Proc. nº 550/2018
Recurso contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 27 de Junho de 2019
Descritores:
- Autorização de residência
- Caducidade da autorização
- Boa-fé
SUMÁRIO:
Por não existir, por parte do IPIM, a obrigação legal de elucidar os requerentes de autorização de residência temporária sobre o significado do conceito de residência habitual, não se pode dizer violado o princípio da boa-fé se o IPIM nunca chegou, antes da declaração de caducidade da autorização de residência, a esclarecer ao interessado aquele conceito.
Proc. nº 550/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A A, do sexo feminino, casada, de nacionalidade chinesa, titular do passaporte da RPC n.º E626******, com o endereço em fracção ... do Bloco ... do Edifício ...... na Rua ...... ---
Recorre contenciosamente ---
Do despacho de 27 de Abril de 2018, proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças, sob delegação do Chefe do Executivo ---
Que declarou a caducidade da autorização de residência temporária que pela primeira vez lhe fora concedida em 2009.
Terminou a petição inicial com as seguintes conclusões:
“1. O acto objecto de recurso contencioso é a decisão de 27 de Abril de 2018, quanto ao processo n.º P2296/2008/03R, proferida pelo Secretário para a Economia e Finanças conforme a delegação do Chefe do Executivo da RAEM, na qual declarou a caducidade da autorização de residência temporária da recorrente (doravante designada simplesmente por “a decisão recorrida”) (vide o documento 1).
2. A razão de proferir a decisão recorrida (vide o documento 1):
c) A recorrente não realizou a residência habitual em Macau durante o período de 2011 a 2017.
d) A recorrente não cumpriu a função de gestão em Macau.
3. Com o devido respeito por decisão proferida pelo Secretário para a Economia e Finanças, a recorrente não concordou com a razão de proferir a decisão recorrida.
I. Quanto à residência habitual em Macau
4. Antes de mais, a recorrente ingressou no serviço da “Agência Comercial XX” em 2009, com base nisso, foi concedida, pela primeira vez, a autorização de residência temporária em 2 de Julho de 2009.
5. Após ter sido concedida a autorização de residência temporária, na maior parte de cada ano, a recorrente residiu em Macau.
6. Desde o ano de 2012, como a sociedade em que a recorrente trabalhou foi afectada pelo aspecto da exploração, causando assim o decaimento no sector de rentabilidade, segundo a solicitação da sociedade, a recorrente foi à cidade de Xangai, para manter a relação estabelecida com os clientes já existentes e de gerir as actividades de importação e exportação dos produtos de algumas marcas, bem como participar na exposição realizada na região Europeia e na região Americana, a fim de buscar a nova relação de cooperação em matéria de marcas, de desenvolver os novos recursos de produtos, até para apoiar o desenvolvimento da empresa e de acrescentar as fontes de clientes.
7. Com base na deslocação em serviço ao exterior por longo prazo, desde o ano de 2012, para a recorrente, a quantidade dos dias de permanência em Macau reduziu.
8. Nesta situação, a recorrente pediu à empresa em que trabalhava a pagar a retribuição em numerário, a fim de facilitar a deslocação em serviço ao exterior e o investimento pessoal no continente da China.
9. Nos tempos indeterminados, a recorrente voltou à cidade de Macau para levantar a retribuição.
10. Embora a recorrente não pudesse levantar a retribuição em cada mês, segundo o registo de levantamento da retribuição, pode-se ver que a recorrente é autenticamente recrutada pela “Agência Comercial XX” e sempre continua efectuar o acto de levantar a retribuição.
11. A decisão recorrida só apontou que desde o ano de 2012, para a recorrente, a quantidade dos dias de permanência em Macau reduziu, mas na qual não tendo considerado que devido à razão de trabalho, a recorrente assim não poderia permanecer de forma frequente em Macau.
