Processo nº 499/2019 Data: 20.06.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”.
Crime de “tráfico de menor gravidade”.
Qualificação jurídico-penal.
“Cocaína”.
SUMÁRIO
Atento o estatuído no art. 14°, n.° 1 e 2 da Lei n.° 17/2009, com a redacção dada pela Lei n.° 10/2016, e tendo presente que a quantidade de referência de uso diário relativamente à Cocaína é de “0,2 gramas”, (mais) adequada se apresenta a condenação do arguido como autor de 1 crime de “tráfico de menor gravidade”, se provado estiver que detinha “2,04 gramas” de tal sustância para o seu consumo.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 499/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Em audiência colectiva no T.J.B. responderam AXX (AXX), BXX (BXX) e CXX (CXX), (1°, 2° e 3°) arguidos com os restantes sinais dos autos.
A final, decidiu o Tribunal:
–– condenar o (1°) arguido AXX, como co-autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (alterada pela Lei n.° 10/2016), na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, e na pena acessória de proibição de entrada na R.A.E.M. por 8 anos;
–– condenar o (2°) arguido BXX, como autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 e 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (alterada pela Lei n.° 10/2016), na pena de 5 anos e 1 mês de prisão; e,
–– condenar o (3°) arguido CXX, como autor da prática de 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (alterada pela Lei n.° 10/2016), na pena de 7 meses de prisão; (cfr., fls. 385 a 394-v e 523 a 556, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformados, os arguidos recorreram.
O (1°) arguido AXX, considera que “excessiva é a pena (principal)”, que devia ser especialmente atenuada, invocando o art. 18° da Lei n.° 17/2009, pedindo a aplicação de uma pena de 5 anos de prisão; (cfr., fls. 422 a 427-v).
O (2°) arguido BXX, imputa ao Acórdão recorrido o vício de “violação do princípio in dubio pro reo”, “errada qualificação jurídica”, “erro sobre a ilicitude” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 468 a 490).
O (3°) arguido CXX, assaca ao Acórdão recorrido o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, pugnando pela sua absolvição; (cfr., fls. 430 a 441).
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Respondendo, diz o Ministério Público que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 493 a 502).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Os recorrentes AXX, BXX e CXX foram condenados, por acórdão de 14 de Março de 2019, do 2.° Juízo Criminal, respectivamente nas penas de 8 anos e 6 meses, 5 anos e 1 mês, e 7 meses de prisão.
Inconformados, todos vêm impugnar aquele acórdão, o que fazem com os fundamentos que ressumam das respectivas motivações, às quais o Ministério Público respondeu sustentando a improcedência dos argumentos dos recorrentes e defendendo a bondade do acórdão.
Comecemos pelo recurso de AXX.
Este recorrente foi condenado a 8 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes da previsão do artigo 8.°, n.° 1, da Lei 17/2009, na redacção dada pela Lei 10/2016.
Na motivação e respectivas conclusões, traz o recorrente à consideração do tribunal de recurso a questão da medida da pena, sustentando que devia ter beneficiado de atenuação especial da pena, quer por força do artigo 18.° da Lei 17/2009, quer por via do artigo 66.°, n.° 2, alíneas c) e d), do Código Penal, e que, mesmo no entendimento de que não havia lugar à atenuação especial, não devia a pena aplicada ter ido além dos 5 anos de prisão.
Cremos que não procedem, por um lado, as razões aduzidas para a aventada atenuação especial.
Desde logo, porque o artigo 18.° da Lei 17/2009, na parte que aqui está em causa (auxílio concreto na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis), visa a colaboração decisiva para identificação ou captura de responsáveis pelos crimes dos artigos 7.° a 9.° e 11.° da referida Lei (produção, tráfico, precursores e produção e tráfico de menor gravidade), não abrangendo a colaboração na identificação ou captura de consumidores e de detentores para consumo, que o recorrente alega para justificar a pretendida atenuação ao abrigo daquele artigo 18.°.
Para além disso, não ocorreram actos demonstrativos de arrependimento sincero – sendo óbvio que a confissão não constitui, por si só, uma evidência de arrependimento sincero, sobretudo quando reportada a um crime em que o agente é surpreendido em flagrante delito, como sucedeu no caso em apreço – nem decorreu muito tempo sobre a prática do crime. Ao que acresce, como a jurisprudência vem entendendo, e o Tribunal de Última Instância relembrou, v.g., no seu acórdão de 30 de Maio de 2018, Processo 34/2018, que, para atenuação especial da pena, o importante é demonstrar-se a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, interessando para tal apurar se existem no caso concreto circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, conforme o comando do artigo 66.°, n.° 1, do Código Penal. Ora, essa necessária diminuição, reportada à ilicitude, à culpa ou à necessidade da pena não ficou demonstrada, pelo que, também por esta via, não se impunha a reclamada atenuação especial.
