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Processo n.º 350/2017
(Autos de recurso contencioso)

Relator: Fong Man Chong
Data: 20/Junho/2019

Assuntos:
     
- Pena disciplinar de demissão e critério de aplicação
- Princípio de proporcionalidade e controlo judicial da decisão


SUMÁRIO:

I - A aplicação de uma medida expulsiva - quer se trate de demissão quer de aposentação compulsiva - só pode ter lugar quando a conduta do infractor atinge de tal forma o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte e que a sua não aplicação não só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição.
II – O artigo 238º do EMFSM elenca as situações em que se pode aplicar a pena de demissão (ou de aposentação compulsiva), a opção de uma ou de outra depende da verificação dos pressupostos respectivos, enquanto nas hipóteses previstas no artigo 240º do mesmo EMFSM aplica-se a pena de demissão.
III – O princípio de proporcionalidade, entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.
IV - Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).
V – Os factos imputados ao Recorrente integram nas infracções previstas no artigo 238º/1 e 2/-n) do EMFSM, que, pelo facto de receber vantagem económica no exercício de funções, levaram a Entidade Recorrida a aplicar-lhe a pena de demissão, por entender que tais factos causaram impacto negativo na corporação que albergava o Recorrente e se revelou susceptível de atingir a dignidade de que é credora e o prestígio das FSM em que se integra. Assim, e mostrando-se suficientemente justificada a inviabilidade da manutenção da relação funcional, não há censura a dirigir à Administração por alegada violação do dever de aprumo, previsto no artigo 12º/2-g) e o) do EMFSM, o que justifica o recurso à sanção de demissão prevista no artigo 238.º/2-n) e no artigo 240º /-c), todos do EMFSM
VI - Deste modo, e porque não se verificou erro manifesto na escolha da medida sancionatória aplicada e, foi respeitado o princípio de proporcionalidade nos termos acima vistos, e como não cabe dentro dos poderes do Tribunal a sindicância dessa matéria, é de negar provimento ao recurso e manter o acto impugnado.
     
     

     
O Relator,

________________
Fong Man Chong














Processo n.º 350/20171
(Autos de recurso contencioso)

Data : 20/Junho/2019

Recorrente : A (A)

Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança


