Processo nº 789/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 20 de Junho de 2019
ASSUNTO:
- Alienação da empresa comercial
- Transmissão da posição do arrendatário
SUMÁRIO:
- Nos termos do nº 1 do artº 1047º do C. C., a transmissão da posição do arrendatário em caso de alienação da empresa comercial não depende da autorização do senhorio.
- No entanto, não sendo válido o contrato da alienação da empresa comercial, não se pode dizer que a posição do arrendatário do Réu foi validamente transmitida a terceiro.
- Ainda que o contrato de alienação em referência fosse válido, não tendo o Réu cumprido o dever de comunicação a que se alude a al. g) do artº 983º do C.C., a transmissão da posição do arrendatário também é ineficaz em relação ao senhorio.
O Relator
Ho Wai Neng
Processo nº 789/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 20 de Junho de 2019
Recorrentes: B (Réu)
C e D (Autores)
Recorridos: Os mesmos
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por despacho de 22/05/2015, julgou-se não foi admitida a cumulação subsidiária de pedidos formulados pelos Autores C e D.
Dessa decisão vêm recorrer os Autores, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a fls. 148 dos autos, que indeferiu a cumulação subsidiária de pedidos, entendendo os Recorrentes que a mesma não teve presente o disposto no próprio art. 65.º, n.º 3 e 4 do C.P.C., ao abrigo da qual os Recorrentes escudaram a sua pretensão.
B. Analisado o despacho recorrido, entendem os ora Recorrentes que o Tribunal a quo se cingiu à análise do disposto no art. 217.º, n.º 6 do C.P.C., sem atender ao dispositivo legal ao abrigo do qual os Recorrentes requereram, ainda que subsidiariamente, a cumulação de pedidos.
C. É importante notar que, na réplica, os ora Recorrentes pediram a intervenção principal provocada dos terceiros que, na tese apresentada pelo Réu na sua contestação, se encontram a ocupar o imóvel, em virtude de terem assumido a posição de arrendatários do imóvel, tendo o incidente de intervenção principal provocada sido deferido por despacho de fls. 121 dos autos.
D. A título principal, o pedido e a causa de pedir dirigidos contra os terceiros intervenientes são precisamente os mesmo que os dirigidos contra o Réu.
E. Porém, subsidiariamente, no caso de se vir a concluir que os terceiros ocupam ilegalmente o imóvel dos Recorrentes, sem ter por título o contrato de arrendamento celebrado com o Réu, pediram os Recorrentes que fossem os terceiros condenados a desocupar o imóvel, bem como a ressarcir os Recorrentes pelos prejuízos causados pela ocupação ilegítima.
F. No entender dos Recorrentes, tal situação subsume-se integralmente no disposto no art. 65.º, n.º 3 do C.P.C., o qual, como se disse, não foi apreciado pelo Tribunal a quo aquando da prolação da sua decisão.
G. Contrariamente ao que se sufraga na decisão recorrida, no entender dos Recorrentes, não se verifica incompatibilidade de pedidos ou de causas de pedir, muito menos em termos impeditivos da cumulação de pedidos.
H. Em bom rigor, o pedido principal em apreciação numa acção de despejo em nada difere do pedido principal em apreciação numa acção de reivindicação: em ambos os casos, prima facie, o que se pretende é desocupação do imóvel (ou do locado) livre e devoluto de pessoas e bens, sendo que, ambas as acções - de reivindicação ou de despejo - são compagináveis com o pedido de indemnização pela ocupação ilegítima do imóvel (ou do locado).
I. Talvez por isso mesmo, no âmbito do direito processual em vigor em Portugal - a fonte do Código Civil e de Processo Civil de Macau - em termos gerais, a acção de despejo deixou de ser configurada como acção especial, sendo que, em geral, as acções para declaração de resolução ou caducidade dos contratos de arrendamento seguem a forma do processo declarativo ordinário, à semelhança das acções de reivindicação.
J. Ou seja, no entender dos Recorrentes, os pedidos em apreciação numa acção de despejo e numa acção de reivindicação, apesar das diferentes formas de processo previstas no direito processual de Macau, não seguem uma tramitação manifestamente incompatível.
K. Por outro lado, ao não ter ordenado a cumulação de pedidos nos termos peticionados, entendem os Recorrentes que violados saem igualmente os princípios que norteiam o referido normativo: os princípios da economia processual e celeridade processuais, bem como o princípio da adequação formal, ambos com expressão nos arts. 6.º e 7.º do Código de Processo Civil.
L. Com efeito, ao ter sido liminarmente indeferido o pedido de cumulação de pedidos, correm agora os Recorrentes o sério risco de, uma vez finda a presente acção e apurando-se que os terceiros não assumiram a posição de arrendatários do imóvel, de ter de voltar ao início, mediante a necessidade de propor uma nova acção, agora de reivindicação.