Soçobram, pois, os argumentos dirigidos à atenuação especial e inerente abaixamento da pena.
E igualmente temos por insubsistentes os demais fundamentos em que o recorrente se louva para defender o abaixamento da pena.
Importa notar, desde logo, que esta se situou abaixo do meio da moldura abstracta e não apresenta desfasamento relevante com a bitola habitualmente usada nos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau. Por isso, tendo em conta que a decisão de primeira instância ponderou devidamente as circunstâncias a que se impunha atender no sentido do abaixamento de pena, e tendo presentes as finalidades de prevenção que presidem à determinação das penas, sendo certo que, no campo do tráfico, a finalidade de prevenção geral tem especial acuidade em Macau, não se pode considerar que se esteja face a um excesso injustificado de pena. Para além disso, também merece ser enfatizada a condição de estrangeiro/não residente do recorrente, que presta colaboração a outros indivíduos no sentido de introduzir e disseminar droga em Macau, o que nos leva para o campo do tráfico transfronteiriço e do seu especial contributo para a propagação de droga pelo mercado de Macau. Enfim, ponderadas que se mostram, pelo acórdão recorrido, todas as circunstâncias que podiam influir na determinação da pena, crê-se que a pena não padece do excesso que lhe vem atribuído.
Improcede igualmente este fundamento do recurso.
Vejamos agora o recurso de BXX.
Este recorrente foi condenado a 5 anos e 1 mês de prisão pela prática de um crime de detenção de estupefacientes para consumo pessoal, previsto e punível pelos artigos 14.°, n.° 2, e 8.°, n.° 1, da Lei 17/2009, na redacção dada pela Lei 10/2016.
Na motivação e respectivas conclusões imputa ao acórdão recorrido a violação do artigo 16.° do Código Penal, a violação do princípio in dubio pro reo, erro na subsunção dos factos no tipo legal por falta de ponderação do preenchimento típico dos elementos do crime de produção e tráfico de menor gravidade e violação dos artigos 8.° e 11.° da Lei 17/2009.
Não creio que ocorra a suscitada violação do artigo 16.° do Código Penal, que prevê a falta de consciência da ilicitude, não censurável, como causa de exclusão da culpa. Na versão do recorrente estará em causa o desconhecimento da quantidade de droga pura por si adquirida. Crê-se, porém, que este desconhecimento não pode relevar, quer como erro sobre a ilicitude, quer como erro sobre as circunstâncias do facto, pois, ao comprar determinada quantidade de droga, o adquirente não pode excluir que o respectivo peso corresponda, em 100%, a droga pura. Assim, ao menos a título de dolo eventual, ele deve ser punido em atenção ao cômputo da droga efectivamente contida no produto adquirido.
Soçobra este primeiro fundamento do recurso.
Entende também o recorrente que, por força do princípio in dubio pro reo, devia ter sido punido por referência ao artigo 11.° da Lei 17/2009, porquanto o excesso de peso relativamente à quantidade de referência para cinco dias ascende apenas a 0,04 gramas, o que, sendo residual, pode incluir-se na margem de erro de calibração do aparelho de medição.
Também aqui não lhe assiste razão. Da leitura da acta e do exame crítico das provas não perpassa qualquer situação dúbia com que o colectivo se haja deparado sobre a realidade factual sobre a qual ora vêm lançadas dúvidas. Aliás, o certo é que a diferença relativamente à quantidade de referência para cinco dias não se cifra em 0,04 gramas, mas em 1,04 gramas (cf. facto provado 9) ii e ponto 5 do Mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à Lei 17/2009).
Não há, pois, fundamento para apelo ao referido princípio.
Quanto ao erro na subsunção dos factos no tipo legal por falta de ponderação do preenchimento típico dos elementos do crime de produção e tráfico de menor gravidade, estamos em crer que alguma razão assiste ao recorrente. As alterações introduzidas pela Lei 10/2016 vieram agravar severamente a punição da detenção de droga para consumo pessoal, quando se trate de produto que conste do mapa da quantidade de referência de uso diário e a sua quantidade exceder cinco vezes a quantidade prevista no mapa. O artigo 14.°, n.° 2, da Lei 17/2009, diz que, nesta hipótese, se aplicam, consoante os casos, as disposições dos artigos 7.°, 8.° ou 11.°.