*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
A (A), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 15/03/2017, que lhe aplicou a sanção disciplinar de demissão, por existirem fortes indícios de que o arguido/Recorrente cometeu um crime de concussão (artigo 344º/1 do CPM), veio, em 20/04/2017 interpor o competente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 6, tendo formulado as seguintes conclusões:
本司法上訴所針對的標的為保安司司長作出之25/SS/2011號批示,於2017年03月15日作出之紀律程序決定,該決定內容為對上訴人科處“撤職”紀律處分。
1. 上訴人認為被上訴的決定由於違反合法性原則適度及適當原則,而應該被宣告撤銷。
2. 透過本案相關預審員作出之控訴書(卷宗第97頁至第100頁)、治安警察局局長之批示(卷宗第103頁至第104頁),以及被訴批示內容,顯示指控上訴人之其中一個依據是上訴人之行為涉嫌違反澳門《刑法典》第344條第1款所規定之違法收取罪。
3. 即使被上訴批示未有對上述澳門《刑法典》第344條第1款所規定之違法收取罪作出直接之表述,但從被上訴批示的上文下理,尤其是第二段第一行及第二行表述顯示,被訴實體作出行為的其中一個依據便是上訴人涉嫌作出澳門《刑法典》第344條第1款所規定之違法收取罪之行為。
4. 針對上訴人上述涉嫌違法收取罪之刑事程序,現處於偵查階段,於檢察院偵查卷宗編號8916/2016之卷宗進行刑事偵查中,仍未有裁定上訴人有罪之確定判決。
5. 根據無罪推定原則,上訴人現仍應被視為無罪,而不應被視為已確定作出相關犯罪行為者。
6. 亦根據上述第66/94/M號法令《澳門保安部隊軍事化人員通則》第263款第1款規定,紀律程序應等待刑事訴訟結果後方作終局決定。
7. 但現被訴實體在有罪確定判決作出前,已決定對上訴人科處“撤職”處分,已違反上述第263條第1款規定,應構成違反澳門《行政程序法典》第3條所規定之合法性原則之瑕疵,根據同一法典第124條規定,被訴行為應被撤銷。
8. 如尊敬的法官 閣下不認同上述見解,為著完整的辯護,以下繼續提出其他理由。
9. 被上訴批示指出上訴人違反多個違反多個義務,但未有針對每個違反的義務列明相應的處分措施。
10. 根據卷宗第103頁及第104頁之由治安警察局局長作出之批示內容,節錄如下:
5. 嫌疑人收取上述男子港幣一萬元籌碼涉嫌觸犯(違法收取)的違法及違紀行為,顯示其不適合擔任官職及引致失去執行職務必須之一般信任,已構成違反《澳門保安部隊軍事化人員通則》第12條第2款f項所規定的“端莊義務”;根據同一通則第238條第1款及第2款n)項的有關規定,應被科處“撤職”紀律處分。
11. 除上述行為被裁定科處“撤職”紀律處分外,上訴人其餘行為(包括第6點指上訴人進入XX娛樂場內進行賭博的行為,以及第7點指上訴人在上述男女感情糾紛事件中沒有通知上級及的行為),皆被認定應科處“罰款”紀律處分。
12. 第66/94/M號法令《澳門保安部隊軍事化人員通則》第238條第2款第n項規定未有指出相關可引致失去執行職務必須之一般信任之行為的具體內容,根據民法典第8條規定,應配合同一通則內其他規定,方能得出合理的法律解釋。
13. 現上訴人因涉嫌觸犯澳門《刑法典》第344條第1款所規定之違法收取罪,而被科處“撤職”紀律處分。
14. 根據澳門《刑法典》第344條第1款規定,違法收取罪的最高刑罰為二年徒刑,或科處最高二百四十日罰金;此抽象刑幅均低於上述通則第240條a款或b款所規定的三年以上的要求。
15. 換言之,上訴人的行為不符合第66/94/M號法令《澳門保安部隊軍事化人員通則》第238條第2款第n項的前提要件,不應因上訴人涉嫌觸犯違法收取罪,便對上訴人科處“撤職”紀律處分。
16. 否則,便是違反上述通則第238條第2款第n項及第240條的規定,繼而患有違反澳門《行政程序法典》第3條所規定之合法性原則之瑕疵,根據同一法典第124條規定,被訴行為應被撤銷。
17. 如尊敬的法官 閣下不認同上述見解,為著完整的辯護,以下繼續提出其他理由。
18. 在本案中,相關HKD$10,000.00籌碼是B主動及自願交予上訴人,作為對上訴人成功調解的費用,而非上訴人苛索之。(卷宗第3頁背頁實況筆錄內容)
19. 而上訴人曾主動聯絡B想歸還上述HKD$10,000.00籌碼,但B拒絕。(卷宗第3頁背頁及第4頁實況筆錄內容)
20. 上述事實顯示,本案涉案金額不高,且對當事人的財產損失亦相對不大(如B答應取回上述HKD$10,000.00籌碼,則其基本上沒有財產損失);亦顯示上訴人知悉自身行為不合法,已盡力彌補,只是最終未能成功。
21. 上訴人在答辯中坦白交代相關事實(載於卷宗第61頁及第62頁),願意改過自身及不再作出違法行為。
22. 除本案外,上訴人以往作為警員,盡忠職守,未有被科處任何紀錄處分。
23. 可顯示上訴人仍有能力出任警員職務,從一般第三人角度而言,亦未失去執行警員職務必須之一般信任。
24. 故此,上訴人不屬第66/94/M號法令《澳門保安部隊軍事化人員通則》第238條第2款n項規定之狀況,不應對上訴人科處“撤職”紀律處分;否則便是違反合法性原則及適度及適當原則,根據同一法典第124條規定,被訴行為應被撤銷。