M. Pelo que demorarão os ora Recorrentes anos e anos nos Tribunais a reclamar a devolução do imóvel de sua propriedade, com tudo o que tal implica em termos de dispêndio de tempo e de custos, quer para as partes, quer no que respeita à própria mobilização dos Tribunais.
N. Pelas razões expostas, ao não ter apreciado directamente e, a final, ordenado o pedido de cumulação de pedidos nos termos formulados na réplica, entendem os Recorrentes que a decisão recorrida viola o disposto no art. 65.º, n.ºs 3 e 4 em conjugação com o disposto nos artigos 6.º e 7.º do Código de Processo Civil.
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O Réu B respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 209 a 213 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Por sentença de 25/04/2016, julgou-se a acção parcialmente procedente e em consequência:
- julgou resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e o Réu relativamente à fracção autónoma a que se reportam os autos, ordenando o despejo da mesma em dez (10) dias;
- condenou o Réu a pagar aos Autores as rendas referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2013, Janeiro, Março e Abril de 2014 no valor de MOP$28.840,00 cada acrescida cada uma dos juros de mora à taxa legal a contar do primeiro dia do respectivo mês.
- condenou o Réu no pagamento aos Autores da indemnização igual MOP$2.389.600,00, sendo acrescida de MOP$82.400,00 por cada mês ou parte durante o qual perdure a ocupação do locado até integral e efectiva desocupação.
- absolveu o Réu dos demais pedidos.
Dessa decisão vem recorrer o Réu, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O douto Tribunal a quo, por sentença proferida a fls. 239 a 251v, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelos Autores, e consequentemente, decidiu a final o seguinte: «Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada e em consequência: - Julga-se resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e o Réu relativamente à fracção autónoma a que se reportam os autos ordenando-se o despejo da mesma em dez (10) dias; - Condena-se o Réu a pagar aos Autores as rendas referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2013, Janeiro, Março e Abril no valor de MOP$28.840,00 cada acrescida cada uma dos juros de mora à taxa legal a contar do primeiro do respectivo mês. - Condenar o Réu no pagamento aos Autores da indemnização igual MOP$2.389.600,00, sendo acrescida de MOP$82.400,00 por cada mês ou parle durante o qual perdure a ocupação do locado até integral e efectiva desocupação. - Absolver o Réu dos demais pedidos.»
2. O Réu não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, nem com os fundamentos subjacentes que determinaram a tomada desta mesma decisão.
3. Quanto à validade da cedência da posição do arrendatário, da instrução e discussão da causa apurou-se a seguinte matéria de facto: “g) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 29 de Abril de 2013, F, G, H e I venderam a referida fracção aos Autores (...)"; "l) Em 15 de Julho de 2011, o Réu transmitiu a sua quota na Sociedade Comercial "Restaurante XX Sociedade Unipessoal Limitada" a J e Cônjuge K, em conformidade com o teor da certidão junta a fls. 74 a 85 que aqui se dá por integralmente reproduzida; "o) Em 15 de Julho de 2011, o Réu acordou com J a transmissão das instalações, utensílios, mercadorias e demais elementos que faziam parte do restaurante "YY" p) J aceitou a cumprir as cláusulas no contrato de arrendamento, pagando as rendas pontualmente."
4. O douto tribunal a quo, apesar da matéria de facto apurada, decidiu que a cessão da posição do arrendatário não é válida, com o fundamento que não se observou o estipulado no n.º 2 do artigo 1049.º do Código Civil, ou seja, ao não se ter cumprido o formalismo de celebrar por escrito particular com reconhecimento presencial das assinaturas o contrato de cessão da posição de arrendatário.
5. Acresce que, o douto Tribunal decidiu não ser válida a cedência da posição do arrendatário, por não se ter provado que o Réu e J e K hajam validamente transmitido entre si a posição de arrendatário, sendo por isso ineficaz, concluindo que a qualidade de arrendatário se mantém na pessoa do Réu, e, desta forma, considerou improcedente a invocada ilegitimidade substantiva do Réu.
6. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, não deveria o douto Tribunal a quo ter considerado improcedente a cessão da posição de arrendatário e, subsequentemente, a legitimidade do Réu, por o Tribunal ter errado na aplicação ao caso em concreto o artigo 1049.º, n.º 2 do Código Civil, pois que este artigo apenas é aplicável aos arrendamentos para o exercício de profissões liberais, estando inserido na Subsecção V - Disposições especiais dos arrendamentos para o exercício de profissões liberais.
7. Ao ter sido dado como provado, na alínea O), que tinha sido acordado entre o Réu e J e K a transmissão de todos os bens do restaurante, jamais poderia o Tribunal a quo aplicar o artigo 1049.º, n.º 2 do Código Civil, aplicável somente a profissões liberais, antes, estamos perante o exercício de uma actividade comercial, sendo que caberia aqui a aplicação do artigo 1047.º do Código Civil, que tem como epigrafe a "Alienação da empresa comercial" e foi o que ocorreu no presente caso e que o douto Tribunal deu como provado, nas alíneas I), O) e P) supra transcritas.