12. Só com base na razão de trabalho, a recorrente teria de trabalhar frequentemente ao exterior, mesmo assim, tudo é para expandir e gerir as actividades do empregador em Macau, até promover a economia de Macau.
13. Para além disso, segundo a norma do artigo 1º, alínea 3) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a recorrente pediu ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a autorização de fixação de residência temporária na qualidade de “imigração para os indivíduos com formação especial”.
14. Compreende-se que o pensamento legislativo do regulamento administrativo acima referido é de atrair os indivíduos com formação especial à RAEM através de conceder aos interessados a oportunidade de formular o pedido de emissão do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, até para elevar a qualidade da população trabalhadora da RAEM e promover a economia da RAEM.
15. Quanto ao entendimento de “residência habitual” para a autorização de residência temporária, não sendo a situação da recorrente subsumível a tal entendimento do Serviço de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
16. A recorrente e o cônjuge dela B B moraram na fracção ... do Bloco ... do Edifício ...... na Rua ......, as partes contraíram matrimónio oficialmente em Macau em 02/02/2018.
17. A recorrente deu à luz o filho no dia 17/02/2018, toda a família toma a RAEM como lugar de residência.
18. A recorrente sempre tem a RAEM como seu centro de vida, nunca tem a intenção de mudar de residência.
19. A recorrente, como um cidadão comum que tem residência, trabalho e os familiares em Macau, sempre tem a RAEM como seu centro de vida.
20. A situação da recorrente reúne o conceito de “residência habitual”, a recorrente reside habitualmente em Macau.
21. Nos termos do artigo 24º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, será considerar ainda válida a autorização de residência da recorrente.
22. O Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau nunca explicou à recorrente a definição da “residência habitual”, nem chegou a informar à recorrente o número de dias que tem que ficar em Macau durante o período de residência temporária autorizada.
23. A recorrente sempre entende que ela reuniu os requisitos para a residência temporária.
24. Em 2016, na apreciação do pedido de residência, o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau apontou que o pedido da recorrente ainda reuniu as normas legais concernentes, nesta situação, o IPIM autorizou o pedido de renovação da recorrente.
25. No entanto, em 2017, quando a recorrente pediu a substituição do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM, o IPIM entendeu que a situação da recorrente não reuniu o conceito da “residência habitual”, no fim, foi declarada a caducidade da autorização de residência temporária da recorrente.
26. A situação do trabalho da recorrente e a situação de diminuição dos dias permanentes em Macau não aconteceram depois do ano de 2016, mas depois do ano de 2012, porém, naquele momento, contra estas situações, nunca recebeu qualquer resposta do IPIM.
27. Até ao ano de 2018, o IPIM decidiu, de imprevisto, declarar a caducidade da autorização de residência temporária da recorrente.
28. A recorrente entendeu que ela pudesse adquirir a autorização da residência permanente, toda a família poderia residir em Macau, mas acontece que tal desiderato não se pode concretizar.
29. A decisão recorrida viola o princípio fundamental registado no Código do Procedimento Administrativo: o princípio da boa fé.
II. Quanto ao cumprimento da função de gestão em Macau
30. Em 2009, no momento em que a recorrente pediu, pela primeira vez, a autorização de residência temporária, a recorrente entregou o documento de certificado de trabalho, registou no qual o cargo da recorrente - “gerente do desenvolvimento de negócios”.
31. O tal certificado de trabalho foi elaborado pelo funcionário da Agência Comercial XX, com base na negligência, a recorrente não mostrou ter-se apercebido que o cargo registado no certificado foi descrito como “gerente do desenvolvimento de negócios”.