* * *
Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 19 a 23, tendo formulado as seguintes conclusões:
1.° As penas expulsivas são aplicadas quando o arguido adopta condutas que comprometem de forma letal a manutenção do vínculo funcional, tendendo a sua aplicação para uma mais rigorosa tipicidade das faltas sancionadas.
2.° Na administração da justiça disciplinar pretende-se a protecção do interesse público, de cuja prossecução os funcionários são actores principais, sobre eles recaindo um especial dever de zelo, de aprumo e de fidelidade aos princípios com que se comprometeu no momento do estabelecimento do seu vínculo.
3.° No caso particular dos agentes das forças de segurança, com maior e especial incidência nos agentes policiais, essas obrigações resultam mais acrescidas, atenta a natureza das funções exercidas, designadamente na vertente da prevenção do crime respectivo combate. Além disso,
4.° Se o perfil moral e cívico é sindicado no momento do ingresso dos agentes nas forças de segurança é suposto que o agente mantenha o nível de adequação que prevaleceu na sua admissão, por forma a não frustrar os pressupostos que lhe presidiram.
5.° Não foi assim que o recorrente interpretou os seus deveres e entendeu, como consta explanado na acusação que serviu de referência ao despacho recorrido, adoptar um comportamento que os desvaloriza de forma afrontosa e
6.° Factos esses que se resumem na aceitação de uma ficha de jogo a troco da promessa de resolução pacífica de um incidente entre dois cidadãos no qual interveio na qualidade de agente policial, ficha cujo valor de 10,000.00 HKD, acabaria por jogar em casino, adoptando, assim outra conduta proibida, sendo ainda verdade que não reportou a sua intervenção aos superiores hierárquicos.
7.° Como já se afirmou, os agentes policiais devem subordinar a sua conduta funcional a um conjunto de deveres, de entre os quais se destacam os deveres de aprumo e de zelo que constituem a coluna vertebral do perfil profissional e ético em que a corporação se pretende rever e ser revista pela população em geral.
8.° E, não só a população, também a generalidade dos agentes policiais rejeitaria a presença de um ex-colega que se deixou corromper de uma forma tão torpe e infame como aquela que circunstanciam os factos imputados, presença que envergonharia todos aqueles que no dia a dia se sacrificam por projectar uma imagem prestigiante da corporação, com base na sua idoneidade moral e cívica, colocando todo seu empenho na prossecução do interesse público.
9.° E não se diga que se tratou de um mero impulso de momento, porquanto o arguido após a percepção do valor referido acima, em vez de repensar a sua atitude e procurar qualquer forma que revelasse arrependimento, preferiu jogar no casino, num completo desrespeito pelo cumprimento do seus deveres de conduta disciplinar e da própria lei que inibe os funcionários de frequentar os casinos.
10.° O arguido violou o dever de aprumo, na formulação que lhe faz a alínea f) do n.º2 do artigo 12.°, com referência, ainda, ao seu n.º1 e, bem assim, o dever de zelo na formulação que lhe faz a alínea b) do n.º2 do artigo 8.°, com referência, ainda ao seu n.º1, ambos os normativos do Estatuto dos Militarizados (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º66/94/M, de 30 de Dezembro.
11.º O arguido violou, igualmente, o disposto na alínea 4) do n.º1 d e no n.º2 do artigo 2.° da Lei n.º10/2012 (proibição de entrada em casinos a funcionários públicos).
12.° Embora beneficiando da atenuante da alínea i) do n.º 2 do artigo 200.° daquele estatuto, a conduta descrita resulta agravada pela concorrência das circunstâncias agravantes das alíneas b) - infracção cometida em acto de serviço d) - conduta comprometedora do brio e decoro da corporação e m) - acumulação de infracções, todas do artigo 201.° do citado diploma estatutário.
12.° A conduta infractora plúrima do arguido, tanto a consubstanciada em actos praticados no âmbito do exercício de funções, como a consubstanciada em actos praticados fora do âmbito das mesmas, é susceptível de comprometer definitivamente a manutenção do seu vínculo funcional ao Corpo de Polícia de Segurança Pública, pela indignidade e desprestígio que para esta corporação representa um comportamento tão gravemente censurável de um seu agente policial, susceptível de afectar a confiança geral que é suposto o cidadão comum projectar nas forças de segurança que o servem, bem como nos respectivos agentes.
13.° É verdade que o EMFSM é taxativo quanto à aplicação da pena de demissão ao determinadas infracções - artigo 240.° - porém, fugindo à taxatividade típica, o mesmo diploma abre as portas à valoração discricionária de comportamentos fora do catálogo, que comprometam definitivamente a manutenção do vinculo funcional.
14.° Tal poder discricionário de que a administração goza na determinação concreta das penas disciplinares só é sindicável nos casos de erro grosseiro, notoriamente ofensivos dos critérios gerais de individualização ou graduação fixados na lei, onde militam os princípios da legalidade, igualdade e da proporcionalidade.
15.° A conduta sob escrutínio no processo disciplinar não deixou dúvidas quanto à forma ostensiva, grosseira e, no mínimo profundamente negligente, senão dolosa, como o arguido sacrificou interesse público ao simples egoísmo, futilidade de obtenção de uma vantagem que, deve dizer-se, canalizou imediatamente para o jogo de fortuna e azar, olvidando a imagem da corporação, desonrando a sua função, desprestigiando a nobreza da sua missão de zelador do cumprimento da lei.
16.° Assim, ponderadas a gravidade da falta, a culpa e a responsabilidade do arguido, Guarda n.º 3***** A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública, o Secretário para a Segurança, no uso da competência que lhe advém do disposto no Anexo G ao artigo 211.° do EMFSM e, bem assim, da Ordem Executiva n.º111/2014, o Secretário para a Segurança puniu-o com a pena de DEMISSÃO, a que se referem os artigos 219.° al g) e 224.° daquele mesmo diploma, fazendo-o nos termos das alíneas n) do n.º2 do seu artigo 238.º.
17.º E não se antolha como pudesse ser de outra forma, lamentando-o embora. E conhecido publicamente o esforço que a administração desenvolve para se fazer representar por agentes públicos que veiculem, junto da população residente e visitante, uma imagem prestigiante e de probidade colectiva, traduzida na rectidão, na honestidade, em conformidade com as normas e dentro dos princípios da moralidade e da ética.
18.º A pena concreta aplicada não só é proporcional e razoável, como, no quadro de valores que informam uma corporação policial, se nos afigura como a única possível, porquanto o cidadão comum jamais toleraria que aqueles a quem confia a sua segurança e o combate aos comportamentos desviantes, aqueles que para si desempenham um papel importantíssimo na constituição de uma reserva moral de princípios - pilares incontornáveis da sociedade, optem por um papel principal no seu “contrário”, na sua negação.
19.º A forma como dolosa, ou intensamente negligente, o recorrente desvalorizou os seus deveres de conduta disciplinares e profissionais, tornam-no indigno de servir a “causa pública”, e muito especialmente uma corporação policial, como o Corpo de Polícia de Segurança Pública.
20.° E, porque, em conclusão:
a) A prova constante dos autos é abundante e suficiente para sustentar o despacho recorrido
b) A pena, como se afirmou é adequada, razoável, proporcional e legitimada pela al n) do n.º 2 do artigo 238.° do EMFSM;
c) Não se vislumbram quaisquer vícios de violação de lei seja qual for a forma de sua manifestação, que possam inquinar a validade jurídica do despacho impugnado,

