Processo n.º 282/2019
(Autos de recurso cível)
Data: 11/Julho/2019
Assuntos: Obrigação dos pais de suportar os custos com a aquisição do grau académico de mestrado
SUMÁRIO
Tendo completado a licenciatura, o filho já obteve habilitações literárias mais do que suficientes para arranjar um emprego, não se vislumbrando que o seu pai ainda tem a obrigação de suportar os custos com a aquisição de outros graus académicos, a saber, mestrado ou doutoramento, por não estar em consentâneo com o espírito do artigo 1735.º do Código Civil.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo n.º 282/2019
(Autos de recurso cível)
Data: 11/Julho/2019
Recorrente:
- A (Autor)
Recorrido:
- B (Réu)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida pelo Juízo de Família e de Menores que julgou improcedente a acção declarativa sob a forma ordinária instaurada pelo Autor A (doravante designado por “recorrente”) contra o Réu B (doravante designado por “recorrido”), em que se pede a condenação do Réu no pagamento de pensão alimentícia a favor daquele Autor, interpôs este recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“根據《民法典》第1732條及第1733條第1款之規定: 直至子女成年或解除親權前,父母須為子女之利益而關注子女之安全及健康,供給予子女生活所需,安排子女之教育,作為子女的代理人並管理子女之財產。然而,《民法典》第1735條之例外地規定父母的上述義務不因子女成年而終止,並需要向成年子女於合理限度內提供協助。
根據《民法典》第1735條的規定,若證明成年子女仍未完成學業,且父母須承擔的義務合理限度內及以正常完成學業所需之時間為限,則父母便有繼續扶養子女的義務。
正如 J. R. Remedio Marques 所言,立法者在延長父母的扶養責任至子女成年後,正正在於認為子女即使成年,仍未有足夠經濟能力展開或繼續學業或職業技術課程。上訴人在求學時沒有工作,同時不具備個人資產及自給自足的能力,並絕對有由父母繼續供養至完成學業課程直至2019年8月的需要。
被告作為公司股東所獲得到的利潤收益,以及其他投資獲取利潤,足可以具有充裕的資產支付上訴人學習所需的生活費,而這正正為上訴人能力內未能承擔之開支。
另外,上訴人於工作上因學歷關係未能獲得任何工作機會,這顯然證明上訴人之學業仍未能滿足其個人工作生活上之需要,須繼續修讀更高之學習課程,尤其上訴人所修讀之課程為十分專業之科目,並需要更高之認可資格,從而獲得工作機會。
原審法官在作出被上訴之判決時亦欠缺考慮傳統中國人對子女之扶養觀念及義務,同時違反根據《民法典》第1724條所規定對已成年之子女之開支,法律並沒有對已成年子女可請求扶養之年齡作出上限限制,只要在合理限度內,父母仍需對仍未完成學業或其他專業培訓之子女承擔扶養義務。因此,被告對上訴人負有扶養之義務,即使上訴人已成年亦然。”
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Ao recurso respondeu o Réu, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Realizado o julgamento, foi dado como provado a seguinte factualidade pertinente para a decisão da causa:
O Réu B e C procederam ao registo de casamento em Macau a 10 de Janeiro de 1989 e dissolveram o casamento através da sentença de divórcio que transitou em julgado no dia 10 de Setembro de 2010. (alínea a) dos factos assentes)
O Réu e C tiveram dois filhos no período da duração de casamento que são respectivamente:
- D que nasceu em 10 de Fevereiro de 1991 em Hong Kong; e
- A que nasceu em 8 de Junho de 1992 em Macau. (alínea b) dos factos assentes)
O Autor A foi para o Canadá prosseguir os seus estudos em 2008, decisão esta que foi confirmada pelo despacho dos autos nº CV1-05-0019-CDL do TJB de Macau. (alínea c) dos factos assentes)
O Autor A começou a frequentar o curso de licenciatura de ciências na University of British Columbia em 1 de Setembro de 2011, de especialização em química e graduou-se em Maio de 2016. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
O Autor candidatou-se a alguns empregos em 2016. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
Após a conclusão da licenciatura o Autor realizou dois períodos em que esteve envolvido em pesquisa laboratorial entre 1 de Maio a 20 de Agosto de 2016 na University of British Columbia e de 1 de Setembro a 31 de Dezembro de 2016 na University of Victoria. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
O curso de mestrado tem a duração de dois anos. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
A partir de 26 de Setembro de 2016 até ao presente o Autor teve despesas com alimentação e artigos de higiene no valor de CAD4.322,98 e com propinas no valor de CAD11.739,94. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
O Autor desde 2008 não procurou o Réu nem falou com o mesmo. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
O Autor sempre pôde procurar o Réu para se encontrar com este ou telefonar-lhe. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
Quando o Autor veio a Macau não procurou o pai nem se encontrou com ele. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
O Réu disse aos filhos (aqui Autor) por correio electrónico em 21 de Junho de 2013 que “desta vez no momento em que vocês pedem os alimentos de aproximadamente 300 mil patacas por via do advogado, o tratamento pelos nomes entre nós já produziu automaticamente as mudanças devidas”, tratando os filhos (aqui Autor) pelos seus nomes completos. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
Depois do divórcio, o Réu e C procederam a um processo de partilha de património em que o Réu conseguiu vários bens imóveis a seguir descritos:
- Fracção autónoma, para habitação, sita no 4º andar I do Edifício…, descrito sob o nº …;
- Fracção autónoma, destinada a escritório, sita no 19º andar K do Edifício…, descrito sob o nº …;
- Fracção autónoma, para habitação, sita no 18º andar A do Edifício…, descrito sob o nº …;
- Fracção autónoma, para parque de estacionamento, sito no A1 do Edifício…, descrito sob o nº …; (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
Em Junho de 2014, B comprou as fracções autónomas 35º andar F e 35º andar G de …, descrito sob o nº …; (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
Está em causa a seguinte decisão:
“De acordo com o disposto no artº 1844º do C.Civ. «1. Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida do alimentando, nomeadamente ao seu sustento, habitação, vestuário, saúde e lazer. 2- Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor ou, embora maior, se encontrar na situação prevista no artigo 1735º».