8. Assim sendo, o artigo 1047.º do Código Civil deve ser aplicado ao presente caso por estarem preenchidos os pressupostos exigidos, ao contrário da aplicação do artigo 1049.º, n.º 2 do Código Civil.
9. Em 15 de Julho de 2011, o Réu acordou com J a transmissão das instalações, utensílios, mercadorias e demais elementos que faziam parte do restaurante "YY", estando verificados os indícios de verificação de alienação da empresa comercial, exigidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 a contrario do artigo 1047.º do Código Civil, assim, não era necessária a autorização para a transmissão da posição do arrendatário, tal como preceitua o n.º 1 do artigo 1047.º, dado que a transmissão das instalações, utensílios, mercadorias e demais elementos que faziam parte do restaurante "YY está verificada e provada, e, nestes termos, a transmissão opera-se sem necessidade do consentimento do locador, pelo que não se entende a não aplicação do artigo 1047.º do Código Civil, que tem como epigrafe a "Alienação da empresa comerciai".
10. Mantendo-se a decisão da aplicação do artigo 1049.º do Código Civil, nomeadamente o n.º 2, em que se exige que a transmissão seja celebrada por escrito particular com reconhecimento presencial das assinaturas, aquela transmissão é considerada ineficaz, e, neste sentido, a qualidade de arrendatário mantém-se na pessoa do Réu, contudo, perante a prova produzida nos autos, e os factos provados, jamais poder-se-ia chegar a esta conclusão aplicar o artigo 1049.º, mas antes o artigo 1047.º, sendo que ocorreu, de forma legal, a transmissão da posição de arrendatário.
11. Acresce justamente que ficou provado e tal foi referido por uma testemunha apresentada pelos Autores que, aquando da propositura da acção, os Autores tinham perfeito conhecimento que a fracção estava ocupada pelo Senhor J e K, e não pelo Réu, e de resto, na audiência de discussão e julgamento, realizada no dia 1 de Outubro, a primeira testemunha P referiu que em 2014, os Autores sabiam que a fracção estava ocupada pelo Senhor J e Senhora K, cujo trecho se transcreve quanto a esta conclusão (sublinhados nossos):
Advogada dos Autores: Já do que resulta do que respondeu ao Tribunal, quando é que a Sra. ouviu falar dos nomes de J e K? (19:00)
Testemunha: Quando o proprietário incumbiu o Advogado para tratar do assunto (19:20) e dai é que eu tomei conhecimento da existência dessas duas pessoas J e essa outra pessoa. (19:27)
Patrono do Réu: A testemunha acabou de dizer que não havia mais ninguém interveniente, mas de repente já se lembra Sr. J e K! (19:36). Há aqui uma contradição... Peço desculpa.
Presidente do Colectivo: Para já não, estava a perguntar-lhe a seguir à venda e ela tratou só com B e agora diz que só ouve falar dos outros quando o Advogado intervém.
Presidente do Colectivo: Quando é que o Advogado intervém? (19:52).
Testemunha: 2014, quando o proprietário não conseguiu reaver o estabelecimento, teve de constituir advogado para tratar do assunto, foi nessa altura. É que eu tomei conhecimento. Porque me pediram para servir de testemunha. Daí é que eu tomei conhecimento. (20:17) É que eu dantes, não sabia da existência dessas duas pessoas. (20:27)
Presidente do Colectivo: Só sabe quando lhe pedem para ser testemunha, como é que soube? Porque lhe contaram que havia essas pessoas? (20:34) Ou porque foi lá e as viu?
Testemunha: Não foi por me terem dito, nem eu cheguei a ver essas duas pessoas.
Exmo. Sr. Juiz: Qual delas?
Testemunha: Eu não sei da existência delas, foi à pouco quando foi perguntado pelo Dr. Advogado. (20:58) Ou seja, o que eu quer dizer quanto à existência dessas duas pessoas.
Presidente do Colectivo: Não sabia delas até agora, até falarmos delas agora aqui? (21:09)
Testemunha: Sim, não sabia.
Presidente do Colectivo: Ouviu falar delas?
Testemunha: Não. (21:15)
12. Ou seja, a testemunha inquirida disse, numa primeira fase, que tinha conhecimento da existência dos novos arrendatários, logo em 2014, J e K, logo os Autores tinham igualmente perfeito conhecimento da transferência do arrendamento, nada fazendo, aceitando tal facto e conformando-se com o mesmo.