No caso vertente, o acórdão, após constatar que a quantidade de droga detida pelo recorrente, posto que para consumo pessoal, excedia cinco vezes a quantidade prevista no mapa, avançou, sem outros considerandos ou apreciações, para a punição nos moldes do artigo 8.°, n.° 1, da referida Lei.
Parece-nos, contudo, que a circunstância da constatação do excesso da quantidade de referência para cinco dias não exclui – não pode excluir, sob pena de manifesta incongruência entre as normas dos artigos 14.°, n.° 2, e 11.° da Lei 17/2009 – a possibilidade de a detenção para consumo ser punida nos moldes do artigo 11.°. Ponto é que a ilicitude se mostre diminuída por outra, ou outras, das formas aí previstas, ou seja, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção.
Pois bem, perscrutando a matéria de facto dada como provada, afigura-se que, a partir dela, pura e simplesmente não se consegue apurar se a ilicitude se mostrava ou não diminuída pelas formas supra-referidas. E crê-se que, a partir das aludidas alterações à Lei 17/2009 e ao novo figurino punitivo da detenção para consumo, impõe-se ao tribunal que indague acerca da possível diminuição da ilicitude, justificativa da integração da conduta no tipo de ilícito do artigo 11.°, e faça consignar o que nesse campo haja ou não apurado. É que a detenção de droga para consumo próprio só será punível nos termos dos artigos 7.° ou 8.° se estiver excluída a hipótese de punição pelo artigo 11.°. É esta a leitura que fazemos do artigo 14.°, n.° 2, e da remissão, consoante os casos, para as disposições dos artigos 7.°, 8.° ou 11.°.
Ora, salvo melhor juízo, essa indagação não foi feita, o que torna a matéria apurada insuficiente para dilucidar a questão. Posto isto, e não obstante a roupagem com que o recorrente aborda a questão, situando-a essencialmente no erro de direito na subsunção dos factos, crê-se que o que verdadeiramente está em causa é a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, na parte relativa à detenção de droga pelo recorrente BXX.
Ocorre, assim, o vício previsto no artigo 400.°, n.° 2, alínea a), do Código de Processo Penal, o que justifica o reenvio do processo, nos termos do artigo 418.° do Código de Processo Penal, para novo julgamento da matéria de facto relativa às circunstâncias susceptíveis de acarretarem uma diminuição considerável da ilicitude da detenção de cocaína para consumo próprio por parte do arguido e recorrente BXX, com prejuízo do conhecimento das demais questões equacionadas no seu recurso.
Por fim, no que toca ao recurso de CXX, condenado em 7 meses de prisão pela prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, da previsão do artigo 14.°, n.° 1, da lei 17/2009, vem pedida a absolvição deste recorrente com fundamento em insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Não creio que lhe assista razão.
Ficou, com efeito, provado que, em 23 de Julho de 2018, pelas 3:15 horas, nas proximidades do restaurante McDonald’s, na Rua da Doca Seca, o arguido AXX entrou no táxi preto de matrícula MT-**-**, conduzido pelo recorrente CXX, e vendeu a este três saquinhos com cocaína pelo preço de MOP $600 cada, obtendo do comprador a importância de MOP $1 800 (facto 3); o CXX destinava o produto a consumo pessoal (facto 13); conhecia bem a natureza e as características do produto (facto 14); agiu de forma livre, voluntária e consciente (facto 15); e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei (facto 16).
Esta matéria é a necessária e suficiente para a conclusão a que chegou o acórdão quanto ao preenchimento de todos os elementos típicos do crime de aquisição de estupefacientes para consumo pessoal previsto no artigo 14.°, n.° 1, da Lei 17/2009, pelo qual puniu o recorrente. Não ocorre, portanto, a apontada insuficiência.
O que sucede é que o recorrente não concorda com a apreciação e valoração das provas. Mas essa é uma tarefa que compete ao tribunal, a coberto do princípio da livre apreciação, conforme previsto no artigo 114.° do Código de Processo Penal. Tarefa que, em princípio, não é sindicável, a menos que padeça de erro notório, que, no caso, não vem invocado nem se divisa ter ocorrido.
Improcede o fundamento deste recurso.
Ante quanto fica exposto, deve negar-se provimento aos recursos de AXX e de CXX e conceder-se provimento parcial ao recurso de BXX, determinando-se o reenvio do processo para novo julgamento circunscrito às circunstâncias susceptíveis de acarretarem uma diminuição considerável da ilicitude da detenção de cocaína para consumo próprio por parte do recorrente BXX”; (cfr., fls. 617 a 621).
