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Processo n.º 111/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 27/Junho/2019
Assuntos:
- Acta da assembleia de condóminos como título executivo
- Aplicação de sanções pecuniárias em caso de inobservância do regime da propriedade horizontal

SUMÁRIO
Para que a acta da assembleia de condóminos possa constituir título executivo quanto às sanções pecuniárias fixadas para a inobservância do regime da propriedade horizontal, é necessário que nela conste a deliberação da assembleia geral do condomínio que mande aplicar, a determinado condómino ou terceiro, a sanção pecuniária em concreto, conforme se estatui no n.º 2 do artigo 1341.º do Código Civil.
Dito de outra forma, não basta existir uma deliberação geral e abstracta que determine a aplicação de sanções pecuniárias aos condóminos, antes é necessário haver uma deliberação concreta que venha apreciar se a conduta do visado, quer por acção quer por omissão, constitui inobservância do regime da propriedade horizontal e, se for o caso, arbitre uma sanção concreta.
No caso vertente, o exequente apresentou uma acta da reunião da assembleia geral do condomínio servindo a mesma de base à execução, mas sucede que não consta dessa acta qualquer deliberação que aprecie a conduta dos condóminos no tocante à inobservância das disposições do regime da propriedade horizontal, nem mande aplicar aos mesmos qualquer sanção pecuniária, em concreto.
Posto isto, a tal acta, na parte referente à multa pelo atraso no pagamento dos encargos devidos pelos condóminos, não produz efeitos de título executivo.

       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 111/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 27/Junho/2019

Recorrentes:
- A e B (embargantes e executados)

Recorrida:
- 路環荷花圍X花園X區(X苑)業主管理委員會(embargado e exequente)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Nos autos de execução movida pelo exequente 路環荷花圍X花園X區(X苑)業主管理委員會 contra os executados A e B, deduziram estes oposição à execução por meio de embargos, pugnando pela improcedência da execução intentada pelo exequente.
Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, foram julgados parcialmente procedentes os embargos.
Inconformados, os embargantes interpuseram recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“I. Da impugnação da matéria de facto – Deviam os quesitos 2º, 4º, 6º, 7º a 9º da Base Instrutória terem sido julgados provados à míngua de contraprova e/ou de qualquer prova em contrário, bem como por força das passagens supra assinaladas dos depoimentos das testemunhas X e X.
II. Excepção de não cumprimento do contrato – Dos art.º 400º e 753º do Código Civil resulta que a obrigação deve ser realizada integralmente e a outra parte não pode ser obrigado a aceitar uma realização parcial ou com vícios.
III. Tal não sucedeu no caso ora em apreço, não tendo o conselho de administração do X Villa, Lote X, do condomínio X Garden cumprido o que lhe competia quanto à segurança e vigilância dos espaços comuns.
IV. Por outro lado, nos artigos 10º e 11º da oposição (fls. 34) o Exequente confessou por força do disposto nos artigos 349º, n.º 1 (1ª parte) e artigo 351º, n.º 1, ambos do Código Civil, que impediu os Recorrentes de adquirirem o cartão chave informatizado do sensor electrónico do portão de ferro do auto-silo.
V. Não o podia ter feito, por tal extravasar por completo as suas competências previstas no artigo 1357º do Código Civil e violar o direito de livre acesso dos condóminos às partes comuns do condomínio de que são comproprietários (art.º 1323º, n.º 1 do Código Civil).
VI. Os Recorrentes são os comproprietários do lugar do estacionamento da fracção autónoma 1/86 “A1”, mas como o conselho de administração do X Villa, Lote X, do condomínio X Garden não consentia aos ora Recorrentes que adquirissem o cartão chave informatizado do sensor electrónico do portão de ferro do auto-silo, na prática, eles ficavam dependentes do guarda de segurança para aceder ao auto-silo e entrar em casa.
VII. Ou seja, sempre que o guarda de segurança não se encontrava na sala de segurança, os ora Recorrentes não conseguiam entrar no auto-silo, o que violava o seu direito de livre acesso às partes comuns do condomínio de que são comproprietários.
VIII. O conselho de administração do X Villa, Lote X, do condomínio X Garden violou assim o seu dever previsto no artigo 1327º do Código Civil de promover o uso e a fruição das partes comuns do prédio.
