--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 27/06/2019 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng -------------------------------------------------------------------
Processo n.º 292/2019
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A
DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por sentença proferida a fls. 97 a 104 do ora subjacente Processo Comum Singular n.º CR4-18-0361-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A, aí já melhor identificado, como autor material de um crime consumado de emprego, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, em três meses e quinze dias de prisão, suspensa na execução por um ano e seis meses, sob condição da prestação monetária de quinze mil patacas no prazo de dez dias contado do trânsito em julgado da sentença.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no seu essencial, e rogando o seguinte na sua motivação de fls. 123 a 127 dos presentes autos correspondentes:
– ele próprio, na audiência de julgamento, negou a prática do crime;
– a testemunha trabalhadora B declarou, na audiência de julgamento, que não tinha recebido recompensa por parte do próprio ora recorrente para trabalhar, bem como declarou que o teor das declarações então prestadas por ela em memória futura não correspondia à verdade;
– porém, o Tribunal recorrido procedeu à leitura dessas declarações, medida de leitura de declarações essa que só deve ser adoptada em situação muito especial, sob pena de abuso dessa medida, ao arrepio do princípio do (n.o 1 do) art.o 336.o do Código de Processo Penal (CPP);
– o próprio recorrente e essa testemunha são primos (paternos), e têm entre si boas relações, pelo que não se pode pegar na permanência dessa testemunha na residência do recorrente para incriminar o recorrente em sede do tipo legal de emprego ilegal;
– sobretudo por essas razões, cometeu o Tribunal recorrido erro notório na apreciação da prova, aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, para além de padecer a decisão recorrida do vício de contradição insanável da fundamentação, referido na alínea b) do n.o 2 deste mesmo artigo;
– deve o recorrente ser absolvido do crime de emprego.
Ao recurso, respondeu o Digno Procurador-Adjunto a fls. 130 a 133v dos autos, no sentido de manutenção do julgado.
Subido o recurso, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer a fls. 141 a 142v, pugnando pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do CPP.
2. Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– o texto da sentença ora recorrida consta de fls. 97 a 104 dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido;
– o Tribunal recorrido chegou a expor aí as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos (cfr. o teor do aresto recorrido, a partir do último parágrafo da sua página 8 até ao terceiro parágrafo da sua página 10, a fls. 100v a 101v), depois de ter elencado e resumido o teor das diversas provas (nas páginas 5 a 8 do mesmo texto decisório, a fls. 99 a 100v);
– da acta da audiência de julgamento em primeira instância, lavrada a fls. 94 a 96, consta (cfr. especialmente o teor da fl. 95) que o Tribunal recorrido, ante a evidente contradição entre as declarações prestadas pela testemunha B na audiência de julgamento e as por ela prestadas em memória futura, decidiu, nos termos do art.o 337.o, n.o 3, alínea b), do CPP, proceder e procedeu à leitura das declarações então prestadas por essa testemunha em memória futura, registadas a fl. 30 a 30v, com conjugação com o teor das declarações então prestadas pela mesma testemunha à Polícia, registadas a fl. 10 a 10v.
3. Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, decidindo:
No tocante à questão, esgrimida inclusivamente pelo arguido ao Tribunal sentenciador recorrido, de erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP: vistos todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, não se mostra patente que o resultado de julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo tenha sido obtido com violação de quaisquer regras da experiência da vida humana, ou quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no campo de julgamento de factos, tendo-se o recorrente limitado a tentar fazer impor, mas infundadamente, o ponto de vista dele sobre a factualidade provada, ao arrepio, assim, do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP, sendo de frisar que:
– no caso dos autos, em face da contradição entre as declarações da testemunha acima referida na audiência de julgamento em primeira instância e as declarações então prestadas por ela em memória futura, é legal, nos termos do art.o 337.o, n.o 3, alínea b), e n.o 8, do CPP, a decisão judicial de leitura das declarações em memória futura em causa, sem violação do princípio do n.o 1 do art.o 336.o do CPP (pois, a leitura das declarações em memória futura, legalmente realizada, é expressamente ressalvada pelo n.o 2 deste artigo).
– e sobre a consideração tecida pelo Tribunal recorrido na fundamentação probatória da sentença recorrida no sentido de que se à testemunha referida não tivesse sido necessário trabalhar pelo arguido, não se vislumbraria qualquer razão para ela permanecer frequentemente na residência do arguido: embora o arguido tenha direito de discordar pessoalmente dessa consideração, a mesma consideração não deixa de estar em sintonia com o resultado da análise de diversos elementos probatórios produzidos no julgamento em primeira instância, pelo que não pode a sentença recorrida padecer do também assacado vício de contradição insanável da fundamentação.
É, pois, de rejeitar o recurso, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, atento o espírito do n.º 2 desse art.º 410.º deste diploma.
4. Nos termos expostos, decide-se em rejeitar o recurso.
Pagará o arguido as custas do recurso, com duas UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso) e mil e novecentas patacas de honorários do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 27 de Junho de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator do processo)
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