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Nada parecendo obstar, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. O Colectivo do T.J.B. deu como provados os factos seguintes:
“1) mês antes da ocorrência do caso, o 1º arguido AXX conheceu, através de um conterrâneo, um homem com nome fictício “YY”, e obteu o número de telefone dele (852-64*****), mantendo contacto com ele por “Whatsapp”. Aquele homem convenceu o 1º arguido a vier a Macau para vender estupefaciente “cocaína”, a fim de ganhar uma remuneração diária de RMB2.000. O 1º arguido aceitou.
2) A 20 de Julho de 2018, pelas 11H50, segundo as instruções que lhe foram dadas, o 1º arguido veio a Macau e alugou um quarto (nº 820) no 8º andar do ZZ Hotel situado na Rua de ...... e ficou ali à espera de indicações (fls. 16 dos autos). A 22 de Julho, pelas 14H30, a exigência de “YY” o 1º arguido deslocou-se a um local perto do hotel de modo a receber 172 saquinhos do estupefaciente “cocaína” de um homem cuja identificação não foi apurada, os quais se destinavam à venda aos indivíduos designados.
3) A 23 de Julho, pelas 03H15, segundo as instruções dadas por “YY” o 1º arguido foi às proximidades do Restaurante McDonald´s na Rua da Doca Seca e entrou num táxi preto de matrícula MT-**-** conduzido pelo 3º arguido CXX. O 1º arguido vendeu ao 3º arguido 3 saquinhos de “cocaína” pelo preço de MOP600 cada, obtendo do 3º arguido uma importância de MOP1.800. O 1º arguido, logo depois da transacção, apeou-se do táxi à entrada da rua em frente e o 3º arguido pegou no táxi e foi-se emborai (cfr. o relatório e fotografias de fls. 178 a 181 dos autos).
4) No dia seguinte (24 de Julho), pela 01H00, os agentes da Polícia Judiciária estavam a investigar caso relativo a drogas nas proximidades do ZZ Hotel, presenciaram que o 1º arguido saiu do hotel e apanhou um táxi, pelo que efectuou uma acção de seguimento e vigilância dele.
5) Os agentes da PJ seguiram o 1º arguido até a um local perto do Bloco 2 do Edf. ...... na Avenida do ....... Nessa altura, o 1º arguido estava a andar de um lado para o outro. Passados dez minutos, o 1º arguido aproximou-se do 2º arguido. Os dois foram-se embora separadamente depois de dez segundos. Os agentes que os vigiavam interceptaram imediatamente os dois.
6) Com o consentimento dos 1º e 2º arguidos, os agentes da PJ revistaram-lhes e encontraram um saco plástico transparente no compartimento externo direito do saco de cor castanha que o 1º arguido levava, que continha no seu interior 41 saquinhos plásticos transparentes com o estupefaciente “cocaína”, cada um destes saquinhos pesou 0,4g., e 8 saquinhos plásticos transparentes, cada um destes saquinhos pesou 0,38g., perfazendo um peso total de 19,44g. Foi encontrado no compartimento externo esquerdo uma caixa de cigarros vermelha, imprimida com caracteres chineses “五葉神” que continha no seu interior 12 saquinhos plásticos transparentes com o estupefaciente “cocaína”, cada um destes saquinhos pesou 0,4g., 6 saquinhos plásticos transparentes, cada um destes saquinhos pesou 0,38g., e 3 saquinhos plásticos transparentes, cada um destes saquinhos pesou 0,35g., perfazendo um peso total de 8,13g. Foi encontrada no compartimento interior do saco uma caixa de cigarros de cor dourada, imprimida com caracteres chineses “五葉神”, que continha 12 saquinhos plásticos transparentes com o estupefaciente “cocaína” no seu interior, cada um destes saquinhos pesou 0,4g., 13 saquinhos plásticos transparentes, cada um destes saquinhos pesou 0,38g., e 29 saquinhos plásticos transparentes, cada um destes saquinhos pesou 0,35g., perfazendo um peso total de 19.89g. (cfr. os objectos apreendidos (3) no auto de revista e apreensão de fls. 9 a 10 dos autos). E,
7) no bolso esquerdo das calças do 2º arguido, foram encontrados 2 lenços de papel brancos, contendo um destes lenços no seu interior 5 saquinhos plásticos transparentes com o estupefaciente “cocaína” que pesaram, respectivamente, 0,37g., 0,37g., 0,36g., 0,36g. e 0,35g., e outro lenço contendo no seu interior 6 saquinhos plásticos transparentes com o estupefaciente “cocaína” (0,4g. cada), perfazendo um peso total de 4,21g. (cfr. os objectos apreendidos (1) no auto de revista e apreensão de fls. 40 dos autos)
8) Após investigação, apurou-se que os 11 saquinhos de “cocaína” encontrados na posse do 2º arguido foram comprados por ele ao 1º arguido, pagando MOP6.000 em numerário.