IX. Ora, de acordo com o art.º 422º do Código Civil, os Recorrentes têm a faculdade de recusar pagar as despesas do condomínio, uma vez que o Exequente não cumpriu, integralmente e sem vícios a sua obrigação de prestação dos serviços de administração das partes comuns do condómino em conformidade com o disposto no artigo 1327º do Código Civil.
X. A decisão recorrido violou, por isso, o disposto no artigo 422º, n.º 1 do Código Civil, por assistir aos recorrentes a faculdade de recusarem a sua prestação enquanto o Exequente não efectuar cabalmente a que lhe caiba por força do disposto no artigo 1357º ex vi do artigo 1329º do Código Civil, designadamente no que respeita aos guardas de segurança do condomínio.
XI. Sem prescindir, independentemente de se verificar a excepção de não cumprimento, sempre devia ter o Tribunal a quo concluído pelo cumprimento defeituoso dos serviços de administração prestados pelo Exequente.
XII. Do cumprimento defeituoso – Como toda a gente podia entrar nas áreas do Lote 3 sem verificação da identificação sempre que o guarda se não encontrasse na sala de segurança ou nela estivesse a dormir, e como os condóminos e visitantes não podiam obter atempadamente a assistência do guarda da segurança, a prestação do conselho de administração do X Villa, Lote X, do condomínio X Garden tem-se por defeituosamente cumprida.
XIII. O cumprimento defeituoso de uma prestação é a má execução material de uma prestação. Existirá quando a obrigação do devedor não é cumprida perfeitamente, isto é quando houver cumprimento imperfeito da obrigação. O acento tónico desta figura está no facto de o dano não provir da falta de prestação ou do seu atraso (mora), mas dos vícios, defeitos ou irregularidades da prestação efectuada. (A. Varela, das Obrigações em Geral, 7ª Edição, 1999, Volume II, pág. 127)
XIV. Devia, pois, o Tribunal a quo ter determinado a redução do montante das despesas do condomínio, pelo princípio de equidade por causa da existência de defeito na prestação dos serviços de segurança e no cumprimento do dever previsto no artigo 1327º do Código Civil de praticar os actos tendentes a promover o uso e fruição das partes comuns do prédio pelos condóminos.
XV. Da inexequibilidade do título executivo (na parte da sanção pecuniária) – O tribunal a quo entendeu que a deliberação da possibilidade de aplicação de multa pelo atraso no pagamento que, com carácter geral e abstracto, foi objecto de deliberação na assembleia Geral de 20.07.2014, se tratava já de uma dívida exequível.
XVI. Sucede que não existe qualquer deliberação pela qual a assembleia gertal do condomínio X Garden, X Villa, Lote X, tenha, ao abrigo do disposto no artigo 1341º, n.º 2 do Código Civil, mandado aplicar, em concreto, qualquer sanção pecuniária aos ora Recorrentes.
XVII. Ora, “倘在有關規章對某些行為訂定定額罰款,假設A作出一個違反行為,是否仍需要分層所有人召開大會作討論及決議﹖按照上文引述之第1341條第2款之規定,答案應為肯定,因為條文中所用的字眼為「具體科處…」,而且所有人大會須對有關事實或行為是否符合有關處罰的前提作出分析及認定…” [Fong Man Chong, Manual de Regime Jurídico da Propriedade Horizontal, 2ª Edição, 2011, pág. 235]
XVIII. Logo, não havendo deliberação que mande aplicar em concreto qualquer sanção pecuniária aos Recorrentes ao abrigo da competência prevista no artigo 1341º, n.º 2 do Código Civil, não existe título executivo nesta parte.
XIX. E mesmo que tal deliberação exista – e não existe – ela não serve de título executivo porque as sanções pecuniárias não se inscrevem nas despesas previstas nos artigos 1339º, n.º 1 e 1332º, n.º 3, ambos do Código Civil, pelo que não se tratam de créditos exigíveis em acção executiva.
XX. Da inexistência da sanção pecuniária – Acresce que, conforme o conteúdo da 6ª deliberação constante do título executivo, no presente acta da reunião da assembleia geral dos condomínios, realizada em 20 de Julho de 2014, a assembleia geral não delegou no conselho de administração, ora Exequente o poder para mandar aplicar em concreto quaisquer sanções pecuniárias, incluindo o poder de aplicar a sanção pecuniária no caso em apreço.
