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Processo nº 862/2016(*) Data: 04.07.2019
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Acção Executiva.
Embargos.
Recurso interlocutório.
Título executivo.
Recurso da sentença.
Insuficiência da matéria de facto.
Erro de direito.



SUMÁRIO

1. Se o “recurso interlocutório” tem como objecto decisão que considerou o “documento” dado à execução “título executivo válido e eficaz”, adequado é proceder à sua imediata apreciação pois que, a proceder, prejudicada fica a apreciação do recurso final.

2. Toda a execução tem por base um “título” – peça fundamental à sua instauração – pelo qual se determina o seu fim – pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou, prestação de um facto – bem como os seus limites objectivos – quantia exequenda, identidade da coisa a entregar ou, especificação do facto a prestar – e subjectivos – exequente(s) e executado(s).

3. As exigências da Lei quanto à formação do “título executivo” destinam-se a estabelecer a garantia (ou a dar a segurança) de que onde está um “título executivo”, está, ao mesmo tempo, um “direito de crédito”, criando-se assim ao respectivo credor o poder de promover a acção executiva sem necessidade de ver o seu direito judicialmente declarado através de uma (prévia) acção declarativa.

Daí que o “título executivo” tenha de satisfazer a uma certa forma e ter um determinado conteúdo, necessário sendo que o título esteja em condições de certificar a existência de uma obrigação que entre as partes se constituiu e formou, pelo que, do ponto de vista do conteúdo, o título executivo deve representar um facto jurídico constitutivo de um crédito, afastando-se com o mesmo a necessidade de alegar as razões ou causas do direito exequendo, (bastando pois invocar o título e a possibilidade de dele dispor, isto é, ter “legitimidade” para pedir com base no invocado título).

4. O portador do título executivo não precisa de invocar a “relação jurídica subjacente”, bastando-lhe apresentar o título, pois que se presume a existência da relação fundamental.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 862/2016(*)
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “SOCIEDADE COMERCIAL X GOURMET, LDA.”, (“X食品貿易有限公司”), veio recorrer da sentença do Mmo Juiz do T.J.B. que julgou improcedentes os embargos que deduziu como oposição à execução que lhe foi movida por A; (cfr., fls. 110 a 116 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Após resposta do exequente/embargado e ora recorrido, (cfr., fls. 121 a 125), vieram os autos a este T.S.I., neles subindo um “recurso interlocutório” antes pela mesma recorrente interposto; (cfr., fls. 34 a 64).

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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, passa-se a apreciar.

Fundamentação

2. Dois são os recursos trazidos a apreciação deste T.S.I..

No “recurso interlocutório”, insurge-se a recorrente contra o decidido no despacho saneador que considerou o “documento” dado à execução como “título executivo válido e eficaz”.

No “recurso da sentença”, entende padecer a mesma de “insuficiência de factos provados” e “erro de direito”.

Merecendo os recursos conhecimento, vejamos, sem mais demoras, se merecem provimento.

–– Ponderando nas questões colocadas, afigura-se-nos de começar pelo “recurso interlocutório”, pois que da sua procedência prejudicada fica a apreciação do “recurso final”; (notando-se que em causa também não está a situação a que se refere o art. 628°, n.° 2 do C.P.C.M. que levaria a outra solução; cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 16.05.2019, Proc. n.° 712/2018, e o deste data, Proc. n.° 943/2016).

Pois bem, dúvidas não há que aquele que tiver sido alvo de uma acção executiva para cobrança coerciva de uma dívida, (como foi o caso), pode apresentar a sua oposição através de “embargos de executado”, (cfr., art. 696° do C.P.C.M.), sendo que estes podem ter por fundamento a “falta – ou “inexistência” – de título executivo”, (cfr., art. 697°, al. a)).

Com efeito, toda a execução tem por base um “título” – peça fundamental à sua instauração – pelo qual se determina o seu fim – pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou, prestação de um facto – bem como os seus limites objectivos – quantia exequenda, identidade da coisa a entregar ou, especificação do facto a prestar – e subjectivos – exequente(s) e executado(s); (cfr., v.g., Lebre de Freitas in, “A Acção Executiva”, pág. 29; J.P. Remédio Marques in, “Curso de Processo Executivo Comum”, pág. 55 e, Teixeira de Sousa in, “A exequibilidade da pretensão”, pág. 27).

É, pois, princípio “básico” em processo executivo de que: “Nulla exsecutio sine titulo”; (cfr., Chiovenda in, “Instituciones de Derecho Procesal Civil”, 2ª ed., 1948, Tomo I, pág. 317).

Na verdade, o título executivo é o pressuposto processual necessário e suficiente da acção executiva, com base no qual se fixa o fim e os limites desta; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 27.09.2001, Proc. n.° 148/2001 e de 23.05.2002, Proc. n.° 13/2003).

Feitas estas breves considerações, continuemos.

Nos termos do art. 677° do C.P.C.M.:

“À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados por notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 689.º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”.

E atento assim estatuído, legítimo parece-nos de concluir que as exigências da Lei quanto à formação do título destinam-se a estabelecer a garantia (ou a dar a segurança) de que onde está um “título executivo”, está, ao mesmo tempo, um “direito de crédito”, criando-se assim ao respectivo credor o poder de promover a acção executiva sem necessidade de ver o seu direito judicialmente declarado através de uma (prévia) acção declarativa.