De acordo com o disposto no artº 1735 do C.Civ «Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua instrução, mantém-se a obrigação a que se refere o artigo», 1734º «na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete».
A primeira questão a decidir nesta sede consiste em apreciar se é razoável exigir de um dos progenitores que continue a prestar alimentos ao filho maior, no caso o Autor dos autos, para este completar um curso de mestrado.
A resposta à questão que se coloca passa por aquilo que se pode considerar estar abrangido pelo conceito “instrução”.
A “instrução” normal que é exigível a um progenitor que forneça a um descendente poderá variar de acordo com critérios culturais e sociais dos sujeitos envolvidos, no entanto não deixa de haver um conceito global no que concerne ao que se poderá considerar ser comumente aceite como a instrução normal de um indivíduo.
Abstraindo de critérios mais ou menos comuns em diversos sistemas legislativos os quais incluem um mínimo de escolaridade obrigatória, mas onde, salvo melhor opinião o ensino universitário normalmente não é incluído, e ainda que se possa discutir e aceitar que relativamente a famílias com recursos económicos reduzidos não será exigível aceitar que a formação abrange o ensino universitário, há um conjunto de elementos que de uma forma genérica cruzam a actual civilização em que o ensino universitário faz parte do processo educativo e de formação e instrução dos jovens.
Contudo, no que ao ensino universitário concerne há que distinguir graus académicos.
Há cerca de 40 anos atrás era normal falar-se de bacharelato que correspondia a um período inicial de 3 anos de licenciatura, sendo o grau de licenciatura atribuído a quem completasse os 4 ou 5 anos que correspondia à totalidade do curso. Posteriormente havia o mestrado normalmente com a duração de dois anos e seguia-se o doutoramento este com uma duração muitas das vezes de anos. Com o passar do tempo, podemos dizer que desde há cerca de 30 anos que não se fala de bacharelatos (grau académico que continua a existir no Brasil) deixando este grau académico de ser atribuído e passando a ser comum a licenciatura com 4 ou 5 anos lectivos de acordo com o plano/programa do curso, seguidos de mestrado e doutoramento para quem quisesse. De uma maneira geral podemos dizer que este continua a ser o sistema geral e aquele que se usa em Macau e de uma maneira geral na Ásia e no Canadá onde o Autor estuda.
Por sua vez nos 29 Países Europeus que aderiram ao tratado de Bolonha os graus académicos são agora atribuídos de forma diferente, passando o ensino superior a ser dividido em três ciclos, correspondendo um sistema de créditos a cada um deles, no qual o primeiro ciclo corresponde a 6 ou 8 semestres e que passou a ter designação de licenciatura, correspondendo o segundo ciclo ao mestrado com a duração de ano e meio a dois anos e o terceiro ciclo ao doutoramento, sendo que há universidades em que os cursos são ministrados em sistema de Mestrado integrado, ou seja, onde é obrigatória a frequência dos dois primeiros ciclos para que o estudante obtenha o seu diploma.
Esta situação do mestrado integrado corresponde ao grau académico que antes se designava de licenciatura no espaço de alguns dos países que subscreveram o Tratado de Bolonha, nomeadamente Portugal, e corresponde ao grau de licenciatura em Macau.
Ou seja, nos países que subscreveram o Tratado de Bolonha e de uma maneira geral nos outros países, o ensino superior conclui-se quando o estudante obtém o grau de mestrado integrado ou de licenciatura, consoante o curso.