XXI. Pelo que o Exequente não tem poder para exigir o pagamento de qualquer sanção pecuniária aos ora Recorrentes, por tal poder não lhe ter sido delegado pela assembleia geral.
XXII. Logo, não havendo instrumento de delegação de poder que habilitasse o conselho de administração do X Villa, Lote X, do condomínio X Garden a aplicar, em concreto, qualquer sanção pecuniária aos ora Recorrentes ao abrigo do disposto no artigo 1341º, n.º 2 do Código Civil, nem tendo qualquer sanção pecuniária sido aplicada pela assembleia geral a nenhum condómino, incluindo aos ora recorrentes, tal significa que o crédito ora exequendo relativo à sanção pecuniária não existe no mundo do Direito.
XXIII. Não há, portanto, título executivo, nesta parte.”
*
Ao recurso respondeu o recorrido, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“I. 對事實事宜提出的爭執:
1. 即使上述兩名證人曾於聽證中作出涉及調查基礎內容第2、4及第6至9條事實之證言。
2. 但原審法院未能認定有關事實為已證的原因是基於對相關證言的真誠度有所保留。
3. 有鑒於原審法院依法享有自由心證,故證人的證言是否可信此一問題似乎上訴法院亦無權干涉,故理應維持原有的裁決,繼續認定調查基礎內容第2、4及第6至9條事實為未能證明之事實。
II. 合同不履行之抗辯:
4. 合同不履行之抗辯此一問題是建基於針對事實事宜爭執的上訴理據,故只當前者成立時後者才有機會得直的。
5. 正如之前所述,上訴法院理應尊重原審法院之自由心證的情況下,維持有關事實事宜之裁決。
6. 故此,倘若調查基礎內容第2、4 及第6至9條事實仍視為未能證明之事實,那麼本案中亦沒有足夠的事實事宜支撐上訴人所提出的合同不履行之抗辯;所以,在此情況下,有關上訴理據亦只能裁定為理由不成立。
7. 即使不認同上述見解,我們認為履行繳付第1332條所規定的分層建築物之開支的義務所對應的權利成為屬於其所擁有的獨立單位之唯一所有人及同時成為分層建築物之公共部分的共有人,而非單純上訴人所認為的“管理服務”。
8. 只要是分層建築物之其中一名所有人就必然存有義務繳付分層建築物之開支,絕不可能因為分層建築物的所有人沒有被提供想應的給付 – “管理服務”,因而其可以拒絕履行有關法定義務。
9. 故此,合同不履行之抗辯應被裁定為不成立。
III. 瑕疵履行合同:
10. 同樣地,有關瑕疵履行亦都是建基於足夠的事實事宜的情況下才可判斷是否存有瑕疵履行。
11. 然而,本案未能證實看更施天生自我放棄工作及經常在工作時間睡覺、上訴人經常投訴但沒有得到理會,以及上訴人因欠付管理費而不能購買鐵閘的開關感應器。
12. 如此,上訴人根本沒有任何事實理據支持其所提出的瑕疵履行,故有關瑕疵履行亦不應裁定為成立。
IV. 金錢處罰:
13. 立法者賦予分層建築物所有權人大會的會議紀錄具有執行力的原因是為了避免讓一些可結算或容易結算的金錢問題(如: 大廈管理費)需要適用宣告之訴予以解決。
14. 由於金錢處罰是建基於分層建築物所有人不遵守分層所有人大會的決議而導致,而且考慮到上述立法原意就是為了簡捷處理如此微細及簡單的金錢糾紛,因此金錢處罰理應視為包括在上述第1339條第1款所講的“應繳數額”內。
15. 故此,根據《民法典》第1339條第1款之規定,被上訴人認為本案中的2014年07月20日作出的分層建築物大會決議具有執行遲延繳交“管理費”的金錢處罰的效力。
16. 通過2014年07月20日的分層建築物所有人大會決議,毫無疑問分層建築物所有人大會已經具體地命令在任何情況下如翌月01日仍未繳款者就要處罰,因此涉案屋苑的分層建築物所有人大會已經具體地作出相關的處罰命令,故此不存在上訴人所指的欠缺正當性之問題。
基於上述所有事實及法律理由,懇請各尊敬的法官 閣下裁定上訴人的所有上訴理由均不成立,因而維持原審法院於2017年09月20日所作的判決。”

Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Feito o julgamento, foi dada como provada a seguinte factualidade:
No dia 20 de Janeiro de 2008, através de 2ª convocação, pelos Lote 3 e Lote 4 do Edifício X Garden, Beco de Lótus, Coloane, realizou-se uma assembleia-geral do condomínio do Edifício X Garden, Beco de Lótus, Coloane, constituído em propriedade horizontal;
Conforme o registo de presenças da sessão, os proprietários presentes ocuparam 26.92% do valor total do condomínio;
A ordem da assembleia geral incluía a apreciação do orçamento do ano de 2008 e estipular o número das despesas de gestão do ano de 2008 a pagar pelos proprietários;
Conforme o artigo 17º da acta, considerando a inflação do mercado, sugeriram um aumento de 5% das despesas de gestão para edifícios residenciais da seguinte forma:
- Fracções do Tipo A, no valor de MOP1.080,00;
- Fracções do Tipo B, no valor de MOP1.300,00;
- Fracções do Tipo C, no valor de MOP1.515,00;
Sugeriram que as despesas de gestão para os estacionamentos possam ser aumentadas para o valor de MOP100,00 e que possam ser cobradas as despesas de gestão (MOP1 por pés2) dos clubes e lojas, no entanto, como os clubes e as lojas não entraram na exploração, por isso, só cobraram as despesas de gestão no valor de MOP3.000,00 até à exploração dos clubes e lojas (MOP1 por pés2), sendo que o aumento supracitado das despesas de gestão iria entrar em vigor no dia 1 de Março de 2008;
Os proprietários presentes do Lote 3 e do Lote 4 votaram unanimemente a deliberação acima referida;
