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Processo n.º 521/2019
(Autos de recurso laboral)

Data: 4/Julho/2019

Assunto: Repouso semanal no oitavo dia

SUMÁRIO
A Ré só atribuía um dia de repouso ao Autor após decorridos sete dias de trabalho contínuo e consecutivo, ou seja, em vez de gozar um dia (ou vinte e quatro horas consecutivas) de descanso dentro de cada período de 7 dias, o trabalhador só tinha direito a repouso, pelo menos, no oitavo dia.
Desta forma, no dia em que deveria ter gozado descanso semanal, o Autor prestou trabalho à Ré, pelo que o seu direito terá que ser compensado.

       
O Relator,

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Tong Hio Fong


Processo n.º 521/2019
(Autos de recurso laboral)

Data: 4/Julho/2019

Recorrente:
- A, S.A. (Ré)

Recorrido:
- B (Autor)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da A, S.A. no pagamento do montante de MOP126.175,00, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP121.025,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do dia seguinte ao da notificação da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformada, interpôs a Ré recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem colocar em crise a sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização ao Autor no valor de MOP$121.025,00 a título de compensação pelo trabalho prestado pelo Autor após 6 dias de trabalho consecutivo, em cada período de sete dias.
2. Esta matéria foi, salvo devido respeito, incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece dos vícios de erro de julgamento e na aplicação do Direito.
3. Com interesse para o presente recurso foi a factualidade tida por assente e provada nos quesitos A, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º e 14º.
4. Entendeu o Digno Tribunal a quo na sua decisão que: “Na presente causa, a Ré não seguiu o artigo 18º do Decreto-Lei no 24/89/M para dar ao Autor 4 dias de descanso consecutivos em que ele deve gozar em cada 4 semanas” e ainda que “Pelo acima exposto, o presente juízo considera que a Ré não concedeu 24 horas de tempo de descanso consecutivo ao Autor em cada 7 dias nos termos do artigo 17º, n.º 1 do Decreto-lei no 24/89/M. Por outras palavras, o Autor prestou trabalho à Ré nos dias de descansos semanais.”
5. Determinou ainda que: “O Autor tem o direito de solicitar à Ré para pagar a compensação de 235 dias de trabalho prestado sobre 1 dia de descanso dado em cada 6 dias de trabalhos consecutivos no período entre 25 de Novembro de 2003 a 31 de Dezembro de 2008 (datas solicitadas pelo Autor). A maneira de cálculo é: 235 dias X vencimento diário (retribuição normal) X 2 vezes = montante total de compensação da prestação de trabalho nos descansos semanais. Isto significa, 235 dias X vencimento diário de MOP$257,50 X 2 = MOP121.025,00.
Pelo acima exposto, o presente juízo julga que a Ré paga ao Autor o MOP121.025,00 como compensação pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete de trabalho consecutivo durante o período de 25 de Novembro de 2003 a 31 de Dezembro de 2008.”
6. Contudo e salvo devido respeito, o Tribunal a quo não interpretou correctamente o sentido da norma ora em crise, ou seja, o artigo 17º do DL n.º 24/89/M, nem a norma contida no artigo 18º do mesmo diploma, referindo ainda que o tipo de trabalho desenvolvido pelo Autor não enquadrava os requisitos estabelecidos no n.º 3 do artigo 17º, ora, a Ré até concorda que os requisitos estatuídos no n.º 3 do artigo 17º não enformam o tipo de trabalho do Autor, ora Recorrido, já que sendo o Autor guarda de segurança de um casino e tendo os casinos laboração contínua, tal actividade não se coaduna com situações de acréscimos de trabalho não previsíveis ou com a eminência de prejuízos importantes ou casos de força maior.
7. Não poderá a Recorrente aceitar que haja violado o preceituado no referido n.º 1 do artigo 17º o qual, salvo devido respeito, não impõe a regra do descanso ao 7º dia isto porque dispõe o n.º 1 do artigo 17º do DL n.º 24/89/M que: “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, (…)”, e de uma leitura atenta da norma se retira que os trabalhadores têm direito a gozar em cada período de sete dias um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas referindo-se o legislador refere-se a um período de sete dias, e não ao fim de sete dias.
8. E refere-se a um período de descanso de vinte e quatro horas sem se referir se o mesmo se refere a um dia, por exemplo, a uma segunda-feira, ou a parte de uma segunda-feira e parte da terça-feira seguinte, indo aliás neste sentido nota n.º 3 do douto acórdão n.º 253/2002, citado pelo Tribunal a quo na decisão ora em crise, conforme se transcreve: “Nem estipula explícita e forçosamente que o trabalhador tem que descansar no domingo, mas sim apenas tem direito, em cada período de sete dias, a um dia de descanso, dia esse que poderia não ser o domingo, o que é estipulado explicitamente no artigo 17º, n.º 2.”