* * *
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls. 33 e 34):
Na petição inicial e nas alegações de fls.30 a 31 verso dos autos, o recorrente solicitou a anulação do despacho em escrutínio (vide. fls.117 a 118 do P.A.), assacando-lhe a violação do princípio da presunção da inocência e das disposições no n.º1 do art.263° e na n) do n.º2 do art.238° do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau aprovado pelo D.L. n.º66/94/M, e ainda do princípio da proporcionalidade.
Quid juris?
*
Prescrevendo expressamente no n.º2 do art.29° da Lei Básica da RAEM, o princípio da presunção da inocência adquire dignidade constitucional no ordenamento jurídico de Macau e, assim, constitui princípio fundamental sobretudo do Direito Penal e do Direito Processual Penal.
No nosso prisma, é boa a tese de que o princípio da presunção de inocência e, em sede probatória, o princípio in dubio pro reo são se aplicam no processo disciplinar (Acórdão do TSI no Processo n.°205/2000), e acolhemos a jurisprudência e doutrina pacíficas na ordem jurídica de Portugal que sustentam a aplicação deste princípio em processos disciplinares (vide. acórdãos do STA de 16/01/1997 no processo n.º031496, de 23/03/1999 no processo n.°044486, de 18/04/2002 no Processo n.°033881, de 01/03/2007 no processo n.º01199/06, de 28/06/2011 no processo n.°0900/10).
Porém, não se descortina jurisprudência ou doutrina preconizando que nos casos em que a infracção disciplinar constitua crime, a aplicação da pena disciplinar há de ter por pressuposto vinculativo a existência dum caso julgado de condenação penal. De jure condito, o n.º1 do art.263° do EMFSM prevê clara e propositadamente: «A acção disciplinar é exercida independentemente da criminal. Porém, quando o ilícito criminal de que resultou a acção disciplinar tenha sido participado ao tribunal competente para apuramento e aplicação das respectivas sanções penais, a decisão final do processo disciplinar poderá aguardar tal resultado.»
Ressalvado respeito pela opinião diferente, inclinamos a entender que o verbo «poderá» implica a mens legislatoris de atribuir o poder discricionário à Administração competente, isto é, esta não fica obrigada ou vinculada a aguardar o caso julgado a surgir no correlacionado processo penal, mas pode sobrestar o processo disciplinar e aguardá-lo.
Nesta ordem de interpretação, colhemos que traduzindo em aplicar pena disciplinar antes do resultado no correspondente processo penal, o despacho recorrido não colide com o sobredito princípio, nem infringe o preceito no n.º1 do art.263° e na n) do n.º2 do art.238° do EMFSM.
*
Repare-se que o recorrente reconheceu os factos firmemente constatados no processo disciplinar, quais são, dum lado, aceitação ilícita de uma ficha de HKD$10,000.00 e, depois, prática de jogo de fortuna e azar com o numerário equivalente à tal ficha.
Com todo o respeito pelo entendimento diferente, afigura-se-nos que as condutas do recorrente podem ser encaixadas na previsão na alínea n) do n.º2 do art.238° do EMFSM, segundo a qual a pena de demissão e a de aposentação compulsiva são aplicáveis ao militarizado que tenha praticado, ainda que fora do exercício das suas funções, acto revelador de ser o seu autor incapaz ou indigno de exercer o cargo ou que implique a perda da confiança geral necessária ao exercício da função.
Nestes termos, e em conformidade com as consolidadas jurisprudências dos Venerandos TSI e TUI quanto ao conceito de «inviabilidade da manutenção da relação funcional», entendemos que o despacho recorrido não infringe o preceituado na n) do n.º2 do art.238° e no art.240° do EMFSM, nem viola o princípio da proporcionalidade.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.