32. De facto, desde o ano de 2009, ou seja, naquele momento, a recorrente pediu, pela primeira vez, a autorização de residência temporária, até agora, a recorrente sempre exerceu funções de “administrador”, o conteúdo funcional do “administrador” é igual com o do “gerente do desenvolvimento de negócios”: desenvolver as fontes de clientes no continente para a “Agência Comercial XX”, segundo a solicitação da empresa, for à cidade de Xangai para manter a relação estabelecida com os clientes e de gerir as actividades de algumas marcas da empresa, além disso, a recorrente terá que participar frequentemente na exposição realizada na região Europeia e na região Americana, a fim de buscar a cooperação em matéria de marcas, de desenvolver os novos recursos dos produtos, o centro de preocupação é de expandir as actividades de Macau.
33. O cargo de “gerente do desenvolvimento de negócios” e o cargo de “administrador” têm o conteúdo funcional idêntico, só têm a diferença na designação, não se encontram quaisquer alterações no conteúdo funcional.
34. Desde o ano de 2012, com base na necessidade de trabalho, a recorrente teria que ir frequentemente ao continente e ao exterior, mas sempre mantendo o conteúdo funcional.
35. Nestes termos, o conteúdo funcional da recorrente não foi alterado, por isso, a recorrente não se deve cumprir o dever de comunicação previsto pelo artigo 18º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
36. Além disso, mesmo que a recorrente tivesse de ir frequentemente ao continente e ao exterior, causando que a recorrente não poderia trabalhar frequentemente em Macau, porém, desde o início até agora, a recorrente sempre exerceu funções para a “Agência Comercial XX”, com a intenção de gerir o trabalho para a empresa.
37. A recorrente sempre cumpriu o contrato de recrutamento entregue para o pedido da residência temporária e o trabalho descrito no cargo.
38. A organização de trabalho tem carácter transitório, a “Agência Comercial XX” ainda tem necessidade de recrutar a recorrente.
39. Por outras palavras, a recorrente ainda reúne os requisitos no momento inicial em que pediu a residência temporária, nesta situação, a recorrente deve-se continuar tomar posse do estado de residente de Macau, a fim de elevar a qualidade da população trabalhadora de Macau e de promover a economia da RAEM.
40. Pelo exposto, a decisão recorrida viola as normas do artigo 9º da Lei n.º 4/2003, do artigo 24º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 e do artigo 8º do Código do Procedimento Administrativo, a decisão recorrida deverá ser anulada.”
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Na contestação da entidade recorrida foram formuladas as seguintes conclusões:
“I. A Administração tem de considerar sinteticamente os diversos elementos da recorrente para determinar, concretamente, se esta tem “residência habitual” em Macau.
II. Alegou a recorrente que por causa do trabalho, não consegue permanecer frequentemente em Macau, mas tem o centro da vida em Macau, especialmente que vive e habitua em Macau junto com o marido e o filho.
III. A recorrente apresentou as certidões de casamento e de nascimento do filho, no entanto, tais certidões só podem provar que a recorrente constituiu família em Macau a partir de 2018, mas não mostram que a recorrente tinha, antes disso, o centro da sua vida em Macau.
IV. No início, a recorrente requereu e obteve, na qualidade de quadro dirigente, a autorização de residência temporária, e exerceu, respectivamente, as funções de “gerente de desenvolvimento das actividades” (responsável pela promoção das actividades e pela gestão de 5 lojas) e de “directora administrativa” (responsável pela coordenação e gestão de pessoal e administrativa da companhia).
V. Porém, ao longo dos anos, a recorrente permaneceu por pouco tempo em Macau (permaneceu em Macau por 93 dias em 2012, 19 dias em 2013, 11 dias em 2014, 24 dias em 2015, 31 dias em 2016, e 73 dias entre Janeiro e Setembro de 2017).
VI. A recorrente alegou que deslocou-se frequentemente para o exterior a pedido do seu empregador, a fim de procurar a clientela, manter a relação com os clientes e a marca da companhia, no entanto, isso não é motivo de força maior, e ao contrário, tais condutas mostram que a recorrente mudou, voluntariamente, o centro da sua vida para o exterior.