9) O exame laboratorial realizado revelou que:
i. Os cristais brancos contidos nos 124 saquinhos encontrados na posse do 1º arguido continham “cocaína”, substância abrangida na Tabela I-B do artº 4º da Lei nº 17/2009, com peso líquido de 29,264g. (11,965+4,897+12,402). A análise quantitativa mostrou que a percentagem de “cocaína” contida foi de 79,2%, 82,4% e 80,6%, respectivamente, num peso de 23,520g. (9,48+4.04+10.0).
ii. Os cristais brancos contidos nos 11 saquinhos encontrados na posse do 2º arguido continham “cocaína”, substância abrangida na Tabela I-B do artº 4º da Lei nº 17/2009, com peso líquido de 2,565g. A análise quantitativa mostrou que a percentagem de “cocaína” contida foi de 79,6% num peso de 2,04g. (cfr. relatório pericial de fls. 96 a 101 dos autos).
10) Foram apreendidos os objectos encontrados na posse do 1º arguido tais como 1 telemóvel, uma quantia em numerário de MOP4.600 e um cartão-chave do quarto no ZZ Hotel e foram encontradas as quantias de HKD42.500 e MOP6.000 no cofre de segurança do seu quarto hotel. As referidas quantias apreendidas, excepto uma quantia de HKD8.000, eram o dinheiro obtido nas transacções de produtos estupefacientes e o telemóvel apreendido supra mencionado era o instrumento de comunicação usado por ele nas transacções de produtos estupefacientes. O telemóvel que foi apreendido ao 2º arguido era o instrumento de comunicação usado por ele nas transacções de produtos estupefacientes (cfr. auto de apreensão – os objectos apreendidos (4) em fls. 9 a 10 dos autos e os objectos apreendidos (2) em fls. 12 e 40 dos autos).
11) Com o consentimento do 1º arguido, o agente policial examinou o seu telemóvel, no qual encontrou as conversas mantidas entre ele e “YY” que tinham a ver com tráfico de drogas. O 1º arguido, sob instruções que lhe foram dadas, realizou, com sucesso, 10 transacções de estupefacientes com compradores, as quais envolveram 48 saquinhos do estupefaciente “cocaína” e o dinheiro total obtido com as transacções era não inferior a HKD/MOP26.300 e a RMB1.575. Foi encontrado no software “Wechat” do telemóvel do 2º arguido uma conta denominada “WW” (cfr. relatório analítico de fls. 20 a 25 e 46 dos autos).
12) Efectuado o exame de urina ao 2º arguido, o qual apresentou resultado positivo para os produtos estupefacientes “ketamina” e “cocaína” (cfr. auto de exame médico de fl. 44 dos autos).
13) Os produtos estupefacientes “cocaína” apreendidos aos 1º e 2º arguidos e os produtos estupefacientes “cocaína” comprados pelo 3º arguido ao 1º arguido foram adquiridos em Macau pelo 1º arguido de um homem não identificado, através de “YY”. O 1º arguido destinava os produtos estupefacientes adquiridos à venda a terceiros, com intenção de obter interesse ilegítimo. Os produtos estupefacientes “cocaína” que foram comprados pelos 2º e 3º arguidos ao 1º arguido eram para o consumo pessoal deles.
14) Os três arguidos conheciam bem a natureza e as características do estupefaciente aludido, sabendo bem que não tinham autorização legal para fazer o que fizeram.
15) Os três arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, praticando deliberadamente as condutas supra descritas.
16) Os três arguidos sabiam bem que as suas condutas violaram a lei e eram punidas por lei.
Mais se provou:
O 1º arguido alegou ter o curso de ensino secundário complementar, é vendilhão, auferindo o vencimento mensal de RMB2.000 a 3.000. Tem uma filha com a sua fiancée que não trabalha.
O 1º arguido é primário, segundo o seu registo criminal mais actual.
O 2º arguido alegou ter o 9º ano de escolaridade, é operador de obras de decoração, auferindo o vencimento mensal de MOP20.000,00. Tem a seu cargo o pai.
O 2º arguido não é primário, segundo o seu registo criminal mais recente.