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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- O Recorrente, guarda da PSP, foi disciplinadamente punido na pena de demissão pelo Secretário para a Segurança mediante o seguinte despacho:

Despacho N.º 25/SS/2011
Processo Disciplinar n.º 161/2016 do CPSP
Arguido: Guarda n.º 3***** A
Nos presentes autos de processo disciplinar vem suficientemente provado que o arguido, guarda n.º3*****, A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública, nas circunstâncias de facto que melhor constam da acusação, e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, no dia 1 de Agosto de 2016, pelas 22h40, interveio numa contenda entre duas pessoas, motivada por questões relacionadas com um empréstimo, cuja devolução era reclamada por uma cidadã do sexo feminino perante um cidadão do sexo masculino.
O arguido, a pretexto da resolução pacífica do problema entre aqueles cidadãos acabaria por aceitar do credor uma ficha de HKD 10,000.00, o que confessou quando, no dia seguinte, os factos acabariam por ser objecto de denúncia junto de outro agente da autoridade. Mais consta provado nos autos que ao início da madrugada do dia seguinte, o arguido trocou a referida ficha pelo valor correspondente em numerário, o qual veio a perder na totalidade, jogando-o numa mesa de black Jack.
O arguido não fez constar do seu relatório de serviço a intervenção no incidente acima descrito.
Com esta conduta o arguido violou o dever de aprumo, na formulação que lhe faz a alínea f) do n.º2 do artigo 12.°, com referência, ainda, ao seu n.º1 e, bem assim, o dever de zelo na formulação que lhe faz a alínea b) do n.º2 do artigo 8.°, com referência, ainda ao seu n.º1, ambos os normativos do Estatuto dos Militarizados (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º66/94/M, de 30 de Dezembro. O arguido violou, igualmente, o disposto na alínea 4) do n.º1 d e no n.º2 do artigo 2.° da Lei n.º 10/2012 (proibição de entrada em casinos a funcionários públicos).
O arguido, beneficiando, embora, da atenuante da alínea i) do n.º 2 do artigo 200.° daquele estatuto, vê a conduta descrita ser-lhe agravada pela concorrência das circunstâncias agravantes das alíneas b) - infracção cometida em acto de serviço d) - conduta comprometedora do brio e decoro da corporação e m) - acumulação de infracções, todas do artigo 201.° do citado diploma estatutário.
A conduta infractora plúrima do arguido, tanto a consubstanciada em actos praticados no âmbito do exercício de funções, como a consubstanciada em actos praticados fora do âmbito das mesmas, é susceptível de comprometer definitivamente a manutenção do seu vínculo funcional ao Corpo de Polícia de Segurança Pública, pela indignidade e desprestígio que para esta corporação representa um comportamento tão gravemente censurável de um seu agente policial, susceptível de afectar a confiança geral que é suposto o cidadão comum projectar nas forças de segurança que o servem, bem como nos respectivos agentes.
Foi ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina.
Assim, ponderadas a gravidade da falta, a culpa e a responsabilidade do arguido, Guarda n.º3***** A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública, o Secretário para a Segurança, no uso da competência que lhe advém do disposto no Anexo G ao artigo 211.º do EMFSM e, bem assim, da Ordem Executiva n.º111/2014, pune-o com a pena de DEMISSÃO, a que se referem os artigos 219 al g) e 224 daquele mesmo diploma, o que faz nos termos das alíneas n) do n.º2 do seu artigo 238.°.
Notifique-se o presente despacho nos termos do artigo 285.° do EMFSM e, bem assim, de que do mesmo cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância.
Gabinete do Secretário para a Segurança, aos 15 de Março de 2017
O Secretário para a Segurança
YYY
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     - Inconformado com o despacho, mediante requerimentos que deram entrada na Secretaria do TSI em 19ABR2017, o requerente interpôs dele recurso contencioso de anulação e pediu a suspensão da sua eficácia;

- Em 19/11/2018 foi junto aos autos o acórdão (já transitada em julgado) proferido no processo CR5-17-1323-PCC, em que o arguido/Recorrente foi absolvido do crime de corrupção passiva para prática de actos ilícitos (fls. 38 a 44).
* * *
    IV – FUNDAMENTOS
Neste recurso contencioso interposto pelo Recorrente são suscitadas essencialmente as seguintes questões que importa analisar e resolver:
1) - Vício da violação do princípio da presunção da inocência e da violação das disposições no n.º1 do art.263° do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo DL n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro;
2) - Vício da violação da alínea n) do n.º2 do artigo 238° do EMFSM;
3) - Vício da violação do princípio da proporcionalidade.
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1ª questão: Vício da violação do princípio da presunção da inocência e da violação das disposições no n.º1 do art.263° do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo DL n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro

Neste ponto, o Digno. Magistrado do MP teceu as seguintes considerações:
“Prescrevendo expressamente no n.º2 do art.29° da Lei Básica da RAEM, o princípio da presunção da inocência adquire dignidade constitucional no ordenamento jurídico de Macau e, assim, constitui princípio fundamental sobretudo do Direito Penal e do Direito Processual Penal.
No nosso prisma, é boa a tese de que o princípio da presunção de inocência e, em sede probatória, o princípio in dubio pro reo são se aplicam no processo disciplinar (Acórdão do TSI no Processo n.°205/2000), e acolhemos a jurisprudência e doutrina pacíficas na ordem jurídica de Portugal que sustentam a aplicação deste princípio em processos disciplinares (vide. acórdãos do STA de 16/01/1997 no processo n.º031496, de 23/03/1999 no processo n.°044486, de 18/04/2002 no Processo n.°033881, de 01/03/2007 no processo n.º01199/06, de 28/06/2011 no processo n.°0900/10).
Porém, não se descortina jurisprudência ou doutrina preconizando que nos casos em que a infracção disciplinar constitua crime, a aplicação da pena disciplinar há de ter por pressuposto vinculativo a existência dum caso julgado de condenação penal. De jure condito, o n.º1 do art.263° do EMFSM prevê clara e propositadamente: «A acção disciplinar é exercida independentemente da criminal. Porém, quando o ilícito criminal de que resultou a acção disciplinar tenha sido participado ao tribunal competente para apuramento e aplicação das respectivas sanções penais, a decisão final do processo disciplinar poderá aguardar tal resultado.»”
Estas observações merecem a nossa inteira concordância, já que são duas realidades diferentes: juízo de culpa jurídico-administratva e juízo de culpa jurídico-penal, ambos assentes em axiologia diferente e pressupostos diferenciados, sendo a finalidade de aplicação de uma ou de outra sanções também é diferente.
No caso, sendo certo que no processo-crime, o Recorrente/arguido veio a ser absolvido por falta de provas em audiência de julgamento, não é menos certo que o Recorrente confessou os factos na audiência administrativa. O que significa que subsistem os elementos demonstrativos do envolvimento dele nos factos imputados em sede de processo administrativo, sendo esta realidade jurídico-administrativa diferente da realidade jurídico-criminal. Nesta última, por força do princípio de presunção de inocência, o Recorrente é considerado inculpado.
Na sequência das considerações acima tecidas, improcede obviamente o argumento da violação do artigo 263º do EMFSM.
Nestes termos, não é de aceitar o raciocínio do Recorrente e como tal há-de julgar-se improcedente o recurso interposto pelo Recorrente nesta parte do recurso.
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2ª questão: Vício da violação da alínea n) do n.º2 do art. 238° do EMFSM