VII. O cargo da recorrente envolve diversos trabalhos de pessoal e administrativa, mas ela não alegou ou explicou se já exerceu ou não a respectiva função, nem apresentou qualquer prova que ajuda a comprovar o exercício da função.
VIII. Por isso, através de análise dos fundamentos alegados pela recorrente da impossibilidade de permanência em Macau, e comparando o número dos dias de permanência em Macau com o conteúdo funcional constante da certidão de trabalho, pode-se demonstrar, de forma suficiente, que a recorrente não exerceu efectivamente a função de gestão da companhia do empregador.
IX. Obviamente, quer na vida pessoal, quer no trabalho, a recorrente não tem o seu centro habitual de vida em Macau.
X. Cabe à recorrente cumprir a lei, e a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento (art.º 5.º do Código Civil).
XI. Os órgãos administrativos não se obrigam a explicar, por iniciativa própria, definições jurídicas, salvo quando for solicitado, pela parte, o fornecimento da respectiva informação.
XII. Desde que a recorrente intentou obter o direito à residência, devia conhecer e cumprir, por iniciativa própria, a respectiva disposição legal, e não tem razão para alegar, de súbito, a ignorância da lei e imputou à Administração a falta de explicação.
XIII. Improcedente o vício da violação do princípio da boa fé, imputado ao acto recorrido pela recorrente.
Pelo exposto, pede-se ao Tribunal Colectivo do TSI para julgar improcedente e rejeitar o recurso contencioso da recorrente.”
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Apenas a recorrente apresentou alegações, nas quais, porém, reiterou essencialmente a posição já manifestada na petição inicial.
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O digno Magistrado do MP pronunciou-se pela improcedência do recurso em termos que adiante transcreveremos.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa.
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III – Os Factos
1 – A recorrente começou a trabalhar como “gerente do desenvolvimento de negócios”, para a “Agência Comercial XX” em 2009, vindo a obter autorização de residência temporária em 2/07/2009.
2 – A autorização de residência temporária foi sucessivamente concedida até ao dia 6/01/2019.
3 – A recorrente e B contraíram casamento em Macau no dia 2/02/2018, tendo dado à luz em 17/02/2018 um filho.
4 – No dia 19/04/2017 a recorrente entregou no IPIM o pedido da carta de confirmação com a intenção de adquirir o BIRPM.
5 – Foi então lavrada a seguinte Proposta nº 00946/AJ/2018:
“Assunto: Proposta de declaração de caducidade da autorização de residência temporária (processo n.º 2296/2008/03R)
Proposta n.º 00946/AJ/2018
Data: 09/04/2018
O Senhor CC, Director do Departamento Jurídico e de Fixação de Residência:
1. A requerente AA, segundo as normas do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, com base no facto de – a requerente foi recrutada pela “Agência Comercial XX” e trabalhou como “gerente do desenvolvimento de negócios”, a requerente foi concedida, pela primeira vez, a autorização de residência temporária, em 2 de Julho de 2009.
2. Em 15 de Dezembro de 2015, a requerente pediu a renovação da autorização de residência temporária com período de validade até ao dia 1 de Janeiro de 2016, e foi concedida, em 1 de Dezembro de 2016, a renovação da autorização de residência temporária com período de validade até ao dia 6 de Janeiro de 2019.
3. Segundo os elementos existentes, em 2 de Julho de 2016, quanto ao período de concessão da autorização de residência temporária, a requerente completou 7 anos de tempo, nesta situação, a requerente entregou a presente instituto o Pedido da Carta de Confirmação em 19 de Abril de 2017, com a intenção de adquirir o Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM. (vide o documento anexo 1)
4. Durante este período, recolheu o documento de relação de trabalho (vide o documento anexo 2) e os elementos do registo de migração (vide o documento anexo 3) da requerente, a fim de analisar a condição da autorização de residência temporária concedida, ora faz a seguinte análise quanto aos elementos acima referidos:
(1) Por via do documento entregue pela requerente em 19/09/2017 e em 29/11/2017, demonstraram que em ano de 2012, a requerente foi enviada à Cidade de Xangai para tratamento dos negócios no continente, ao mesmo tempo, a requerente era responsável, por longo prazo, pela participação nas exposições realizadas na região Europeia e nos EUA, a fim de buscar a cooperação e a venda por grosso em matéria de marcas, e de desenvolver os novos recursos de produtos.