13. Logo, perante a prova produzida em plena Audiência de Julgamento, e o circunstancialismo do presente caso, quanto à cedência da posição contratual entre o Réu e J e K, nunca poderiam os Autores vir aos presentes autos invocar desconhecimento quanto a qualquer facto ocorrido relativo à transmissão da posição de arrendatário, não sendo erro desculpável, os Autores deveriam ter analisado toda a situação jurídica da fracção, através de Certidão junta pelo Réu a fls. 74 a 85, pelo que, aplicando-se o artigo 1047.º, a cessão sempre teria de ser considerada válida operando todos os seus efeitos entre as partes e perante terceiros.
14. Os Autores sempre reconheceram a cedência da posição contratual entre o Réu e J e K e conformaram-se com a mesma, e, se assim foi, o Réu é parte ilegítima nos autos, e, assim, dá-se a extinção subjectiva da relação entre o Réu e os Autores, cessando correspondentemente os direitos e os deveres existentes entre ambas as partes.
15. Tendo os Autores reconhecido a cedência da posição contratual entre o Réu e J e K, podemos eventualmente estar nesta acção perante uma situação de Abuso de Direito, venire contra factum proprium, nos termos do artigo 326.º do Código Civil, em que, por um lado, os Autores admitiram e reconheceram a cedência da posição contratual a J e K - factum proprium -, e por outro, invocando a falta de uma formalidade, intentam uma acção apenas contra o Réu, como sendo o arrendatário - é contraditada pela segunda - o venire!
16. Assim, o Réu não se conforma com a decisão do Doutro Tribunal a quo ao considerar o Réu parte legítima na presente acção, por erro manifesto da decisão, sendo diferentes os factos alegados e a prova produzida, pelo que a decisão do douto tribunal a quo deve ser substituída por outra, considerando-se o Réu parte ilegítima na presente acção, declarando-se a sua absolvição da Instância.
17. Quanto à resolução do contrato de arrendamento, o douto Tribunal, alegando a base da factualidade apurada, deu como provado que o Réu deixou de pagar as rendas indicadas, mas o Réu não aceita que seja o responsável pelo pagamento das rendas, porque já não era arrendatário, dado que, em "l) Em 15 de Julho de 2011, o Réu transmitiu a sua quota na Sociedade Comercial "Restaurante XX Sociedade Unipessoal Limitada" a J e Cônjuge K, em conformidade com o teor da certidão junta a fls. 74 a 85 que aqui se dá por integralmente reproduzida; "o) Em 15 de Julho de 2011, o Réu acordou com J a transmissão das instalações, utensílios, mercadorias e demais elementos que faziam parte do restaurante "YY"; "p) J aceitou a cumprir as cláusulas no contrato de arrendamento, pagando as rendas pontualmente."
18. E, de acordo com a prova produzida em sede de audiência de julgamento, no decorrer do depoimento da primeira testemunha P, atrás transcrita, apresentada pelos Autores, os Autores sabiam que a fracção estava arrendada pelo Senhor J e Senhora K, pelo que, o Réu não pode ser o responsável pelo pagamento das rendas, nomeadamente, as respeitantes aos meses com inicio em 1/11/2013, 1/12/2013, 1/1/2014 e 1/2/2014, por já ter procedido à cessão da posição de arrendatário antes, o Réu deve ser absolvido, por os Autores conheceram e reconheceram a cedência da posição contratual a J e K.
19. Assim, a decisão do douto tribunal a quo deve ser substituída por outra, considerando-se o Réu parte ilegítima na presente acção, declarando-se a sua absolvição.
20. Quanto à falta de pagamento das rendas e suas consequências, o douto Tribunal considerou o contrato resolvido com base na falta de pagamento de rendas cessando o direito do locador à indemnização prevista na primeira parte do n.º 1 do artigo 996.º do Código Civil, contudo, não cabe ao Réu indemnizar os Autores pelo prejuízo sofrido, nomeadamente, ao que corresponde ao pagamento das rendas em divida respeitantes aos meses de Novembro e Dezembro de 2013 e Janeiro, Março e Abril de 2014, acrescidos dos juros de mora desde a data do vencimento das mesmas, dado que, os Autores sabiam que a fracção estava arrendada pelo Senhor J e Senhora K e de acordo com a prova produzida em sede de audiência de julgamento, no decorrer do depoimento da primeira testemunha P apresentada pelos Autores, os Autores conheceram e reconheceram a cedência da posição contratual a J e K.
21. Assim, a decisão do douto tribunal a quo deve ser substituída por outra, considerando-se o Réu parte ilegítima na presente acção, declarando-se a sua absolvição.
22. Quanto à Indemnização pela mora na entrega da coisa, nos termos do n.º 1, 2 e 3 do artigo 1027.º do Código Civil aplicável ao arrendamento por força do disposto no n.º 1 do artigo 1029.º, o Douto Tribunal considerou que o valor da renda ao tempo da denuncia seria igual a HKD$28.000,00, em que teriam os Autores direito a receber uma indemnização igual a HKD$56.000,00 por cada mês desde Maio de 2014 inclusive até efectiva e integral entrega da coisa, considerando como provado que «Em 2014 os Autores poderiam dá-lo de arrendamento por HKD$130.000,00 e em 2015 por HKD$80.000,00».