No dia 27 de Maio de 2012, pelas 14h00 da tarde, através da 2ª convocação, realizou-se uma assembleia geral do condomínio na Lote 3 (X VILLA) do Edifício X Garden, Beco de Lótus, Coloane;
Conforme o registo da sessão a que se refere, os proprietários presentes (42.67% dos condomínios) votaram unanimemente a deliberação da 4) alínea da assembleia-geral, para aumentarem as despesas de gestão de edifícios residenciais do valor de MOP1.080,00 para o valor de MOP1.300,00 por mês e para os estacionamentos o valor de MOP120,00 por mês;
No dia 20 de Julho de 2014, pelas 15h00 da tarde, através da 2ª convocação, realizou-se mais uma vez a assembleia-geral do condomínio da Lote X (X VILLA) do Edifício X Garden, Beco de Lótus, Coloane;
Os proprietários presentes da sessão ocuparam 46.0268% do valor total do condomínio;
Conforme o registo da sessão a que se refere, os proprietários presentes que ocuparam 44.585% do valor total do condomínio votaram o aumento das despesas de gestão para edifícios residenciais no valor de MOP1.300,00 para o valor de MOP1.480,00 e mantiveram o valor para os estacionamentos de MOP120,00;
Na mesma sessão, todos os proprietários presentes votaram unanimemente que, desde Agosto de 2014, a multa por atraso do pagamento mensal das despesas de gestão seria fixado em 50% das despesas de gestão respeitantes ao mês, ou seja, os proprietários deveriam pagar as despesas de gestão antes do décimo dia de cada mês, em caso de não pagamento, os proprietários teriam que pagar a multa por atraso no pagamento das despesas de gestão;
Os executados A e B são os proprietários da fracção autónoma “F6” e da fracção autónoma 1/86 “A1”, com a descrição predial nº ..., localizadas em … do Beco de Lótus;
A fracção autónoma “F6” tem 1663 pés de área, pertence à fracção do tipo A, aludida em d);
Os serviços de administração prestados pelo Conselho de Administração do Lote X (X Villa) do Complexo Habitacional “X Garden” incluem: organizar guardas de segurança para prestação de serviços de guarda e de ronda durante vinte e quatro horas nas entradas e saídas dos edifícios e do silo de estacionamento de veículos; destacar empregados de limpeza para recolha de resíduos domésticos e limpeza da área comum dos edifícios; garantir o fornecimento de serviços gerais na área comum dos edifícios, nomeadamente, iluminação na área comum, utilização de comunicador e recepção de sinais televisivos dos edifícios; manutenção e reparação periódica da área e instalações comuns (equipamentos eléctricos, ascensores); e adquirir seguro contra terceiro para o Lote 3;
Até Fevereiro de 2013, o exequente forneceu os acima referidos serviços de administração para o Lote X (X Villa) do Complexo Habitacional “X Garden” e o 1º executado pagou as respectivas despesas de condomínio;
Em data não apurada, o exequente contratou X para desempenhar funções de guarda de segurança do turno nocturno no Lote 3 (X Villa);
X prestava serviço de guarda de segurança nocturno no lote 3;
Por vezes os executados ao chegarem ao condomínio, conduzindo o seu veículo, precisaram de ajuda do guarda de segurança para abrir o portão do silo de estacionamento de veículos;
Os guardas de segurança têm uma escala de turnos fixa, e às vezes têm que ausentar-se da sala de segurança a fim de fazer patrulha dentro das áreas do complexo habitacional;
Os portões de ferro do parque de estacionamento e dos acessos ao complexo habitacional são operados por meio de sensor electrónico;
Para satisfazer a necessidade de contactar os guardas de segurança, o exequente afixou no átrio dos prédios e na entrada do parque de estacionamento números de telefone para contacto.