(2) Nesta situação, entendeu que ocorreu a alteração do teor da relação de trabalho da requerente no ano de 2002, mas a requerente não cumpriu o dever de comunicação previsto pelo artigo 18º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
(3) Por outro lado, a requerente, por via da tabela de atribuição do vencimento da Agência Comercial XX (desde 01/2016 até 08/2017) apresentada por si, verificou que recebeu o vencimento mensal no valor de MOP$50.000,00. A requerente explicou que devido ao motivo pessoal e à natureza de trabalho, o empregador sempre atribuiu o vencimento em numerário.
(4) A instituição onde a requerente exerceu as suas funções emitiu a “declaração” para a requerente em 7 de Setembro de 2017, relatou que “Nos recentes anos, a requerente trabalhou maioritariamente ao exterior, nesta situação, a requerente solicitou a empresa a atribuir o vencimento em numerário, o qual foi recebido, de forma mensal, pela requerente”.
(5) Embora a requerente apontasse na “declaração” apresentada em 8 de Setembro de 2017 que, “Nos tempos indeterminados, a requerente assinou para receber o vencimento em numerário, normalmente, cada vez quando a requerente voltou a Macau, sempre assinou, por si, para receber o vencimento em numerário”.
(6) No entanto, segundo a conta corrente no continente e o registo da conta bancária de Macau apresentados pela requerente, não parecem suficientes para demonstrar a circunstância de - a requerente assinou, para receber o vencimento mensal no valor de MOP$50.000,00.
(7) Se como declarasse o empregador da requerente, “O empregador atribuiu à requerente, ao longo do tempo, o vencimento em numerário, os vencimentos foram recebidos pela requerente, mês por mês”.
(8) Com base nisso, para a requerente, deve-se existir o registo de permanência ou de entrada na RAEM por cada mês.
(9) No entanto, segundo os elementos demonstrados no registo de migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública, a requerente não realizou a residência habitual na RAEM durante o período de 2011 a 2017. Entre os quais, no período de 02/2012 a 06/2012; em Março, Abril, Junho, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2013; em Janeiro, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2014; em Fevereiro, Abril e Julho de 2015; em Maio, Julho, Agosto e Setembro de 2016, não se encontram o registo de entrada na RAEM da requerente.
(10) Conforme os elementos supracitados, verificaram que durante o período de 2016 até ao dia 29 de Setembro de 2017, a requerente só permaneceu no total de 104 dias em Macau. Daí se pode ver que a requerente não realizou a residência habitual na RAEM, não exerceu a função de gestão em Macau, também não cumpriu o contrato de recrutamento entregue no momento de apresentar o pedido nem cumpriu o trabalho descrito no cargo.
5. Com base no facto acima relatado, entendeu que a requerente não reuniu o requisito para manter a autorização de residência temporária, deve-se declarar a caducidade da autorização de residência temporária da recorrente, cujo período de validade é até ao dia 6 de Janeiro de 2019, nos termos do artigo 23º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, aplicável subsidiariamente, do artigo 9º da Lei n.º 4/2003 e do artigo 24º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005. Para isso, realizou a audiência escrita para a requerente. (vide o documento anexo 4)
6. O advogado representante da requerente apresentou a opinião de resposta (vide do documento anexo 5) para a requerente, cujo conteúdo se transcreve principalmente:
(1) Em 2009, quando a recorrente pediu, pela primeira vez, a autorização de residência temporária, o certificado de trabalho e outros elementos entregues pela requerente foram elaborados pelo ex-funcionário da Agência Comercial XX, com base no cargo candidatado pela requerente, o funcionário assim elaborou o respectivo certificado de trabalho.