23. O Réu considera que não deve ser considerado provado este facto, pois, que, no depoimento da 2.ª testemunha apresentada pelos Autores, em sede julgamento, não é evidente que tenha indicado o montante da renda, que seria de HKD$130.000,00, antes, declarou que o valor "vale por volta de HKD$130.000,00"., e no seu depoimento ainda referiu que houve proprietários que pediam 110.000,120.000 de renda, tendo também referido que a renda praticada na fracção em causa "ficou o preço mais baixo comparando com as outras" e das palavras da testemunha resulta que, se o preço era inferior em comparação às outras, o elemento de comparação seria aquelas mesmas fracções com o montante de renda de 110.000, 120.000, pelo que o valor da renda não deve ser de HKD$130.000,00, e passando a transcrever a passagem:
2.º Testemunha (apresentada pelos Autores): Q.
Advogada dos Autores: Em 2014, quanto é que valia o Restaurante? (37:15) Mais de 100.000, tem dizer aproximadamente quanto.
Testemunha: Nós também dependemos das outras lojas, talvez tamanhos diferentes, também depende dos proprietários (37:37), há proprietários que lançam no mercado 110.000, 120.000 também, mas só que este tem um preço mais baixo porquê, porque está juntado com um contrato de arrendamento (37:52), portanto a renda também estava a discutir o valor na altura. (38:01)
Advogada dos Autores: A Sra. fez alguma...
Presidente do Colectivo: Tem valor mais baixo, porquê? (38:07) O que é que tem, são todas para arrendar, o que é que ter juntado um contrato de arrendamento? Se esta loja estivesse livre, arredavam-na por quanto? (38:18)
Testemunha: Porque tem uma renda mais baixo, porque foi combinado com o ex-proprietário, e no entanto, o actual proprietário não conseguia alterar de repente o preço, (38:44) portanto, ficou o preço mais baixo comparando com as outras.
Presidente do Colectivo: Se tivesse vaga, quanto é que se podia arrendar, quanto é que arrendavam por metro quadrado? (38:55)
Testemunha: Se há vago, na altura vale por volta de 130.000 (39:08)
Presidente do Colectivo: Vocês calculam por metro quadrado, é a olho? Testemunha: Porque em princípio, em primeiro lugar, a zona Nape naquela altura atingiu um preço mais alto, e os proprietários também assim, lançavam para os clientes por volta dos 100.000 ou mais, aliás, esta loja tem dois pisos, já vale dois mil pés ao quadrado, entretanto consegue atingir este valor de renda (39:59) naquela altura.
24. Ora, a renda nunca poderia ser superior a 110 mil ou 120 mil patacas.
25. Não obstante o que se acabou de impugnar, contudo, não cabe ao Réu, indemnizar os Autores pelo prejuízo sofrido, dado que, os Autores conheceram e reconheceram a cedência da posição contratual a J e K, assim sendo, é bom de ver que o Réu não tinha efectivamente a posse da fracção autónoma, nem detinha sequer as chaves desde o dia 15 de Julho de 2011, estando o Réu impossibilitado em proceder ao despejo e à devolução da fracção autónoma aos AA.
26. Assim, a decisão do douto tribunal a quo deve ser substituída por outra, considerando o Réu parte ilegítima na presente acção, declarando-se a sua absolvição.