1) O 2º arguido foi condenado em 19 de Abril de 2018, no âmbito do processo nº CR5-16-0306-PCC (processo originário nº CR3-16-0396-PCC), pela prática de um crime de falsidade de testemunho (cúmplice), p.p. pelo artº 324º, nº 1 e nº 3, conjugado com o artº 26º, nºs 1 e 2 e artº 67º, nº 1, al. a) e al. b), todos do Código Penal, e pela prática de um crime de favorecimento pessoal (co-autor), p.p. pelo artº 331º, nº 1 do mesmo Código, na pena de 1 ano de prisão e na pena de 7 meses de prisão, respectivamente, em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos. Após recurso, a referida condenação foi alterada pelo acórdão nº 534/2018, de 12/7/2018, do Tribunal de Segunda Instância, o qual absolveu-o do crime de favorecimento pessoal, mantendo a condenação por um crime de falsidade de testemunho e aplicando-lhe a pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos. Tal acórdão transitou em julgado em 30 de Julho de 2018.
Além disso, o 2º arguido confirmou o seu antecedente criminal no processo nº CR1-09-0167-PSM, no entanto, não se encontram no seu registo criminal mais recente os dados relativos ao antecedente criminal referido.
O 3º arguido CXX alegou possuir o curso do ensino secundário geral. É taxista, ganhando o vencimento mensal de MOP18.000,00. Tem um/a filho/a com a mulher que não trabalha.
O 3º arguido não é primário, segundo o seu registo criminal mais recente.
1) O 3º arguido foi condenado em 5 de Fevereiro de 2015, no âmbito do processo nº CR3-14-0488-PCS, pela prática de um crime de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 14º da Lei nº 17/2009, na pena de 45 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sob condição de o arguido deixar de consumir drogas e acompanhada do regime de prova e teste periódico de urina. Tal decisão transitou em julgado em 5 de Março de 2015. Uma vez que o arguido violou as obrigações para a suspensão da pena, após ouvido o arguido, foi proferida uma decisão em 3 de Março de 2016 que prorrogou o período da suspensão da execução da pena por um ano e mantinha as obrigações para a suspensa da pena anteriormente impostas. O despacho transitou em julgado em 6 de Abril de 2016. O arguido voltou a violar as obrigações da suspensão, pelo que, após ouvido o arguido, a decisão proferida em 20 de Abril de 2017 revogou a suspensão da execução da pena do arguido. Tal despacho transitou em julgado em 15 de Maio de 2017. O arguido cumpriu toda a pena de prisão aplicada em 1 de Junho de 2017”.
Seguidamente, e em sede de “factos não provados”, consignou que não se provaram “Os demais factos constantes da acusação que não correspondem aos factos provados”; (cfr., fls. 387-v a 390 e 532 a 540).
Do direito
3. Vem os (1° a 3°) arguidos AXX, BXX e CXX recorrer do Acórdão do T.J.B. que os condenou nos termos atrás já referidos.
Entende o (1°) arguido A que “excessiva é a pena (principal)”, que devia ser especialmente atenuada, invocando o art. 18° da Lei n.° 17/2009, pedindo a aplicação de uma pena de 5 anos de prisão.
Por sua vez, considera o (2°) arguido B que o Acórdão recorrido padece de “violação do princípio in dubio pro reo”, “errada qualificação jurídica”, (“erro sobre a ilicitude”), e “excesso de pena”.
O (3°) arguido C, é de opinião que incorreu o Colectivo a quo no vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.
Vejamos.
–– Comecemos pelo “recurso do (1°) arguido A”.
Nos termos do art. 18° da Lei n.° 17/2009, (alterada pela Lei n.° 10/2016):
“No caso de prática dos factos descritos nos artigos 7.º a 9.º e 11.º, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado ou se esforçar seriamente por consegui-lo, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, de organizações ou de associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou haver lugar à dispensa de pena”.
E como pelo Vdo T.U.I. tem sido entendido:
“Para efeito de atenuação especial da pena prevista no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, só tem relevância o auxílio concreto na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis do tráfico de drogas, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, ou seja, tais provas devem ser tão relevantes capazes de identificar ou permitir a captura de responsáveis de tráfico de drogas com certa estrutura de organização, com possibilidade do seu desmantelamento”; (cfr., v.g., o Ac. de 30.07.2015, Proc. n.° 39/2015 e, mais recentemente, de 30.05.2018, Proc. n.° 34/2018).
Percorrendo a factualidade dada como provada e atrás retratada, não se vislumbram motivos para a pretendida atenuação especial, o mesmo sucedendo se se tiver em atenção o estatuído no art. 66° do C.P.M..
Com efeito, e como em relação a este art. 66° do C.P.M. temos entendido, “A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.06.2018, Proc. n.° 397/2018, de 10.01.2019, Proc. n.° 1032/2018 e de 21.02.2019, Proc. n.° 6/2019).
Na verdade, tratando-se desta “matéria” tem-se entendido que a figura da “atenuação especial da pena” surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.