(2) Desde o ano de 2009, a requerente sempre exerceu funções de “administrador”, não se encontra a qualquer alteração de área ou conteúdo funcional, a requerente realizou a expansão de negócios e a exploração dos mercados em várias regiões para a “Agência Comercial XX”, e declarou que só existia a diferença na designação entre o cargo de “gerente do desenvolvimento de negócios” e o cargo de “administrador”, em princípio, não se encontra quaisquer alterações no conteúdo funcional dos dois cargos.
(3) A requerente sempre toma a RAEM como residência habitual, além disso, a requerente reside em Macau com o seu cônjuge e tem a RAEM como seu centro de vida, com base na razão de trabalho, a requerente não ficou sempre em Macau.
(4) A requerente quer viver em Macau com o seu cônjuge e o filho nascido em HK.
(5) O advogado representante da requerente entende que a residência habitual é um conceito jurídico abstracto, para um cidadão comum que tem a residência, o emprego e o cônjuge em Macau, esse cidadão não entende que a condição dele não reúne o conceito da residência habitual.
(6) Ao mesmo tempo, apontou que: nos termos do artigo 4º, n.º 4 da Lei n.º 8/1999, “4. Para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente: 1) O motivo, período e frequência das ausências; 2) Se tem residência habitual em Macau; 3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; 4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.”
(7) Com base na razão de trabalho, a requerente não ficou sempre em Macau; a requerente sempre toma a RAEM como residência habitual, sempre reside na fracção ... do Bloco ... do Edifício ...... na Rua ...... com o seu cônjuge B B, as partes contraíram matrimónio oficialmente em Macau em 02/02/2018; desde o mês de Agosto de 2009, a requerente ingressou no serviço da “Agência Comercial XX” e trabalhou como “administrador”; a requerente sempre tem a RAEM como seu centro de vida; o filho nasceu no dia 17 de Fevereiro de 2018, a requerente planeia que toda a família continua residir na RAEM. Nestes termos, entende que a situação da requerente reúne o conceito da residência habitual.
(8) Por outro lado, o advogado representante da requerente apontou que, compreende-se que o pensamento legislativo do artigo 1º, alínea 3) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 é de atrair os indivíduos com formação especial à RAEM através da concessão da autorização de residência temporária, até para promover a economia da RAEM. Quanto ao entendimento de “residência habitual” para a autorização de residência temporária, não sendo a situação da requerente subsumível a tal entendimento do Serviço de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
(9) Nesta situação, requer que admita a explicação da requerente, mantenha a autorização de residência temporária, não declare a caducidade da autorização de residência temporária, para que a requerente possa residir com o seu cônjuge e o seu filho em Macau, no estado do residente de Macau.
7. Quanto à resposta acima indicada, analisa-se o seguinte:
(1) Mesmo que a requerente declarasse que só existisse a diferença de designação entre o cargo de “gerente do desenvolvimento de negócios” e o cargo de “administrador”, em princípio, não se encontrou qualquer alteração no conteúdo funcional dos cargos, o documento foi elaborado pelo ex-funcionário da “Agência Comercial XX”, é de referir que o respectivo documento foi entregue à requerente para o uso dela, nesta situação, a requerente deve assumir a responsabilidade respectiva.
(2) Segundo o que relatou na resposta da requerente, embora a requerente fosse recrutada pelo empregador de Macau, no entanto, devido à necessidade de trabalho, a requerente tinha que trabalhar, de forma frequente, ao exterior, nesta situação, entende que a requerente não cumpriu a função de gestão em Macau.
(3) Mesmo que o advogado representante da requerente mencionasse que deveria considerar a condição pessoal e a razão de não permanecer em Macau, o mesmo até reconheceu que a requerente realizou a residência habitual em Macau.