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Os Autores responderam à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 330 a 345 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) L e M eram proprietárias da fracção autónoma designada por ARR/C, do rés-do-chão “AR”, do prédio denominado ...... Villas, sito em Macau, na Rua de ......., n.º ... a ..., Alameda ...... nºs ... a ..., Avenida ......, nºs ... a ..., Rua de ......, nºs ... a ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2****, em conformidade com o teor da certidão junta a fls.8 a 48 que aqui se dá por integralmente reproduzida
b) Por contrato datado de 30 de Abril de 2010, L eM deram de arrendamento ao Réu a referida fracção autónoma, conforme resulta do acordo escrito junto a fls. 49 e 50 dos autos e que aqui se reproduz para os devidos efeitos legais;
c) Nos termos do referido acordo escrito, as partes acordaram que o arrendamento tinha a finalidade de restauração, o prazo de arrendamento era de 4 anos, com início em 01 de Maio de 2010 e termo em 30 de Abril de 2014;
d) Mais acordaram as partes que, de 01/05/2010 a 30/04/2012, a renda mensal ascendia ao valor de HK$25.000,00 e que, de 01/05/2012 a 30/04/2014, a renda mensal passaria a ser no valor de HK$28.000,00, devendo as rendas ser pagas antes do início do mês a que respeitam;
e) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 17 de Agosto de 2011, L e M venderam a referida fracção autónoma a F (F), G (G), H (H) e I (I), venda essa que se encontrava registada na Conservatória do Registo Predial sob o nº 22****G, com data de apresentação de 29 de Agosto de 2011, em conformidade com o teor da certidão junta a fls. 8 a 48 que aqui se dá por integralmente reproduzida;
f) Essa transmissão foi comunicada ao Réu em 20 de Agosto de 2011;
g) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 29 de Abril de 2013, F (F), G (G), H (H) e I (I) venderam a referida fracção autónoma aos Autores, venda essa que se encontra registada na Conservatória do Registo Predial sob o nº 25****G, com data de apresentação de 3 de Maio de 2013, em conformidade com o teor da certidão junta a fls. 8 a 48 que aqui se dá por integralmente reproduzida;
h) Transmissão essa que foi comunicada ao Réu em 26 de Abril de 2013;
i) Encontram-se vencidas e por pagar, pelo menos, as rendas do locado respeitantes aos meses com início em 01/11/2013, 01/12/2013, 01/01/2014 e 01/03/2014;
j) O Réu, em 30 de Abril de 2010, por aquisição de quota, transmitida por O, passou a ser o único sócio da “Restaurante XX Sociedade Unipessoal Limitada”, tendo por objecto “actividades comerciais na área da restauração”, que, à data, tinha a sua sede no locado, em conformidade com o teor da certidão junta a fls. 74 a 85 que aqui se dá por integralmente reproduzida;
k) A partir dessa data, o Réu passou a explorar na dita fracção o restaurante denominado ”YY”, com licença nº 0410/2010;
l) Em 15 de Julho de 2011, o Réu transmitiu a sua quota na Sociedade Comercial “Restaurante XX Sociedade Unipessoal Limitada” a J e cônjuge K, em conformidade com o teor da certidão junta a fls. 74 a 85 que aqui se dá por integralmente reproduzida;
m) O locado está ocupado e fechado;
n) Em 2014 os Autores poderiam dá-lo de arrendamento por HKD$130.000,00 e em 2015 por HKD$80.000,00;
o) Em 15 de Julho de 2011, o Réu acordou com J e K a transmissão das instalações, utensílios, mercadorias e demais elementos que faziam parte do restaurante” YY”;
p) J aceitou a cumprir as cláusulas no contrato de arrendamento, pagando as rendas pontualmente;
q) Em 29 de Janeiro de 2014, os Autores receberam um depósito no montante de HKD$28.000.00;
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III – Fundamentação
1. Do recurso final do Réu:
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
“…
Cumpre assim apreciar e decidir.
- Da validade da cedência da posição de arrendatário;
Nos termos do artº 969º do C.Civ. diz-se locação o «contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição».
Destarte face à matéria de facto assente dúvidas não subsistem que pelos antecessores dos Autores enquanto proprietários da fracção a que se reportam os autos e o Réu foi celebrado um contrato de arrendamento relativamente a esta fracção autónoma.
Da prova produzida resulta também, que «Em 15 de Julho de 2011, o Réu acordou com J e K a transmissão das instalações, utensílios, mercadorias e demais elementos que faziam parte do restaurante “YY”» e que «J aceitou a cumprir as cláusulas no contrato de arrendamento, pagando as rendas pontualmente».
Contudo, nos termos do nº 2 do artº 1049º do C.Civ. a cessação da posição de arrendatário só é valida se for celebrada por escrito particular com reconhecimento presencial das assinaturas.
Pelo que, não se tendo provado que para além da transmissão das instalações, utensílios, mercadorias e demais elementos que faziam parte do restaurante, o Réu por um lado e J e K por outro hajam validamente transmitido entre si a posição de arrendatário daquele, impõe-se concluir que aquela qualidade – a de arrendatário – se mantém na pessoa do aqui Réu, sendo ineficaz – por não ser válida no que concerne à cedência da posição de arrendatário – para efeitos da relação jurídica subjacente a estes autos aquela cedência, sem prejuízo, contudo, e salva melhor opinião, da mesma poder vir a produzir efeitos entre o ora Réu e os adquirentes ora intervenientes, não por força da cedência da posição de arrendatário, mas no que concerne às responsabilidades por estes assumidas e aos prejuízos que eventualmente hajam causado àquele pelo alegado incumprimento do contrato em que transmitiram activos e obrigações. Porém, a verificar-se essa responsabilidade será perante o ora Réu e em acção a instaurar por este contra os intervenientes.
Destarte, improcede a invocada ilegitimidade substantiva do Réu no que concerne ao contrato de arrendamento objecto dos autos, sendo este sujeito do mesmo enquanto arrendatário e com as respectivas responsabilidades.
- Da resolução do contrato de arrendamento;
No caso “sub judice” o que resulta demonstrado é que efectivamente foi celebrado pelos proprietários da fracção autónoma ora objecto dos autos, posição que posteriormente se veio transmitindo até aos Autores, um contrato de arrendamento com o Réu.