A Entidade Recorrida formulou o seguinte juízo acerca da conduta do Recorrente:
7.° Como já se afirmou, os agentes policiais devem subordinar a sua conduta funcional a um conjunto de deveres, de entre os quais se destacam os deveres de aprumo e de zelo que constituem a coluna vertebral do perfil profissional e ético em que a corporação se pretende rever e ser revista pela população em geral.
8.° E, não só a população, também a generalidade dos agentes policiais rejeitaria a presença de um ex-colega que se deixou corromper de uma forma tão torpe e infame como aquela que circunstanciam os factos imputados, presença que envergonharia todos aqueles que no dia a dia se sacrificam por projectar uma imagem prestigiante da corporação, com base na sua idoneidade moral e cívica, colocando todo seu empenho na prossecução do interesse público.
9.° E não se diga que se tratou de um mero impulso de momento, porquanto o arguido após a percepção do valor referido acima, em vez de repensar a sua atitude e procurar qualquer forma que revelasse arrependimento, preferiu jogar no casino, num completo desrespeito pelo cumprimento do seus deveres de conduta disciplinar e da própria lei que inibe os funcionários de frequentar os casinos.
10.° O arguido violou o dever de aprumo, na formulação que lhe faz a alínea f) do n.º2 do artigo 12.°, com referência, ainda, ao seu n.º1 e, bem assim, o dever de zelo na formulação que lhe faz a alínea b) do n.º2 do artigo 8.°, com referência, ainda ao seu n.º1, ambos os normativos do Estatuto dos Militarizados (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º66/94/M, de 30 de Dezembro.
11.º O arguido violou, igualmente, o disposto na alínea 4) do n.º1 d e no n.º2 do artigo 2.° da Lei n.º10/2012 (proibição de entrada em casinos a funcionários públicos).
12.° Embora beneficiando da atenuante da alínea i) do n.º 2 do artigo 200.° daquele estatuto, a conduta descrita resulta agravada pela concorrência das circunstâncias agravantes das alíneas b) - infracção cometida em acto de serviço d) - conduta comprometedora do brio e decoro da corporação e m) - acumulação de infracções, todas do artigo 201.° do citado diploma estatutário.
12.° A conduta infractora plúrima do arguido, tanto a consubstanciada em actos praticados no âmbito do exercício de funções, como a consubstanciada em actos praticados fora do âmbito das mesmas, é susceptível de comprometer definitivamente a manutenção do seu vínculo funcional ao Corpo de Polícia de Segurança Pública, pela indignidade e desprestígio que para esta corporação representa um comportamento tão gravemente censurável de um seu agente policial, susceptível de afectar a confiança geral que é suposto o cidadão comum projectar nas forças de segurança que o servem, bem como nos respectivos agentes.
13.° É verdade que o EMFSM é taxativo quanto à aplicação da pena de demissão ao determinadas infracções - artigo 240.° - porém, fugindo à taxatividade típica, o mesmo diploma abre as portas à valoração discricionária de comportamentos fora do catálogo, que comprometam definitivamente a manutenção do vinculo funcional.
(violação das normas dos artigos 238.º/1 e 2-n) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM)

O acto recorrido integrou as infracções previstas no artigo 238.º, n.ºs 1 e 2, alínea n), do EMFSM.

Ora, na aplicação das penas, deve atender-se a um conjunto de factores:
- A natureza e a gravidade dos factos;
- A categoria do funcionário ou agente;
- A sua personalidade;
- O grau de culpa do infractor;
- Os danos e prejuízos causados;
- A perturbação produzida no normal funcionamento dos serviços;
Em geral, a todas as circunstâncias em que a infracção tiver sido cometida que militem contra ou a favor do arguido/Recorrente.
É o que resulta do artigo 232º do EMFSM.
E também é sabido que “As penas de inactividade ou de aposentação compulsiva e demissão são aplicáveis às infracções a seguir indicadas, conforme, ponderadas todas as circunstâncias atendíveis, inviabilizem ou não a manutenção da relação funcional”, o que significa que não basta a prática de “conduta constitutiva de crime…que possa atentar contra o prestígio e dignidade da função” ou que traduza a “violação de segredo profissional e omissão de sigilo devido relativamente aos assuntos conhecidos em razão do cargo ou da função, sempre que daí resulte prejuízo para o desenvolvimento do trabalho policial ou para qualquer pessoa” (Ac. do STA de 11/10/2006, Proc. nº 010/06).
Há-de haver, além disso, um “quid” perturbador da relação de confiança recíproca que inviabilize a manutenção do vínculo profissional. Como ainda recentemente se disse em aresto do STA, a pena de demissão aplica-se «a comportamentos que atinjam um grau de desvalor de tal modo grave que mine e quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço público e o agente» (Ac. do STA de 11/10/2006, Proc. nº 010/06).
Como se decidiu no Ac. de 01.04.2003 do mesmo Supremo – Rec. 1.228/02, “A valoração das infracções disciplinares como inviabilizantes da manutenção da relação funcional tem de assentar não só na gravidade objectiva dos factos cometidos, mas ainda no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do acto e das circunstâncias em que foi cometido, de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercício dessas funções” (no mesmo sentido, os acórdãos de 18.6.96, proc.º nº 39.860, de 16.5.02, proc.º nº 39.260, de 5.12.02, proc.º nº 934/02, de 24/03/2004, Proc. nº 0757/03; e 11/10/2006, Proc. nº 010/06).
Quer dizer, ao órgão com competência disciplinar reconhece-se «no preenchimento dessa cláusula geral, ampla margem de liberdade administrativa, tal tarefa está limitada pelos princípios da imparcialidade, justiça e proporcionalidade – além de ficar, depois, sujeita ao poder sindicante dos tribunais administrativos, se forem detectáveis erros manifestos» (cf. o cit. 24/03/2004, Proc. nº 0757/03; tb. AC. do STA/Pleno de 19/03/99, Proc. nº 030896).
Ou, como é dito noutro aresto do STA do Portugal, “…o preenchimento do conceito indeterminado que corresponde à inviabilidade da manutenção da relação funcional, (…) constitui tarefa da Administração, a concretizar mediante um juízo de prognose. Contudo, a jurisprudência do STA, tem realçado que tais juízos têm de assentar em pressupostos como a gravidade objectiva do facto cometido, o reflexo no exercício das funções e a personalidade do agente se revelar inadequado para o exercício de funções públicas. Confrontar, a título meramente exemplificativo, os Acs. de 6-10-93 – Rec. 30463 e de 18-6-96 – Rec. 39860” (Ac. do STA de 2/12/2004, Proc. nº 01038/04).