No caso, e ponderando na retratada factualidade, não se encontra na mesma qualquer “circunstância” que permita considerar que estejamos perante uma “situação especial”, ou “excepcional”, e, assim, (totalmente) afastada está a pretendida atenuação especial.
Por sua vez, ponderando também no estatuído no art. 40° e 65° do C.P.M., e na moldura penal aplicável ao crime cometido, (5 a 15 anos de prisão), cremos também que nenhuma censura merece a pena decretada ao arguido ora recorrente, sendo assim de se negar provimento ao seu recurso.
–– Passemos agora para o “recurso do (3°) arguido C” que coloca a questão da “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.
Repetidamente temos afirmado que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.06.2018, Proc. n.° 451/2018, de 06.09.2018, Proc. n.° 677/2018 e de 10.01.2019, Proc. n.° 859/2018, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).
Como decidiu o T.R. de Coimbra:
“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).
E, como igualmente também considerou o T.R. de Évora:
“A insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso”; (cfr., o Ac. de 26.09.2017, Proc. n.° 447/13).
“O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada traduzir-se-á, afinal, na falta de elementos fácticos que permitam a integração na previsão típica criminal, seja por falência de matéria integrante do seu tipo objectivo ou do subjectivo ou, até, de uma qualquer circunstância modificativa agravante ou atenuante, considerada no caso. Em termos sintéticos, este vício ocorre quando, com a matéria de facto dada como assente na sentença, aquela condenação não poderia ter lugar ou, então, não poderia ter lugar naqueles termos”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 647/14).
Aliás, como no recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.09.2018, Proc. n.° 28/16, se decidiu, inexiste insuficiência da matéria de facto provada para a decisão “quando os factos dados como provados permitem a aplicação segura do direito ao caso submetido a julgamento”, sendo, como se verá, este o caso dos autos.
No caso, e como – bem – se salienta no douto Parecer que se deixou transcrito, está provado que “em 23 de Julho de 2018, pelas 3:15 horas, nas proximidades do restaurante McDonald’s, na Rua da Doca Seca, o arguido AXX entrou no táxi preto de matrícula MT-**-**, conduzido pelo recorrente CXX, e vendeu a este três saquinhos com cocaína pelo preço de MOP $600 cada, obtendo do comprador a importância de MOP $1 800 (facto 3); o CXX destinava o produto a consumo pessoal (facto 13); conhecia bem a natureza e as características do produto (facto 14); agiu de forma livre, voluntária e consciente (facto 15); e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei (facto 16)”.
Perante isto, e nenhum vício padecendo o assim decidido, claro é que nenhuma insuficiência existe, mais não se mostrando de dizer sobre a questão.
–– Vejamos, agora, do “recurso do (2°) arguido B”.
Como se deixou dito, foi o mesmo condenado como autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 e 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (alterada pela Lei n.° 10/2016), na pena de 5 anos e 1 mês de prisão.
E, como se viu, imputa ao Acórdão recorrido o vício de “violação do princípio in dubio pro reo”, “errada qualificação jurídica”, “erro sobre a ilicitude” e “excesso de pena”.
Quanto à imputada violação do “princípio in dubio pro reo”, vejamos.
“O princípio “in dubio pro reo” identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dubio pro reo”, decidir pela sua absolvição”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 13.07.2017, Proc. n.° 592/2017, de 11.01.2018, Proc. n.° 1146/2017 e de 14.03.2019, Proc. n.° 127/2019).
Por sua vez, e como entende a doutrina, segundo o princípio “in dubio pro reo” «a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido»; (cfr., Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, pág. 215).
Como o afirma Cristina Libano Monteiro (in “In Dubio Pro Reo”), o princípio em questão “parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do jugador”.
Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito – tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo – quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais actualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.
Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”; (cfr., Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano”, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615).
Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido; (neste sentido, cfr. v.g., o Ac. do S.T.J. de 29.04.2003, Proc. n.° 3566/03, in “www.dgsi.pt”).
Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias, (neste sentido, cfr., v.g. o Ac. da Rel. de Guimarães de 09.05.2005, Proc. n.° 475/05, in “www.dgsi.pt”), sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não no do recorrente – alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”; (sobre o alcance do princípio em questão pode-se ainda ver o Ac. da Rel. de Évora de 08.03.2018, Proc. n.° 1360/14).
Da mesma forma, e como recentemente decidiu o Tribunal da Rel. de Coimbra no seu Acórdão de 12.09.2018:
“O princípio do “in dubio pro reo” é exclusivamente probatório e aplica-se quando o tribunal tem dúvidas razoáveis sobre a verdade de determinados factos, ao passo que o princípio da presunção de inocência se impõe aos juízes ao longo de todo o processo e diz respeito ao próprio tratamento processual do arguido.