Daí que o “título executivo” tenha de satisfazer a uma certa forma e ter um determinado conteúdo, necessário sendo que o título esteja em condições de certificar a existência de uma obrigação que entre as partes se constituiu e formou, pelo que, do ponto de vista do conteúdo, o título executivo deve representar um facto jurídico constitutivo de um crédito, afastando-se com o mesmo a necessidade de alegar as razões ou causas do direito exequendo, (basta pois invocar o título e a possibilidade de dele dispor, isto é, ter legitimidade para pedir com base no invocado título).

Aqui chegados, em causa estando no caso dos autos um “documento particular” – e não se olvidando que já no douto Acórdão do Vdo T.U.I. de 15.04.2015, Proc. n.° 49/2014 se considerou que “Para que um documento particular constitua título executivo, é necessário que esteja assinado pelo devedor e que tal documento importe constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético (art.º 689.º n.º 1 do Código de Processo Civil) ou de obrigações de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto” – vejamos.

Ora, o “documento” – título executivo – em causa é um “pedido de confirmação” – “request for confirmation balances” – emitido pela executada ora recorrente ao exequente, elaborado em papel timbrado da dita recorrente, onde esta admite que deve ao exequente o montante de MOP$1.369.318,00.

Aliás, do seu teor, resulta também (claramente) que a ora recorrente “admite estar obrigada a liquidar” o referido montante.

Assim, constando também do dito documento uma “assinatura” e um “carimbo da companhia” da recorrente, motivos não há para não se considerar a mesma “vinculada”.

Com efeito, a dita assinatura não foi, (nem quanto à sua “qualidade” ou “autenticidade”, oportuna e efectivamente), impugnada, (cfr., art. 368°, n.° 1 do C.C.M.), certo sendo também que nos termos do n.° 2 do art. 346° do C. Com. M: “O administrador obriga a sociedade com a sua assinatura acompanhada da menção da qualidade em que intervém, podendo esta ser indicada através da aposição de carimbo da administração ou selo da sociedade”.

Dest’arte, adequado se mostra o decidido, pois que o “documento” em questão, encontra-se, (para todos os efeitos), “assinado” pela ora recorrente, e com ele se “reconhece uma obrigação pecuniária de montante determinado”, verificados estando (todos) os pressupostos da alínea c) do art. 677° do C.P.C.M.; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 30.05.2019, Proc. n.° 456/2016).

Por sua vez, e como no Ac. deste T.S.I. de 30.05.2019, Proc. n.° 831/2018 se considerou, “para que se possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique o erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica”.

Nesta conformidade, improcede o “recurso interlocutório”.

–– Quanto ao “recurso da sentença”.

Como atrás já se deixou relatado, entende a ora recorrente que a sentença recorrida padece de “insuficiência de factos provados em relação à existência da relação fundamental” e “erro na aplicação de direito”.

Pois bem, quanto à alegada “insuficiência de factos”, é patente a sua falta de razão, pois que – como atrás se deixou explicitado – o portador do título executivo não precisa de invocar a “relação jurídica subjacente”, bastando-lhe apresentar o título, pois que se presume a existência da relação fundamental; (cfr., v.g., L. Freitas in, “C.P.C. Anto.”, I, 2ª ed., pág. 88).

Como se consignou no recente Ac. da Rel. do Porto de 11.04.2019, Proc. n.° 4309/12, “O título executivo é condição necessária e suficiente da acção. Condição necessária porque não há execução sem título e condição suficiente porque, perante ele, deve ser dispensada qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere. Vale por dizer que, na execução, a essência da causa de pedir reside no título executivo, que constitui o pressuposto de carácter formal da acção executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor”.

Com efeito, prescreve o art. 452°, n.° 1 do C.C.M. que:

“Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário”.

Assim sendo, e certo sendo que nenhuma “prova em contrário foi apresentada e/ou feita”, continuemos.

Quanto ao alegado “erro”, a mesma se apresenta que deve ser a solução.

Na verdade, o facto de provado estar que a recorrente “deixou de encomendar bens ao recorrido a partir de Fevereiro de 2012” – e não, de 2013, ou em qualquer outra data – não implica qualquer redução da quantia indicada em sede da execução que corre os seus termos.

Aliás, o “pedido de confirmação” que, como já se viu, constitui o “título” dado à execução movida contra a ora recorrente, é datado de 2013, sendo, portanto, posterior ao “fim das encomendas”, e como se viu, o valor nele existente é o de MOP$1.369.318,00.

Diferente, seria a situação se “provado” estivesse que a ora recorrente tinha já “efectuado o pagamento” de qualquer montante por conta da “dívida” indicada no título.

Não sendo o caso, nenhuma censura merece o decidido.

Dest’arte, e outra questão não havendo a decidir, há que julgar (também) improcedente o presente recurso.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento aos recursos.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

Oportunamente, devolvam-se os presentes autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 04 de Julho de 2019
José Maria Dias Azedo
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
(*) Processo redistribuído ao ora relator por deliberação do C.M.J. de 11.04.2019.
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