Nos termos da al. a) do artº 983º do C.Civ. são obrigações do locatário pagar a renda nos termos dos artº 993º e seguintes do mesmo diploma legal.
Da factualidade apurada resulta que o Réu deixou de pagar as rendas indicadas.
Segundo os nº 1 do artº 996º e al. a) do artº 1034º ambos do C.Civ. o Senhorio pode resolver o contrato com base na falta de pagamento de rendas.
Destarte, estando provado que as rendas respeitantes aos meses com início em 1/11/2013, 1/12/2013, 1/1/2014 e 1/3/2014 não foram pagas e não se tendo demonstrado nem presumido que a renda do mês de Abril de 2014 haja sido paga, impõe-se julgar resolvido o contrato de arrendamento sub judice, com base na falta de pagamento de rendas.
- Da falta de pagamento das rendas e consequências.
Sendo o contrato resolvido com base na falta de pagamento de rendas cessa o direito do locador à indemnização prevista na primeira parte do nº 1 do artº 996º do C.Civ..
Contudo, estando o arrendatário em mora, de acordo com o disposto nos artº 787º, 793º e 795º todos do C.Civ. cabe-lhe indemnizar o locador pelo prejuízo sofrido o que no caso em apreço corresponde ao pagamento das rendas em dívida respeitantes aos meses de Novembro e Dezembro de 2013 e Janeiro, Março e Abril de 2014 acrescidas dos juros de mora desde a data do vencimento das mesmas.
- Da indemnização pela mora na entrega da coisa.
Nos termos do nº 1, 2 e 3 do artº 1027º do C.Civ. aplicável ao arrendamento por força do disposto no nº 1 do artº 1029º do C.Civ. o locatário é obrigado a restituir a coisa logo que finde o contrato, sendo em caso de mora obrigado a pagar uma indemnização igual ao dobro do valor da renda devida, salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes se os houver nos termos do nº 3 do artº 1027º do C.Civ..
Sendo o valor da renda ao tempo da denúncia igual a HKD$28.000,00 de acordo com a indicada disposição legal teriam os Autores direito a receber uma indemnização igual a HK$56.000,00 por cada mês desde Maio de 2014 inclusive até efectiva e integral entrega da coisa.
A este respeito vêm os Autores pedir que seja fixada uma indemnização igual a HK$150.000,00 por cada mês em que se demore a entrega do locado desde a citação até efectiva entrega, uma vez que o podiam ter dado em arrendamento por esse valor.
Nos autos provou-se que, «Em 2014 os Autores poderiam dá-lo de arrendamento por HKD$130.000,00 e em 2015 por HKD$80.000,00».
Face ao disposto no nº 3 do artº 1027º do C.Civ. verifica-se assim que o prejuízo do locador foi superior ao dobro da renda devida nos termos do nº 2 do preceito e o nexo de causalidade entre esse prejuízo e a não entrega do locado (artº 557º do C.Civ.), decorrente da conduta do Réu que não entregou o locado como devia, pelo que, deve a indemnização a fixar ser arbitrada de acordo com estes valores e não com o valor da renda em dobro.
Indemnização essa que nesta data se computa em HK$1.040.000 para 2014 (8x130.000) e em HK$80.000,00 por cada mês para 2015 e seguinte até à efectiva entrega o que, até ao presente mês de Abril de 2016 se computa já em HK$1.280.000,00, perfazendo assim a indemnização até este mês o montante global de HK$2.320.000,00 equivalente a MOP$2.389.600,00, sendo acrescida de HK$80.000,00 correspondente a MOP$82.400,00 por cada mês ou parte durante o qual perdure a ocupação do locado até integral e efectiva ocupação.
- Das despesas com honorários e custos processuais.
Mais, vêm os autores pedir a condenação do Réu a pagar todas as despesas que os Autores venham futuramente a realizar para obter a satisfação do seu crédito, quer no decurso desta acção, quer no de uma eventual acção executiva, nomeadamente honorários de advogado e os custos que a mesa tenha de garantir para executar a sentença quer vier a ser proferida nesta acção, montantes que apenas em sede de execução de sentença se poderão liquidar.
Sobre esta matéria tem este tribunal vindo a entender que tal pedido não pode proceder.
Decidindo-se na acção que as custas ficam a cargo da parte que a elas tiver dado causa, entendendo-se como tal a parte vencida ou na falta de vencimento quem da acção tirou proveito – artº 376º C.P.C. -.
Uma vez que, nos termos do RCT, artº 21º nº 1 al. g) as custas compreendem os reembolsos à parte a título de custas de parte e de procuradoria e que, as custas de parte compreendem o que a parte haja despendido com o processo a que se refere a condenação e de que tenha direito a ser compensado – artº 22º do RCT -, sendo a procuradoria a quantia que a parte tem direito a receber do vencido – artº 26º e 27º do RCT -.