O princípio in dubio pro reo estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.
A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados”; (cfr., o Ac. Proc. n.° 28/16, in “www.dgsi.pt”).
In casu, da leitura do Acórdão do T.J.B. não se vê que, em momento algum, tenha o Colectivo a quo ficado com “dúvidas” quanto à “responsabilidade” do arguido, e que, mesmo assim, tenha decidido contra, ou em seu prejuízo.
Dest’arte, adequado não é dizer-se que se incorreu em violação no referido princípio.
Também no que toca ao invocado “erro sobre a ilicitude”, mostra-se de acompanhar totalmente o exposto no douto Parecer do Ministério Público, até porque em face do que provado está, nenhuma outra consideração se mostra de tecer.
E, aqui chegados, cremos, porém, que não se mostra de manter a condenação do ora recorrente como autor de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”.
Passa-se a tentar especificar este nosso ponto de vista, socorrendo-nos do já exposto no douto Acórdão do Vdo T.U.I. de 21.11.2018, Proc. n.° 74/2018, onde, sobre a mesma questão, se considerou, nomeadamente, que “Ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, na redacção dada pela Lei n.º 10/2016, se a quantidade das plantas, substancias ou preparados que o agente cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém para consumo pessoal exceder cinco vezes a quantidade do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à mesma Lei, são aplicáveis as disposições dos art.ºs 7.º, 8.º ou 11.º, consoante os casos.
E nos termos da nova redacção do n.º 3 do mesmo art.º 14.º, para determinar se a quantidade de plantas, substancias ou preparados, excede ou não cinco vezes a quantidade indicada no referido mapa, a lei manda contabilizar toda a quantidade das plantas, substancias ou preparados, independentemente se se destinem a consumo pessoal na sua totalidade ou se destinem uma parte para consumo pessoal e outra parte para outros fins ilegais.
A punição pelo crime de produção e tráfico de menor gravidade depende da consideração sobre se a ilicitude dos factos de produção ou tráfico da droga se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta as circunstâncias apuradas no caso concreto, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade da droga, devendo o tribunal atender especialmente a quantidade da droga.
O facto de a droga detida pelo agente exceder cinco vezes a quantidade indicada naquele mapa não implica necessariamente a sua condenação pelo crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º, não sendo de afastar necessariamente a punição pelo crime de produção e tráfico de menor gravidade p.p. pelo art.º 11.º, ambos da Lei n.º 17/2009. Tudo depende da consideração sobre se a ilicitude dos factos ilícitos se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta as circunstâncias apuradas no caso concreto”; (cfr., também o Ac. do Vdo T.U.I. de 16.01.2019, Proc. n.° 112/2018).
Atento o assim considerado, e ponderando na situação dos autos, especialmente, que “provado” está que o ora recorrente detinha um total de “2,04g” de Cocaína para seu consumo, e sendo a quantidade de referência de uso diário desta substância de “0,2g”, afigura-se-nos, tendo-se em consideração o “grau de ilicitude” da conduta em questão, que mais adequado é dar (tão só) por verificado o crime de “tráfico de menor gravidade” do art. 11° da mesma Lei n.° 17/2009, com a redacção dada pela Lei n.° 10/2016.
Nesta conformidade, e ponderando na moldura aplicável a este crime – pena de prisão de 1 a 5 anos – e tendo em conta o estatuído no art. 40° e 65° do C.P.M., cremos que justa e adequada é a pena de 1 ano e 9 meses de prisão.
Por fim, ponderando no estatuído no art. 48° do C.P.M., tendo presente o que do C.R.C. do arguido, ora recorrente, consta, e não se olvidando as necessidades de prevenção criminal, mostra-se inviável uma decisão no sentido da suspensão da pena ao recorrente decretada.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento aos recursos dos (1° e 3°) arguidos AXX e CXX, julgando-se parcialmente procedente o recurso do (2°) arguido BXX, que vai condenado nos termos consignados, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão.
Pelo seu decaimento pagarão os (1°, 2° e 3°) arguidos AXX, BXX e CXX, a taxa individual de justiça de 5, 5 e 3 UCs.
Honorários aos Exmos. Defensores dos (1° e 3°) arguidos AXX e CXX no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 20 de Junho de 2019
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (vencido na parte da decisão recursória sobre o arguido BXX, porque para mim é de louvar “in totum” a decisão ora recorrida, na esteira da posição jurídica veiculada no acórdão de 30/7/2018 do Processo n.º 665/2018 deste TSI, inclusivamente).
Proc. 499/2019 Pág. 40
Proc. 499/2019 Pág. 41