(4) No entanto, na realidade, segundo os elementos do registo de migração, a requerente declarou que era responsável pela expansão de negócios e pelo desenvolvimento dos mercados em várias regiões para a “Agência Comercial XX”. Durante este período, em 2012, a requerente permaneceu no total de 93 dias em Macau; em 2013, no total de 19 dias; em 2014, no total de 11 dias; em 2015, no total de 24 dias; em 2016, no total de 31 dias; de Janeiro de 2017 a 29 de Setembro de 2017, no total de 73 dias.
(5) Segundo os dados supracitados, conhecemos que durante o período acima referido, a requerente permaneceu, de raro em raro, em Macau.
(6) Conforme os documentos, verificaram que a requerente casou com o seu cônjuge em 2 de Fevereiro de 2018 em Macau, e deu à luz o filho em HK, no dia 17 de Fevereiro de 2018.
(7) Considerando as circunstâncias acima referidas, entende que a requerente não realizou a residência habitual na RAEM, nesta situação, não se pode manter a autorização de residência temporária concedida em 1 de Dezembro de 2016.
8. Face ao expendido, como a residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência, no entanto, segundo os elementos do registo de migração, na maior parte do tempo, a requerente não ficou em Macau, não realizou a residência habitual em Macau, nem cumpriu a função de gestão em Macau. Após a audiência escrita, propôs-se ao Secretário para a Economia e Finanças a declarar caducidade da autorização de residência temporária concedida à recorrente, cujo período de validade é até ao dia 6 de Janeiro de 2019, nos termos do artigo 23º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, aplicável subsidiariamente, do artigo 9º da Lei n.º 4/2003 e do artigo 24º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Por tudo o exposto, submete-se à apreciação e ao despacho superior.
Técnico superior Gerente, substituto da Divisão de Assuntos Jurídicos
Assinatura Assinatura
DD EE
09/04/2018 11/04/2018”
6 – O Director do Departamento Jurídico e de Fixação de Residência Emitiu, então, o seguinte parecer:
“Concordo com o teor da proposta, como a residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência, porém, o interessado não realizou a residência habitual durante o período de concessão quanto ao pedido da autorização de residência temporária, além disso, não cumpriu a função de gestão em Macau. Após a audiência escrita, proponho ao Secretário para a Economia e Finanças a declarar caducidade da autorização de residência temporária da requerente, cujo período de validade é até ao dia 6 de Janeiro de 2019, nos termos do artigo 23º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, aplicável subsidiariamente, do artigo 9º da Lei n.º 4/2003 e do artigo 24º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Submeto à apreciação superior.
Assinatura
CC
Director do Departamento Jurídico e de Fixação de Residência
11/04/2018”
7 – Em 27/04/2018, o Secretário para a Economia e Finanças lavrou o seguinte despacho: “Aprovo a proposta”.
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IV – O Direito
Sobre a matéria do recurso e vícios respectivos, o digno Magistrado do MP teve oportunidade de opinar o seguinte:
“Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 27 de Abril de 2018, da autoria do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, que, no seguimento de proposta e pareceres do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), declarou a caducidade da autorização de residência temporária da recorrente A.
Na sua petição de recurso, a recorrente sustenta que o acto está viciado de violação de lei, por ofensa do princípio da boa-fé e por afrontar os artigos 9.º da Lei 4/2003 e 24.º, n.º 2, do Regulamento Administrativo 5/2003, no que é contraditado pela autoridade recorrida, que defende a legalidade do acto e pugna pela sua manutenção.
Vejamos.
O acto está sustentado na circunstância de a recorrente não ter residido habitualmente em Macau, entre 2011 e 2017, onde acabou por não exercer as funções de gestão que tinham estado na base da concessão da residência temporária, situação que, nos termos das disposições dos artigos 9.º, n.º 3, da Lei 4/2003, e 24.º do Regulamento Administrativo 5/2003, aplicáveis por força do artigo 23.º do Regulamento Administrativo 3/2005, constitui motivo de caducidade da autorização de residência temporária.