Com base na existência da Procuradoria, tem vindo a jurisprudência dos Tribunais Portugueses, relativamente a esta questão, a entender que apesar do valor diminuto da procuradoria não pode a parte vencedora exigir da vencida o pagamento dos honorários que tenha despendido com o seu Advogado e outras despesas que não entrem em regra de custas, salvo nos casos previstos nos artº 457º nº 1 al. a) e 662º nº 3 ambos do C.P.C. Português e que correspondem aos artº 386º nº 2 e artº 565º nº 2 do C.P.C. de Macau.
Em igual sentido decidiu o Tribunal de Última Instância de Macau, Recurso nº 77/202, Acórdão de 23.05.2002.
Destarte, este pedido só pode improceder.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada e em consequência:
- Julga-se resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e o Réu relativamente à fracção autónoma a que se reportam os autos, ordenando-se o despejo da mesma em dez (10) dias;
- Condena-se o Réu a pagar aos Autores as rendas referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2013, Janeiro, Março e Abril de 2014 no valor de MOP$28.840,00 cada acrescida cada uma dos juros de mora à taxa legal a contar do primeiro dia do respectivo mês.
- Condenar o Réu no pagamento aos Autores da indemnização igual MOP$2.389.600,00, sendo acrescida de MOP$82.400,00 por cada mês ou parte durante o qual perdure a ocupação do locado até integral e efectiva desocupação.
- Absolver o Réu dos demais pedidos.
Custas a cargo dos Autores na proporção 1/10 e a cargo do Réu na proporção de 9/10.
Registe e Notifique…”.
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Para o Réu, o Tribunal a quo cometeu erro no julgamento ao considerar, com fundamento legal no nº 2 do artº 1049º do C.C., que a cessão da posição contratual de arrendatário era inválida por vício da forma, pelo que a qualidade de arrendatário se mantém na sua própria pessoa, e, desta forma, considerou improcedente a ilegitimidade substantiva por si invocada.
Na óptica do Réu, o nº 2 do artº 1049º do C.C. só se aplica aos arrendamentos para o exercício de profissões liberais e não ao seu caso, já que estando em causa uma alienação da empresa comercial, a transmissão da posição do arrendatário não carece do consentimento do senhorio nos termos do nº 1 do artº 1047º do C.C..
Quid júris?
É certo que o legislador permite que a transmissão da posição do arrendatário em caso de alienação da empresa comercial não depende da autorização do senhorio (artº 1047º, nº 1 do C.C.).
No entanto, dispõe o nº 1 do artº 103º do C. Com. que “Os contratos que tenham por objecto a transmissão da propriedade ou o gozo da empresa comercial, bem como a constituição de direitos reais de gozo ou de garantia sobre ela, são válidos desde que sejam celebrados por escrito, com reconhecimento das assinaturas dos contratantes, salvo se outra forma for exigida pela natureza dos bens que compõem a empresa”.
No caso em apreço, o contrato da alienação da empresa comercial junto aos autos pelo Réu é cópia de um documento particular, sem reconhecimento de assinaturas (fls. 86 dos autos), ou seja, tal contrato não satisfaz a formalidade exigida no nº 1 do artº 103º do C. Com., o que gera a sua nulidade.
Por outro lado, também não resulta dos autos que o Réu tenha cumprido o seu dever de comunicação a que se alude a al. g) do artº 983º do C.C., nos termos da qual o locatário tem obrigação de comunicar ao locador, dentro de 15 dias, a cedência do gozo da coisa, cuja falta implica, mesmo que o referido contrato da alienação da empresa comercial fosse válido, a ineficácia da transmissão da posição do arrendatário em relação ao senhorio.
Ora, não sendo válido o contrato da alienação da empresa comercial, não se pode dizer que a posição do arrendatário do Réu foi validamente transmitida a terceiro.
Ainda que o contrato de alienação em referência fosse válido, não tendo o Réu cumprido o dever de comunicação supra referida, a alegada transmissão da posição do arrendatário também é ineficaz em relação ao senhorio, ora Autores.
Pelo exposto, é de manter a sentença recorrida com fundamento algo diverso.
2. Do recurso interlocutório dos Autores:
Estabelece o nº 2 do artº 628º do CPC que “Os recursos que não incidam sobre o mérito da causa e que tenham sido interpostos pelo recorrido em recurso de decisão sobre o mérito só são apreciados se a sentença não for confirmada”.
Assim, torna-se desnecessário apreciar o mesmo.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- não apreciar o recurso interlocutório interposto pelos Autores; e
- negar provimento ao recurso final interposto pelo Réu, confirmando a sentença recorrida com fundamento algo diverso.
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Custas do recurso final pelo Réu.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 20 de Junho de 2019.
(Relator) Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto) José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto) Fong Man Chong
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789/2016