Após a conclusão do ensino superior – licenciatura ou mestrado integrado - temos depois um outro grupo de graus académicos e de níveis de formação que vão desde cursos de especialização, pós-graduações, mestrados a doutoramentos.
Contudo estes níveis de estudo – e não de ensino – já não fazem parte daquilo que se pode considerar instrução de um indivíduo, no sentido de que a instrução é a aquisição de ferramentas que permitem o exercício e a prática de uma actividade profissional com vista a ser um sujeito independente.
Salvo melhor opinião, o critério terá de assentar em qual o grau académico que permite e possibilita a entrada no mercado de trabalho (Em sentido idêntico veja Maria Clara Sottomayor em Regulação do exercício das responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 5ª Ed., Coimbra, Almedina 2011, pag.333).
Ora independentemente do sistema, o grau académico que permite o acesso ao mercado de trabalho é normalmente a licenciatura ou o mestrado integrado, pelo que, obtido o grau académico de licenciatura/mestrado integrado ficou completada a formação profissional (No mesmo sentido veja-se Acórdão do STJ de Portugal de 12.01.2010 Processo 158-B/1999.C1.S1 consultado em www.dgsi.pt).
Os níveis académicos para além daquilo que é comumente designado por licenciatura (no sistema de Bolonha mestrado integrado) e que correspondem aos quatro ou cinco anos de formação académica universitária - embora ainda possam ser formativos se considerarmos que o ser humano está em permanente formação e aquisição de conhecimentos - já não são formativos no sentido estrito do termo mas sim, níveis de aprofundamento de estudo e investigação muitas das vezes com vista a aquisição de conhecimentos em áreas específicas daquela em que o sujeito se formou.
Ou seja, salvo melhor opinião, não podemos considerar que a frequência de um curso de mestrado (Entenda-se que a referência a “mestrado” é sempre feita tendo por ideia o sistema de Macau e não o tratado de Bolonha) ou doutoramento faz parte do processo de instrução do indivíduo, sem prejuízo de ser uma forma de esse mesmo indivíduo aprofundar os seus conhecimentos e ou técnicas científicas de acordo com a sua formação universitária de base.
Sobre esta matéria veja-se também Diana Gomes Rodrigues Mano em “A Obrigação de Alimentos a Filhos Maiores e o Principio da Razoabilidade, Universidade do Minho, pág. 29”.
No que concerne ao que se considera razoável tem-se situado a Doutrina e a Jurisprudência em factores como o aproveitamento escolar e, ou o respectivo insucesso, bem como, o tempo usado na conclusão dessa formação, critérios estes que se mostram perfeitamente equilibrados e equitativos.
No caso dos autos o Autor nasceu em 1992 e quando completou a licenciatura em 2016 tinha 24 anos de idade, o que corresponde ao calendário normal para um jovem adulto concluir a sua formação.
Exigir que para além disso e quando dispõe de um grau académico – licenciatura - que lhe permite exercer uma actividade profissional, o ou os progenitores ainda continuem a suportar custos com a aquisição de graus académicos, é ir muito para além do espírito do artº 1735º do C.Civ.
Destarte, não se encontrando a situação dos autos abrangida pela referida disposição legal, carece o pedido de fundamento, devendo a acção ser julgada improcedente, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção improcedente, absolvendo-se o Réu do pedido.
Custas a cargo do Autor A.”
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Analisada a douta sentença de primeira instância que antecede, louvamos a acertada e perspicaz decisão com a qual concordamos e que nela foi dada a melhor solução ao caso, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos ao abrigo do disposto o artigo 631.º, n.º 5 do CPC.
Apenas mais umas achegas.
Conforme dito na sentença recorrida, quando o Autor ora recorrente completou a licenciatura em 2016, já tinha 24 anos de idade.
Isto é, o recorrente já concluiu a sua instrução na medida em que já obteve o grau de ensino superior que lhe permite exercer uma actividade profissional.
Hoje em dia, muitas vezes acontece que as pessoas, quando se formaram, só querem arranjar um bom emprego que corresponde à sua área profissional e que seja bem pago. E não faltam casos de que, por não quererem começar de baixo, optam por continuar nos estudos, frequentando o mestrado e/ou doutoramento, para poder ficar por mais uns anos na Faculdade.
No caso dos autos, o recorrente possui habilitações literárias mais do que suficientes para arranjar um emprego, e se não conseguiu encontrar, foi porque não quis, e não por causa de falta de habilitações literárias! Efectivamente, o recorrente pode, e deve, tal como acontece com outras pessoas, começar de baixo.
Tudo ponderado, não vislumbramos que o seu pai ora recorrido ainda tem a obrigação de suportar os custos com a aquisição de outros graus académicos, por não estar em consentâneo com o espírito do artigo 1735.º do Código Civil.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A contra o recorrido B, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo beneficia.
Registe e notifique.
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RAEM, 11 de Julho de 2019
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Recurso Cível 282/2019 Página 11