Diz a recorrente que o acto atenta contra o princípio da boa-fé, já que, por um lado, nunca o IPIM lhe explicou a definição de residência habitual e a informou do número de dias que tinha que permanecer em Macau, e, por outro, a autorização de residência tinha-lhe sido renovada em 2016, tendo então a Administração considerado que estavam reunidos os requisitos para o efeito, vindo depois a declarar a caducidade com base em factos anteriores a 2016, assim acabando por dar o dito por não dito.
Não creio que esteja configurada a alegada violação do princípio da boa-fé. Não há, da parte do IPIM, a obrigação legal de elucidar os requerentes de autorização de residência temporária sobre o que deva entender-se por residência habitual e número de dias de permanência efectiva em Macau que o conceito demanda, nem se apura que o IPIM se haja comprometido a fornecer tal elucidação à recorrente ou lhe haja incutido a expectativa de não questionar ou não sindicar o tempo da sua efectiva permanência em Macau, ao abrigo da autorização de residência concedida. De outra banda, a circunstância de ter sido declarada a caducidade com base numa situação fáctica ocorrida antes da renovação de 2016 em nada briga com o princípio da boa-fé. Pois nada indica, nem a recorrente o sugere, que, ao renovar a autorização de residência em 2016, a Administração tivesse já conhecimento dos motivos fácticos em que posteriormente se louvou para justificar a caducidade.
Improcede este vício.
Quanto às apontadas normas da Lei 4/2003 e Regulamento Administrativo 5/2003, a recorrente intenta demonstrar a sua violação mediante defesa de um certo conceito de residência habitual que não impõe a permanência no local da residência.
Casos haverá em que a circunstância de não se permanecer regularmente no sítio que se erigiu como sendo o local de residência não briga com a manutenção da residência habitual nesse lugar. Ponto é que a pessoa, mesmo que se ausente por períodos de tempo mais ou menos longos, mantenha o seu centro de vivências e interesses nesse lugar. Ora, no caso da recorrente, constata-se - ela confessa-o, aliás - que, desde 2012, passou a estar centrada em Xangai, onde foi gerir as actividades de algumas marcas da empresa e a relação com clientes já existentes, e a partir donde se deslocava para participar em exposições que tinham lugar na Europa e na América. Esta situação, confirmada pelos dados de entrada e saída de Macau - que indicam ter passado escassos dias no Território, sobretudo nos anos de 2013 a 2016, em que o tempo de permanência não excedeu um mês - é demonstrativa de que, a partir de 2012, deixou de residir habitualmente em Macau, no sentido que supra assinalámos. O argumento de ter contraído casamento em Macau e de ter dado à luz em Hong Kong em nada contribui para infirmar a falta de habitualidade da residência em Macau, pois trata-se de eventos ocorridos já depois daqueles anos em que o seu centro de vivências e interesses esteve deslocado de Macau e assentou em Xangai.
E, tendo residido e trabalhado fora de Macau naqueles anos, toma-se também evidente que não exerceu em Macau as funções de gestão que estiveram na base da concessão de autorização de residência temporária.
Não se detecta qualquer violação dos apontados normativos, pelo que também este vício improcede.
Ante o exposto, e na improcedência dos suscitados vícios, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso.”
Estamos em sintonia com o teor do parece transcrito, que para todos os efeitos fazemos nosso.
Desta maneira, não podemos dar por verificada a violação do princípio da boa-fé previsto no art. 8º do CPA, nem por ofendidos os artigos 24º, nº2, do Regulamento Administrativo nº 5/2003 e 9º da Lei nº 4/2003.
Sendo assim, somos a concluir pela improcedência do recurso.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 5 UCs.
T.S.I., 27 de Junho de 2019
(Relator) José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
Mai Man Ieng
550/2018 1