A aplicação de uma medida expulsiva - quer se trate de demissão quer de aposentação compulsiva - só pode ter lugar quando a conduta do infractor atinge de tal forma o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte que a sua não aplicação não só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição como também poderia ser considerada pela opinião pública como chocante ou escandalosa.
Por ser assim é que a aplicação daquelas penas aos agentes ou funcionários das FSM depende da prática de “infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional” (art.º 238º/1 e 2-n) do EMFSM), isto é, de comportamentos capazes de minar de forma inapagável não só a imagem de prestígio e de credibilidade daquela Corporação como também a confiança que nelas depositam os cidadãos e que, por isso, impossibilitem a relação de confiança indispensável à manutenção do vínculo funcional.

No caso, importa sublinhar as notas caracterizadoras dos factos cometidos pelo Recorrente:
-第一嫌犯保持沉默,第二嫌犯缺席庭審,事發時在場的證人C也缺席庭審,有出席庭審的證人均沒有目睹事發經過,而庭審所得的證據也未能足以證明控訴書所載之事實。因此,經過庭審,結合庭審所得的證據,本院未能足以認定嫌犯B明知不應將籌碼給予身為警務人員的嫌犯A,以作為嫌犯A違背其職務上之義務之不作為之回報,但仍將該籌碼給予嫌犯A,以便私下解決事件,且在可能涉案的情況下無須返回警署處理事件。另外,亦未能足以認定身為警務人員的嫌犯A明知不應收取嫌犯B交予其的籌碼作為私下解決事件的報酬,但仍同意收取該等籌碼,作為違背其職務上之義務之不作為之回報,並放行嫌犯B及C,且二人在可能涉案的情況下無須返回警署處理事件。
- Sendo certo que tais actos estavam ligados ao exercício de funções, e tiveram natural impacto negativo na corporação que albergava o Recorrente e se revelou susceptível de atingir a dignidade de que é credora e o prestígio das Forças de Segurança em que se integra.
Assim, e mostrando-se suficientemente justificada a inviabilidade da manutenção da relação funcional, não há censura a dirigir à Administração por alegada violação daquelas normas do artigo 238.º/1 e 2-n) do EMFSM.
E também não pode considerar-se ter havido violação das normas dos artigos 200.º e 232.º do referido Estatuto, visto que foram individualizadas e ponderadas todas as atenuantes de que o Recorrente beneficiava.
Pelo que, é de julgar também improcedente a alegada violação dos preceitos legais do EMFSM.
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3ª questão: violação do princípio da proporcionalidade
Uma outra questão suscitada pelo Recorrente é a violação do princípio da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade está consagrado no artigo 5º do CPA, ao estabelecer que
«2. As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionados aos objectivos a realizar”.
Entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, o princípio da proporcionalidade postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.

Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).