9. Importando apurar se o descanso semanal tem de ser gozado sempre após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja, no 7º dia, conforme defendia o Autor e veio a ser aceite pelo Tribunal a quo, ou se, atento o sobredito artigo 17º, o empregador pode escolher, dentro de cada período de sete dias, o momento em que deve ocorrer o descanso, sem necessidade de ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho que ocorrem antes e depois do dia de descanso.
10. Entendendo a Ré que apenas este último entendimento se compatibiliza com o espírito e com a letra da Lei, já que dispõe o aludido preceito 17º que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas. O qual será fixado de acordo com as exigências de funcionamento da empresa (n.º 2).
11. Esse descanso pode calhar em qualquer um dos dias desse período de 7 dias, independentemente do número de dias de trabalho consecutivos que lhe precedem ou que se seguem, ou seja, poderá ser então, no 1º dia desse “período de sete dias”, (que pode até ser seguido ao dia de descanso do período de sete dias anterior), no 2º dia “período de sete dias”, no 3º dia desse “período de sete dias” ou até mesmo no 7º dia desse “período de sete dias”. E se em três períodos consecutivos de sete dias for concedido ao trabalhador 1 dia de descanso no primeiro dia do primeiro período de sete dias, outro dia de descanso no segundo dia do segundo período de sete dias e ainda outro dia de descanso no terceiro dia do terceiro período de sete dias, mostra-se cumprida a exigência legal - a de se conceder “em cada período de sete dias” um dia de descanso.
12. Do que se vem dizendo e do que se retira da leitura atenta do preceito parece evidente que o princípio do descanso semanal não equivale a um princípio de descanso ao sétimo dia, ou seja, ao fim de 6 dias de trabalho, aliás, a epígrafe do artigo 17º é “Descanso Semanal” e não “Descanso ao Sétimo Dia”, por isso o artigo 17º, n.º 1 tem necessariamente de ser interpretado em conjugação com o n.º 2 que reconhece que “de acordo com as exigências de funcionamento da empresa” o período de descanso semanal será organizado pelo empregador, o que reforça que a intenção do legislador não foi impor o dia de descanso ao sétimo dia.
13. Com efeito, o legislador não impôs qualquer limitação ao número de dias de trabalho seguidos desde que o trabalhador goze de um período de descanso em cada período de sete dias e tanto assim o artigo 18º do DL 24/89/M expressamente prevê a possibilidade de não se gozar um período de descanso de 24 horas em cada período de 7 dias, caso em que ao trabalhador deve ser concedido um “descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção”.
14. E o legislador estando já ciente da realidade em Macau, fixou a excepção constante no artigo 18º do Decreto – Lei a qual veio a ser posteriormente confirmada no artigo 42º, n.º 2 da Lei 7/2008 (nova Lei das Relações de Trabalho), que prevê que “O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas” e ao excepcionar a obrigatoriedade da frequência semanal do descanso, o legislador está a dar primazia à lógica do descanso do trabalhador e não à lógica do repouso obrigatório ao sétimo dia.
15. No caso concreto, em cada período de sete dias o Autor descansou, não necessariamente ao sétimo dia, porque a Lei nem sequer o impõe e pode até acontecer, em face ao que ficou provado, que o Autor nem sempre tenha descansado “em cada período de 7 dias” mas a ser assim, deverá fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o Recorrido tiver que ser compensado será só e apenas dos dias de descanso em falta, em que o mesmo é dizer que se se apurar que o Recorrido não descansou 52 dias no ano, mas apenas 46 dias, então só poderá ser compensado por 6 dias de descanso não gozado, mas nunca por 235 dias tal como decidido pelo Tribunal a quo.
16. Com isto se quer dizer que não importa que o trabalho seja organizado em turnos rotativos de 7 dias consecutivos findo os quais a entidade patronal concedia um dia de descanso, importando sim determinar se dentro de cada período de sete dias – ou usando a expressão legal “em cada período de 7 dias” – e tendo em conta a organização dos turnos rotativos o trabalhador gozou de 24 horas consecutivas de descanso.
17. Assim, carece por completo de fundamento a decisão recorrida na parte em que condena a Recorrente a pagar ao Recorrido uma indemnização pelo trabalho prestado no sétimo dia como se se tratasse de trabalho prestado em dia de descanso semanal verificando-se, por isso, uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal em violação do princípio do dispositivo consagrado no artigo 5º do CPC e, bem assim, o disposto nos artigos 17º e 18º do DL 24/89/M.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade, deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos supra explanados, com as demais consequências da lei,
Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
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Ao recurso não respondeu o Autor.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Entre 25/11/2003 a 31/01/2009 o Autor esteve ao serviço da Ré (A), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor auferiu da Ré um salário de base de HK$7.500,00 por cada mês de trabalho prestado. (B)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou as ordens e as instruções emanadas pela Ré. (1.º)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos, horários e postos de trabalho fixados pela Ré. (2.º)
Entre 25/11/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (A) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (3.º)
Após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, seguia-se um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (4.º)
Durante 25/11/2003 e 31/12/2003, o Autor prestou 5 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de 6 dias consecutivos de trabalho. (5.º)
Durante o ano 2004, o Autor prestou 46 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de 6 dias consecutivos de trabalho. (6.º)
Durante o ano 2005, o Autor prestou 46 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de 6 dias consecutivos de trabalho. (7.º)
Durante o ano 2006, o Autor prestou 46 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de 6 dias consecutivos de trabalho. (8.º)
Durante o ano 2007, o Autor prestou 46 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de 6 dias consecutivos de trabalho. (9.º)
Durante o ano 2008, o Autor prestou 46 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de 6 dias consecutivos de trabalho. (10.º)
De onde se retira que entre 25/11/2003 e 31/12/2008, o Autor prestou 235 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (11.º)
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (12.º)
O Autor gozou 24 dias de férias nos anos 2004 (4-27/11), 2006 (7-30/12), 2007 (5-27/12) e 2008 (…) e 25 dias de ferias no ano 2005 (3-27/12), concedidas e organizadas pela Ré, no total de 121 dias. (14.º)
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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Do suposto erro na aplicação de direito
Alega a recorrente que a lei laboral não impõe que o descanso semanal ocorra necessariamente no sétimo dia de trabalho, sendo assim, entende que deveria fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o trabalhador tiver que ser compensado será apenas dos dias de descanso em falta.
Ora bem, dispõe o n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M que “Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º”.
Melhor dizendo, dentro do período de 7 dias, o trabalhador tem direito a gozar vinte e quatro horas consecutivas de descanso, podendo este ser no primeiro, segundo, terceiro ou no sétimo dia, mas nunca no oitavo dia ou seguintes.
Como observa José Carlos Bento da Silva e Miguel Pacheco Arruda Quental1, “as razões que justificam a existência de um dia de descanso prendem-se com motivos de ordem física e psíquica (recuperar do desgaste provocado por uma semana de trabalho), de ordem familiar (aproveitar esse dia para conviver com a própria família) e também por razões de ordem social e cultural (esse período permite o convívio com amigos, a participação em manifestações de carácter público, ou para que o trabalhador possa tratar de assuntos do seu próprio interesse junto, por ex. de repartições públicas, etc.).”
Sendo assim, dúvidas de maior não restam de que impende sobre a entidade patronal a obrigação de facultar aos seus trabalhadores um dia, mais precisamente, vinte e quatro horas consecutivas de descanso dentro de cada período de sete dias, sob pena de violação da referida disposição legal.
No caso dos autos, provado está que entre 25.11.2003 e 31.12.2008, a Ré só atribuía um dia de repouso ao Autor após decorridos sete dias de trabalho contínuo e consecutivo, tendo, assim, prestado 235 dias de trabalho nos respectivos dias de descanso semanal.
Portanto, em vez de gozar um dia (ou vinte e quatro horas consecutivas) de descanso dentro de cada período de 7 dias, o trabalhador só tinha direito a repouso, pelo menos, no oitavo dia.
Desta forma, no dia em que deveria ter gozado descanso semanal, o Autor prestou trabalho à Ré, pelo que o seu direito terá que ser compensado, improcede, assim, o recurso da Ré.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela A, S.A., ora recorrente, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, 4 de Julho de 2019
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, CFJJ, 2006, pág. 92
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