*
São várias as questões suscitadas pelos embargantes ora recorrentes.
Comecemos pela impugnação da matéria de facto provada.
Os recorrentes vêm impugnar a decisão sobre a matéria de facto provada nos quesitos 2º, 4º e 6º a 9º da base instrutória, com fundamento na suposta existência de erro na apreciação das provas.
O Tribunal recorrido respondeu aos referidos quesitos da seguinte forma:
Quesito 2º - “O qual em simultâneo desempenhava funções de guarda de segurança do turno diurno no Lote 1 do Complexo Habitacional X Garden?”, e a resposta foi: “Não provado.”
Quesito 4º - “Nestas circunstâncias, durante o desempenho das funções de guarda de segurança à noite, o Sr. X abandonava, por iniciativa própria, o seu posto de trabalho durante longos períodos e/ou dormia durante o tempo de serviço?”, e a resposta foi: “Não provado.”
Quesito 6º - “E quando se deslocaram ao gabinete dos guardas de segurança para se inteirar da situação, o encontraram vazio?”, e a resposta foi: “Não provado.”
Quesito 7º - “Os executados transmitiram, por diversas vezes, a referida situação ao exequente?”, e a resposta foi: “Não provado.”
Quesito 8º - “As queixas apresentadas pelos executados nunca foram atendidas pelo exequente?”, e a resposta foi: “Não provado.”
Quesito 9º - “E, até à presente data, não se verificou também qualquer melhoria nos serviços de guarda de segurança daquele lote?”, e a resposta foi: “Não provado.”
Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º s 1 e 2 do CPC.”
Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
Na mesma senda, salienta-se ainda no Acórdão deste TSI, de 16.2.2017, no Processo n.º 670/2016 que: “Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC” e que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
Analisada a prova produzida na primeira instância, nomeadamente atendendo à prova documental junta aos autos e aos depoimentos das testemunhas, entendemos que não somos capazes de dar razão aos recorrentes.
Na verdade, sempre que uma versão de facto seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras, cabe ao tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, com recurso às regras da lógica e da experiência comum.
Ora bem, discutia-se, entre outras questões, se no Complexo Habitacional X Garden não houve guardas suficientes para assegurar a segurança dos edifícios.
E podemos constatar que os depoimentos das testemunhas são, em grande medida, contraditórios.
Efectivamente, ocorrendo este tipo de situação, o artigo 558.º, n.º 1 do CPC permite que o Tribunal forme a sua íntima convicção a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimentos gerais, salvo erro manifesto ou grosseiro.
No caso em apreço, o Tribunal recorrido logrou fundamentar devidamente a sua decisão sobre a matéria de facto controvertida, nos seguintes termos que se transcrevem:
“A convicção do tribunal resulta do documento de fls. 88 no que concerne à resposta dada ao item 1º.