Nesta óptica, a questão essencial reside em saber qual medida punitiva – demissão ou aposentação compulsiva – que é mais proporcional à sanção motivada pelos factos praticados pelo Recorrente.
No fundo, importa saber se o tipo de penas foi bem escolhido ou não. Ou seja, é uma matéria que se prende com a questão da aplicação correcta ou não do artigo 238º, 239º e 240º do EMFSM.
O artigo 238º (Aposentação compulsiva e demissão) do EMFSM tem o seguinte teor:
1. As penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis, em geral, por infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional.
2. As penas referidas no número anterior são aplicáveis ao militarizado que, nomeadamente:
a) Agredir, injuriar ou desrespeitar gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, em local de serviço ou em público;
b) Usar de poderes de autoridade não conferidos por lei ou abusar dos poderes inerentes às suas funções excedendo os limites do estritamente necessário, quando seja indispensável o uso dos meios de coerção ou de quaisquer outros susceptíveis de ofenderem os direitos do cidadão;
c) Encobrir criminosos ou prestar-lhes qualquer auxílio que possa contribuir para frustrar ou dificultar a acção da justiça;
d) Por virtude de falsas declarações causar prejuízo a terceiros ou favorecer o descaminho de armamento;
e) Praticar ou tentar praticar acto demonstrativo da perigosidade da sua permanência na instituição ou acto de desobediência grave ou de insubordinação, bem como de incitamento à desobediência ou insubordinação colectiva;
f) Praticar de forma frustrada, tentada ou consumada crime de furto, roubo, burla, abuso de confiança, peculato, concussão, extorsão, peita, suborno e corrupção, associação de malfeitores, consumo e tráfico de estupefacientes, falsificação de documentos e pertença a sociedade secreta;
g) Tomar parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar por qualquer serviço da Administração Pública;
h) Violar segredo profissional ou cometer inconfidência de que resulte prejuízo para o Território ou para terceiros;
i) Se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil;
j) Aceitar, directa ou indirectamente, dádiva, gratificação ou participação em lucros ou outras vantagens patrimoniais, em resultado do lugar que ocupa, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente;
l) Abusar habitualmente de bebidas alcoólicas ou consumir ou traficar estupefacientes ou substâncias psicotrópicas;
m) For cúmplice ou encobridor de qualquer crime previsto nas alíneas anteriores:
n) Praticar, ainda que fora do exercício das suas funções, acto revelador de ser o seu autor incapaz ou indigno de exercer o cargo ou que implique a perda da confiança geral necessária ao exercício da função.

Nas hipóteses tipificadas no artigo 238º do EMFSM pode aplicar-se tanto a pena de aposentação compulsiva, como a de demissão! A opção de uma ou de outra depende da verificação dos pressupostos exigidos.
Nas situações previstas no artigo 240º do EMFSM aplica-se a pena de demissão!
Nas hipóteses do artigo 239º do EMFSM, aplica-se a pena de aposentação compulsiva, desde que se verifiquem os pressupostos aí fixados.
Neste ponto, no que toca à alegada violação do princípio da proporcionalidade, não está demonstrado que a decisão punitiva haja sacrificado ou beneficiado desproporcionadamente os interesses em confronto.
Pois, enquadrando-se a conduta infraccional do Recorrente na previsão da alínea n) dos n.ºs 1 e 2 do artigo 238.º do EMFSM, são factos graves, tendo em conta o seguinte:
- Os factos foram cometidos no exercício de funções;
- A forma de prática foi dolosa, sabendo que não podia receber vantagens patrimoniais que não lhe sejam devidas;
- Os factos causaram imagem negativa à Corporação a que pertencia.
Deste modo, e porque não se verificou erro manifesto na escolha da medida sancionatória aplicada e, foi respeitado o princípio de proporcionalidade nos termos acima vistos, e como não cabe dentro dos poderes do Tribunal a sindicância desse erro (não manifesto), é de negar provimento ao recurso nesta parte.
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Síntese conclusiva:
I - A aplicação de uma medida expulsiva - quer se trate de demissão quer de aposentação compulsiva - só pode ter lugar quando a conduta do infractor atinge de tal forma o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte e que a sua não aplicação não só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição.
II – O artigo 238º do EMFSM elenca as situações em que se pode aplicar a pena de demissão (ou de aposentação compulsiva), a opção de uma ou de outra depende da verificação dos pressupostos respectivos, enquanto nas hipóteses previstas no artigo 240º do mesmo EMFSM aplica-se a pena de demissão.
III – O princípio de proporcionalidade, entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.
IV - Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).
V – Os factos imputados ao Recorrente integram nas infracções previstas no artigo 238º/1 e 2/-n) do EMFSM, que, pelo facto de receber vantagem económica no exercício de funções, levaram a Entidade Recorrida a aplicar-lhe a pena de demissão, por entender que tais factos causaram impacto negativo na corporação que albergava o Recorrente e se revelou susceptível de atingir a dignidade de que é credora e o prestígio das FSM em que se integra. Assim, e mostrando-se suficientemente justificada a inviabilidade da manutenção da relação funcional, não há censura a dirigir à Administração por alegada violação do dever de aprumo, previsto no artigo 12º/2-g) e o) do EMFSM, o que justifica o recurso à sanção de demissão prevista no artigo 238.º/2-n) e no artigo 240º /-c), todos do EMFSM
VI - Deste modo, e porque não se verificou erro manifesto na escolha da medida sancionatória aplicada e, foi respeitado o princípio de proporcionalidade nos termos acima vistos, e como não cabe dentro dos poderes do Tribunal a sindicância dessa matéria, é de negar provimento ao recurso e manter o acto impugnado.

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Tudo visto e analisado, resta decidir.

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    V – DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o presente recurso interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão punitiva recorrida.
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Custas pelo Recorrente que se fixam em 7 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 20 de Junho de 2019.

(Relator) Fong Man Chong

(Primeiro Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng

(Segundo Juiz-Adjunto)
José Maria Dias Azedo

Mai Man Ieng
1 Processo redistribuído em 11/04/2019, conforme a deliberação do CMJ, de 04/04/2019
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