autora, A, S.A.R.L…”.
*
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar a posição assumida na sentença recorrida.
É certo que a Autora poderia alegar com mais precisão dos factos, discriminando melhor os serviços de telecomunicações concretamente por si prestados à Ré.
Contudo, no caso sub justice, esta falta da discriminação não determina necessariamente a improcedência da acção.
Senão vejamos.
Na presente acção, a Ré foi regulamente citada e não contestou.
Assim, consideram-se, nos termos do nº 1 do artº 405º do CPC, reconhecidos os factos articulados pelo autor.
Na petição inicial, a Autora alegou que tinha celebrado com a Ré em 01/07/2006 um contrato de prestação de serviços de telecomunicações.
Alegou que a Ré era devedora das várias facturas enviadas, a saber:
- a factura n.º FINIASST/2014Mar/00125 no montante de USD$25.466,00 (esta Ré pagou parcialmente a quantia de USD$23.983,45);
- a factura n.º FINIASST/2014Apr/00096 no montante USD$16.137,59;
- a factura n.º FINIASST/2014May/00082 no montante USD$9.580,56;
- a factura n.º FINIASST/2014Jun/00057 no montante USD$2.696,05;
- a factura n.º FINIASST/2014Jul/00092 no montante USD$67,56;
- a factura n.º FINIASST/2014Aug/00058 no montante USD$550,41;
- a factura n.º FINIASST/2014Sep/00096 no montante USD$3.923,36;
- a factura n.º FINIASST/2014Oct/00096 no montante USD$9.433,37;
- a factura n.º FINIASST/2014Nov/00080 no montante USD$34.378,22;
- a factura n.º FINIASST/2014Dec/00072 no montante USD$16.248,46;
- a factura n.º FINIASST/2015Jan/00075 no montante USD$107.787,70;
- a factura n.º FINIASST/2015Feb/00079 no montante USD$106.960,96;
- a factura n.º FINIASST/2015Mar/00080 no montante USD$1.936,53; e
- a factura n.º FINIASST/2015Apr/00083 no montante USD$71,66.
Indicou a data de vencimento de cada factura.
Juntou ainda aos autos cópia das facturas em causa e em cada factura, anexando a discriminação pormenorizada dos serviços de telecomunicações prestados (cfr. fls. 66 a 109 dos autos).
Não ignoramos que este TSI, no Ac. de 15/03/2011, proferido no Proc. nº 674/2011, entendeu que “Não pode ser conhecida no saneador-sentença a questão de fundo com base em documentos particulares a que o contestante é alheio (cópias de facturas e de fotografias), que alegadamente traduzem uma realidade de facto, mas que foi impugnada pelo contestante”.
Ora, a situação dos autos é diferente
Esses documentos foram enviados à Ré tanto pelo Tribunal a quo no acto de citação como pela Autora na fase anterior da acção (facto reconhecido pela Ré em consequência da falta de contestação).
Não foram objecto de qualquer impugnação por parte da Ré, pelo que os factos constantes desses documentos também deveriam ser considerados como reconhecidos ao abrigo do nº 1 do artº 405º do CPC.
Nesta conformidade, achamos que a acção da Autora não deixará de se julgar procedente com base nos factos alegados na petição inicial e nos constantes dos anexos das facturas.
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida;
- julgar a acção procedente e condenar a pagar à Autora as seguintes quantias:
* o valor total de MOP$2.499.377,49 (dois milhões, quatrocentas e noventa e nove mil, trezentas e setenta e sete patacas e quarenta e nove avos), a título de capital em dívida;
* o valor de MOP$188.984,04 (cento e oitenta e oito mil, novecentas e oitenta e quatro patacas e quatro avos), a título de juros de mora vencidos, desde a data de vencimento das respectivas facturas até 20/10/2015; e
* os juros de mora vencidos e vincendos, desde 21/10/2015 até ao integral e efectivo pagamento.
*
Custas em ambas as instâncias pela Ré.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 04 de Julho de 2019.
Ho Wai Neng
José Maria Dias Azedo
Fong Man Chong
1
455/2017