Quanto ao mais o que se apurou dos depoimentos das duas testemunhas indicadas pelos Autores, a primeira tia da 2ª Autora e o 2º amigo do 1º Autor é que a 2ª Autora e os filhos do casal emigraram para Inglaterra em Junho de 2013 e que desde então o 1º Autor embora continuasse a viver em Macau residia em casa da mãe ou num imóvel destinado ao comércio que possuía, nunca mais tendo sido habitada a fracção autónoma a que se reportam os autos. Enquanto viviam em Macau a 1ª testemunha tomava conta dos filhos do casal quando saiam da escola que frequentavam em Macau – o Colégio D. Bosco – e por vezes quando a mãe tinha jantares com amigos ia levá-los à fracção autónoma aqui em casa relatando que quando chegava ao parque de estacionamento tinha de ir chamar os guardas para abrir a porta do parque de estacionamento porque não tinham comando, referindo que não havia guarda à entrada do parque de estacionamento. A segunda testemunha ouvida diz que quando o seu amigo ali vivia e ia visitá-lo não havia guarda de segurança no parque destinado aos visitantes. Estas duas testemunhas pretendem depois convencer o tribunal da veracidade dos seus depoimentos e de que tinham conhecimento do que se passa no condomínio desde 2013 e depois dos Autores deixarem de ali viver porque vão lá buscar o correio quando vão a Coloane, o que independentemente de ser credível ou não, e não se compreender porque razão têm de ir outros buscar o correio quando o 1º Autor continua a viver em Macau, o certo é que se o segundo nada sabe, a primeira vem manifestamente trazer a versão dos Autores querendo fazer crer uma versão que acaba por revelar não ser verdadeira uma vez que as razões que apresenta para tanto conhecimento ter – ir levar as crianças a casa à noite – acaba por contrariar quando diz que as crianças desde Junho de 2013 não estão em Macau, assim como, quando refere que durante o dia ia à casa em questão, para depois dizer que preparava a refeição às crianças na sua casa em Macau e ali os recebia ao fim do dia e só quando necessário os ia levar a casa à noite, tentando depois justificar tudo saber por ali ir buscar o correio. Concluindo estas duas testemunhas de modo algum convenceram o tribunal da versão que pretenderam relatar.
A terceira testemunha ouvida, morador no prédio desde 2014 vem dizer ao tribunal que encontra os guardas de segurança a fazer a ronda à noite nomeadamente o indicado no item 1º e que uma vez quando no início de ali viver até se assustou quando o mesmo apareceu de lanterna e que o acesso ao parque de estacionamento era feito por comando à distância e depois passou a ser possível instalar um sensor no carro que ao chegar ao parque o portão se abre.
Com esta prova a resposta do tribunal à base instrutória não podia ter outro sentido, sendo certo que, relativamente aos factos não provados não foi produzida prova alguma que com a certeza jurídica necessária permitisse concluir pela veracidade dos mesmos.”

Em nossa opinião, não se vislumbra qualquer erro grosseiro e manifesto por parte do Tribunal recorrido na análise da prova nem na apreciação da matéria de facto controvertida, antes pelo contrário, os dados trazidos aos autos permitem chegar à mesma conclusão a que o Tribunal a quo chegou, pelo que improcedem as razões dos recorrentes nesta parte.
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Invocam os recorrentes a excepção de não cumprimento do contrato, alegando que o exequente ora recorrido não cumpriu o que lhe competia, nomeadamente não ter conseguido manter guardas de segurança suficientes durante 24 horas na área do Lote 3.
Ora bem, não se logrando a comprovação daquela factualidade, sem necessidade de delongas considerações, improcede o recurso quanto a esta questão.
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Apontam ainda os recorrentes que o recorrido os impediu de adquirirem o cartão chave informatizado do sensor electrónico do portão de ferro do auto-silo por costumarem faltar ao pagamento das despesas de condomínio, violando desta forma o seu direito de livre acesso às partes comuns do condomínio de que são comproprietários.
A nosso modesto ver, mesmo que o recorrido não tenha entregado aos recorrentes o cartão chave do portão de ferro do auto-silo, a verdade é que provado não está que o recorrido os impediu de acederem ao auto-silo e entrarem em casa, uma vez que não se provando a falta ou a insuficiência de guardas de segurança, não se pode afirmar que os recorrentes não podiam entrar no auto-silo, mas tão só com o apoio dos guardas de segurança, abrindo o portão quando os recorrentes lá apareciam.
Nesta senda, improcede o recurso nesta parte.
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Alegam ainda que houve cumprimento defeituoso por entenderem que os serviços prestados pelo exequente ora recorrido não correspondiam ao mínimo exigível no que respeitava à segurança e vigilância.
Uma vez mais, por não estar comprovada a referida factualidade, sem necessidade de mais considerandos, há-de julgar improcedente o recurso quanto a esta parte.
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Suscitam ainda os recorrentes a questão da inexequibilidade do título executivo quanto à multa da sanção pecuniária pelo atraso no pagamento dos encargos devidos pelos recorrentes.
Ora bem, provado nos autos que foi deliberado na assembleia geral de condóminos, realizada no dia 20.7.2014, que a multa por atraso do pagamento mensal das despesas de gestão seria fixada em 50% das despesas de gestão respeitantes ao mês.
Dispõe o artigo 1339.º do Código Civil o seguinte:
“1. A acta da reunião da assembleia geral do condomínio que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio constitui título executivo contra o condómino ou terceiros vinculados pela deliberação que, no prazo estabelecido, não pagarem a sua quota-parte.
2. Constitui igualmente título executivo, nos termos do número anterior, a acta da reunião da assembleia que tiver deliberado o pagamento de bens e serviços de interesse comum e de quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, que não devam ser suportadas pelo condomínio.” - sublinhado nosso
Esta disposição legal faz distinção entre “contribuições devidas ao condomínio” (n.º 1) e “bens e serviços de interesse comum e de quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns” (n.º 2), e parece-nos que aquela primeira expressão deve ser entendida em sentido amplo, ou seja, incluem-se nesse âmbito não só aquelas despesas que sejam necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio e ao pagamento dos serviços de interesse comum, como também quaisquer quantias devidas pelos condóminos ou terceiros ao condomínio.
Sendo assim, somos a entender que as sanções pecuniárias integram-se no âmbito das “contribuições devidas ao condomínio”, podendo a acta da assembleia de condóminos constituir título executivo quanto às dívidas previstas no n.º 1 do artigo 1339.º do CC.
Entretanto, para que a acta da assembleia de condóminos possa constituir título executivo quanto às sanções pecuniárias fixadas para a inobservância do regime da propriedade horizontal, é necessário que nela conste a deliberação da assembleia geral do condomínio que mande aplicar, a determinado condómino ou terceiro, a sanção pecuniária em concreto, conforme se estatui no n.º 2 do artigo 1341.º.
Dito de outra forma, não basta existir uma deliberação geral e abstracta que determine a aplicação de sanções pecuniárias aos condóminos, antes é necessário haver uma deliberação concreta que venha apreciar se a conduta do visado, quer por acção quer por omissão, constitui inobservância do regime da propriedade horizontal e, se for o caso, arbitre uma sanção concreta.
No caso vertente, o exequente limitou-se a apresentar a acta da reunião da assembleia geral do condomínio de 20.7.2014, servindo a mesma de base à execução.
Sucede que não consta dessa acta qualquer deliberação que aprecie a conduta dos recorrentes no tocante à inobservância das disposições do regime da propriedade horizontal, nem mande aplicar aos mesmos qualquer sanção pecuniária, em concreto.
Posto isto, salvo o devido respeito por melhor opinião, somos a entender que a tal acta, na parte referente à multa pelo atraso, não produz efeitos de título executivo, por não ser consentâneo com o disposto no n.º 2 do artigo 1341.º do CC.
Procede, pois, esta parte do recurso, não podendo a execução prosseguir para cobrança da multa pelo atraso no pagamento dos encargos devidos pelos condóminos, no montante de MOP10.400,00.
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Por último, dizem os recorrentes que a aplicação da sanção pecuniária compete à assembleia geral de condóminos e na medida em que esta não delegou os seus poderes no recorrido, este não tem poder para exigir dos recorrentes o pagamento de uma sanção pecuniária.
Ora bem, sem necessidade de mais delongas, uma vez que a acta que serve de título executivo não é exequível na parte da sanção pecuniária, prejudicada ficou o conhecimento da questão referente à ilegitimidade do exequente na aplicação da multa pelo atraso.
Por tudo o que se disse, há-de conceder parcial provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos recorrentes A e B, revogando a sentença recorrida na parte em que ordenou o prosseguimento da execução para cobrança da multa pelo atraso no pagamento dos encargos devidos pelos condóminos, no montante de MOP10.400,00.
Confirmando-se a sentença recorrida em tudo o mais.
Custas a cargo dos recorrentes e recorrido, na proporção do decaimento, em ambas as instâncias.
Registe e notifique.
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RAEM, 27 de Junho de 2019
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong



Recurso cível 111/2018 Página 24